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CENTRO UNIVERSITÁRIO DE JOÃO PESSOA – UNIPÊ

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS


CURSO DE DIREITO

THIAGO ANTÔNIO SANTOS CAVALCANTI

CRISE NO SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO

JOÃO PESSOA/PB
2009.2
1

THIAGO ANTÔNIO SANTOS CAVALCANTI

CRISE NO SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO

Monografia apresentada à Banca


Examinadora do Departamento de
Ciências Jurídicas do Centro Universitário
de João Pessoa – UNIPÊ, como exigência
parcial para obtenção do grau de Bacharel
em Direito

Orientador: Profº Esp. Antônio Hortêncio


Rocha Neto

Área: Direito Penal

JOÃO PESSOA/PB
2009.2
2

C376c Cavalcanti, Thiago Antônio Santos.


Crise do Sistema Prisional Brasileiro / Thiago Antônio
Santos Cavalcanti – João Pessoa 2009.
183f.

Monografia (Curso de Ciências Jurídicas) –


Centro Universitário de João Pessoa - UNIPÊ

1. Sistema Penitenciário. 2. Crise.


I. Título.

UNIPÊ / BC CDU – 343.2


3

THIAGO ANTÔNIO SANTOS CAVALCANTI

CRISE NO SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO

BANCA EXAMINADORA

_________________________________
Prof. Esp. Antônio Hortêncio Rocha Neto

_________________________________
Membro da Banca Examinadora

_________________________________
Membro da Banca Examinadora

JOÃO PESSOA/PB
2009.2
4

Dedico este trabalho aos meus


pais, exemplo de perseverança,
luta e humildade, sempre presentes
em minha vida me apoiando e me
incentivando a seguir adiante com
inteligência, disciplina, trilhando um
caminho de sucessos e
realizações.
5

AGRADECIMENTOS

Primeiramente a Deus, pela oportunidade de estar vivo e poder compartilhar com as


pessoas queridas a alegria de cada momento importante na minha vida;

A meus pais, espelhos de vida, por terem me ensinado a lutar pelos meus ideais,
com sinceridade e, acima de tudo, honestidade;

A meus irmãos, que me apóiam em todas as etapas da minha vida;

A toda a minha família, por acreditar em mim, me apoiando e me dando forças em


todos os momentos da minha vida.

A todos os colegas de faculdade que durante os últimos cinco anos dividiram comigo
a tensão e as preocupações, típicos de um curso universitário.

Ao professor Antônio Hortêncio, pela imensa contribuição em meus estudos, pela


orientação e principalmente pela paciência de conduzir todo o desenvolvimento
dessa Monografia.

Enfim, a todos àqueles que de uma forma ou de outra, até mesmo


inconscientemente, contribuíram para a conclusão de mais uma etapa em minha
vida.
6

"Não conheço satisfação maior


para o espírito do que ver triunfar a
verdade científica." (Rui Barbosa)
7

RESUMO

CAVALCANTI, Thiago Antônio Santos. Crise no Sistema Prisional Brasileiro.


2009.2. xp. Monografia (Curso de Bacharelado em Ciências Jurídicas), Centro
Universitário de João Pessoa – UNIPÊ, João Pessoa

O presente trabalho busca respostas e soluções para a crise do sistema


penitenciário brasileiro bem como sua capacidade em proporcionar a recuperação
do detendo, fazendo um histórico da pena privativa de liberdade no mundo e seu
surgimento no ordenamento jurídico pátrio. Posteriormente, analisa a aplicação da
pena privativa de liberdade nos dias atuais com os benefícios legais a eles inerentes
como, por exemplo, o livramento condicional e a suspensão condicional da pena.
Mais adiante é feita uma abordagem dos sistemas penitenciários já existentes no
mundo, mostrando suas falhas e suas contribuições para o desenvolvimento do
sistema penitenciário atual. Mediante esse estudo, verificamos que a estrutura
carcerária contemporânea apesar de seu desenvolvimento ao longo dos tempos,
não alcançou ainda o modelo ideal que coloque em prática seus princípios
fundamentais, dentre eles, o de ressocialização do condenado. Buscamos também
analisar medidas alternativas implementadas por organismos não governamentais
que amenizam pelo menos em parte os efeitos da crise do sistema penitenciário
atual. Uma avaliação crítica da lei de execuções penais e suas contradições com a
realidade, também constitui um elemento abordado no respectivo trabalho
monográfico. A crise que o sistema penitenciário brasileiro sofre, nos dias atuais, já
pode ser classificado como de extrema gravidade, e para piorar ainda mais, as
perspectivas de uma reforma completa em sua estrutura esta cada vez mais ausente
na agenda política do Brasil. Somente estudos como esse podem alcançar o modelo
ideal e moderno para alcançarmos definitivamente a evolução no sistema
penitenciário brasileiro.

Palavras-Chaves; Reeducação Carcerária, Preso, Falência, Direito Penal


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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO....................................................................................................... 10

CAPÍTULO I
BREVE HISTÓRICO DA PENA DE PRISÃO........................................................ 15

1.1 Considerações Iniciais.................................................................................. 16


1.2 A Antiguidade................................................................................................. 17
1.3 A Idade Média................................................................................................. 19
1.4 A Idade Moderna............................................................................................ 21
1.5 A Pena de Prisão no Brasil........................................................................... 24

CAPÍTULO II
APLICABILIDADE E EFICÁCIA DA PENA.......................................................... 26

2.1 A Pena Privativa de Liberdade..................................................................... 27


2.2 O Livramento Condicional............................................................................ 32
2.3 Suspensão Condicional da Pena................................................................. 34

CAPÍTULO III
SISTEMAS PENITENCIÁRIOS............................................................................. 39

3.1 Sistema Pensilvânico ou Celular.................................................................. 40


3.2 Sistema Auburniano...................................................................................... 43
3.3 Sistemas Progressivos.................................................................................. 46

CAPITULO IV
CRISE DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE................................................... 50

4.1 Elevados Índices de Reincidência................................................................ 51


4.2 Efeitos Sociológicos Ocasionados pela Prisão.......................................... 55
4.2.1 O Problema Sexual nas Prisões............................................................. 57
4.3 Lei das Execuções Penais............................................................................ 59
9

CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................. 64

REFERÊNCIAS..................................................................................................... 67
10

INTRODUÇÃO

O presente trabalho monográfico trata da crise no Sistema Penitenciário


brasileiro.
No Brasil atual, enquanto a violência aumenta a cada ano, segundo informa
dados e estatísticas, apresentadas por órgãos oficiais de segurança pública, os
presídios brasileiros, sem exceção, estão cada vez menos preparados para receber
os protagonistas da criminalidade brasileira, bem como não conseguem cumprir a
sua função mais importante, qual seja, a reintegração social dos criminosos e evitar
a reincidência. As prisões do hoje não passam de um grande aglomerado de
delinqüentes que não exercem nenhuma utilidade que contribuam para sua
recuperação. Muito pelo contrário, os estabelecimentos prisionais de todo o país são
definidos pela sociedade, especialmente pelos estudiosos como sendo
“universidades do crime”, por exercerem uma atividade exatamente oposta à sua
finalidade primordial.
Ante a sua falência inevitável, o sistema penitenciário brasileiro acaba
aproximando os condenados, ainda mais, da criminalidade e geralmente tornam-se
ainda mais perigosos e decididos a ganhar a vida transgredindo, em pleno
sentimento de impunidade.
Tal fato se torna ainda mais grave devido à falta de políticas públicas a serem
implementadas no setor da segurança pública. A carência de um amplo projeto de
reestruturação do sistema, adequando-o a realidade social a aos novos crimes,
praticados atualmente por meio de quadrilhas bem articuladas incrivelmente bem
armadas que desafiam o Estado e a ordem jurídica sem nenhum pudor ou cautela.
Assim sendo, este trabalho traz uma abordagem geral sobre a pena privativa
de liberdade, desde os seus primeiros registros na antiguidade, até os dias atuais,
bem como, a aplicação de projetos paralelos de iniciativa de organismos
filantrópicos, ante a inércia do Estado, que visam diminuir os efeitos negativos que a
crise do sistema penitenciário produz na sociedade atualmente.
Durante seus primórdios, os condenados eram enclausurados em castelos,
ruínas e outros prédios abandonados, sem nenhuma estrutura adequada ou salubre,
os detentos eram simplesmente abandonados nesses locais sem nenhuma condição
adequada de sobrevivência, bem como, sem o mínimo de higiene.
11

Infelizmente, essas falhas principiantes permanecem vivas no sistema


penitenciário atual, não somente no Brasil, mas em quase todo o mundo. Hoje, os
presos são submetidos à superlotação nas celas, à ausência de condições mínimas
de sobrevivência e higiene e ainda acaba se submetendo a humilhações de toda
ordem.
Verifica-se também nos dias de hoje, a péssima qualidade de gestão nas
administrações penitenciárias que nada fazem para impedir a entrada do crime
organizado e do tráfico de entorpecentes para além dos muros dos presídios. De
dentro desses estabelecimentos, os “comandantes do tráfico” podem dirigir seus
negócios em qualquer parte do país de dentro de suas celas, ordenando inclusive
assassinatos e atentados terroristas.
Portanto, a falência é generalizada, existem falhas no sistema de prevenção e
repressão ao crime, bem como, no sistema de punição e recuperação do criminoso
que infelizmente não funciona na maioria dos casos. O Estado, ou por ineficiência ou
por má vontade política, não consegue evitar o aumento da criminalidade, fato que
preocupa a sociedade que por sua vez, clama aos governos por uma segurança
concreta real e efetiva.
Porém cansada de esperar por alguma atitude do Estado, alguns grupos da
sociedade civil organizada, desenvolvem atividades baseadas em programas
educacionais de vários níveis desde a alfabetização até cursos de nível superior,
pois reside na educação a receita para retirar o sistema penitenciário de sua
ineficiência contemporânea e direcioná-lo no caminho da reconstituição dos
apenados.
Quanto a Natureza da Vertente Metodológica o trabalho in casu terá como
base uma abordagem qualitativa.
Após uma profunda pesquisa, concluímos que a abordagem qualitativa
destina-se a descrever de maneira pormenorizada, detalhada, o que vários autores
descrevem sobre o assunto, e através disso estabelecer uma série de correlações,
para ao final estabelecer um ponto de vista próprio.
Esse método tornou-se o mais adequado para a referida pesquisa
monográfica, porque tal trabalho busca realizar uma análise crítica da vida no
cárcere, os seus critérios negativos e através dessa avaliação desenvolver
possibilidades de reestruturação do sistema, adequando-o as suas principais
finalidades dentre elas a ressocialização do condenado.
12

Quanto ao Método de Abordagem, utilizaremos no presente trabalho científico


o Método Dedutivo.
Segundo o filósofo Descartes(2008, p. 10); “O método dedutivo é um método
lógico que pressupõe que existam verdades gerais já afirmadas e que sirvam de
base (premissas) para se chegar através dele a conhecimentos novos.” . A dedução
é o caminho das conseqüências, pois uma cadeia de raciocínios em conexão
descendente, ou seja, do geral para o particular, leva à conclusão. Segundo esse
método, partindo-se de teorias e leis gerais, pode-se chegar à determinação ou
previsão de fenômeno ou fatos particulares.
Já que escolhemos como base de estudo a crise do sistema penitenciário
brasileiro, buscaremos encontrar maneiras que contribuam para a evolução desse
sistema, encontrando medidas eficazes e concretas para afastar definitivamente a
falência eminente desse sistema tão importante para a efetividade do ordenamento
jurídico-penal, sempre com o objetivo de se alcançar efeitos mais céleres, seguros e
vantajosos da pena privativa de liberdade, assim como preceitua o Direito Penal
Brasileiro e a Lei de Execuções Penais.
Quanto ao método jurídico de interpretação, este estudo fará uso do
sociológico, OLIVEIRA (2002, p. 34) afirma que “o método sociológico parte do
conceito de que o direito é um fenômeno cultural que se desenvolve no espaço e no
tempo”. A partir do momento em que há a presença da interdisciplinaridade no
trabalho desenvolvido, porque a questão da segurança pública está relacionada não
só ao direito penal e processual penal como também à filosofia e sociologia. Essa
conexão de interesses afeta, tanto o Direito como estudo quanto reflete na
sociedade e na situação instável em que se encontra a pena privativa de liberdade
no Brasil bem como seu respectivo sistema punitivo.
Quanto a classificação da pesquisa com relação ao objeto geral, iremos nos
guiar pelo método de pesquisa explicativa.
No que concerne à classificação da pesquisa com relação ao objetivo geral,
teremos uma pesquisa explicativa, GIL (2002, p. 42) revela que “tal pesquisa tem
como preocupação principal identificar os fatores que determinam ou que ajudam
para o acontecimento dos fenômenos.” Esse tipo de pesquisa é o que mais detalha
o conhecimento da realidade, porque explica a razão, o porquê das coisas. Assim
sendo, em nosso trabalho científico vamos buscar a todo o momento, uma relação
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entre conceitos doutrinários com a realidade do cotidiano em nossas penitenciárias e


a efetivação dos seus princípios de forma a se alcançar um sistema célere e eficaz.
Em relação a classificação da pesquisa com relação ao procedimento técnico,
iremos utilizar o método de pesquisa bibliográfica.
A pesquisa bibliográfica é elaborada a partir de material já publicado,
constituído principalmente de livros, artigos de periódicos e atualmente com material
disponibilizado na internet. Com nossa pesquisa iremos buscar informações já
existentes, em estudos sobre a importância e indispensável aplicação correta das
finalidades da pena privativa de liberdade bem como na busca de uma estrutura
carcerária eficiente.
Já com relação à Técnica de Pesquisa iremos utilizar a técnica de
documentação na sua forma indireta.
Segundo LAKATOS (1988, p. 56), “essa pesquisa refere-se à fase em que se
busca a colheita de informações prévias sobre o campo de interesse” . Desta forma
podemos promover uma reunião para a realização do estudo e esse material será
decorrente de consultas em livros, jornais, revistas e documentos, porém podem não
ter contato direto com o tema em estudo, além de podermos também, utilizarmos à
internet.
Toda metodologia adotada facilitou a composição do presente trabalho
monográfico, que apresenta a seguinte composição: No primeiro capítulo
abordaremos a evolução da pena de prisão desde a antiguidade até a idade
moderna, bem como a forma que foi adotada no Brasil, mostrando a experiência
mal-sucedida de outras formas de punição ao longo e história, e que a pena privativa
de liberdade, apesar de suas falhas e defeitos, tornou-se a forma mais eficaz e a
menos desumana dentro do jus puniendi estatal.
No capítulo posterior será feita uma abordagem sobre a pena privativa de
liberdade segundo o ordenamento jurídico pátrio, suas divisões pelo sistema de
regimes, fechado, semi-aberto e aberto coma suas exigência para o avanço do
condenado nessa progressão, bem como, seus respectivos benefícios legais que le
são inerentes, como, por exemplo, o livramento condicional e a suspensão
condicional da pena.
No terceiro capítulo será feita uma análise histórica dos sistemas
penitenciários já existentes durante toda a história, abordando a falha de cada um
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deles, mas mencionando também as contribuições desses sistemas para o


aprimoramento da estrutura penitenciária contemporânea.
Já no quarto e último capítulo, é avaliado os principais efeitos da crise atual
do sistema penitenciário brasileiro, e conseqüentemente da pena privativa de
liberdade, como por exemplo, os elevados índices de reincidência, os efeitos
sociológicos ocasionados pela prisão, entre outros fatores. Buscamos também
analisar medidas alternativas implementadas por organismos não governamentais
que amenizam pelo menos em parte os efeitos da crise do sistema penitenciário
atual. Uma avaliação crítica da lei de execuções penais e suas contradições com a
realidade, também constitui um elemento abordado no respectivo trabalho
monográfico. A crise que o sistema penitenciário brasileiro sofre, nos dias atuais, já
pode ser classificado como de extrema gravidade, e para piorar ainda mais, as
perspectivas de uma reforma completa em sua estrutura esta cada vez mais ausente
na agenda política do Brasil. Somente estudos como esse podem alcançar o modelo
ideal e moderno para alcançarmos definitivamente a evolução do sistema
penitenciário brasileiro.
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CAPÍTULO I
BREVE HISTÓRICO DA PENA DE PRISÃO
16

