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Mosca Diuturna Pedro Costa Reis

Esfreguei os olhos e balancei a cabea com rudeza de um lado para o outro, e franzi o cenho por conta da imensa luminosidade. Estava em um amplo areal branco infindvel, completamente desorientado, e tirei os sapatos para poder avanar um pouco. Lembrei que estava de relgio em pulso e tambm o retirei. Senti debaixo dos meus ps aquela areia fina como pequenas lascas de vidro rasgando meu andar em frente, um andar fludo e quase imperceptvel, o que me fez permanecer na dvida se andava ou estaria somente imaginando o meu andar. Meu delrio comeou quando eu vi tudo se modificar a cada passo, o firmamento mutvel me trazendo imagens belssimas medonhas felizes suicidas at eu quase cair de um precipcio: o final do meu terreno, e sem foras no conseguia retornar ao ponto de onde comecei. Daquele limite de terra branca tive outra viso: era um abismo cujo fim no sabia distinguir se era o fim ou o comeo do fim, pois tambm era plido como o areal. Mas, proeminente daquele cenrio pacfico, ao longe, se elevava uma montanha, e seu cume terminava na linha de minha viso paralisada. No topo desse cume, pude ver que havia uma sereia em seu topo, e olhava para mim. Seu rosto era brilhante, parecia forjado em silcio queimado, e seus cabelos esvoaavam para o alto por conta de um vento frequente e forte que vinha da respirao daquele monte plido e enorme teias brancas brincavam em sua cabea, se tecendo por si mesmas, em meio ao canto tremeLUZente daquela voz etrea. Queriam se tecer para mim, mosca diuturna e oposta da viglia. Quanta saudade senti quando reconheci-me naquele monstro, e parecia que meus ps tinham se diludo no p de nuvem. Poderia at tentar avanar. O fim, ou o comeo do fim,

poderia tambm ser o comeo, e poderia ousar pisar imaginando-o nele um prolongamento do terreno. Desvencilhei meu p direito e toquei com a ponta do p o que poderia ser um vazio, e uma pequena srie de ondulaes circulares percorreram velozmente o espao entre meu cume e o cume da sereia com rosto de espelho. Quando o padro circular tocou o iceberg a minha frente, ele estremeceu e parecia tambm ser feito de areia branca, e a movimentao das guas poderia levemente destruir e afogar meu objetivo. No mais tentei ousar percorrer a plancie invisvel, pois destronando aquele ser de seu espao, seu por direito e meta, no poderia mais voltar a me reconhecer.

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