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TV DESTINO

14/04/2008
Central Destino de Produção Cap. 25

FOGO SOBRE TERRA


Novela de
Walter de Azevedo

Inspirada no original de
Janete Clair
Colaboração de
Eduardo Secco

Direção
Claudio Boeckel e Marco Rodrigo

Direção Geral
Luiz Fernando Carvalho

Núcleo
Luiz Fernando Carvalho
Personagens deste capítulo

PEDRO VIDIGAL VINÍCIUS


EDUARDA GUSTAVO LEONOR
DIOGO CELESTE CHICA
HILDA DONANA BRISA
BÁRBARA JULIANO ANDRÉ
LOURDES NARA
BRENO LUCENA

Atenção
“ Este texto é de propriedade intelectual exclusiva da TV DESTINO LTDA e por conter informações confidenciais, não
poderá ser copiado, cedido, vendido ou divulgado de qualquer forma e por qualquer meio, sem o prévio e expresso
consentimento da mesma.No caso de violação do sigilo, a parte infratora estará sujeita às penalidades previstas em
lei e/ou contrato.”
CENA 01. BAR NA ESTRADA PARA ARAGUAIANA. INTERIOR. TARDE

CONTINUAÇÃO. OS HOMENS CERCAM PEDRO.

HOMEM — Tô esperando. Tava todo macho. Cadê a sua valentia?

HOMEM 2 — Acho que ele num é tão valente assim.

OS TRÊS HOMENS DÃO RISADA.

PEDRO — Pelo jeito ocês tão procurando confusão.

HOMEM 1 — E seu disser que tô? Ocê vai fazê o quê?

OS HOMENS SE APROXIMAM AINDA MAIS DE PEDRO, QUE VÊ UM DELES COLOCAR


A MÃO NA CINTURA, COMO SE FOSSE PUXAR UMA ARMA. PEDRO APANHA UMA
GARRAFA E QUEBRA NA CABEÇA DE UM DOS HOMENS MAIS PRÓXIMOS. TODOS OS
CLIENTES OLHAM. ENQUANTO UM DOS CAPANGAS AMPARA O QUE ESTÁ CAÍDO
NO CHÃO, O TERCEIRO AVANÇA PARA CIMA DE PEDRO.

HOMEM 3 — Ocê num devia de tê feito isso!

PEDRO E O HOMEM SE AGARRAM, DANDO SOCOS E ROLANDO PELO BAR. OS


CLIENTES SE AFASTAM. OUTROS SAEM CORRENDO, E O DONO DO BAR VAI PARA O
TELEFONE CHAMAR A POLÍCIA. PEDRO DÁ UM SOCO NO HOMEM, QUE BATE COM A
CABEÇA NA PAREDE E CAI NO CHÃO. O CAPANGA QUE RESTOU SE LEVANTA.

PEDRO — Ocê num disse que tava procurando confusão? Encontrou! Vai ficar aí
chorando ou vai me enfrentar que nem homem?

HOMEM — Ocê tá louco. Num sei do que tá falano.

PEDRO — Como não? Esbarra em mim, me ameaça e agora tá com medo?

O HOMEM SORRI NERVOSO E COMEÇA A FALAR ALTO PARA QUE OS CLIENTES QUE
RESTARAM, OUÇAM.

HOMEM — Esse homem tá é bêbado! Todo mundo aqui viu o que aconteceu! Eu
esbarrei nocê e pedi desculpa. Mas num adiantou. Tá aí o pobre do meu
amigo caído no chão, todo ensangüentado com a garrafada que ocê deu
nele!

MULHER — Foi isso mesmo! Ele pegou a garrafa e bateu no moço!

RAPAZ — O coitado nem teve tempo de reagir.

PEDRO PERCEBE QUE AS PESSOAS COMENTAM ENTRE SI, OLHANDO PARA ELE DE
FORMA ACUSADORA.
PEDRO — Espera aí, minha gente! Não é nada disso! Eu tava aqui sossegado no
meu canto. Esses três que vieram mexer comigo! Eu sou homem de paz!

MULHER — Você deu a garrafada no moço! Ele não fez nada!

DONO — A polícia já está chegando! Vai acabar com essa confusão!

HOMEM — É bom mesmo! Assim a gente esclarece tudo de uma vez. Todo
mundo aqui viu quem arrumou a confusão!

PEDRO — Não é possível! Tá todo mundo aqui ficando louco!

Sonoplastia: SOM DE SIRENE POLICIAL. PEDRO FICA SEM SABER O QUE FAZER.
DOIS POLICIAIS ENTRAM.

POLICIAL — O que tá acontecendo aqui?

DONO — Foi esse homem! Ele quem começou a briga!

PEDRO — Eu não comecei nada! Eles me provocaram!

RAPAZ — Foi ele sim! Todo mundo viu!