1.1 Considerações Iniciais

Um Mal Necessário! Assim é a concepção atual da pena de prisão, no sentido


de que apesar de ser uma exigência desagradável, tornou-se ela com a evolução dos
tempos, cada vez mais indispensável a garantia da ordem pública e do cumprimento
integral do Ordenamento Jurídico. O Projeto Alternativo Alemão já se orientava nesse
sentido ao dizer que “a prisão é uma amarga necessidade para uma comunidade
formada por seres imperfeitos como o ser humano.”(ALEMÃO, 1966). A Função da
pena, e conseqüentemente da prisão, confunde-se com a própria finalidade da justiça,
visto que esta existe para solucionar os conflitos frutos das divergências de interesses
dos seres humanos. Ao longo da história da pena de prisão a busca foi não de sua
progressiva abolição, mas de sua reforma, sempre deixando-a nivelada com a
evolução social, bem como com a dinamização das condutas humanas. Muitas são as
críticas dirigidas ao sistema carcerário, portanto deve-se a partir delas dar início a sua
reformulação baseada, segundo o Jurista Cezar R. Bitencourt (2001. p02), nos
princípios da humanização e liberalização interior, sempre como via permanente para
sua reforma.
As várias tentativas de evolução e atualização desse sistema, deixa evidente o
descrédito e a falta de esperança depositadas na pena de prisão como forma de
controle social. Ao longo de sua existência, verificou-se sua incapacidade de garantir
sua finalidade essencial, qual seja; medidas retributivas e preventivas.
Atualmente, várias são as propostas de modernização do sistema penitenciário,
entre elas a eliminação das penas de curta duração, destinando a pena de prisão
unicamente para os delinqüentes efetivamente perigosos e de difícil reabilitação,
prevalecendo portanto, o conceito de pena necessária de Von Liszt.
Segundo Giuseppe Bettiol (1967, p 129):

Se é verdade que o Direito Penal começa onde o terror termina, é igualmente


verdade que o reino do terror não é apenas aquele em que falta uma lei e
impera o arbítrio, mas é também aquele onde a lei ultrapassa os limites da
proporção, na intenção de deter as mãos dos delinqüentes.

Portanto, o problema da pena de prisão reside não só na falta de um


ordenamento adequado, mas também quando este ultrapassa o princípio da
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proporcionalidade, tendo como justificativa o combate intransigente da criminalidade.


Vários são os juristas que afirmam que “o problema da prisão é a própria prisão”,
sendo ela em qualquer lugar do planeta aviltante e desmoralizadora, denegrindo e
embrutecendo o apenado.
Segundo a senhora Conceição Gomes (In: DGPJ, 2009), integrante da
comissão de reforma do sistema penitenciário de Portugal afirma que tal modificação
deve ser feita não só visando elementos pontuais, mas uma reforma em todo
procedimento conjuntural da administração penitenciária bem como no próprio Poder
Judiciário, bem como na articulação entre esses sistemas. Assim sendo, propõe a
jurista portuguesa, uma reforma global do sistema carcerário e conseqüentemente da
pena privativa de liberdade, dotando-os de uma filosofia de direitos, liberdades e
garantias do século XXI. É fundamental que haja lucidez e humildade na
exeqüibilidade da pena de prisão, garantindo assim sua boa prática, e visando,
sobretudo, a reinserção social.
Sabemos que grande parte dos reclusos não tem educação adequada,
formação profissional e suporte familiar. Sabemos do problema das drogas, da saúde,
e ainda de uma elevada percentagem de indivíduos com perturbações mentais. A
reinsersão social não constitui um ato isolado no espaço e no tempo. Constitui um
processo dinâmico e evolutivo. Pode começar pelo tratamento médico psicológico no
estabelecimento prisional, passar pela formação profissional e, por exemplo, desaguar
no apoio financeiro e familiar.
Porém, apesar de todas as propostas de mudança no sistema penitenciário, e
curar definitivamente a crise da pena privativa de liberdade, não se pode esquecer do
epicentro de todo esse sistema; o Homem Delinqüente, adaptando a ele os princípios
que regem a máquina estatal de punir.

1.2 A Antiguidade

Apesar de o encarceramento ser conhecido desde os tempos mais remotos, na


antiguidade se desconhecia totalmente a pena de prisão como sendo uma espécie de
sanção penal. Segundo o Jurista Bitencourt (2001, p. 04) até o final do século XVIII as
prisões eram utilizadas unicamente para “guardar” os réus até o momento de seu
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julgamento e/ou execução. Nesse período as penas criminais mais comuns eram as
de morte, mutilações, açoites e até penas infamantes. Nesse contexto histórico, a
pena tinha suas raízes fincadas no sentimento de vingança onde a conduta praticada
ilegal deveria ser punida assim como o mal praticado. Aliás, essa expressão de
conduta ilegal é inadequada para a época, visto que neste momento, a sociedade era
desprovida de uma legislação positivada que estabelecesse quais seriam as condutas
ilegítimas. Portanto, o senso do certo ou errado era medido pelo critério individual, ou
seja, aquele que discordasse de algum comportamento do próximo, se sentia no
direito de puni-lo. Segundo Magalhães Noronha (1985, p. 20), o homem primitivo era
dominado por seu instintos, e o revide a agressão sofrida deveria ser fatal pouco ser
preocupando com a proporção, muito menos com a justiça.

Vigorava na antiguidade, portanto, a chamada vingança privada exercida na


maioria das vezes sem nenhuma limitação, apoiada sempre no ódio desproporcional
contra o agressor, gerando fúria da outra parte, que rebatia os excessos. Assim,
quase sempre essa troca recíproca de agressões geravam lutas e conflitos
exacerbados e intermináveis entre grupos e famílias, gerando quase sempre seus
enfraquecimentos.
Naquela época, as regras de convivência, eram baseadas nos costumes,
hábitos e crenças e aqueles que a violassem eram punidos com as mais atrozes
penalidades. Nessa época, porém, alguns estudiosos já se referiam ao
encarceramento como sanção penal. Platão em seu livro nono de As leis, por
exemplo, fazia a distinção entre crimes extraordinários, onde os autores deveriam ser
condenados à pena de morte, e os crimes de menor gravidade, que se cumpriam em
um estabelecimento especial. Platão já definia em seus estudos dois tipos de prisão: a
prisão-pena, e a prisão-custódia, esta efetivamente utilizada na antiguidade.
Na Antiguidade, os primeiros registros em busca de um sistema proporcional de
punição nos leva ao Código de Hamurábi, datado da época de 2.300 a.c, nele se
verifica pela primeira vez uma preocupação com a forma de punição utilizada nessa
época. Apesar de ainda causar sofrimento ao homem essa lei transformou a estrutura
das punições, ganhando caráter proporcional a conduta cometida (In: Wikipédia,
2009). Sem dúvida foi o ordenamento precursor no princípio da proporcionalidade
para o Direito Contemporâneo. Foi escrito em um monumento monolítico talhado em
uma rocha com 16 colunas.
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Segundo Carrara, os Romanos foram “gigantes no Direito Civil e pigmeus no


Direito Penal” (In: FORTUNECITY, 2009), uma prova disso foi o deficiente sistema
punitivo do Direito Romano. Eles somente conheceram a prisão como custódia de
seus réus até o julgamento ou cumprimento da pena de morte ou tortura. Porém
alguns autores da época e atuais, afirmam que no Direito Romano a pena de morte
era muitas vezes convertida em pena de prisão perpétua. Existia ainda, segundo
alguns estudiosos, a prisão civil aplicada aqueles que não pagassem em dia seus
tributos ou dívidas.
De igual forma, o Direito Germânico desconheceu a prisão como sanção penal,
nesse período a pena capital e as corporais continuavam sendo as predominantes. Ou
seja, assim como em Roma e na Grécia, as prisões tinham apenas caráter de
custódia, por isso, não possuíam uma estrutura penitenciária adequada, usando para
tal finalidade, calabouços, ruínas, castelos insalubres, etc.

1.3 A Idade Média

Segundo o Professor Cezar Roberto Bitencourt, a lei penal na idade média


tinha como objetivo causar o terror coletivo, de acordo com o jurista, nessa época não
havia nenhuma preocupação com a liberdade ou à individualidade humana, portanto
ficavam a mercê dos governantes e poderosos, que, como sempre preocupavam-se
somente com os interesses individuais. A figura do réu era a que menos importava a
este pequeno grupo dominante. No encarceramento medieval, não havia uma seleção
por sexo, condições psíquicas, idade, etc, todos eram enclausurados em porões
subterrâneos sem nenhuma estrutura.
A Idade Média, sofrendo forte influência do direito germânico, não conheceu a
prisão com outro caráter senão a de guarda e/ou custódia. Não aparece ainda a pena
privativa de liberdade nesse contexto histórico.
Segundo Cezar Roberto Bitencourt: (2001, p. 09)

“As sanções criminais na Idade Média estavam submetidas ao arbítrio dos


governantes, que as impunham em função do status social que pertencia o
réu. Referidas sanções poderiam ser substituídas por prestações de metal ou
espécie, restando a pena de prisão, excepcionalmente, para aqueles casos
em que os crimes não tinham suficiente gravidade para sofrer condenação à
morte ou a penas de mutilação”.
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Portanto, nessa época, as sanções penais eram definidas levando em conta,


principalmente a condição social do réu e não a gravidade da infração por ele
cometida, ja pena de prisão tinha apenas um caráter acessório, ou seja, seria
aplicada, apenas, em crimes considerados irrelevantes ou de pequena gravidade. É
possível verificar também nesse trecho o surgimento da pena pecuniário, através do
pagamento de uma quantia em moeda ou em espécie, substituindo a pena capital ou
as mutilações.
Do decorrer da história, surgem, ainda na idade média, os primeiros registros
de prisões oficiais, quais sejam, a prisão-estado, àquelas destinadas ao inimigos e
traidores da realeza, e a prisão eclesiástica, com a finalidade de encarcerar os
clérigos rebeldes, para que refletissem e meditassem.
Foi a prisão canônica que introduziu no sistema penitenciário a idéia de
recuperação do preso, visto que, neste tipo de encarceramento, como já dito
destinado a membros da igreja onde eram enclausurados e segundo o jurista
Bitencourt: “tinham que praticar a fustigação corporal, a escuridão, o jejum e a oração
com a finalidade de alcançar o arrependimento” (2001, p.12)
Ainda segundo o aludido professor: (2001, p 12)

“De toda a Idade Média, caracterizada por um sistema punitivo desumano e


ineficaz, só poderia destacar-se a influência penitencial canônica, que deixou
como seqüela positiva o isolamento celular, o arrependimento e a correção
do delinqüente, assim como outras idéias voltadas à procura da reabilitação
do recluso”

Torna-se evidente, portanto, a forte contribuição do Direito Canônico para a


estrutura penitenciária moderna, a expressão “penitenciária” inclusive, decorre da
palavra “penitência”, ou seja remissão dos pecados na linguagem religiosa. Essa
influência ultrapassou os limites da prisão para atingir a seara do próprio Direito Penal,
pregando a interação das leis humanas com as leis divinas.
Um dos precursores do Direito Canônico, Santo Agostinho (2003, p. 76),
defendia em suas pregações e escrituras “o melhoramento do culpado e não sua
destruição.”
A Idade Média foi um dos períodos mais conturbados da história, com quedas e
ascensões sucessivas de impérios, o feudalismo entre outros acontecimentos, por
isso as leis dessa fase foram das mais severas, onde as punições, quase sempre as
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de morte mais pareciam verdadeiros espetáculos, realizadas em praça pública


inclusive com platéia formada por pessoas do povo convocadas pelo Estado para
presenciarem a punição.
A prisão canônica serviu portanto como um divisor de águas, a transição de um
sistema rude, cruel e muitas vezes injusto de punição estatal, para uma estrutura
carcerária mais humana não mais baseada no sentimento de vingança, mas em
assegurar direitos básicos aos delinqüentes inclusive o de reintegração social,
princípios estes que norteiam a pena de prisão até os dias atuais.

