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ESTADO E TEORIA POLITICA Martin Camoy confronta nesta obra duas concepgées de" Estado ~ antag6nicas e fundamentais — 2ase da maioria dos estudos e andlises em teoria politica: a perspectiva liberal- classica, de raizes burguesas, @ seus dasdobramentos, @ 2 Viséio marsista — que opde a coneepgdio do Estado do bem- ‘comum a critica da natureza de classe do poder estatal. O autor faz um histérico desta segunda abordagem, dos cls- sioos do marxismo & continuidade e a ruptura representadas or Gramsci, até atingir.o ceme do debate contemporéneo sobre 0 papel do Estado, Encontra-se ai uma contribuigao essencial 4 compreensao das relagdes entre socialismo-e demoeracia que instiga a rellexdo sobre o futuro da teoria politica “PAPIRUS EDITORA 2S = PY <<: , | tags J - QZ VS D> XX < 4 C3 AXON XX OW) NS IX see AS SZ ZS =F a SZ x NS WAS Dip xX WA APPS ? iD ALA ZN CAPITULO 2 MARX, ENGELS, LENIN E O ESTADO Desde o final da década de cingiienta, o Estado se tornou um tema central da pesquisa marxista, tanto na Europa como nos Esta- dos Unidos. Néo € dificil explicar por qué. Além dos argumentos apresentados na introdugdo a esse trabalho — o sempre crescente envolvimento social ¢ econémico do governo nas economias moder- nas ¢ industriais, ineluindo as democracies capitalistas ocidentais, um cenvolvimento que permeia os servigos sociais, 0 emprego, os meios de comunicago e mesmo a propria producao — para os marxistas ocidentais, a segunda metade dos anos 50 marcou o fim do stali- niismo e o inicio do fim da guerra fria. Esse degelo presenciou 0 co- ‘mego de um periodo no qual os partidos comunistas ocidentais desa- brocharam intelectualmente e puderam mostrar independéncia frente 4 Unio Soviética, enquanto uma aberta repressio antimarxista se sfrowrava nos Estados Unidos. A_diminulgfo_dewes dols controlea Isso no quer dizer que essa participagio fosse parte de uma “nova” politica ou que o interesse marxista pelo Estado comegasse no periodo do pés-guerra. Os social-democratas alemies, desde os anos de 1890, sob a lideranga de Karl Kaustsky, atingiram niveis sig- nificativos de forga eleitoral a ponto de pensarem que poderiam assu- mit 0 poder do Estado por meios eleitorais, Na verdade, Engels esteve inclinado conferir aos sociallemoctatas uma posiglo “especial” no bojo da teoria revolucionitia: Podemos contar hoje com 2 milhdes e 250 mil eleitores. Se as coisas continuarem dessa maneira, até 0 fim do sé- 65 culo, vamos conquistar a maior parte dos estratos sociais, médios, da pequena burguesia e dos pequenos campone- ses € nos fornar a orca decisiva no pais, perante a qual todos os demais terdo de se curvar, quer gostem quer no. (Engels, 1895, em Tuker, 1978, 571) No entanto, com 0 sucesso da Revolucao Russa, foi_a teoria leni- marxista, © as Tnterpretagbes Teninistas da teoria politica or “Sao ule notval oes de-Amon Gramec) permansoeram ampli= Tenie inquestionadas ou, quando questionadas, reprimidas, até o ini- cio dos anos 60. Portanto, a base tesrica das primei iSgias 50° ciakdemocraticas alemas, estratégies essas talvez muito mais relevan- tes para os partidos de esquerda nas economias industriais avangad: nunca foi desenvolvida, embora s¢ manifestasse as vezes no cenério politico da Europa ocidental (na Frente Popular, da Franca, por exem- plo). Mesmo 0 trabalho de Gramsci foi suprimido pela combinagio de fascismo e stalinismo de tal forma que, embora o proprio Gramsci fosse canonizado pelo Partido Comunista Italiano (PCI), no perfodo do p6s-guerra, seus