HOMEM — Olha só o que ele fez com o meu amigo!

OS POLICIAIS VÊEM O HOMEM CAÍDO NO CHÃO, ENSANGUENTADO, DEPOIS SE


VIRAM PARA PEDRO.

POLICIAL — Você vem com a gente, rapaz!

PEDRO — Mas eu não tive culpa de nada!

POLICIAL — Isso a gente vai ver na delegacia!

O OUTRO POLICIAL VIRA PEDRO COM FORÇA E O EMPURRA PARA O BALCÃO.

POLICIAL — Algema que pelo visto ele é metido a valentão.

O SEGUNDO POLICIAL ALGEMA PEDRO.

POLICIAL — Pronto. Agora todo mundo pra delegacia.

O SEGUNDO POLICIAL EMPURRA PEDRO PARA FORA DO RESTAURANTE.

CORTA PARA:

CENA 02. FAZENDA DE HEITOR. SALA. INTERIOR. TARDE

EDUARDA ESTÁ SENTADA NO SOFÁ LENDO UMA REVISTA. DIOGO ENTRA.


EDUARDA — Você demorou.

DIOGO — É. Mais do que eu esperava.

DIOGO SE SENTA.

DIOGO — Fazia muito tempo que eu não conversava com a Nara. Foi bom. Bom
também rever aquela casa. (p) Lembrei muito da minha infância. Dos
meus pais.

EDUARDA — Deve ter mexido muito com você.

DIOGO — Mexeu, sim. E também me fez sentir mais culpado do que antes.

EDUARDA — Tira isso da cabeça, Diogo. Você não têm do que se culpar.

DIOGO — Eu sei que não. Pelo menos eu quero pensar assim. Mas não têm
como não sentir um certo remorso. Nem que seja bem lá no fundo.

EDUARDA SE SENTA AO LADO DE DIOGO E PASSA A MÃO PELO SEU ROSTO.

EDUARDA — Não gosto de ver você triste assim.

DIOGO — Eduarda, é melhor...

EDUARDA — Diogo, eu não tô fazendo nada demais. Só tô lhe fazendo um carinho.


(p) Eu confesso que me sinto muito atraída por você, mas respeito a sua
posição. Respeito e admiro. Você não quer trair a sua mulher. Isso só
prova o seu caráter.

DIOGO, SEM GRAÇA, LEVANTA DO SOFÁ.

DIOGO — Você disse que queria olhar o rio.

EDUARDA — Quero sim. Preciso trabalhar um pouco. Foi pra isso que eu vim até
aqui.

EDUARDA SE LEVANTA.

EDUARDA — Vou buscar as minhas coisas e já volto.

EDUARDA SAI.

CORTA PARA:

CENA 03. CASA DE HILDA. SALA. INTERIOR. TARDE

HILDA ANDA INCONFORMADA PELA SALA ENQUANTO BÁRBARA, SENTADA, OUVE


SEM MUITA PACIÊNCIA.
HILDA — Aquele antro! Uma legítima Gonzaga, enfiada naquele antro! Eu
nunca pensei que ia viver pra assistir uma coisa dessas!

BÁRBARA — A vida é assim mesmo. Quando a gente menos espera, acontece uma
novidade.

HILDA — Bárbara, não zombe de mim! Eu estou falando muito sério!

BÁRBARA — Vovó, a senhora está fazendo tempestade em copo d’água. Eu não fiz
nada demais. Nada que comprometesse... A minha honra. Nem a minha e
nem a da família.

HILDA — Você está muito tempo fora de Divinéia. Não foi criada aqui. Não
sabe como são as coisas. Os valores dessa terra são outros!

BÁRBARA — Valores atrasados.

HILDA — Não interessa! Você pode achar o que for, mas é assim que as pessoas
aqui de Divinéia pensam!

BÁRBARA — Mas eu moro em São Paulo.

HILDA — Graças a Deus! Ia ser um castigo grande demais pra mim ter uma neta
como você vivendo em Divinéia!

BÁRBARA — Também acho a senhora um encanto.

HILDA SE SENTA. PROCURA FICAR MAIS CALMA.

HILDA — Bárbara, eu não quero brigar com você.

BÁRBARA — Isso, é uma novidade!

HILDA — Eu entendo que por viver em uma cidade grande, você tenha esse seu
jeito. Vá lá. Mas aqui, você precisa agir de outro modo. Nós somos uma
família importante. Temos um nome a zelar. Você não pode
simplesmente chegar e freqüentar o bordel! Isso é um absurdo!

BÁRBARA — Vó, eu vou contar pra senhora exatamente como as coisas


aconteceram. Eu sei que não vai adiantar muita coisa, mas eu vou contar
mesmo assim. Eu estava na praça e chegou uma moça desesperada
pedindo ajuda. Eu fui até aquela casa com ela sem saber o que era. A
dona Zulmira estava passando mal e eu fiquei lá enquanto chamavam um
médico. Foi só isso.