1.4 A Idade Moderna

A Idade Moderna é uma época de fortes mudanças, enquanto o feudalismo


agonizava as cidades cresciam e a população se aglomerava cada vez mais. Por
conta disso, com uma superpopulação no velho continente, os problemas não
demoraram a acontecer. Com problemas estruturais, de saúde pública, desigualdades
sociais, e muitos outros, o crime só aumentava nas grandes cidades européias. Com
um índice de violência proporcional a uma grande população, as penais capitais logo
se tornaram inadequadas, pois se tornou impossível se aplicar a pena de morte a
tantas pessoas.
Hans Von Hentig conta que:

Os distúrbios religiosos, as longas guerras, as destruidoras expedições


militares do século XVII, a devastação do país(...) e as crises das formas
feudais de vida e da economia agrícola haviam ocasionado um enorme
aumento da criminalidade em fins do século XVII e início do XVIII(...) Tinha
de se enfrentar verdadeiros exércitos de vagabundos e mendigos. (HENTIG
p. 213-4)

Como se observa nos dizeres de Hentig, a miséria se alastrou na Europa


durante o início da Idade Moderna, o que conseqüentemente elevou de forma
assustadora os índices de criminalidade, e com isso a pena de morte se tornava cada
vez mais desaconselhável e trilhava, portanto, para o seu desuso. Foi justamente
essa mudança repentina na estrutura social da nova Europa que causou intensas
manifestações no sentido de adotar a pena privativa de liberdade agora como forma
de punição estatal e não mais como apenas uma guarda ou custódia, forçando para
22

isso a criação de prisões bem estruturadas para acolher os milhares de


transgressores que se espalhavam pela Europa.
Com essa nova linha de pensamento, se consolida na Idade Moderna, a idéia
de ressocialização do preso, e não mais a de punição violenta na base dos suplícios e
das torturas como predominava em períodos anteriores. As primeiras prisões que
surgiram nesse período, buscavam a reforma do preso através do trabalho e da
disciplina, entendia-se naquela época que esses dois princípios eram
indiscutivelmente, os mais importantes caminhos para a recuperação do delinqüente.
Surge nesse período, em meio à toda essa crise que se alastrava pela Europa,
um movimento que pregava a igualdade entre os homens e que todos eram dotados
de bondade em seus sentimentos, porém eram corrompidos por uma sociedade
injusta e desumana, tal movimento ficou conhecido como ILUMINISMO ou ainda
Século das Luzes. O Iluminismo criticava severamente a igreja e os grandes senhores
de terra e pregavam a desestatização da economia.
O pensador Immanuel Kant foi quem melhor definiu o iluminismo: (In.
WIKIPÉDIA, 2009)

O Iluminismo representa a saída dos seres humanos de uma tutelagem que


estes mesmos se impuseram a si. Tutelados são aqueles que se encontram
incapazes de fazer uso da própria razão independentemente da direção de
outrem. É-se culpado da própria tutelagem quando esta resulta não de uma
deficiência do entendimento mas da falta de resolução e coragem para se
fazer uso do entendimento independentemente da direção de outrem. Sapere
aude! Tem coragem para fazer uso da tua própria razão! - esse é o lema do
Iluminismo.

Através desse trecho, é possível percebermos bem o verdadeiro ideal do


Iluminismo, qual seja, de buscar o progresso da humanidade e o fim definitivo da
tirania através do da evolução racional do homem, devendo este desenvolver seu
intelecto, buscar o conhecimento racional, para superar os preconceitos e as
ideologias tradicionais.
O movimento iluminista também influenciou a área jurídica, mais notadamente
nas legislações punitivas da época com forte contribuição de dois grandes juristas e
pensadores: Cesare Beccaria e John Howard. Ambos tinham uma grande
preocupação e combater as torturas, os suplícios e os excessos praticados pelo
Direito de Punir. Segundo eles, as sanções penais deveriam contribuir com a
formação intelectual do condenado e não simplesmente retribuir o mal praticado. Em
sua época Beccaria denunciou uma série de irregularidades em seu tempo como, por
23

exemplo, os julgamentos secretos, o confisco de bens do condenado, a tortura para a


obtenção de provas e confissões entre outros atos classificados por ele como
desumano
Segundo Beccaria (In: PENSADOR, 2009):

Um dos maiores travões aos delitos não é a crueldade das penas, mas a
sua infalibilidade (...) A certeza de um castigo, mesmo moderado, causará
sempre impressão mais intensa que o temor de outro mais severo, aliado à
esperança de impunidade

Diz ainda o aludido pensador que “A finalidade das penas não é atormentar e
afligir um ser sensível (...) O seu fim (...) é apenas impedir que o réu cause novos
danos aos seus concidadãos e dissuadir os outros de fazer o mesmo” (In:
PENSADOR, 2009).
Ou seja, segundo ele a pena deve ter uma finalidade educativa, no sentido de
reformular o condenado, bem como servir de exemplo para que outros indivíduos não
delinqüem tendo também, portanto um caráter preventivo.
John Howard por sua vez, era um intenso religioso e muito ligado aos princípios
humanitários, condenava veementemente as condições deploráveis que se
encontravam as prisões da Inglaterra, e estando-as em tais condições era impossível
cumprir com seus objetivos ressocializadores e reabilitadores do condenado. Pregava
que o sofrimento não podia ser característica básica da pena privativa de liberdade.
Para a pena de prisão, Howard defendia o isolamento do condenado, sobretudo o
isolamento noturno para favorecer a reflexão e o conseqüente arrependimento do
condenado.
Na época de Howard, os condenados tinham que assumir os encargos do
direito de carceragem, “que consistia em uma importância que os presos tinham que
pagar à título de aluguel aos donos dos locais onde eram encarcerados”. Howard
lutou veementemente pela extinção dessa dívida, até que finalmente o parlamento
inglês aprovou uma lei que atribuiu o referido direito ao encargo do Estado. Essa
mudança marcou a influência do filosofo nas reformas legislativas referente ao
sistema penitenciário de seu país.
No decorrer da Idade Moderna, a pena de prisão sofreu uma crescente
evolução, não no velho continente, mas no lado pacífico da terra. Os Estados Unidos
aperfeiçoou o sistema panótico, o centro penitenciário ideal criado por Jeremy
24

Bentham, escritor que desenvolveu teses que influenciam o sistema penitenciário até
os dias de hoje. Assim como na Costa Rica onde foi construída a mais importante
prisão, a Penitenciária Central da início do século XX. O sistema panótico consistia
em uma construção redonda com celas individuais, todas voltadas para uma área
central comum onde se encontrava a sala de direção e a torre de vigilância, sendo
assim a fiscalização se tornava muito mais fácil fiscalizar todos os presos ao mesmo
tempo bem como de puni-los de forma individual.

1.5 A Pena de Prisão no Brasil

A primeira prisão brasileira estava prevista na Carta Régia do Brasil e foi


construída no Rio de Janeiro no ano de 1769, a chamada Casa de Correção do Rio de
Janeiro. Porém, nessa prisão os condenados eram colocados juntos sem nenhuma
classificação. Somente após a Constituição de 1824 os réu passaram a ser separados
por tipos de crime e pelas penas cometidas alem disso, essas prisões passaram ser
adaptadas para o desenvolvimento de atividades educacionais e trabalhos pelos
presos, além disso foi esta Constituição que aboliu definitivamente as torturas. A
superlotação, problema que atinge quase todas as prisões brasileiras de hoje, já
existe desde o século XIV, quando a cadeia da relação também no Rio de Janeiro
passou a ter mais presos do que vagas disponíveis.
Ó Código de 1890 previa as prisões agrícolas onde os presos com bom
comportamento deveriam ser encaminhados. Somente o Código Penitenciário da
República de 1935 referiu-se, pela primeira vez na regeneração do preso. Na época
do Brasil-Colônia as penas aqui praticadas sofriam forte influência do Direito Europeu
que por sua vez passava pelo ápice do Direito Canônica, por isso aqui no Brasil as
penas confundiam-se com o pecado, como por exemplo, a heresia, a bruxaria e tantos
outros, somente com o Código Criminal do Império, foi adotada aqui no Brasil a pena
Privativa de liberdade, mesmo assim, a pena de morte ainda não havia sido
descartada do ordenamento jurídico pátrio, aplicava-se principalmente nos casos de
homicídio e latrocínio, ainda assim, com esse código houve uma grande redução no
índice das penas capitais, pois ela deixou de ter prevalência no âmbito criminal.
A pena de morte foi abolida de nosso regime jurídico com o Código
Republicano de 1890 que ampliou as penas privativas de liberdade estabelecendo
25

como tempo máximo de seu cumprimento o período de 30 anos, regra que permanece
até hoje.
O atual Código Penal de 1940 manteve essa regra dos trinta anos como pena
máxima, e criou dois tipos de pena privativa de liberdade: Reclusão para os crimes
mais graves e Detenção destinada aos delitos que não excederem a uma condenação
de 7 anos.
As reformas posteriores, como a de 1977 tem como base para suas alterações
o grave problema da superpopulação carcerária, essa deficiência é uma preocupação
do legislador bem como de todos os doutrinadores do ramo, sem dúvida é símbolo do
sistema penitenciário brasileiro nos dias de hoje.
26

CAPÍTULO II
A APLICABILIDADE E EFICÁCIA DA PENA
27

2.1 Pena Privativa de Liberdade

Pelos ensinamentos do Ilustre Professor Damásio de Jesus, “Pena é a sanção


aflitiva imposta pelo Estado ao autor de uma infração (penal), como retribuição de seu
ato ilícito, consistente na diminuição de um bem jurídico, é cujo fim é evitar novos
delitos” (JESUS, 2005, p. 519).
A definição acima transcrita, fornece ao leitor todas as características e
finalidades da pena na legislação contemporânea. A pena, em primeiro lugar,
constitui uma punição àqueles que praticam condutas definidas pelo ordenamento
jurídico como ilegais ou ilícitos. Somente ao Estado, mediante seu uso privativo do
“ius puniendi” , cabe a aplicação da sanção penal os infratores, sempre mediante o
Devido Processo Legal assegurando a estes a ampla defesa o contraditório e a
imparcialidade da persecução, somente assim a pena terá sua legitimidade
constitucional garantida.
Como já dito anteriormente, somente aos que praticam atos ilícitos aplicar-se-á
uma sanção penal, como retribuição do mal cometido, e essa constitui uma
característica da pena, qual seja, a de devolver a ameaça cometida ao autor da
infração penal, na forma de diminuição de um bem jurídico, como por exemplo a
restrição da liberdade do infrator bem como de alguns outros direitos, até mesmo de
valor pecuniário.
Sua principal finalidade, porém, é a de prevenção, ou seja, evitar
antecipadamente a prática de delitos penais por membros da sociedade. A Prevenção
poderá de geral ou especial. A primeira visa intimidar a todos os cidadãos
indistintamente, pois, como destinatários da norma penal devem obediência a ela e
caso transgridam-na, saberão que serão punidos pelo sistema jurisdicional do Estado,
busca portando evitar que os cidadãos cometam crimes. Já a prevenção especial
atinge o infrator, ou seja, a transgressão à norma já ocorreu em sua plenitude
cabendo agora ao Estado retirar o infrator do meio social para impedindo-o de
delinqüir novamente, bem como, procurando recuperá-lo.
Com tais características e finalidades atribuídas a pena pela reforma penal de
1984, podemos definí-la como sendo de natureza mista, retributiva e preventiva.
Vejamos o que diz o artigo 59, caput do Código Penal: (In: PLANALTO, 2009)
28

Art. 59 - O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta


social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e
conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima,
estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e
prevenção do crime: (Redação dada pela Lei 7209, de 11.7.1984)

Assim sendo, para a fixação da pena o Juiz levará em conta dentre outros
fatores, a conduta social, a personalidade do agente bem como o comportamento da
vítima.
Dentre as várias classificações que a pena recebe do ponto de vista
constitucional, penal ou doutrinário, a mais importante delas, e a mais comum delas é
a pena de liberdade. Como seu nome já diz, essa espécie de sanção penal é imposta
ao delinqüente mediante a privação de sua liberdade. Na Constituição Federal, a pena
privativa de liberdade, esta prevista no artigo 5ª , XLVI, a) (In: PLANALTO 2009), In
Verbis:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer


natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no
País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...)
XLVI - a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras,
as seguintes:
a) privação ou restrição da liberdade;
(...)

Já no Código Penal pátrio, a pena privativa de liberdade vem prevista e


disciplinada em seu artigo 33 caput e parágrafos, de onde se estabelece dois tipos
de pena privativa, quais sejam; Reclusão e Detenção. A primeira poderá ser
cumprida nos regime fechado, semi-aberto e aberto. A segunda, por sua vez ,
efetivar-se-á em regime semi-aberto ou aberto. Vejamos o que diz o citado
dispositivo:
Segundo o Ilustre Jurista e Professor Damásio de Jesus, a reclusão e a
detenção se diferenciam não só quanto a espécie de regime, mas também em
relação ao estabelecimento prisional onde ambas serão executadas, podendo ser de
segurança máxima, média ou mínima. (JESUS, 2005, p. 523/524).
Para a aplicação dessas espécies de pena privativa de liberdade e seus
respectivos regimes será levado em conta, conforme já vimos no artigo 59 do Código
Penal, dentre outras circunstâncias a gravidade do delito cometido. Segundo a Lei
de Execução Penal, se preenchidos os requisitos objetivos e subjetivos por ela
29

previstos, o condenado poderá progredir de um sistema para outro, da seguinte


forma, do fechado para o semi-aberto, e deste para o aberto, e por fim, poderá ser
concedido ao condenado também mediante requisitos legais, o livramento
condicional.
Portanto uma característica importante da pena privativa de liberdade é a sua
execução progressiva, ou seja, atendendo os requisitos legais, ela passará de um
regime para o outro.
No Regime Fechado, conforme o parágrafo 1ª do artigo 33 do código penal
acima transcrito, seu cumprimento se dará em estabelecimento prisional de
segurança máxima ou média. Esses estabelecimentos chamados cotidianamente de
penitenciárias são definidas pelo artigo 87 da Lei de Execuções Penais, que prevê
ainda em seu parágrafo único a possibilidade da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Territórios criarem penitenciárias destinadas aos presos provisórios
bem como aos condenados que estejam submetidos ao chamado Regime Disciplinar
Diferenciado (RDD) (In PLANALTO, 2009).

Art. 87. A penitenciária destina-se ao condenado à pena de reclusão,


em regime fechado.
Parágrafo único. A União Federal, os Estados, o Distrito Federal e
os Territórios poderão construir Penitenciárias destinadas,
exclusivamente, aos presos provisórios e condenados que estejam em
regime fechado, sujeitos ao regime disciplinar diferenciado, nos termos
do art. 52 desta Lei. (Incluído pela Lei nº 10.792, de 1º.12.2003).

