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Alta gerência líderes

Autonomia
administrada
Em entrevista, o CEO mundial da Johnson & Johnson, William
Weldon, descreve o desafio de conduzir uma organização tão
grande e descentralizada como a sua –e, além de tudo, inovadora

Q
uando vários pensa- dicos e para diagnóstico, das lentes diferentes áreas, de trabalhar em
dores, especializados de contato Acuvue a instrumentos pequenas empresas, para errar e,
em diferentes áreas de endoscopia. depois, transferir-se para compa-
da gestão, começam a Nesta entrevista, William Wel- nhias maiores. O problema no que
citar uma mesma em- don, presidente-executivo (CEO) da diz respeito à centralização é que, se
presa como exemplo, e o fazem com empresa, fala sobre os desafios de alguém comete um erro, ele pode
frequência, podemos ter seguran- liderar uma megacorporação. abalar toda a organização. Isso não
ça: ela anda fazendo algo de muito acontece com a descentralização.
certo. É o que tem acontecido nos Quais são os principais desafios de A única coisa é que você pre-
últimos três ou quatro anos com a liderar uma corporação descentra- cisa contar com pessoas fabulosas
Johnson & Johnson, empresa sedia- lizada em diferentes países? tocando os negócios e tem de ter
da em New Brunswick, Nova Jersey, A J&J é provavelmente a empre- confiança para valer nelas, deixá-las
Estados Unidos, que passou a ser sa de referência quando se fala em tomar as decisões.
vista como uma empresa inovadora descentralização. Há desvantagens
tanto em produtos como em gestão. nisso, como o fato de você não ter Quando o sr. se tornou CEO da
Tão grande ela é –são 200 compa- tanto controle como você teria em empresa, em 2002, qual foi o maior
nhias com 120 mil funcionários sob uma organização centralizada. Mas desafio que enfrentou?
o guarda-chuva J&J, com receita de há vantagens também, como o fato O eterno desafio para alguém
US$ 61 bilhões e valor de mercado de os gestores locais realmente com- que assume um papel como o meu
de US$ 190 bilhões– que chega a ser preenderem as necessidades de seu é a preocupação com quem me
surpreendente a clareza sobre sua mercado, os funcionários, os parcei- sucederá nessa cadeira. Também
área de atuação. Ela compreende ros e o governo local. É muito difícil enfrentamos desafios em nossa pro-
três segmentos: o de produtos ao comandar esses negócios a partir dos dução de farmacêuticos: tivemos
consumidor final, como xampus, Estados Unidos e entender isso. de reorganizar as coisas na área de
cotonetes e curativos band-aid, que Acredito que outra vantagem pesquisa e desenvolvimento para
fez da Johnson & Johnson uma mar- trazida pela descentralização é o fortalecer a produção e é aí que
ca presente provavelmente em todas fato de ela lhe dar uma tremenda vemos quanto dependemos das
as casas do mundo; o de artigos far- oportunidade para desenvolver as pessoas que estão ao longo dessa
macêuticos como Tylenol (40% do pessoas. Você oferece a elas mui- linha de produção. Portanto, você
negócio); e o de equipamentos mé- tas oportunidades de trabalhar em observa a “produção de pessoas” e a

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Ao mesmo tempo, imagino, com
tantas subsidiárias mundo afora,
deve ser uma questão e tanto con-
seguir uma boa coordenação...
É verdade. A desvantagem da
descentralização é a dificuldade de
coordenar, de fazer com que as pes-
soas trabalhem juntas e se movam
na mesma direção. Além disso, cada
uma das nossas áreas possui suas
responsabilidades nos mercados em
que competem. Quando buscamos
reunir as pessoas, de diferentes gru-
pos, elas normalmente já têm traba-
lho suficiente no grupo de origem e
ainda lhes pedimos que cruzem as
fronteiras e trabalhem juntas.
Muitas vezes criamos grupos
de trabalho reunindo pessoas com
alto grau de autonomia; são o que
chamamos de “grupos de empreen­
dimentos internos”. Mas, e eis o
desafio, isso requer coordenação.
É essencial para isso conseguir en-
contrar as pessoas cetas, capazes
de fornecer os recursos para essa
convergência de tecnologias e de
se desprender de seus silos.
Divulgação