HILDA — Você entrou lá sozinha! Não havia moça alguma. Eu vi!

BÁRBARA — É que isso não foi hoje. Foi ontem. Hoje eu só fui ver se ela havia
melhorado.
HILDA FICA CHOCADA.

HILDA — Você... Você está me dizendo que... Que já foi duas vezes naquele
lugar?!

BÁRBARA — É.

HILDA — Mas é pior do que eu pensava! Uma freqüentadora assídua daquele


mafuá!

BÁRBARA — Eu e a minha boca.

HILDA — Menina, dessa vez você passou dos limites! Eu não posso tolerar uma
coisa dessas!

BÁRBARA — Ah não?! E a senhora vai fazer o quê? Me colocar no seu colo e dar
uns tapas na minha bunda?!

HILDA — Eu...

BÁRBARA SE LEVANTA.

BÁRBARA — Chega. Minha paciência esgotou. Eu vim até aqui com a senhora, ouvi
o seu piti, não briguei, não reclamei, mas já tá de bom tamanho. Vou
cuidar da vida.

HILDA — Bárbara, eu ainda não acabei de falar.

BÁRBARA — Mas eu acabei de ouvir.

BÁRBARA ANDA EM DIREÇÃO À PORTA.

HILDA — Eu não quero que você volte naquele lugar! Você está me
entendendo?!

BÁRBARA — Dona Hilda, eu não quero tanta coisa. Sinto muito, mas eu vou voltar
lá sim. Quantas vezes eu quiser. E não vai ter sobrenome que me impeça.

BÁRBARA ABRE A PORTA PARA SAIR.

HILDA — Sangue ruim. Você não nega a sua raça.

BÁRBARA PÁRA E OLHA SÉRIA PARA HILDA. A MATRIARCA PARECE SE


ARREPENDER DO QUE FALOU.

BÁRBARA — O que foi que a senhora disse?

HILDA — Nada.

BÁRBARA VAI SE APROXIMANDO.


BÁRBARA — Falou sim, porque eu ouvi! Me chamou de sangue ruim. O que a
senhora quis dizer com isso?

HILDA — Eu não falei nada disso.

BÁRBARA — Falou! Falou e vai me falar por quê!

AS DUAS FICAM SE ENCARANDO.

CORTA PARA:

CENA 04. CASA DE BRENO. SALA. INTERIOR. TARDE

LOURDES ESTÁ SENTADA NA SALA LENDO UM LIVRO. BRENO E VIDIGAL SAEM DO


ESCRITÓRIO.

BRENO — Então nós estamos combinados.

VIDIGAL — Não têm nada combinado. Nós ainda temos muito o que negociar.

BRENO — Não fala assim, Vidigal. Dá pra gente entrar num acordo.

VIDIGAL — Depois a gente continua essa conversa. Até logo, dona Lourdes.

LOURDES — Até logo.

BRENO — Eu lhe acompanho.

BRENO LEVA VIDIGAL ATÉ A PORTA.

VIDIGAL — Até mais tarde.

BRENO — Até.

VIDIGAL SAI E BRENO SE SENTA NO SOFÁ.

BRENO — Esse aí eu preciso saber levar. Têm que encontrar o jeito certo de
agradar. Vidigal é líder da oposição. Pode me atrapalhar bastante lá na
câmara.

LOURDES — Pois eu tô achando que têm coisa que pode atrapalhar você muito
mais do que o sonso do Vidigal.

BRENO — O quê? Do que você tá falando?

LOURDES — Tô falando de uma conversinha que eu andei ouvindo. Breno, que


história é essa de destruição de Divinéia?

BRENO OLHA CHOCADO PARA LOURDES.


CORTA PARA:

CENA 05. SÃO PAULO. EXTERIOR. TARDE

Sonoplastia: “VIESTE” – LENINE. TOMADAS MOSTRANDO SÃO PAULO.

CORTA PARA:

CENA 06. CAFÉ EM SÃO PAULO. INTERIOR. TARDE

GUSTAVO E CELESTE ESTÃO TOMANDO CAFÉ.

CELESTE — Você entendeu o que eu quero?

GUSTAVO — Entendi. Você quer que eu... Trabalhe na construtora do Heitor.

CELESTE — É. Mas não é trabalhar por trabalhar. É uma forma de manter você
mais próximo da Bárbara.

GUSTAVO — Celeste, infelizmente eu acho que a última coisa que a Bárbara quer é
que eu esteja próximo.