Serão submetidos a esse regime, os condenados que tenham recebido


privação de liberdade superior a oito anos, bem como aqueles considerados de
difícil recuperação. Com o objetivo de garantir uma convivência e integração social
harmônica entre os detentos, não existe o isolamento total nas penitenciárias, o
cotidiano nesses estabelecimentos é alternado entre o trabalho coletivo no período
diurno, levando-se em conta para tanto as habilidades e aptidões dos condenados, e
o repouso no período noturno.
O artigo 88 da já referida lei de execuções penais estabelece a disposição
das respectivas unidades de isolamento que deverão contar, dentre outras
características, com um dormitório, um aparelho sanitário e um lavatório, bem como,
ambiente salubre adequado a existência humana, e área mínima de seis metros
quadrados. Essa regra, efetivamente, não vem sendo seguida nos dias atuais, até
porque muitas prisões brasileiras são anteriores a referida legislação.
30

É admissível ainda o trabalho externo em serviços e obras públicas em


qualquer das administrações de qualquer dos poderes desde que tomadas as
providências necessárias contra fuga e em favor da disciplina.
Já o Regime Semi-Aberto destina-se aos detentos primários, condenados a
penas de quatro a oito anos. Ficará o condenado sujeito a trabalhos coletivos em
colônia agrícola, industrial ou estabelecimento similar.
Diferentemente do regime fechado, no semi-aberto as unidades de isolamento
poderão ser coletivas sempre buscando, porém, uma seleção adequada dos
detentos, bem como, a determinação de um limite máximo para o agrupamento
desses presos. Nas áreas de circulação os presos devem gozar de relativa
liberdade, com vigilância discreta incentivando assim o senso de responsabilidade
do preso.
Nesse caso também é admissível o trabalho externo, e ainda freqüentar
cursos supletivos ou profissionalizantes de segundo grau ou superior.
O Regime Aberto, o mais brando de todos, deve ser fundado na autodisciplina
e no senso de responsabilidade do condenado, é o que diz o caput do artigo 36 do
Código Penal (In PLANALTO, 2009). Nesse regime, o condenado deve, fora do
estabelecimento prisional, freqüentar cursos ou exercer outra atividade autorizada,
retornando a unidade prisional no período noturno bem como nos dias de folga. O
regime aberto poderá ser cumprido como a última etapa da pena privativa de
liberdade, ou ainda como única fase, caso a pena seja igual ou inferior a quatro
anos. Esse regime é destinado ao condenado que não apresenta ameaça à
segurança e à ordem pública, bem como àqueles que buscam sua recuperação
social. O repouso noturno será cumprido em casa de albergado ou estabelecimento
similar, com dormitórios para os presos, espaços para realização de cursos e
palestras, serviços de orientação aos condenados além de outros benefícios. A casa
de albergado deve localizar-se nos centros urbanos,
O Regime Especial, destinado às mulheres está previsto no artigo 37 do
Código Penal observando sempre o disposto nos artigos 33 a 36 e 38 a 42 do
mesmo Código. As mulheres devem cumprir pena em estabelecimento prisional
específico. O Código Penal afirma (In: PLANALTO, 2009), In Verbis:

Art. 37 - As mulheres cumprem pena em estabelecimento próprio,


observando-se os deveres e direitos inerentes à sua condição pessoal,
31

bem como, no que couber, o disposto neste Capítulo. (Redação dada


pela Lei 7209, de 11.7.1984)

O condenado, enquanto privado de sua liberdade, mantém todos os direitos


não atingidos por esta, onde todas as autoridades devem o respeito à sua
integridade física e moral, é o que diz o artigo 38 do já referenciado Código Penal.
Além disso, o trabalho que deve ser prestado pelo preso no estabelecimento
penitenciário ou fora dele deve ser remunerado inclusive garantindo-lhes os
benefícios da previdência social.
Outro importante instituto vinculado a pena privativa de liberdade é o da
detração penal que pelo Dicionário Aurélio a origem da palavra detrair significa
“abater o crédito de”. Segundo o professor Jorge Cândido S. C. Viana(In:
JURISWAY, 2009), “Detração de pena é a computação de determinado tempo
cumprido em custódia cautelar, ou mesmo quando condenado, tendo cumprido
determinado tempo, venha a ser absolvido em superior instância. Esse tempo
cumprido, computa-se em outra eventual condenação” (acréscimo nosso).
Vejamos o que diz também o renomado professor Damásio de Jesus (2005,
526):

Detração é o cômputo na pena privativa de liberdade e na medida de


segurança do tempo de prisão provisória ou administrativa e o de
internação em hospital ou manicômio.

Portanto, caso o condenado, durante a persecução criminal houver sido preso


provisoriamente, esse período será descontado da pena privativa de liberdade, caso
haja condenação nesse sentido. Na hipótese de condenado na primeira instância e
absolvido na instância superior, o período da pena cumprido durante a tramitação da
respectiva apelação será, de igual forma, descontado em outra condenação caso
exista.
Entende-se como prisão provisória à prisão em flagrante, à preventiva, à
prisão determinada por sentença de pronúncia e à prisão temporária. O requisito
fundamental para a aplicação da referida detração penal, é o nexo de causalidade
entre a prisão provisória e a pena privativa de liberdade. É possível também a
detração penal nas hipóteses de medidas de segurança.
32

2.2 O Livramento Condicional

Sobre livramento condicional o professor Julio Fabbrini Mirabete explica (1993,


p.234):

É a última etapa da pena privativa de liberdade, o seu tempo de duração


corresponde ao restante da pena ou das penas que está ou estão sendo
executadas, ficando elas extintas quando decorrido esse prazo ou sua
eventual prorrogação, sem que ocorra caso de revogação.

Como a pena privativa de liberdade no sistema penal brasileiro é progressiva, o


livramento condicional constitui sua última etapa, o condenado chega a esse benefício
depois de passar pelos regimes fechado, semi-aberto e aberto, atendendo para tanto,
uma série de requisitos exigidos no artigo 83 do Código Penal. Segundo a artigo 130
da Lei de Execuções Penais, o próprio Juiz da execução poderá conceder o
livramento,, ouvidos o Ministério Público e o Conselho Penitenciário. O livramento
Condicional não significa a extinção da pena, nem sua substituição, mas a mudança
na forma de executá-la, teve o legislador com o livramento condicional, o objetivo de
criar uma forma de incentivar o estímulo à reintegração social por parte do
condenado, portanto o livramento condicional constitui uma transição entre o cárcere
e a liberdade. Vejamos o que diz o eminente penalista Juarez Cirino dos Santos
(1985, p. 258) sobre a finalidade do Livramento Condicional:

A liberdade condicional constitui a fase final desinstitucionalizada de


execução da pena privativa de liberdade, com o objetivo de reduzir os
malefícios da prisão e facilitar a reinserção social do condenado (...)

Quanto à natureza jurídica do livramento condicional várias foram as correntes


de entendimento que surgiram ao longo dos anos. Durante muito tempo tal benefício
era concedido com vistas a diminuir a superpopulação carcerária. O livramento
condicional também já teve o seu período em que era concedido como um favor ou
benevolência aos condenados em forma de uma gratificação pelo seu bom
comportamento.
Atualmente esses conceitos sofreram profundas modificações, o entendimento
de que o livramento condicional constitui um direito do apenado começou a surgir na
década de trinta, porém não tal concepção aceita de imediato pela doutrina e até os
dias de hoje ainda debate-se sobre a natureza jurídica desse instituto. Para muitos
33

constitui a última fase do cumprimento da pena privativa, constituindo ela como uma
adaptação do condenado à liberdade. Já a maior parte dos doutrinadores italianos
entendem que o livramento condicional constitui uma fase da execução penal e não
da pena privativa de liberdade em si o que significaria como sendo dois institutos
diferentes e independentes.
No Brasil atual, domina o entendimento de que o livramento condicional
constitui um direito público subjetivo do apenado, ou seja, existindo os pressupostos
legais, a autoridade judiciária deve concedê-lo, não sendo, portanto, um mero ato
discricionário do juiz, tão pouco, uma faculdade.
Como já diz seu próprio nome, a concessão de tal benefício está condicionada
ao cumprimento de alguns requisitos, que por sua vez estão previstos do artigo 83 do
Código Penal (In: PLANALTO, 2009).
Somente à pena privativa de liberdade poderá ser aplicado o livramento
condicional. Tal punição deverá ser igual ou superior a dois anos. Não importa que
esse período exigido por lei tenha sido resultado da soma de duas ou mais panas,
mesmo que oriundas de processos distintos. Sendo assim, não se aplica o livramento
condicional, logicamente, às penas pecuniárias, restritivas de direitos ou à pena
privativa de liberdade inferior a dois anos. Mediante essas exigências, o livramento
condicional poderá der classificado em especial (cumprindo 1/3 da pena) e ordinário
(cumprimento de metade da pena)
De igual forma, o condenado para ter direito ao benefício deve cumprir uma
parcela correspondente a um terço da pena privativa se não forem reincidentes e
que sejam considerados de bom comportamento, caso contrário deverão cumprir
mais da metade. Porém, a lei 8.072/90 (In: PLANALTO, 2009), exige que, os
condenados a crimes hediondos, terrorismo, prática de tortura, e tráfico ilícito de
entorpecentes cumpram pelo menos dois terços da pena desde que não sejam
reincidentes.
O condenado deve possuir também bom comportamento durante a execução
da pena, que não abrange apenas seu comportamento carcerário, mas também, sua
conduta durante o trabalho externo ou freqüência de cursos profissionalizantes, bem
como os períodos de saída temporária, regime aberto etc. Vários são, portanto, os
critérios exigidos para que o condenado tenha a evolução de sua pena efetivada,
bem como a permanência no novo regime exige tais requisitos.
34

O livramento condicional deverá ser requerido pelo interessado ao juiz das


execuções penais que analisará a existência ou não dos pressupostos, bem como
ouvirá o Ministério Público e o Conselho Penitenciário.
Concedido o livramento, fica o condenado, subordinado a outros requisitos,
todos eles previstos no artigo 132 da lei das execuções penais (In: PLANALTO,
2009).
O condenado, durante a vigência do livramento deverá desempenhar trabalho
lícito, desde que seja apto ao trabalho, comunicando periodicamente ao juiz sua
ocupação, não se ausentar da comarca do juízo da execução sem prévia
autorização do juiz, bem como outras obrigações que poderão ser impostas ao
apenado, como, comunicar ao juiz eventual mudança de domicílio, recolher-se em
sua residência em hora fixada e não freqüentar determinados lugares, como por
exemplo bares ou casas noturnas.
Deixando de cumprir tais obrigações, ou sendo o apenado condenado a outra
pena privativa de liberdade irrecorrível, será o benefício revogado e o condenado
retornará a prisão.

2.3 – Suspensão Condicional da Pena

Pelos dizeres do professor Damásio de Jesus; a suspensão condicional da


pena ou simplesmente “sursis quer dizer suspensão (...). Permite que o condenado
não se sujeite à execução da pena privativa de liberdade de pequena duração.
(2005, p.613)
Pela definição acima exposta, concluímos que a suspensão condicional da
pena, como já explicita seu próprio nome, interrompe a execução de pena privativa
de liberdade de curta duração, ou seja, não se aplica o sursis em caso de pena
restritiva de direitos ou pena pecuniária. É preciso também que a pena privativa seja
de curta duração, como por exemplo, uma detenção. É importante perceber que
neste caso a persecução penal transcorre normalmente, concluído por uma
sentença condenatória em que o juiz verificando a existência dos requisitos como os
acima referidos, em vez de determinar a execução da pena privativa, concederá,
fundamentadamente, o sursis iniciando a partir de então o chamado “período de
prova” que varia de dois a quatro anos. Nessa fase, o condenado ficará sob
35

observação e ao término desse período, não praticando outra infração penal e


cumprindo as condições impostas pelo juiz, este ao término do período, determinará
a extinção da pena que se encontrava com a execução suspensa.
Quanto à origem desse instituto, a esmagadora maioria da doutrina entende
que se teve início no ápice no Iluminismo por intermédio dos reformadores do
sistema penitenciário moderno, Beccaria, Howard e Benthan. Portando, a suspensão
condicional da pena teria surgido inicialmente pelas ideologias de tais pensadores
que acabaram influenciando uma série de alterações legislativas, que com o passar
dos anos resolveu, por vários motivos, adotar esse recente instituto.
Porém, a suspensão condicional da pena teria surgido efetivamente, nos
moldes do sistema atual, nos Estados Unidos por volta do ano de 1946 com a
criação da Escola Industrial de Reformas. O instituto da suspensão era atribuído
inicialmente aos criminosos menores ainda primários, que eram recolhidos nesta
escola em vez de sofrer a aplicação da pena. Só mais tarde, no ano de 1896 a
suspensão condicional da pena foi concretamente instituída e disciplinada por lei
aprovada pelo congresso do Estado Americano de Massachusetts, e a partir dela, o
benefício passou a ser adotado por outros países, como por exemplo, na Inglaterra.
Na atualidade, a suspensão condicional da pena constitui um meio alternativo
que visa diminuir os malefícios causados pela pena de prisão, como bem afirma o
jurista Cezar Roberto Bittencourt; “a suspensão condicional da pena constitui um dos
índices mais elevados da moderna evolução ética, política e científica da Justiça
Penal”. (2001, p. 239).
Uma das principais características do sursis, como já explicado acima, é a
existência de uma declaração de culpabilidade e o conseqüente juízo condenatório
sobre o delinqüente-beneficiário, aplicando assim uma sanção condenatória privativa
da liberdade, sendo esta o terreno apropriado para nascimento da suspensão. Outra
característica importante, é a possibilidade de sua revogação, na hipótese do
condenado não cumprir as condições a ele impostas, bem como sua prorrogação.
Quanto sua natureza jurídica, não existe consenso entre os penalistas. Há
quem a defenda como sendo um substitutivo penal, ou ainda como uma causa
condicionada de extinção da punibilidade, bem como uma forma de adaptação da
pena. Ou seja, vários são as opiniões quanto sua natureza jurídica, porém, na
doutrina brasileira prevalece à idéia de que a suspensão condicional da pena
constitui causa de extinção da pena condicionada.
36

Os requisitos da suspensão condicional da pena estão previstos no artigo 77


do Código Penal (In: PLANALTO, 2009), onde estabelece em seu caput o período
de prova que varia de dois a quatro anos. Vejamos o que diz o referido dispositivo:

Art. 77 - A execução da pena privativa de liberdade, não superior a 2


(dois) anos, poderá ser suspensa, por 2 (dois) a 4 (quatro) anos, desde
que: (Redação dada pela Lei 7209, de 11.7.1984)
I - o condenado não seja reincidente em crime doloso; (Redação dada
pela Lei 7209, de 11.7.1984)
II - a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e personalidade do
agente, bem como os motivos e as circunstâncias autorizem a concessão
do benefício;(Redação dada pela Lei 7209, de 11.7.1984)
III - Não seja indicada ou cabível a substituição prevista no art. 44 deste
Código. (Redação dada pela Lei 7209, de 11.7.1984)
§ 1º - A condenação anterior a pena de multa não impede a concessão
do benefício.(Redação dada pela Lei 7209, de 11.7.1984)
o
§ 2 A execução da pena privativa de liberdade, não superior a quatro
anos, poderá ser suspensa, por quatro a seis anos, desde que o
condenado seja maior de setenta anos de idade, ou razões de saúde
justifiquem a suspensão. (Redação dada pela Lei 9714, de 1998)