William Weldon
O sr. está falando de equipes de
P&D principalmente?
produção de produtos, e esses são os para doenças cardiovasculares que Não! Inovação não se resume a
dois desafios em que temos de nos representou um enorme avanço. pessoas trabalhando no departa-
concentrar o tempo todo. O que aconteceu, na verdade, foi a mento de P&D. É a capacidade de
união das capacidades e do conhe- trabalhar cruzando as fronteiras
Como uma estrutura tão descentra- cimento de dois grupos diferentes que realmente gera inovações; é
lizada lida com a inovação? de profissionais. isso que leva, e levará no futuro, a
A descentralização contribui Quando pensamos mais à frente, verdadeiros avanços. Mas isso tam-
para a inovação. Ela faz isso ao per- vemos uma medicina mais persona- bém requer coordenação e algum
mitir que diferentes pessoas com di- lizada. Por meio dos avanços nas sacrifício do indivíduo. E o mais
ferentes capacidades e pensamentos pesquisas genéticas, seremos capa- difícil é fazer com que as pessoas
possam reunir diferentes produtos zes de saber quem responderá bem saiam de seus silos e trabalhem com
e tecnologias para satisfazer necessi- a um medicamento, quem não res- outros grupos.
dades não atendidas de pacientes e ponderá, quem poderá apresentar
consumidores. Por exemplo, tivemos efeitos colaterais e quem não corre- O sr. pode apontar os mecanismos,
um encontro em que reunimos os rá esse risco. Para isso, precisamos formais e informais, pelos quais a
engenheiros de nosso MD&D Group dos nossos grupos de diagnósticos empresa identifica inovações?
[sigla do nome, em inglês, que de- e farmacêutico trabalhando juntos Temos alguns mecanismos. Por
signa o grupo de aparelhos médicos para identificar como os pacientes exemplo: o que chamamos de em-
e diagnósticos da empresa] e nossos responderão a esses produtos. A des- preendimentos internos. Consiste
cientistas da área farmacêutica. Eles centralização e essa ampla gama de em uma pessoa na organização,
acabaram descobrindo uma droga empresas incentivam a inovação. ou um grupo de pessoas, que faça