CELESTE — Mas assim a coisa é diferente, Gustavo. Ela tá acostumada a ver você
correndo atrás dela, tentando chamar a atenção. Meu querido, mulher
nenhuma gosta disso. Não me pergunte por quê. Eu também não sei.
Quanto mais solícito, gentil, prestativo o homem for, menos nós
gostamos. Achamos o máximo no início, mas depois perde a graça.

GUSTAVO — A Talita já me disse isso.

CELESTE — Ela está certa. Eu quero que a Bárbara veja você a partir de um outro
ponto de vista. Quero que ela lhe veja como um homem seguro,
decidido, que sabe o que quer. E principalmente, que não está mais tão
interessado nela.

GUSTAVO — Isso é que vai ser difícil.

CELESTE — Difícil não é impossível. Além do mais eu vou estar por trás lhe
ajudando, dizendo como você deve agir.

GUSTAVO — Eu não sei se me sentiria bem com isso, Celeste. Parece que eu estou
enganando a Bárbara.

CELESTE — Meu amor, você quer ou não quer conquistar o coração dela?

GUSTAVO — Quero. É claro que eu quero.


CELESTE — Então você precisa confiar em mim. Tira da cabeça essa história de
que você está enganando a Bárbara. Isso não existe. Você só vai fazer
com que ela veja um outro lado seu.

GUSTAVO — Celeste... Eu acho ótimo que você queira me ajudar. Mas... Por que
você está fazendo isso?

CELESTE — Eu vou ser sincera com você, Gustavo. Não é segredo pra ninguém
que a Bárbara é uma grande dor de cabeça pra mim. Pra mim e pro
Heitor. Ela precisa se casar, ter uma família. (p) Às vezes eu acho que a
Bárbara pensa que ainda é uma adolescente. Não percebe que o tempo
passou e que ela tem quase trinta anos. O Heitor se preocupa muito com
isso. Claro que nós temos um ótimo patrimônio, mas a Bárbara precisa
pensar no futuro dela. Não pode achar que a vida é essa brincadeira que
ela pensa que é. E eu acho que você é a pessoa certa pra fazer isso,
Gustavo. Um rapaz responsável, com uma ótima cabeça e,
principalmente, alguém que ame a Bárbara.

GUSTAVO — Quanto a isso você pode ficar tranqüila.

CELESTE — Eu sei. Só estou fazendo isso porque é você o rapaz, Gustavo. Não
costumo me meter na vida dos outros. Mesmo que seja pra ajudar.

GUSTAVO — Mas o Heitor está sabendo disso? Dessa proposta que você está me
fazendo?

CELESTE — Claro que sabe. Sabe e me apóia. Gustavo, você é um engenheiro que
têm um certo nome. É novo ainda, mas muito respeitado. Até mesmo
pela tradição da sua família. Heitor vai adorar ter você trabalhando com
ele. Ainda mais agora.

GUSTAVO — Agora? Por que, agora?

CELESTE — Porque a construtora vai iniciar um grande projeto. A construção de


uma hidrelétrica.

GUSTAVO — Uma hidrelétrica?

CELESTE — É. Eu vou lhe contar.

CELESTE E GUSTAVO CONVERSAM FORA DO ÁUDIO.

CORTA PARA:

CENA 07. DIVINÉIA. BEIRA DO RIO. EXTERIOR. TARDE

DIOGO E EDUARDA CHEGAM DE JEEP E PARAM EM UM PONTO. DESCEM DO


AUTOMÓVEL E OBSERVAM O LUGAR.
DIOGO — Acho que é aqui. Não é?

EDUARDA — Deixa eu ver o mapa.

EDUARDA TIRA UM MAPA DE SUA BOLSA E O ESTENDE NO CAPÔ DO JEEP.


ANALISA POR ALGUNS SEGUNDOS.

EDUARDA — É aqui sim. Olha ali aquela ilha no meio do rio. Pelas medições e pela
própria localização, os técnicos disseram que aqui é o lugar perfeito pra
fazer o desvio.

DIOGO — É. Eles podem mudar o curso do rio pra construção da barragem mais
na frente.

EDUARDA — E aqui seria também um bom lugar pra construção de um dos


acampamentos.

DIOGO — Seria mesmo.

EDUARDA — Quem é o dono dessas terras?

DIOGO — Meu tio.

EDUARDA — Vamos ver mais pra frente? Eles marcaram no mapa uma indicação
pro locar da construção da barragem.

DIOGO — Vamos.

Sonoplastia: “JADE” – PEDRO MARIANO. OS DOIS SOBEM NO JEEP, QUE VAI


SEGUINDO A LINHA DO RIO.

CORTA PARA:

CENA 08. CASA DE HILDA. SALA. INTERIOR. TARDE

CONTINUAÇÃO DA CENA 03. HILDA E BÁRBARA CONVERSAM EM CLIMA POUCO


AMISTOSO.

BÁRBARA — Eu ouvi muito bem! A senhora me chamou de sangue ruim e disse


que eu não negava a minha raça! Qual é a minha raça?!