Para que o condenado tenha direito ao sursis, não poderá ser reincidente em
crime doloso. Porém, mediante uma análise criteriosa, verificamos que a
reincidência que impede a concessão do sursis é de crime doloso, ou seja, o
reincidente em crime culposo poderá ser beneficiado pelo instituto, ao ainda aquele
que condenado a crime doloso, venha posteriormente ser condenado por crime
culposo e vice-versa, ambas através de sentença irrecorrível.
A execução da pena privativa de liberdade, em regra, somente poderá ser
suspensa se não for superior a dois anos, contudo, o parágrafo segundo do referido
artigo estabelece uma exceção à regra, o chamado sursis especial. A pena privativa
de liberdade superior a dois anos até quatro anos poderá também ser suspensa,
desde que o condenado seja maior de setenta anos de idade, ou
independentemente de tal circunstância, se as razões de saúde justifiquem a
suspensão.
Uma vez concedido a suspensão da pena, o condenado entra no chamado
período de prova que varia de dois a quatro anos, ou de quatro a seis anos em caso
de maior de setenta anos, período em que o condenado fica sujeito a determinadas
condições previstas nos artigos 78 à 81 do código penal, sob pena de revogação do
benefício. Durante o período de prova, o condenado acaso descumpra qualquer dos
requisitos previstos no referidos artigos em decisão judicial, terá o benefício
revogado imediatamente, retornando o preso à condição anterior da pena.
37

Existem duas classes nas quais se dividem esses requisitos. Os legais, que
são aqueles impostos pela lei, e os judiciais que são estabelecidos pelo juiz, é o que
diz o texto do artigo 78 do Código Penal (In PLANALTO, 2009).
Vale ressaltar que o juiz não pode impor o pagamento das custas processuais
como condição para a aplicação do sursis, bem como o pagamento de multa caso
exista. Outro fator importante é que a sentença, que concede, denega, revoga ou
prorroga a suspensão condicional da pena, não faz coisa julgada.
Caso essas condições não sejam cumpridas, o benefício será revogado,
devendo o condenado dar início ao cumprimento da pena privativa de liberdade. As
causas de revogação poderão ser obrigatórias ou facultativas. No primeiro caso a
determinação vem da lei, não ficando a critério do juiz. As facultativas, por sua vez,
fica a julgamento do Juiz revogar ou não a medida. As causas obrigatórias, estão
previstas nos incisos I a III do artigo 81 do código penal, e as facultativas em seu
parágrafo primeiro (In PLANALTO 2009).
Com o término do período de prova, se verificado que o condenado não
praticou novo crime, bem como, cumprida todas as condições, não será mais
executada a pena privativa de liberdade, devendo o juiz determinar a sua extinção.
Tal sentença, portanto é de natureza declaratória da extinção da punibilidade. A
extinção ocorre na data do término do período de prova e não naquela em que o juiz
profere a referida decisão, mesmo que muito tempo depois.
Quanto à prorrogação, existem dois tipos delas, a facultativa e a provisória.
Na primeira hipótese, sua possibilidade deixará de existir caso o período de prova já
tenha sido fixado em seu limite máximo. A segunda hipótese de prorrogação por sua
vez, será obrigatória e automática, na hipótese em que o condenado que venha a
receber o sursis esteja sendo processado por crime ou contravenção durante o
respectivo período de prova. É indispensável que o beneficiado esteja respondendo
um processo, ou seja, que esteja em curso uma ação penal e sua respectiva
persecução criminal durante a vigência do período de prova, pouco importando se o
crime foi praticado antes ou durante esse tempo. A prorrogação automática
independe de despacho judicial, pois ela decorre da lei, perdurando até o julgamento
definitivo do novo processo. Além de ser uma hipótese prevista em lei, tal
entendimento já possui precedentes em nossos tribunais pátrios, a exemplo da
jurisprudência do STJ em sede do conflito de competência de nº 28.679, Vejamos:
38

CRIMINAL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. EXECUÇÃO. SURSIS.


COMETIMENTO DE OUTRO DELITO DURANTE O PERÍODO DE
PROVA. PRORROGAÇÃO AUTOMÁTICA. NECESSIDADE,
ENTRETANTO, DE SE DIRIMIR O CONFLITO, PARA EVITAR QUE
SE SUSCITE OUTRO, FUTURAMENTE. EXPEDIÇÃO DE CARTA
DE GUIA. CONTROLE DA PRÓPRIA EXECUÇÃO DA PENA.
SUSPENSÃO QUE NÃO RETIRA A EXISTÊNCIA DA PENA.
COMPETÊNCIA DO JUÍZO DE DIREITO DA VARA CRIMINAL E
ANEXOS DE CRUZEIRO DO OESTE/PR.
Nos termos da orientação desta Corte, seria desnecessário
qualquer pronunciamento judicial de mérito a respeito da prorrogação do
susis, na hipótese de cometimento de outro delito durante o período de
prova – como verificado in casu, pois a lei é clara ao prever, neste caso,
que se considera prorrogado o período de prova, não se exigindo a prática
de qualquer ato formal de mérito. Daí porque caberia ao Juízo Suscitante
apenas o reconhecimento dar prorrogação, sem maiores providência -
conclusão que ensejaria o não-conhecimento do presente conflito. (...)
39

CAPÍTULO III
SISTEMAS PENITENCIÁRIOS
40

3.1 – Sistema Pensilvânico ou Celular

Os primeiros registros a respeito dos sistemas penitenciários surgiram nos


Estados Unidos, porém, como já manifestado em capítulo anterior, a sua invenção é
atribuída ao século XVIII na Europa com fortes inspirações dos ideais religiosos.
Podemos dizer, no entanto, que foi nos Estados Unidos, com as diretrizes do Direito
Anglo-Saxônico, que o sistema penitenciário se aperfeiçoou fornecendo as bases
para os sistemas atuais.
Com a criação da colônia da Pensilvânia, integrante da então confederação
das treze colônias inglesas na América, que posteriormente com sua independência
da monarquia inglesa, tornou-se os Estados Unidos da América, seu fundador
Guilhermo Penn submeteu à Assembléia Colonial da Pensilvânia um lei que
pretendia diminuir a rigidez do sistema penal inglês. A “Grande Lei”, como era
chamada, buscava atenuar o auto índice de torturas e açoites que o referido
ordenamento britânico proporcionava entre os condenados.
Dentre várias mudanças, a nova legislação limitou o uso da pena de morte
aos delitos de homicídio, as penas corporais foram substituídas pela pena privativa
de liberdade e de trabalhos forçados. Conhecendo bem à estrutura desordenada,
corrupta e confusa das prisões inglesas, Guilhermo Penn, foi em busca de novos
modelos de penitenciárias, oportunidade em que conheceu o famoso modelo
holandês, ficou impressionado e lutou para implementá-lo em sua colônia, contudo,
com sua morte prematura, seu projeto foi deixado de lado e acabou prevalecendo o
inadequado sistema inglês.
A primeira prisão norte-americana foi criada em 1776, mas só no ano de 1790
com a influência de sociedades formadas por intelectuais da Filadélfia, começou a
ser implantado aquilo que se tornaria a principal característica desse sistema: O
isolamento celular. Com essa metodologia, o sistema incentivava o condenado a
buscar a reflexão, a oração e a abstinência às bebidas alcoólicas para alcançar sua
ampla recuperação.
Posteriormente à construção da primeira prisão norte-americana, foi edificado
em seus jardins um prédio destinado exclusivamente a aplicação do chamado
confinamento solitário (solitary confinement). Segundo o professor Bitencourt (2001,
p.60) citando o filósofo Gillin (1929, p. 276), o método celular não foi utilizado na sua
41

forma completa, visto que o isolamento era aplicado somente aos presos mais
perigosos e os demais eram alojados em celas comuns. A estes eram permitido a
realização do trabalho comum, porém sob silêncio absoluto.
Pode-se dizer que o sistema filadélfico ou pensilvânico é uma mistura das
experiências inglesa e holandesa do século XVI, bem como, utilizando-se das idéias
reformadoras de Beccaria, Howard e Benthan, além dos princípios do Direito
Canônico. As características essências desse sistema, portanto, foram o isolamento
celular, a obrigação do silêncio, a meditação, bem como, a oração. Àquelas que
eram submetidos ao isolamento celular não podiam trabalhar ou receber visitas.
Raramente, permitia-se passeios em pátios totalmente fechados. A bíblia, que existia
em cada cela constituía a única distração do condenado bem como sua única
comunicação com Deus.
Devido a muitos fatores, a exemplo do rápido crescimento da população
carcerária, o sistema pensilvânico foi condenado ao fracasso. A Pensilvânia tentou
evitar sua queda criando duas novas prisões; A prisão ocidental em 1818 e a
penitenciária oriental de 1829. Na primeira, o isolamento era total e fortemente
rígido, percebendo que tal forma de afastamento era impraticável, a prisão oriental
decidiu flexibilizar o regime, admitindo o trabalho do preso nas celas.
A avaliação de que o condenado havia se recuperado e portanto estava
capaz de se reintegrar a sociedade era feita de forma extremamente subjetiva. O
professor Bitencourt define muito bem essa característica do sistema em estudo, in
verbis:(2001, p.63) (grifo nosso).

Quando se percebiam sinais de arrependimento nos que demonstravam


haver encontrado o caminho seguro da “salvação espiritual”, chegava-se
ao convencimento de que se havia produzido a reforma ou que se
encontrava em etapa avençada do processo reeducativo. (grifo nosso)

Percebemos, portanto, que não havia nenhum critério técnico de avaliação do


comportamento dos condenados, utilizando apenas o senso comum dos
responsáveis pelos agrupamentos prisionais. Mesmo com a queda do sistema
filadélfico, era consenso entre os criminalistas da época e atuais de que tal estrutura
constituiu a idéia abstrata da sanção penal moderna servido de base para todos os
outros que surgiram posteriormente. Podemos dizer que o sistema pensilvânico foi
uma pedra bruta lapidada na medida em que, se foi constatando suas imperfeições
42

e defeitos, acarretando em reformas e alterações ideológicas, sempre buscando a


maneira correta de utilizar a privação do direito à liberdade como recuperação de
delinqüentes.
Apesar dessa idéia, o sistema pensilvânico foi alvo de críticas e
questionamentos, tanto é que ele nunca foi aplicado na sua forma originária, pois foi
constatado logo de início, que o isolamento absoluto causava graves prejuízos aos
condenados.
Muitos pensadores da época como Von Henting (1967, p. 225) chegaram a
afirmar que os resultados do isolamento total eram desastrosos. Henting chegou
inclusive a relatar casos dramáticos onde comprova os sérios danos que o
isolamento provocava, chegando inclusive a compará-lo com uma tortura ou até com
mutilações, ou seja, tão doloroso quanto.
Ainda hoje, a essência desse sistema é adotado em alguns países a exemplo
da República federal Alemã, motivo de muitas críticas da parte dos estudiosos e até
de organizações internacionais, questionam porque um país tão evoluído e
avançado, utiliza-se ainda de um sistema precário e deficiente, que em nada
recupera o condenado, muito pelo contrário, servindo para debilitar ainda mais o
senso de responsabilidade do preso bem como enfraquecendo sua dignidade.
Segundo Ferri, “o sistema pensilvânico foi uma das aberrações do século XIX,
considerando-o como desumano, estúpido e inutilmente caro”. (1908, p. 317)
Von Heting, crítico do sistema e definidor do isolamento como uma tortura
assim o considerava: (1967, p. 226)

A tortura se refina e desaparece aos olhos do mundo, mas continua


sendo uma sevícia insuportável, embora ninguém toque no apenado. O
repouso e a ordem são os estados iniciais da desolação e da morte.

O sistema penitenciário Alemão fere, inclusive normas internacionais como as


Regras Mínimas de Genebra e o tratado celebrado em 1930 no Congresso
Penitenciário da Praga, ambos visam combater o sistema filadélfico, pregando o
isolamento individual somente no turno da noite, constituindo um elemento
administração penitenciária moderna.
O maior questionamento feito pelos críticos desse sistema, é que o
isolamento do recluso acaba se tornando uma meio de ferir a dignidade humana e
de incentivar o tortura psíquica. Algumas correntes, porém, ainda defendem o
43

isolamento absoluto, para as hipóteses de pena privativa de liberdade de curta


duração, separando o recluso de menor gravidade, dos delinqüentes comuns ou
habituais, capazes de corrompê-los. (Neuman, 1965, p. 125)

3.2 – Sistema Auburniano

O sistema auburniano, como já explicita o seu próprio nome, surgiu a


construção da penitenciária de auburn, cidade localizada no Estado Norte-
Americano de Nova York. A idéia foi do então Governador do Estado John Jay, que
criou uma comissão para estudar o primogênito sistema celular no estado da
Pensilvânia. Esse era o momento de apogeu da pena privativa de liberdade, que
cada vez mais ocupava os espaços antes pertencentes as sanções capitais e aos
castigos corporais. No ano de 1818 foi concluída a construção da referida
penitenciária onde uma parte de seu edifício foi destinada ao regime de isolamento
solitário.
Como bem lembra o jurista e professor Cezar R. Bitencourt (2001, p. 70), os
prisioneiros da prisão de auburn foram divididos em três categorias. Na primeira
eram separados os delinqüentes mais velhos, persistentes e portanto reincidentes,
na segunda classe, ficavam os reclusos menos incorrigíveis, esses apesar de serem
destinados ao isolamento absoluto, tinham a permissão de trabalhar. A última
categoria, por sua vez, era destinada aos condenados com maior esperança de
recuperação, as chances de serem corrigidos eram maiores nos condenados que
ocupavam a terceira categoria. A esses condenados era imposta apenas o
isolamento noturno, e durante o dia havia o trabalho coletivo.
Já é possível perceber a existência de profundas transformações entre o
sistema auburniano e o seu antecessor pensilvânico. A prisão nova iorquina não
repetiu o isolamento total, em vez disso, resolveu adotar critérios baseados no
comportamento e no histórico do condenado para submetê-lo ou não ao regime
solitário. Porém como já é sabido a abolição do confinamento isolado ainda não se
deu na prisão de auburn, e assim como na prisão pensilvânica os problemas
decorrentes do isolamento eram os mesmos. As suas celas eram pequenas e
escuras, não permitindo que os reclusos trabalhem nela, ou seja, os mesmo
problemas existentes no sistema pensilvânico, ocorria também em alburn.
44

Segundo o Professor Bitencourt os resultados do isolamento absoluto na


prisão de auburn foram os piores possíveis, vejamos o que diz o aludido penalista
(2001, p. 70/71)

Essa experiência de estrito confinamento solitário resultou em grande


fracasso: de oitenta prisioneiros em isolamento total contínuo, com duas
exceções, os demais resultaram morto, enlouqueceram ou alcançaram o
perdão.