escritos foram manipulados ou esquecidos. Vinte cinco anos apés 0 fim da guerra, o PCI nao tinha feito uma edicio critica séria de sua obra (Anderson, 1976, 40). E importante reforgar que 0 cardter nico da revolugao russa (a primeira vitéria comunista) conferiu um lugar de destaque a Lenin a Stalin, no pensamento marxista, a ponto de excluir o trabalho te6rico (e priitico) que o desviou da linha russa. Aj das tragic conseqtiéncias que isso teve para os partidos comunistas € socialistas So Cakiete, nes iced de Vinee ane so fewies_de_vinle ¢ Winta, ToT somente_a partic do fim dos suce| 30-que eee slut oat ee seqiiéncia, muitas das questGes_poliicas mals sérias, de um ponto de nao foram discutidas até as décadas de 60 e 70: Por vem face & crise Estado burgués ‘Adiantadg? Por que e como o” Io desenvolve essas caracteristicas? ‘Que estratégias sio adequadas para uma transformagio radical? Por que os Estados comunistas se desenvolveram da forma como 0 fize- ram? © que isso significa para o papel do Estado na transigfo para ‘© socialismo? Em que o Estado capitalista difere na periferia do sis- toma mundial? oF Nas duas tiltimas décadas, essas quest6es centralizaram o debate eo restante desse estudo trata de seu desenvolvimento na Europa, nos Estados Unidos e no Terceiro Mundo. Todavia embora defent ‘mos que os pontos de vista de Marx, Engels jalmente de Lenin ‘sobre a politica e o Estado sejam incompletes, 0 fato € que as recen- “les teorias marxistas (ém suas raizes nesses primeiros trabalhos. E, ois, importante voltar a cles para compreender tanto os Fundamentos da concepcao marxista de Estado (os quais permanecem, de uma for- ‘ma ou de outra) na pesquisa atual como o desacordo entre os analis- tas marxistas contempordineos. Uma vez que Marx no desenvolveu uma tinica ¢ coerente teoria da politica e ou do Estado, as concepgdes marxistas do Estado devem ser deduzidas das criticas de Marx a Hegel, do desenvolvimento da teoria de Marx sobre a sociedade (incluindo sua teoria da economia politica) e de suas anflises de conjunturas hist6ricas especificas, tais ‘como: a revolugdo de 1848, na Franga, ¢ a ditadura de Luis Napoledo, ou a Comuna de Paris de 1871. Além disso, temos a obra mais recente de Engels ((1884] 1968) e O Estado e a Revoluedo, de Lenin ({1917] 1965). A variedade de interpretagées possiveis, baseada nessas fontes diferentes, levou a um debate considerdvel, indo de uma posicéo que defende a visio leninista aquelas que véem uma teoria do Estado claramente reffetida na anélise politica e econdmica de Marx, ou tomam 0 Estado auténomo do Dezoito Brumdrio (de Luis Napoledo) como a base para a anélise da situagio atual. Apesar dessas diferen- ‘gas, porém, todos os teGricos marxistas, de um modo ou de outro, baseiam suas “teorias” do Estado em alguns dos “fundamentos” mar- xistas e sfo esses fundamentos analiticos que formam o quadro do de- bate. Quais sio eles e por que esto sujeitos a tantas interpretagies diferentes? Em primeito lugar, Marx considerava as condigdes materiais de ‘uma sociedade como a base de sua estrutura social e da consciéncia humana, A forma do Est tanto, dugio, nfo do desenvolvimento geral da mente humana ou do con- junto das v0 —INaconcepeao de Marx, 6 impossivel separar a inferagao humana em uma parte da sociedade da interagio fem outra: a cons humana que guia e até mesmo determina cessas relagdes individuais ¢ 0 produto das condigées materiais — 0 ‘modo pelo qual as coisas sfo produzidas, distribufdas e consumidas. 65

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