HILDA — Você está alterada. Eu não estou acostumada a que falem comigo
nesse tom!

BÁRBARA — Mas então é bom se acostumar rapidinho!

HILDA — Menina, me respeite!


BÁRBARA — Eu não estou lhe desrespeitando! Eu só quero saber o que a senhora
quis dizer com isso.

HILDA — Eu não quis dizer nada! Falei da boca pra fora! Você têm o dom de
me deixar nervosa. Sempre foi assim! Desde criança!

BÁRBARA — Sangue ruim. Claro que esse sangue ruim não é o seu. Não é o dos
Gonzaga.

HILDA ESTÁ IMPACIENTE.

BÁRBARA — Por acaso... É o sangue da minha mãe que é ruim?

HILDA — Pare com isso, Bárbara!

BÁRBARA — Vocês nunca falam da minha mãe. Só falam que era uma namorada
do meu pai e que se chamava Regina. Só vi uma foto dela, uma foto
velha. Nunca falei com nenhum parente. Era ela que tinha sangue ruim?

HILDA — Você está colocando chifre em cabeça de cavalo. Acho melhor você
voltar pra fazenda. Já arranjou confusão demais em Divinéia por hoje.

BÁRBARA — Me fala da minha mãe. O que a minha mãe fazia pra senhora dizer
que eu não nego a minha raça?

HILDA — Chega! Eu não vou mais ficar aqui escutando esse monte de sandices!
Se você quiser ficar aí, fique, mas vai falar sozinha!

HILDA ANDA EM DIREÇÃO AO ESCRITÓRIO.

BÁRBARA — Dona Hilda, volta aqui! Volta aqui que eu não acabei!

HILDA ENTRA NO ESCRITÓRIO E TRANCA A PORTA.

BÁRBARA — Vovó! Vovó! (p) Que ódio!

BÁRBARA ANDA UM POUCO PELA SALA, PENSANDO NO QUE VAI FAZER.

BÁRBARA — Não adianta porque essa aí é tão teimosa quanto eu. Não vai me falar
nada!

BÁRBARA SAI.

CORTA PARA:

CENA 09. CASA DE HILDA. EXTERIOR. TARDE


Sonopastia: “SÓ PRA VARIAR” – BARÃO VERMELHO. BÁRBARA SAI FURIOSA DA
CASA DE HILDA E SEGUE ANDANDO PELA RUA. A CAM MOSTRA QUE HILDA A
OBSERVA DA JANELA.

CORTA PARA:

CENA 10. CASA DE HILDA. ESCRITÓRIO. INTERIOR. TARDE

HILDA ESTÁ OLHANDO PELA JANELA. FICA ALIVIADA COM A PARTIDA DE


BÁRBARA.

HILDA — Ela já foi. Ainda bem.

HILDA VAI ATÉ A POLTRONA E SE SENTA.

HILDA — Cuidado com o que fala, Hilda Maria. Essa menina não pode saber de
quem é filha. Não pode saber que a mãe é aquela índia nojenta.

CORTA PARA:

CENA 11. HOSPITAL. ENFERMARIA. INTERIOR. TARDE

DONANA ESTÁ DANDO SOPA PARA JULIANO. NARA CHEGA.

NARA — Terminei o serviço lá em casa e vim pra cá ajudá.

DONANA — É bão, filha. As coisa melhoraram por aqui, mas o doutor ainda tá
precisando de ajuda.

NARA — E como ocê tá, Juliano?

JULIANO — Tô bão. Se tivesse na minha casa ia tá melhor.

DONANA — Esse aí num têm jeito. Continua reclamando.

JULIANO — E a senhora qué que eu fique contente de tá no hospital?

NARA — Deixa ele reclamá. Juliano já era assim, desde antes de virá beato.

JULIANO — Do jeito que ocê falá, inté parece que eu sou o único reclamão. Ocê
reclama muito mais do que eu.

NARA — Mas nós não tamo falando de mim e sim de ocê.

DONANA — Juliano, ocê termine de tomá essa sopa que eu preciso conversá com
Nara.

JULIANO — Num quero a sopa.

DONANA — Tô mandando tomá. Obedeça sua mãe.


CONTRARIADO, JULIANO VOLTA A TOMAR A SOPA ENQUANTO DONANA PUXA
NARA PARA UM CANTO.

NARA — O que foi, Donana?

DONANA — Ela teve aqui.

NARA — Ela? Ela quem?

DONANA — Sua filha. Bárbara.

Sonoplastia: “AI QUEM ME DERA” – CLARA NUNES. NARA FICA SURPRESA E


COMOVIDA.

NARA — Minha filha? Minha filha teve aqui?

DONANA — Teve sim.

NARA — Mas... O que ela veio fazê aqui?