Ainda segundo Bittencourt (2001, p. 71), diante de tais resultados


desastrosos, uma comissão legislativa investigou esse problema em 1824 e
recomendou o abandono definitivo do sistema. A partir de então, a tríplice divisão da
penitenciária em categorias de presos foi extinta adotando aos reclusos como um
todo, o trabalho coletivo em absoluto silêncio durante o dia com o isolamento
noturno.
A essência do sistema auburniano caracterizava-se, portando, no trabalho
durante o dia, onde durante esse período predominava o silêncio entre os presos, e
durante a noite ficavam isolados uns dos outros. Esse sistema era conhecido com
silent system, ou sistema do silêncio pelo fato de que os detentos não podiam se
comunicar durante o trabalho coletivo. O contato somente somete eram permitido
com os guardas após autorização prévia e mediante baixo tom de voz.
Com esse silêncio, os administradores do presídio buscavam incentivar os
presos à meditação e conseqüentemente alcançar a esperada correção, além de
funcionar como instrumento eficaz de controle da segurança sobre os apenados,
que eram em grande quantidade.
Vejamos o que diz o estudioso Michel Foucault a respeito do silêncio adotado
no sistema auburniano (2000, p. 200)

O enquadramento hierárquico estrito não permite a relação lateral; a


comunicação só pode ocorrer em sentido vertical. A regra do silêncio
habitua o detento a considerar a lei um preceito sagrado, cuja violação
significa a imposição de um dano justo e legítimo.

Caso o silêncio fosse desobedecido, o detento era fortemente castigado por


meio de açoites e outras torturas. O jurista Foucault citado por Bitencourt, não
considera o sistema auburniano como sendo capaz de corrigir o delinqüente, muito
45

pelo contrário, considera-o como meio eficiente para a imposição e manutenção do


poder. (FOUCAULT apud BITENCOURT, 2000, p. 74).
Outra característica desse sistema é o trabalho. Esse trabalho era
desenvolvido na prisão com duas finalidades. A primeira delas era contribuir na
reconstituição ideológica e psíquica do apenado, e seu segundo objetivo era
preparar o condenado a uma atividade capaz de suprir suas necessidades.
Verificou-se, no entanto, que esses objetivos do trabalho carcerário acabaram
fracassando, um dos motivos atribuiu-se às pressões firmadas pelas associações
sindicais que eram contrárias ao trabalho na prisão, visto que, o labor executado nas
prisões exigia um custo bem inferior, se tornando um forte competidor do trabalho
livre.
Outro motivo que provocou fracasso do trabalho nas prisões foi a dificuldade
de adaptar os estabelecimentos carcerários as unidades produtivas, não
proporcionando um ambiente adequado para o exercício laboral dos apenados, bem
como não lhes forneciam os instrumentos adequados para tanto.
Na prisão de Auburn, o trabalho também era utilizado como critério de
avaliação do condenado, no sentido de que, como o trabalho na referida
penitenciária funcionava como um agente transformador do apenado, ou seja, capaz
de proporcionar a reforma do delinqüente, quando este o executava corretamente
dentro da prisão, surgia o indicativo indicativo de que aquele estava no caminho da
ressocialização.
O sistema auburniano exigia um rígido cotidiano dos seus reclusos, muito
semelhante ao cobrado nos quartéis militares, e pelos dizeres de Bitencourt (2001,
p. 77), conclui-se que, in verbis:

Os reclusos não podiam caminhar, a não ser em ordem-unida ou fila


indiana, olhando sempre as costas de quem ia à frente, com a cabeça
ligeiramente inclinada para a direita e com os pés acorrentados,
movimentando-se de forma uníssona.

Além das rígidas regras, exageradamente detalhadas, o castigo era aplicado


sem nenhum controle institucional e de maneira absolutamente discricionária.
(Bitencourt, 2001, p. 78)
Após longo período de sua vigência, é unânime o entendimento de que o
sistema auburniano não contribuiu em nada com a garantia da ordem no interior dos
46

presídios, nem a reforma do condenado, se tornando mais um sistema que


fracassou na busca da adequada e eficiente aplicação da Pena Privativa de
Liberdade.

3.3 – Sistemas Progressivos

Nos meados do século XIX, a pena privativa de liberdade já havia se tornado


a principal espécie de sanção criminal, tal progresso não se verificou nos sistemas
desenvolvidos para a sua correta aplicação. O progresso do pena restritiva de
liberdade foi simultâneo com o abandono dos sistemas pensilvânico e auburniano.
Os sistemas progressivos foram adotados definitivamente após a Primeira Guerra
Mundial começando pela Europa, espalhando-se a partir da Bélgica em 1919.
A idéia fundamental desse novo sistema consiste em dividir a duração da
pena em períodos, nos quais, em cada um deles, aplica-se aos condenados uma
série de privilégios e benefícios conquistados através da boa conduta. Nesse
sistema desenvolveu-se a essência do livramento condicional visto que era,
permitido ao apenado a sua reintegração social antes do término da pena.
Os regimes progressivos constituíram o avanço que os sistemas anteriores
buscaram servindo de base para as penalidades atuais. Vejamos o que diz Cezar
Bitencourt a respeito (2001, p. 83):

Ao contrário dos regimes auburniano e filadélfico, deu importância à


própria vontade do recluso, além de diminuir significativamente o
rigorismo na aplicação da pena privativa de liberdade

Ao longo de todo seu período de vigência, o sistema progressivo existiu sob


três formas: Sistema Inglês ou Mark System, o progressivo irlandês e o sistema de
montesinos.
O primeiro deles, o progressivo inglês, surgiu, em tese, no presídio de
Valência, no qual a Inglaterra enviava seus criminosos mais perigosos que na
maioria das vezes após cumprir pena em penitenciárias da Austrália, que integra o
reino britânico, voltavam a delinqüir.
Esse sistema era denominado pelos ingleses como mark system ou sistema
de vales que significava determinar o tempo de pena através da soma do trabalho e
47

da boa conduta do condenado. Ou seja, a duração da pena somente era


estabelecida quando o condenado já houvesse iniciado o cumprimento da sanção
criminal. A soma dos referidos critérios estabelecia um determinado número de
vales, proporcionais à gravidade do delito, que o condenado deveria obter para a
sua liberação. Esses vales eram creditados ao delinqüente diariamente conforme
seu desempenho no trabalho e no comportamento. Multas eram aplicadas em caso
de mau comportamento o que gerava descontos nos vales depositados.
A duração da condenação era determinada, portanto, pela gravidade do
delito, pelo seu desempenho no trabalho e pelo comportamento. O sistema
progressivo inglês era dividido em três períodos. O primeiro era o chamado período
de prova destinava o delinqüente ao isolamento celular diurno e noturno com a
finalidade de fazer o condenado refletir sobre suas atitudes pretéritas. Nessa fase o
condenado estava sujeito a trabalhos obrigatórios com apenas uma refeição por dia.
Evoluindo o apenado para a segunda fase do sistema, o apenado era
recolhido em um estabelecimento chamado de public workhouse. Nessa etapa do
cumprimento da pena o recluso era submetido ao trabalho coletivo sob o regime do
silêncio absoluto. Cumprindo integralmente esse período sem qualquer
transgressão, ao apenado era creditado o ticket of leave, que permitia-o de seguir
para a terceira e derradeira etapa: O livramento condicional.
Podemos perceber que o sistema progressivo é formado pelos sistemas
anteriores, o celular e o auburniano, que foram reduzidos a etapas do progressivo,
acrescentando a do livramento condicional que foi criado somente nesse último
sistema. Constituía um período de liberdade vigiada, pois possuía durante esse
período, uma série de restrições e prazo determinado. Concluído esse período sem
revogação do mesmo era concedida a liberdade definitiva.
O sistema progressivo irlandês, por sua vez, constitui um aperfeiçoamento do
anterior progressivo inglês, que foi introduzido na Irlanda por Walter Crofton, porém
com algumas modificações. Crofton foi o criador das chamadas prisões
intermediárias, visto que, quando da introdução do sistema inglês na Irlanda ele
desenvolveu um período intermediário entre o cárcere e a liberdade condicional.
Esse era um meio de prova a que era submetido o recluso para o seu retorno a
liberdade. Esse período constituiu uma inovação do sistema irlandês dando a ele
características próprias. O regime irlandês, portanto, era composto de quatro
períodos. São eles: A reclusão celular durante o dia e a noite nos mesmos termos da
48

progressivo inglês, período em que o apenado ficava isolado com alimentação


escassa. No período seguinte o recluso evoluía para a reclusão celular somente no
turno da noite submetendo-se ao trabalho coletivo durante o dia, também em
silêncio absoluto. Nesse sistema irlandês assim como no seu predecessor inglês
usava-se o método dos vales, os quais, eram creditados aos condenados, a medida
em que, desempenhavam seus trabalhos com ordem e disciplina. A terceira fase,
que constitui a novidade do sistema, representa um período intermediário entre a
prisão e a liberdade condicional. O apenado cumpria esse período em prisões
especiais, executando trabalhos no lado externo do presídio, na maioria das vezes
agrícola. Nesse momento, a disciplina aplicada não era tão rígida como nos períodos
anteriores, e como afirma Neuman (1965, p.134) “prisões sem muro nem ferrolhos,
mais parecidas com um asilo ou casa de beneficência de que com uma prisão”. Ou
seja, nesse período a fiscalização dobre os detentos eram bem mais branda, a
confiança depositada nos presos era bem mais ampla, proporcionando a eles um
maior senso de responsabilidade.
Durante esse período, a administração penitenciária pretendia fornecer ao
apenado um dia-dia mais parecido com o de um trabalhador livre, podendo dedicar-
se ao cultivo agrícola ou a indústria.
A quarta fase é do Livramento Condicional, com as mesmas características do
progressivo inglês, o condenado era submetido a um liberdade restrita e vigiada, não
podia infringir algumas regras sob pena de revogação do benefício. Uma vez
cumprida todas essa condições que lhe eram impostas, o apenado era posto em
liberdade definitiva.
No Brasil com a reforma penal de 1984 e a edição da Lei de Execuções
Penais, ficou estabelecido que a pena privativa de liberdade deverá ser cumprida em
forma progressiva, de acordo com o mérito do condenado, é o que diz o artigo 33, §
2º do Código Penal. A progressão, portanto, no sistema brasileiro, tem como
condição essencial o comportamento e a conduta do recluso, que se favoráveis,
proporcionará a este a progressão de regime.
O direito brasileiro adotou também o sistema da remição, através do qual o
condenado de pena privativa de liberdade que esteja em regime fechado ou semi-
aberto, poderá remir mediante o trabalho, parte do tempo de execução da pena, é o
que diz os artigos 126 a 130 da Lei de Execução Penal. (LEP, 1984). Iniciando o no
regime fechado, o condenado passará por três fases. O primeiro deles mediante o
49

trabalho coletivo durante o dia e o isolamento noturno. A segunda fase caracteriza-


se pela transferência para os regimes semi-aberto e aberto sucessivamente, e por
último o livramento condicional.
50

CAPÍTULO IV
CRISE DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE
51

4.1 – Elevados Índices de Reincidência

Uma das principais evidências que comprova a falência da pena privativa de


liberdade em nosso sistema atual, são os elevados índices de reincidência. Essa
crise vem persistindo não só no Brasil, mas em muitos outros, inclusive em países
que desfrutam de um sistema penitenciário moderno e um aparelho jurídico eficiente.
Segundo dados revelados pelo ilustre professor Cezar Bitencourt (2001, p.
161), o índice de reincidentes nos Estados Unidos varia de 40 a 80%, e esses
números já persistem a vários anos neste país, na década de 60, a reincidência já
atingia níveis de 70%. Na Europa, a situação é bem semelhante. Na Espanha, por
exemplo, a média durante a década de 70 foi de 60,3%. Os números são piores
quando se fala em nível de América Latina, além da crise generalizada no sistema
penitenciário latino americano, as estatísticas fornecidas nunca espelham a
realidade, dificultando ainda mais a realização de uma nova política criminal. Os
países que integram o eixo sul do continente americano, são aqueles que
apresentam os maiores índices de delinqüência e paradoxalmente os piores
resultados de reabilitação. Não se pode deixar de lembrar que a reincidência
elevada não é somente conseqüência da ineficiência prisional, mas também da
mudança nos valores sociais e econômicos.
O que se pode concluir é que a aplicação da pena privativa de liberdade, que
se tornou com o tempo o mais importante instrumento de sanção criminal da nossa
história moderna, fracassou em todos os campos da ciência penal, e o pior de tudo,
a perspectiva de uma reforma ampla e abrangente está longe de ser colocada em
prática.
Apesar disso, não falta empenho por parte de estudiosos, operadores do
direito e legisladores, em buscar métodos eficazes para diminuir acentuadamente
esses elevados índices de reincidência dos delinqüentes.
Mediante várias pesquisas e estudos aprofundados a respeito do assunto em
comento, foi possível obter informações interessantes que, a partir delas, é possível
estabelecer o início da construção de uma nova base para o sistema penitenciário
para que ele possa cumprir com eficiência o seu principal papel, qual seja, reabilitar
o delinqüente, garantindo sua reinserção social impedindo assim, a reincidência do
apenado.
52

Dado importante das estatísticas prisionais, é que, a reincidências entre as


mulheres é substancialmente menor do que entre os homens, diferença que gira em
torno de 14% a menos (In: JUSBRASIL, 2009). Segundo os especialistas, as
mulheres encaram o trabalho nas prisões com maior naturalidade e com muito mais
dedicação do que os homens, isso influencia significativamente, na mudança de
visão das detentas favorecendo, quando em liberdade, abandono definitivo do
mundo do crime. Submetendo-se ao trabalho nas penitenciárias, as mulheres
adquirem algum tipo de curso profissionalizante, que se transforma em perspectiva
de trabalho quando retornar a sociedade.
No Estado do Paraná, por exemplo, um programa foi instituído pelo governo
local para desenvolver nas penitenciárias femininas cursos profissionalizantes de
alta costura utilizando como matéria prima tecidos apreendidos pela Receita Federal
e máquinas de costura fornecidas pelo Estado. De todas as detentas selecionadas
para esse programa, a maioria delas concluíram o curso e trabalham nesse ramo
depois que deixaram as prisões(In: JUSBRASIL, 2009). A coordenadora do Projeto
Lúcia Arruda afirma que as expectativas foram superadas com esse projeto.
Vejamos o que diz a referida organizadora ( In: JUSBRASIL, 2009):

A idéia é mostrar para a sociedade paranaense que é possível ressocializar as


detentas, desde que seja dada a elas a oportunidade de emprego digno após
cumprirem a pena. Todo o acabamento é feito a mão e achamos que dar o
curso a elas seria uma forma de ajudá-las a ter mais chances de reinserção,

No Brasil, especificamente, a taxa de reincidência é de cerca de 85%, uma


das mais altas do mundo, porém, medidas eficazes estão sendo implementadas
constantemente em nosso país para combater a reincidência. Uma dessas é
aplicada hoje em 116 penitenciárias. Consiste em diminuir a vigilância no interior
desses estabelecimentos o máximo possível, flexibilizando a presença constante de
guardas, com níveis mínimos de segurança e permitindo uma maior liberdade dentro
dos presídios. O resultado foi a queda da reincidência em cerca de 90 % dentre
aqueles que se submeteram a essa metodologia (In: JORNAL DE NOTÌCIAS, 2009)
Essa Técnica chamada de Cadeia sem guarda foi aplicada, a priori, no
município de Itaúna no Estado de Minas Gerais, e em pouco tempo expandiu-se
para outra regiões do país. A iniciativa foi da Associação de Proteção e Assistência a
Condenados (APAC) por intermédio de seu presidente Valdeci Antônio Ferreira.
53

Segundo ele, além desses benefícios, o custo de cada preso se torna bem
mais reduzido para o poder público e as chances de rebeliões são quase
inexistentes. Diz ainda o referido coordenador:

A base é a valorização humana. Nas APAC, o preso é tratado pelo nome,


tem direito a cama, chuveiro, um prato de loiça, talheres, assistência
médica e jurídica, alfabetização e tempo de lazer", sublinha o
responsável.