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avançar uma recomendação para médicos, que diz respeito primor- nisso. Uma é encarar as questões da
que algo seja feito. dialmente à área de fechamento e prevenção e do bem-estar, observan-
Estamos desenvolvendo muitos sutura de uma ferida e que requer do as pessoas saudáveis e pensan-
trabalhos com células-tronco, e ne- as capacidades de nosso pessoal do em como mantê-las saudáveis,
nhuma das áreas que existem na J&J de biotecnologia; é, na verdade, e tratando as pessoas doentes na
será “dona” desse projeto. Assim, um produto voltado a interromper outra extremidade. Outra tem a ver
o grupo intersetorial responsável sangramentos sérios de feridas. E, com o ambiente legal. As pessoas
por esse projeto deve elaborar um como precisa ter uma base biológi- procuram produtos sem risco, mas
plano de negócios, apresentá-lo e ca, trouxemos cientistas da área de isso não existe. Medicamentos, por
organizar um orçamento. A partir biotecnologia para trabalhar nesse definição, possuem efeitos bons e
daí, vamos permitir que o grupo se projeto. Como se vê, temos tanto efeitos colaterais.
desgarre da organização e trabalhe mecanismos formais como infor- Esses dois desafios colocam o
no projeto. mais para gerar esse ambiente de ônus sobre o setor, o que não é de
Também criamos outros ambien- inovação. todo ruim, porque exige que faça-
tes favoráveis à inovação. Na área de Por fim, criamos nossa própria mos um trabalho melhor em nossos
oncologia, por exemplo, podemos internet para nossos cientistas, de atendimentos clínicos e em nossas
reunir pessoas dos grupos de produ- modo que eles podem saber on-line o pesquisas, e que tenhamos a máxi-
tos ao consumidor, farmacêutico, de que os outros estão fazendo e se co- ma transparência e abertura. Temos
equipamentos médicos e diagnósti- municar uns com os outros. Assim, defendido o fortalecimento dos ór-
cos para compartilhar o que estão se há interesse em uma área, eles gãos reguladores por isso; quanto
fazendo. E, como resultado, elas vão podem reunir as pessoas, pensar mais fortes eles forem na ciência,
gerar ideias nas quais possam traba- sobre aquela área e trabalhar para mais fortes eles nos forçarão a ser.
lhar juntas para criar produtos no lançar produtos no mercado. No lado dos custos, nós apoia-
futuro. Em geral, é melhor quando mos pessoas necessitadas com nos-
elas próprias geram essas ideias, mais Quais são, a seu ver, os principais sos produtos. Fazemos com que
do que quando as impomos a elas. desafios enfrentados atualmente nossos remédios para tratar a aids
Nós fizemos uma análise de nos- pelas empresas de medicamentos sejam disponíveis para pacientes na
sos processos de produção. Desco- e saúde como um todo? África a preços muitos baixos, por
brimos que havia 80 produtos que Se você observa os custos relati- exemplo. Estamos fazendo tudo o
precisavam de alguma forma de vos à saúde, acho que é uma respon- que podemos, mas tenho consciên-
convergência. Agora, o importan- sabilidade de todos nós descobrir cia de que precisamos fazer muito
te para nós, ao fazer isso, é garan- como fazer com que o setor fique mais ainda.
tir que podemos entender o valor sob controle. É um setor determina-
que isso traz. E talvez, entre esses do pelas mudanças demográficas, O que o boom de genéricos que
80 produtos, nós acabemos traba- pela idade da população, pelo sur- ocorrem em mercados emergentes
lhando em meia dúzia, para sermos gimento da classe média em países representa para empresas farma-
capazes de levá-los para uma área em desenvolvimento e pela tecnolo- cêuticas que pesquisam?
de foco. gia. As pessoas querem viver mais, Posso estar errado, mas acho que
Temos outro produto em anda- melhor e de forma mais saudável. hoje, até nos Estados Unidos, cerca
mento, no grupo de equipamentos Temos algumas responsabilidades de 70% dos medicamentos ministra-
dos aos pacientes são genéricos. Há
um grande mercado de genéricos
surgindo, com grandes oportuni-
Saiba mais sobre William Weldon dades no futuro. Somos comprome-

E mbora não seja membro da família de em presidente da Ethicon Endo-Surgery, tidos com pesquisa até agora, mas
Robert Wood Johnson, o fundador da em 1992. Seis anos mais tarde, foi desig- isso não significa que não vamos
empresa, William Weldon é provavelmente nado presidente mundial do grupo farma- atuar. É só uma questão de escolha
a pessoa viva que conhece melhor esse cêutico e membro de seu comitê executivo. do modelo de negócio: algumas po-
imenso grupo de empresas, onde desen- Em 2001, nomearam-no vice-presidente do dem ser, ao mesmo tempo, fortes
volveu toda sua carreira. Ele ingressou na conselho de administração e, em 2002,
em pesquisa e em genéricos; outras,
Johnson & Johnson em 1971, aos 23 anos chairman do conselho e CEO, cargos que
fortes em pesquisa, e outras somen-
de idade, e teve responsabilidades nas mantém até hoje. Weldon é a confirmação
áreas de vendas, marketing e gestão inter- prática da histórica preferência dessa
te atuarem com genéricos.
nacional, sucessivamente, até converter-se organização por líderes “naturais”.
© knowledge@wharton

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