DONANA — Veio com André mais o delegado pra falá com Juliano. Tá uma moça
bonita.

NARA — Eu vi, Donana.

DONANA — Viu? Mas viu como?

NARA — Eu... Eu não resisti, Donana. Fui lá na fazenda do mardito.

DONANA — Ocê ficou maluca? Num devia de tê feito isso!

NARA — Eu sei. Eu sei que não, mas foi mais forte do que eu. É minha filha,
Donana. Eu precisava ver ela. Essa menina foi tirada dos meus braço,
levaram pra longe de Divinéia. Eu precisava vê como ela tava.

DONANA — Então... Ocê viu?

NARA SORRI.

NARA — Vi. Ela tá linda demais. É uma mulher. Uma mulher feita.

DONANA — É sim. Uma moça muito bonita. Ocê conseguiu falá com ela?

NARA — Não. Nem tentei. Fiquei só olhando de longe. Até a hora que o
Lucena apareceu.

DONANA — Lucena lhe viu?

NARA — Viu. Mas eu inventei uma história. Disse que tava lá pra falá com
Rita.
DONANA — E ele acreditou?

NARA — Acho que sim. Também num me interessa.

DONANA — Ocê precisa de tê cuidado, Nara. Se alguém descobre que ocê tá


tentando se aproximá de Bárbara, podem contá pra Heitor ou pra bruxa
da Hilda Maria.

NARA — Eu num tenho medo deles.

DONANA — Mas devia de tê.

NARA — Aquela velha ruim já me ameaçou.

DONANA — Ameaçou? Mas quando? O que foi que ela disse?

NARA — Num falô nada que eu já num desconfiasse. Sempre soube que aquela
uma cobra perigosa!

DONANA — Mas então... O que ocê vai fazê?

NARA — Por enquanto, nada. Mas num é porque eu tenha medo dela não.
Quero encontrá a hora certa de contá a verdade pra minha filha.

DONANA — Eu tenho tanto medo, Nara. Medo de que lhe façam arguma coisa.

NARA — Podem até fazê, mas antes eu conto tudo pra Bárbara. Eu lhe juro
isso, Donana. Lhe juro!

CORTA PARA:

CENA 12. FAZENDA DE HEITOR. SALA. INTERIOR. TARDE

EDUARDA E DIOGO ENTRAM.

EDUARDA — O lugar é mesmo perfeito. Acho que pelo menos nesse ponto não há
mais nenhuma dúvida.

DIOGO — Também acho. Na verdade o desvio está praticamente pronto. O leito


do Jurapori já vai servir como o desvio natural.

EDUARDA — Os relatórios foram mesmo muito bem feitos.

LUCENA ENTRA VINDO DO ESCRITÓRIOFALANDO AO CELULAR E ACENA PARA


DIOGO. ELE E EDUARDA COMEÇAM A PRESTAR ATENÇÃO NA CONVERSA.

LUCENA — Eu sei onde é. Tô indo agora mesmo. (p) Não precisa de advogado
nenhum. O delegado é amigo do seu Heitor. Em umas duas horas eu tô
aí. Enquanto isso, vê se não me cria mais nenhuma confusão.
LUCENA DESLIGA O CELULAR.

DIOGO — Algum problema?

LUCENA — É. E infelizmente envolve o seu irmão.

DIOGO — O Pedro? O que aconteceu com ele?

LUCENA — Não aconteceu nada. Não precisa se preocupar. Pedro tá bem. (p) Ele
tá preso.

EDUARDA TROCA OLHARES COM LUCENA E SORRI, ENTENDENDO QUE ERA O


RESULTADO DA ARMAÇÃO DELES. DIOGO NÃO PERCEBE.

DIOGO — Preso? Mas como, preso?!

LUCENA — Preso. Parece que ele arranjou briga num bar de beira de estrada.
Agrediu um homem com uma garrafa. O pobre foi levado pro hospital se
esvaindo em sangue.

DIOGO — O Pedro fez isso? O meu irmão?

LUCENA — Você me desculpa falar, Diogo, mas você não conhece o seu irmão.
Ele tá sempre me arranjando esse tipo de problema. Já mandei ele pra
Araguaiana por causa dessas confusões. Eu vou lá tirar Pedro da cadeia.

DIOGO — Eu vou com você.

EDUARDA — Não! De jeito nenhum!

DIOGO — Como não, Eduarda? É o meu irmão! Ele tá na cadeia!

EDUARDA — Diogo, deixa o Lucena ir sozinho e resolver tudo. Você acha que seu
irmão vai gostar de lhe rever desse jeito? Ele preso por ter... Quase
matado um homem? Atrás das grades? Imagina como ele vai se sentir.
(p) Também não vai ser bom pra você. Depois de tantos anos reencontrar
o Pedro dentro de uma cela de delegacia.