Apesar dessas regalias, o presos não ficam em total liberdade. O trabalho é


obrigatório com uma série de atividades que devem ser seguidas durante o dia. As
faltas são punidas, e a qualificação profissional é uma prioridade. Segundo Valdeci,
os presos preferem cumprir suas penas nas APACs imaginando que as facilidades
para fuga é maior, muito pelo contrário, quando um condenado chega a esses
estabelecimentos é colocado juntamente com os presos mais antigos, pois estes
contribuem com a administração, vigiando e mostrando aos novatos as vantagens
de continuar lá. Outra curiosidade é que as chaves do presídio ficam sob a
responsabilidade dos próprios presos, logicamente, daqueles que inspiram maior
confiança.
As ocorrências de fuga nesses presídios são praticamente nulas e a
reincidência daqueles que já passaram por esse regime praticamente não existe. Em
um sistema muito semelhante aos regimes penitenciários clássicos, a cada três dias
de trabalho, o condenado tem a sua pena diminuída. Segundo o seu coordenador,
as APACs são baseadas em valores cristãos que segundo ele “todo homem é maior
de que seu erro” (In: JORNAL DE NOTÌCIAS, 2009).
Comprovadamente, o trabalho educativo constitui o meio mais eficiente de
reduzir os elevados índices de reincidência, além de preparar o detento em uma
atividade profissionalizante, fornece a ele a oportunidade de ingressar no mercado
de trabalho, abandonando assim, definitivamente o crime.
Além da importância do desenvolvimento dessas atividades no interior das
penitenciárias, é necessário também um acompanhamento pedagógico do preso
quando ele sai dela, visto que, do alto índice de reincidência, percebe-se que grande
parte é provocada pelos detentos que se encontram em liberdade condicional,
regime aberto ou sob penas alternativas, pois ao retornar a liberdade, o ex-detento
até procura manter-se dentro da lei, mas com o tempo ele acaba encontrando no
54

mundo do crime um caminho mais fácil e acessível para garantir sua sobrevivência
fora das prisões. (In: AGÊNCIA BRASIL, 2008)
O maior obstáculo à redução da reincidência encontra-se na superlotação dos
presídios, por conta disso, é quase impossível desenvolver uma atividade
pedagógica entre os detentos, além disso não existe um critério de seleção
adequado para separar aqueles delinqüentes com maiores chances de recuperação
daqueles que oferecem maiores riscos de reincidência. Vejamos o que diz estudioso
Helder Ferreira: (In: IPEA, 2008)

É como numa escola. Lá precisa haver uma qualidade mínima e um


número máximo de alunos dentro de uma sala para que o professor
possa fazer um bom trabalho. Nos presídios é a mesma coisa. Se você
tem superlotação, os próprios funcionários não vão conseguir fazer um
bom trabalho

No estado de São Paulo, aumenta cada vez mais a presença de grupos do


crime organizado que atuam no interior dos presídios estaduais, comandando o
trafico de drogas, e ordenando assaltos à bancos, joalherias e outros
estabelecimentos comerciais. Porém, não são em todas as penitenciárias que isto
acontece. Das 144 prisões existentes em São Paulo, 22 delas são administradas
pelo Estado em parceria com algumas ONGs. Nos Centros de Ressocialização, o
Estado é responsável pela segurança e disciplina. As ONGs cuidam das questões
sociais, como por exemplo saúde e educação do preso.
As medidas adotadas por esse sistema estão de acordo com os padrões
internacionais de gestão, no que se refere ao tratamento dispensado aos presos
bem como no que se refere ao gerenciamento de instituições. Segundo o então
diretor do Departamento Penitenciário Federal (DEPEN) esse programa de
gerenciamento penitenciário representa uma co-gestão, onde ambos os
responsáveis garante uma estrutura física e humana moderna dentro dos presídios o
que assegura uma melhor garantia de que o trabalho de reeducação se torna mais
efetivo, ou seja, para a ressocialização do detento programas metodológicos, mas
uma estrutura adequada. Vejamos o que diz ainda o aludido diretor (In: UNODC,
2009)

Os presos recebem três refeições por dia, atendimento médico e


psicológico, assistência jurídica, teste vocacional e programas de
educação. Eles também são incentivados a desenvolver suas
55

capacidades para se sustentarem e se tornarem cidadãos de direito,


assim que tiverem cumprido a pena e forem soltos

Segundo ele ainda, esse modelo de co-gestão garante ainda uma grande
redução de custos. Segundo dados oficiais do Ministério da Justiça o custo médio de
cada detento em uma penitenciária não atingida por esse programa varia em torno
de R$ 1.500 reais. Já nos presídios atendidos pelo programa, o custo cai para R$
500 reais por preso. Isso ocorre por que as ONGs registradas como entidade
filantrópica recebem isenção de impostos, celeridade e preferência em processos
licitatórios bem como outros benefícios (In: UNODC, 2009)

4.2 – Efeitos Sociológicos Ocasionados pela Prisão

Através da obra “Manicômios, prisões e conventos” o estudioso Ervin


Goffman, faz uma análise critica daquilo que ele chama de “instituições totais”, no
sentido de que os estabelecimentos prisionais criam em seu cotidiano um caráter
fechado, uma espécie de barreira existente entre o mundo exterior e aquele vivido
no interior das prisões.
Segundo o sociólogo, esse confinamento acaba absorvendo os interesses e o
tempo de seus membros e oferece a estes um mundo particular e diferenciado do
real, e portanto essa tendência absorvente e totalizadora acaba dificultando a
interação social do preso com a vida extra-murus, pois no interior das penitenciárias,
os delinqüentes acabam se tornando objetos controlados por uma série de regras
rígidas e totalitárias que afastam os detentos da efetiva possibilidade de
ressocialização (GOFFMAN, 1973, p. 17).
Nesse método, portanto, a iniciativa de conduta do preso fica em segundo
plano, pois sempre deve prevalecer, no cotidiano das prisões, as regras criadas para
serem cumpridas rigorosamente, com disciplina, e organização pela totalidade dos
presos sem observar a individualidade de cada um deles.
Por mais contraditório que seja, os estabelecimentos penitenciários buscam
apenas produzir efeitos, satisfatórios e concretos, fora delas, no sentido de afastar a
qualquer custo os delinqüentes da sociedade, protegendo assim a comunidade das
ações inconseqüentes e ilegais dos criminosos. Não procuram, porém, adaptar os
criminosos aos ditames da convivência social harmônica, preparação essa que
56

deveria começar dentro dos presídios, esta deveria ser a principal função desses
estabelecimentos, mostrar aos condenados que eles estão no lado errado da
história, e mostrá-los o caminho de uma vida adequada com os ditames sociais e
normativos, isso produziria uma proteção à comunidade muito mais eficaz, concreta
e duradoura, sem dúvida constitui o caminho mais seguro para a extinção da
criminalidade.
Goffman diz ainda que há uma diferença antagônica entre o pessoal, que
seriam aqueles responsáveis pela administração dos presídios e os detentos, onde
ambos possuem, uns dos outros, impressões cruéis e perversas, senão vejamos
(1973, p. 21, apud, BITENCOURT, 2001, p. 166):

Na instituição total há um antagonismo entre o pessoal e os internos.


Esse antagonismo expressa-se por meio de rígidos estereótipos: o
pessoal tende a julgar os internos como cruéis velhacos e indignos de
confiança. Os internos, por sua vez, tendem a considerar o pessoal
petulante, despótico e mesquinho. O pessoal tem um sentimento de
superioridade em relação aos internos, e estes tendem a sentir-se,
mesmo inconscientemente, inferiores àquele, débeis, censuráveis e
culpados.

Esse sentimento de superioridade sobre os reclusos se torna um dos


principais motivos pelo qual a principal função da pena privativa de liberdade, qual
seja, a ressocialização, não se efetive. Não existe nos estabelecimentos prisionais,
nem nunca existiu, um programa eficiente de formação psicológica dos internos, com
o devido acompanhamento de suas atitudes para, se necessário, providenciar sua
correção. Nos presídios, os detentos são tratados de forma discriminatória e
desconfiada, e muitas vezes, quando não são vítimas de castigos físicos, tornam-se
sujeitas a uma cruel e desumana segregação.
Outra grave agressão, segundo o referido sociólogo, é a violação total à
intimidade do detento, no sentido de que todos os dados referentes a sua vida
anterior à prisão são catalogados pela administração penitenciária que fazem destas
informações o que bem entendem, ou seja, todo o universo íntimo do recluso é
invadido pelo Estado, bem como, o cotidiano do recluso que no interior da prisão é
vivido sem a menor privacidade a que teria direito.
Portanto, esse sistema fechado de prisão é completamente inadequado e
ineficaz para a reconstituição do preso, causando muito mais efeitos negativos do
que positivos, o que pode inclusive, ao invés de reeducar o condenado, torná-lo
57

ainda mais violento e agressivo, muito mais suscetível de continuar na criminalidade.


Essas medidas demonstram a delicada situação do sistema prisional, não só no
Brasil, mais em todo o mundo atual.

4.2.1 O Problema Sexual nas Prisões

Outro problema a ser resolvido nos sistemas penitenciário de todo o mundo é


o problema sexual nas prisões, e não se tem procurado uma solução eficaz para
resolver esse conflito. O que muitos não sabem, porém, é que essa problemática é
tão importante quanto a própria essência da pena privativa de liberdade e sua
respectiva função ressocializadora.
A atividade sexual dos homens não pode ser cerceada pela circunstância de
vir a ser recolhido em uma penitenciária, pois esta é instintiva e fundamental não
podendo ser, portanto, interrompida ou controlada pela prisão. Atualmente, um dos
temas de grande discussão na sociedade é a concessão ao direito de visitas íntimas
aos presos, pois grande parte da nossa população entende que são por “regalias”
como esta que o sentimento de impunidade dentro os presos é cada vez mais forte.
O governo, por sua vez, entende ser de fundamental importância a concessão
de visitas íntimas nos presídios, segundo ele esse benefício contribui para manter o
controle e a ordem dentro dos estabelecimentos prisional. A visita íntima foi,
inclusive, regulamentada por meio de uma portaria do Ministério da Justiça, a de
número 1.190 de 27 de fevereiro de 2007. Segundo ela, em seu artigo primeiro, a
visita íntima tem por finalidade fortalecer as relações familiares, pois será esta, a
família, que se constituirá, uma vez retornando liberdade, em um elemento de
extrema influência na reconstituição do condenado.
Além dessa finalidade, os especialistas em administração penitenciária
entendem ser importante a visita íntima para evitar a promiscuidade no interior das
prisões, para que o detentos não se desvie de sua heterossexualidade, é uma
questão de saúde pública.
É uma grande contradição se pensar em ressocialização do preso ignorando
o problema sexual que é tão importante quanto a própria reeducação do detento.
Segundo Bitencourt, “a repressão do instinto sexual propicia a perversão da esfera
sexual e da própria personalidade do indivíduo” (BITENCOURT, 2001, p. 202)
(acréscimo nosso).
58

Outros já entendem que a repressão do extinto sexual, não é o mais grave


dos problemas a serem encarados para a reforma penitenciária, pois existem muitas
outras atividades como a militar, por exemplo, que exige limitações de ordem sexual,
mas nem por isso provocam distúrbios ou sentimentos de inferioridade ou
humilhação.
O jurista Cezar Bitencourt faz uma crítica a essa comparação, pois segundo
ele, é completamente distinta a abstinência sexual provocada pela prisão daquela
que faz voto de castidade por motivos religiosos (2001, p. 203). Portanto, as
administrações carcerárias deveriam incentivar a sua prática como um dos métodos
que busca junto com o trabalho coletivo a reforma do condenado.
A privação das relações sexuais nos presídios gera inúmeras conseqüências
aos apenados. Problemas de ordem física e psíquica são freqüentes devido a
abstinência sexual, produzindo confusões de personalidade e aumentando a tensão
nervosa. Esses danos são ainda maiores quando essa abstinência é imposta pela
reclusão contra a vontade do detento. A ausência da atividade sexual causa
desequilíbrios de ordem orgânica, biológica e nervosa, podendo ser tornar de
extrema gravidade a tal ponto de o apenado se transformar em um psicopata, que
sem dúvida é exatamente o contrário do que busca o Estado com a pena privativa
de liberdade.
A abstinência sexual pode causar também a destruição da relação conjugal
do condenado. Esse como já visto é a principal finalidade da visita íntima, pois
constatou-se no passado, uma alto índice de divórcios nos primeiros anos de
confinamento de um dos cônjuges. Por conta disso, as chances do recluso, uma vez
posto em liberdade, de cumprir com êxito sua ressocialização seriam cada vez
menores, pois não teria mais o apoio familiar de que desfrutava antes do cárcere.
Assim como também já foi dito acima, a manutenção da atividade sexual
dentro das prisões, buscam evitar o homossexualismo de seus apenados, que vem
se tornando freqüente nas prisões de todo o mundo, visto que, os reclusos não
suportam a pressão que a ausência da atividade sexual provoca, e acabam cedendo
a tal prática. Um dado preocupante é que a maioria das vítimas desse sistema são
detentos jovens que acabam por terem suas identidades sexuais prejudicadas
definitivamente.
O que vale ressaltar é que a única solução para resolver os problemas
sexuais nas prisões é não impedindo que tal atividade acorra, garantindo assim, a
59

manutenção dos valores morais e familiares entre os condenados, que somente pelo
fato de estarem reclusos momentaneamente não podem ser privados de uma
atividade essencial da existência humana.

4.3 - Lei das Execuções Penais

A lei das execuções penais entrou em vigor no dia 11 de julho de 1984 sob o
número 7.209 tem por objetivo estabelecer regras que disciplinem a vida dentro do
cárcere e por em prática o sistema progressivo das penas privativas de liberdade
mediante o trabalho e conduta dos presos. A LEP, como é conhecida a referida lei,
possui três princípios primordiais: a garantia do bem-estar do condenado, a
necessidade de classificação do indivíduo e a individualização da pena bem como a
assistência necessária dentro do cárcere (In: UNIMEP, 2009, apud, BRASIL, 2005, p.
541-563; GRINOVER, 1987).
Em seu primeiro artigo, a referida lei estabelece que a principal função da
execução penal é garantir a integral efetivação das disposições da sentença ou
decisão criminal, sempre proporcionando condições para a harmônica integração
social do condenado ou interno. (In: PLANALTO, 2009)
Essa é a principal preocupação na execução da pena, a integração social do
preso. A manutenção desse elemento essencial garante a ordem nos
estabelecimentos prisionais e facilita o planejamento de uma metodologia que
priorize a educação dos detentos abrindo caminho para sua ressocialização.
Segundo dados fornecidos pelo Ministério da Justiça referentes ao ano de 2004, de
240.203 pessoas presas, apenas 44.167 estavam envolvidas em algum tipo de
atividade educacional dentro das prisões (In: UNESCO, 2009)
A inclusão da população carcerária em programas de educação e interação
social é tema de freqüentes encontros e seminários para discutir a implantação
definitiva desses projetos nas penitenciárias brasileiras.
Outro importante dispositivo da lei de execuções, o artigo 3º, assegura de aos
reclusos todos os direitos e garantias não atingidos pela sentença ou pela lei, ou
seja, todos os direitos que não forem restringidos pela sentença condenatória serão
mantidos durante o cumprimento da pena, não podendo ser violados ou
desrespeitado sobre qualquer pretexto. Este mesmo artigo, proíbe descriminação de
ordem racial, social, religiosa, ou política. Uma condenação penal não pode impedir
60

a configuração do princípio da dignidade da pessoa humana. Nos dias atuais as


principais ocorrências que atingem os direitos fundamentais são, a superlotação
carcerária e a excessiva duração das penas indo além do previsto nas sentenças
judiciais, provocando inclusive, alterações de ordem psicológica nos reclusos.
A lei de execução penal deve ser individual, levando-se em conta os
antecedentes e a personalidade do condenado e o seu comportamento carcerário é
relevante para a progressão do regime. A lei regedora da execução penal
estabelece ainda em seu décimo dispositivo, o dever do Estado em prestar
assistência ao preso, com o objetivo de garantir a prevenção do crime e orientá-lo no
retorno à convivência social (In; PLANALTO, 2009). Essa assistência pode ser
material, jurídica, educacional, social, religiosa ou à saúde. Pela assistência material
ao preso deve ser garantida uma alimentação adequada, vestuários dignos e
instalações higiênicas decentes.
Um grave problema dos presídios brasileiros, que exige providências
urgentes, é a precária situação estrutural dos estabelecimentos prisionais. A falta de
instalações modernas e que atendam as necessidades básicas de seus usuários,
além de causar a revolta destes, compromete também o cumprimento das
exigências básicas de segurança. Os principais motivos das constantes fugas e
rebeliões em nossos presídios se dá pelas condições precárias de toda a estrutura
física das penitenciárias brasileiras que estão longe dos padrões mínimos exigidos
para a adequada execução das penas privativas de liberdade. Essa debilidade
estrutural do cárcere é um dos principais motivos da crise da pena privativa de
liberdade.
A assistência à saúde será garantida mediante prestação de assistência
médica, farmacêutica e odontológica. No caso das mulheres, será concedido, igual
forma, assistência durante o período de gestação e do pós-parto, extensivo também
ao recém-nascido. A mãe-detenta poderá amamentar seus filhos durante os seis
primeiros meses de vida. Para isso as mães devem permanecer com seus filhos nas
unidades penitenciárias nas quais cumprem suas penas porém, faltam espaços
apropriados e salubres para essa convivência materna. A precariedade das
penitenciárias prejudicam, inclusive, essa assistência a saúde dos presos, pois
muitas vezes eles deixam de receber acompanhamento médico, por falta de
ambulatórios nos presídios ou de escolta e viaturas para conduzi-los até as unidades
de saúde pública.
61

Segundo a LEP, será concedida assistência jurídica aos condenados que não
possuem condições financeiras para constituir um advogado, sendo uma obrigação
do Estado, em todas as unidades da federação manter tais serviços em todos os
estabelecimentos prisionais. Todas as instituições prisionais ou de internação,
devem contar com pelo menos um Defensor Público para prestar auxílio jurisdicional
aos condenados ou internos. O grande problema era de que a lei das execuções
penais de 1984 não previa a atuação das defensorias públicas nas penitenciárias,
erro que foi corrigido com a aprovação do projeto de lei complementar n° 43/2009
que regulamenta a atuação das defensorias nos presídios brasileiros (In: SENADO,
2009). Segundo esse novo projeto, a defensoria pública deve contar com espaço
próprio nas penitenciárias, bem como, que lhes sejam garantidos condições
adequadas de trabalho, para que possam assistir adequadamente quase 90% da
população carcerária do Brasil, algo em torno de 400 mil presos.
Com essa nova lei a defensoria pública passa a integrar os órgãos da
execução penal, atuando através de núcleos especializados de execução penal
sempre visando uma rápida e efetiva justiça executivo-penal (In: ANADEP, 2009)
Segundo a Associação Nacional dos Defensores Públicos, essa nova forma
de atuação da Defensoria Pública nos presídios brasileiros constitui um avanço
significativo na execução penal, no sentido de constituir um instrumento de luta
pelas garantias dos direitos fundamentais durante a vigência de uma pena privativa
de liberdade. Vejamos o que diz ainda a referida entidade de classe: (In: ANADEP,
2009)

A atuação plena e independente dos Defensores Públicos é essencial


para a execução penal, mostrando-se comprovadamente eficaz para a
redução dos riscos de rebeliões, dos índices de superlotação, corrupção
e tortura, assim como para a maior rapidez e eficiência dos processos
judiciais.

A assistência educacional, por sua vez, abrange a instrução escolar e a


formação profissional do preso e do internado. A formação de primeiro grau é
obrigatória, bem como o ensino profissionalizante que será ministrado em nível
inicial ou de aperfeiçoamento (In: Planalto, 2009)
A lei das execuções penais permite a constituição de convênios entre a
administração penitenciária e entidades educacionais, públicas ou privadas, com
62

vistas a fornecer os cursos profissionalizantes ou instalação de escolas nas


unidades penitenciárias. Cada estabelecimento deve contar também com uma
biblioteca a qual tenha acesso todos os reclusos, contando com um acervo de livros
didáticos, recreativos e instrutivos.
No artigo 22 da LEP vem assegurado o fornecimento de uma assistência
social a todos os presos, fundamental para prepará-los ao retorno do convívio social
definitivamente ressocializados. O objetivo dessa assistência social, é proporcionar
atendimentos e espaços de socialização e um adequado ambiente de convívio social
aos detentos e internos, sempre buscando a humanização do atendimento. Essa
assistência social oferecida ao preso, é também prestada aos familiares do mesmo
devido as dificuldades em que se encontram devido ao encarceramento de um
membro da família.
Segundo a legislação, a assistência social deve realizar o acompanhamento
de diagnósticos e exames do detento, comunicar a administração penitenciária as
dificuldades enfrentadas por este, bem como a freqüência de saídas temporárias e
outros benefícios, proporcionar os meios necessários à recreação e também
acompanhar o preso nos momentos finais do cumprimento da pena para facilitar seu
retorno a sociedade, além de outras funções indispensáveis. (In: PLANALTO, 2009)
Vejamos o que diz a ONG Comunidade Segura em análise por ela
desenvolvida e apresentada:

O Serviço Social, portanto, articulado teórica e politicamente às


prioridades colocadas pela política penitenciária a nível nacional, conta
com profissionais capacitados para pesquisar, elaborar, executar
políticas sociais, planos, programas e projetos assistenciais,
terapêuticos, promocionais, educativos e preventivos junto a uma
rede de relações que constituem a vida prisional.

Concluímos, por tanto, que os assistentes sociais que atuam nas


penitenciárias devem acompanhar o desenvolvimento da política penitenciária em
praticamente todos os seguimentos que circundam o cotidiano da vida prisional.
De igual forma, não poderá ser negado a assistência religiosa, com liberdade
de culto, garantindo a eles a posse de livros de instrução religiosa. É exigência
também de nosso ordenamento jurídico, a existência de um local apropriado para o
exercício da atividade religiosa, porém nenhum detento está obrigado a participar ou
exercer qualquer culto religioso (In: PLANALTO, 2009).
63

Hoje no Brasil, existem vários projetos voluntários que realizam visitas


sistemáticas aos presídios para desenvolver diversas atividades religiosas. Merece
destaque um movimento que é pioneiro no Brasil. O Patronato foi criado na cidade
de Três Lagoas, Estado do Mato Grosso do Sul, e consiste na visita de várias igrejas
representantes de diferentes religiões aos presídios, e fundado nesses preceitos
religiosos, realizam uma intensa atividade de reabilitação que se estende também a
família. Segundo dados, atualmente cerca de 20 igrejas assistem todas as unidades
do Estado em um cronograma estabelecido pela própria entidade. (In: HOJEMS,
2009)
O patronato faz, portanto, uma atividade de intermediação entre a religião e
as unidade prisionais, auxiliando no trabalho de evangelização e assistência dos
presos. Segundo a coordenadora do projeto Maria José da Paz Matos a interação
dos presos vem alcançando resultados muito positivos creditando esse avanço ao
trabalho da organização. Diz ainda (In: HOJEMS, 2009):

Os presos têm participação ativa e vão aos cultos, palestras ou missas,


por livre e espontânea vontade. Cada um escolhe a religião com que
mais se identifica. Todos os religiosos de todos os segmentos fazem um
excelente trabalho, e o mais bonito é que todos se respeitam, porque têm
o mesmo objetivo: ajudar os presos,

Portanto, o principal objetivo da Lei das Execuções Penais, qualquer que seja
o seu dispositivo, é resgatar indivíduo da criminalidade e reintegrá-lo à vida social,
garantindo ao mesmo, durante essa jornada, os direitos básicos da pessoa humana
e uma vida digna dentro do estabelecimento prisional, tudo isso sempre em total
consonância com o direito penal pátrio.
64

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após um estudo aprofundado sobre o sistema penitenciário e a pena privativa


de liberdade, concluímos que a sua crise é real e grave, com várias vertentes a
serem profundamente reformuladas, sob pena de todo o sistema entrar em um
verdadeiro colapso.
Podemos acompanhar neste trabalho monográfico, que a violência e
conseqüentemente o número de presos só aumenta, ao mesmo tempo em que os
investimentos no setor só diminuem. O descaso governamental, sem dúvida, é o
principal motivo de todo esse “apagão carcerário”, que infelizmente é uma realidade
em todo o Brasil. O sistema existe hoje somente para produzir os efeitos contrários
aos de suas finalidades. Apesar da superpopulação carcerária, os presídios
continuam a receberem cada vez mais indiciados e condenados, sem contar com os
milhares de mandados de prisão pendentes, por falta de condições de acomodar
todos os destinatários destas ordens.
Os custos com a manutenção dos presídios e dos detentos tornam-se cada
vez maiores e, aliado à falta de investimentos, o setor torna-se cada vez mais
precário não atingindo nem de perto as recomendações e os padrões
internacionalmente previstos e, portanto, infringindo as condições mínimas de
sobrevivência e higiene daqueles que compulsoriamente utilizam-se do serviço.
É preciso deixar bem claro, que o detento tem a obrigação de cumprir
unicamente aquilo que lhe é imposto pela sentença criminal. O fato de ser
condenado, não se é permitido retirar do indivíduo os direitos básicos de
sobrevivência dentro dos presídios, cumprindo sua pena com dignidade sem
sofrimentos e privações. Porém o sistema atual, está longe do ideal. É freqüente nos
estabelecimentos prisionais a prática de torturas, abusos sexuais, tráfico de
entorpecentes, regime alimentar inadequado, e serviço médico insuficiente, tudo isso
torna os presídios ambientes próprios para a produção de novos delitos.
É bem verdade, porém, que a pena privativa de liberdade sempre teve
inúmeras deficiências que, apesar de ter se tornado o método mais apropriado,
nunca foram solucionadas ao longo da história. Hoje a situação não é diferente, a
privação de liberdade tornou-se a forma mais apropriada de controle da
criminalidade, mas ela não vem atualmente cumprindo suas finalidades.
65

Esse trabalho, portanto, procura contribuir para desenvolver novas


alternativas que recuperem o condenado sem isolá-lo da sociedade. Medidas que
não tornem a privação do direito à liberdade, decorrente de condenação criminal,
algo prejudicial, e sim proporcione efeitos construtivos que contribuam para a
reeducação do detento e, portanto, se inicie definitivamente reestruturação do
sistema prisional brasileiro.
Outro fator importante, é tornar a lei de execução penal plenamente eficaz,
que passe ela a ser observada e cumprida na prática, para oferecer aos presos a
efetivação de seus direitos constitucionais, não só entre as paredes das
penitenciárias, mas também fora delas, no seu retorno a sociedade, facilitando sua
absorção pelo mercado de trabalho e de uma convivência social pacífica.
As falhas na aplicação da pena privativa de liberdade, a omissão do Estado,
bem como da própria sociedade, juntamente com o despreparo daqueles que lidam
com o universo carcerário, constituem a base de toda a crise do sistema prisional
brasileiro.
Hoje é imprescindível a aplicação das penas alternativas, para desafogar os
presídios brasileiros, para que estes sejam utilizados unicamente para os criminosos
considerados de alta periculosidade, sem chances de recuperação. Assim, evitaria
mandar para os presídios falidos, criminosos primários que demonstram
possibilidades de reeducação impedindo, o contato destes com os mais violentos,
não tirando do contato com a sociedade e do convívio da família.
Talvez, um dos problemas mais sérios de toda essa crise penitenciária, é a
falta de coragem dos gestores públicos de encararem esses problemas como sendo
reais e efetivos, reconhecerem o caos penitenciário, e iniciarem de uma vez por
todas, e reforma total do setor.
Por fim, uma interação entre o Estado e a sociedade civil, contribuirá para
alcançar efeitos positivos mais rápidos e duradouros, planejando medidas, de curto,
médio e longo prazo, com responsabilidades plenamente definidas para ambas as
esferas de governo, criando também, agências reguladoras, que fiscalizem e
orientem a correta aplicação da pena privativa de liberdade, sem abusos e exageros,
preparando o cidadão-delinquente para o seu retorna a sociedade, permitindo-lhe
usufruir de todos os benefícios sociais, inclusive do emprego.
66

Essas medidas são urgentes e não se pode mais esperar por mais tempo
devido à gravidade que o sistema penitenciário já alcançou, sob pena de ser tarde
para agir e não se alcançar mais o modelo ideal.
67

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