LUCENA — Dona Eduarda tá certa, Diogo. Eu vou lá, resolvo tudo e trago o Pedro
pra cá. Vai ser melhor pra vocês dois.

DIOGO PENSA POR ALGUNS SEGUNDOS.

DIOGO — Talvez... Talvez seja melhor assim.

EDUARDA — É claro que é. Lucena vai lá e traz o Pedro pra casa.

LUCENA — Eu vou indo. Assim que resolver tudo telefono dando notícia.
EDUARDA — Vá rápido, Lucena.

LUCENA — Pode deixar.

MAIS UMA VEZ UMA TROCA DE OLHARES ENTRE OS DOIS SEM QUE DIOGO
PERCEBA. EDUARDA PUXA DIOGO PARA O SOFÁ.

EDUARDA — É melhor você se sentar.

OS DOIS SE SENTAM.

DIOGO — O Pedro na cadeia. Eu não consigo acreditar nisso.

EDUARDA — Parece que... Parece que o seu irmão não é bem... Parece que ele não
é bem como você esperava.

DIOGO — Será?

EDUARDA — Pelo que o Lucena falou não é a primeira vez que ele arranja
problema.

DIOGO — Ele sempre foi mesmo bem genioso. Muito mais do que eu.

EDUARDA — Tomara que você... (p) Já tô falando demais.

DIOGO — Tomara que o quê?

EDUARDA — Nada. Eu tô me metendo demais na sua vida.

DIOGO — Pode falar, Eduarda. Por favor.

EDUARDA — Tá bem. (p) Tomara que você... Não se decepcione com o Pedro.
Falei. Era isso.

DIOGO — Será que... Será que ele é assim tão diferente do que eu penso?

EDUARDA — Pode ser, Diogo. Pelo menos é isso que está parecendo. (p) Se eu
fosse você, ficaria preparada para qualquer coisa.

DIOGO PENSA SOBRE O QUE EDUARDA DISSE.

CORTA PARA:

CENA 13 – CUIABÁ. QUARTO DE HOSPITAL. INTERIOR. DIA

VINÍCIUS NA CAMA. ENTEDIADO. LEONOR ENTRA

LEONOR — Bom dia, querido.

LEONOR DÁ UM BEIJO NO FILHO


LEONOR — O seu Felipe foi comigo até a tesouraria do hospital. Ele queria saber
se o nosso plano cobria todos os gastos. Disse que nós não precisamos
nos preocupar com nada. O que o plano não cobrir, ele paga. E você?
Como você tá?

VINÍCIUS — Imóvel. Da mesma forma como eu vou passar todos os meus dias
daqui pra frente.

LEONOR — Não fala assim, Vinícius! Vai passar os seus dias imóvel sim, mas só
se você não fizer o tratamento. (p) Filho, o médico disse que talvez esse
estado em que você esteja possa ser revertido. Têm tratamento, Vinícius.
Pra que pensar desse jeito? Pra que se martirizar assim?

VINÍCIUS — Eu sei de tudo isso. Só que a senhora também tem que entender o meu
lado, caramba!

LEONOR — Filho.

VINÍCIUS — Ontem eu tava lá, correndo naquela fazenda, saltando de cachoeira.


Agora eu to aqui, preso nessa cama. E depois vou continua preso, numa
cadeira de rodas.

LEONOR — Mais vai também seguir o tratamento que o médico pedir e vai voltar
a andar. Eu tenho certeza disso! Não quero ver você se martirizando!

VINÍCIUS — Eu queria ter essa sua certeza.

VINÍCIUS FECHA A CARA E FICA ASSIM POR ALGUNS INSTANTES.

LEONOR — Filho, têm... Têm um outro assunto que eu quero conversar com você.

VINÍCIUS — Mais um? Só falta me dizer que eu tô com os dias contados! Se bem
que se for pra viver assim...

LEONOR — Pára com isso! Não fala uma coisa dessas nem brincando! (p) Eu... Eu
ainda não consegui conversar com o teu pai.

VINÍCIUS — Como não?

LEONOR — Não consegui. Fui até o telefone, teclei o número, mas desliguei.

VINÍCIUS — Desligou por quê?

LEONOR —Você acha que é fácil pra mim ligar pro Arthur e contar tudo o que
aconteceu? Contar que você tá assim?

VINÍCIUS — Tá vendo! Até você tá me tratando como um aleijadinho!

LEONOR — Não é isso!


VINÍCIUS — Ele tem que saber mãe! Eu quero meu pai aqui comigo!

LEONOR — Você nunca precisou dele. Nem você e nem eu.

VINÍCIUS — Mas agora eu preciso! Não quero te obrigar a ficar aqui com ele o
tempo todo, mas eu tenho essa necessidade, de ter o apoio dele. (p) Liga
pra ele mãe. Se não quiser falar com ele, pode deixar que eu falo.

LEONOR, COMOVIDA, PASSA A MÃO PELA CABEÇA DO FILHO.

LEONOR — Deixa filho. Não se preocupa com isso. Eu vou fazer o que você ta me
pedindo. Mesmo que eu não gosto dessa história, eu vou fazer. Ele é seu
pai. Você tem o direito de querer que ele esteja ao seu lado nessa hora.

VINÍCIUS — Obrigado, mãe.

VINÍCIUS RECOSTA A CABEÇA NO TRAVESSEIRO E FECHA OS OLHOS. UMA


LÁGRIMA ESCORRE PELO ROSTO DE LEONOR.

CORTA PARA:

CENA 14. CASA DE BRENO. SALA. INTERIOR. TARDE

CONTINUAÇÃO DA CENA 04. BRENO E LOURDES CONVERSANDO.

BRENO — E é isso. Entendeu?

LOURDES — Entendi. Entendi que você tá tentando me enrolar.

BRENO — Ai meu São Judas Tadeu!

LOURDES — Pode chamar São Judas Tadeu, Santo Antônio do Porquinho, até
Santa Marta Fabril! Não adianta, porque eu não vou cair nessa sua
conversa. Quero saber o que é que você está me escondendo!

BRENO — Eu não estou escondendo nada, mulher!

LOURDES — Breno Athayde, eu posso ser um pouco maluquinha, mas não sou
burra. E nem surda! Ouvi muito bem o que você e o Vidigal estavam
falando. Escutei quando você disse sobre a destruição de Divinéia. Quero
saber que história é essa. Quem tá querendo destruir a nossa cidade?

BRENO — Lourdes, luz da minha vida, flor da minha existência, me ouça! Isso
foi apenas... Foi apenas modo de dizer. Quase uma licença poética. É
claro que não têm ninguém querendo destruir Divinéia. Essa é uma idéia
absurda!

LOURDES — Não vai me contar?


BRENO — Mas eu estou contando.

LOURDES — Tá contando sim. Tá contando mentira. Mas não faz mal.

LOURDES SE LEVANTA E APANHA A BOLSA.

LOURDES — Se você não vai me dizer, com certeza alguma outra pessoa vai.

BRENO — Como assim? Onde você está indo?

LOURDES — Vou sair perguntando pela cidade. Alguém deve saber quem quer
destruir Divinéia. Vou parar todo mundo na rua, um por um, e perguntar.
Uma hora eu encontro alguém que saiba.

BRENO CORRE E SE COLOCA NA FRENTE DA PORTA, DE BRAÇOS ABERTOS.

BRENO — Pelo amor de Deus, Lourdes! Você não é louca de fazer uma coisa
dessas!

LOURDES — Ah, sou! Você sabe que eu sou! Pra isso e pra muito mais. Sai da
minha frente!

BRENO — Não.

LOURDES — Breno Athayde, eu estou mandando você sair da minha frente!

BRENO — Eu não vou sair.

LOURDES — Não vai?

BRENO — Não.

LOURDES — Também não têm problema.

LOURDES SE SENTA AO LADO DA MESINHA DE TELEFONE.

LOURDES — Eu telefono pras pessoas.

BRENO SE SENTA AO LADO DELA.

BRENO — Por favor, Lourdes! Não faça uma coisa dessas!

LOURDES — Depende de você. Vai me contar o que é?

BRENO PENSA POR ALGUNS INSTANTES E DEPOIS DÁ UM SUSPIRO DERROTADO.

BRENO — Tá bem. Eu falo.

LOURDES — Sabia que tinha mesmo alguma coisa!


BRENO — Mas você precisa me jurar que não vai comentar isso com ninguém!
Nem mesmo com o Padre Luís no confessionário!

LOURDES — Tá mais do que prometido! Começa!

BRENO SUSPIRA E COMEÇA A FALAR FORA DO ÁUDIO.

CORTA PARA:

CENA 15. DELEGACIA DE ARAGUAIANA. INTERIOR. TARDE

LUCENA E PEDRO ESTÃO SENTADOS NA FRENTE DO DELEGADO. PEDRO ESTÁ


INQUIETO, MAS UM POUCO ENVERGONHADO.

DELEGADO — E foi isso o que aconteceu. O seu funcionário aqui parece que gosta
de confusão. Arrumou a maior briga no bar e ainda por cima quase
matou um dos clientes.

PEDRO — É mentira! A história não foi assim! Eles é que me provocaram. Eu


tava quieto no meu canto!

DELEGADO — Não adianta ficar negando, rapaz! Existem testemunhas! Todo mundo
viu que foi você quem começou a briga!

PEDRO — Mas é uma injustiça! Eu não acredito que uma coisa dessa esteja
acontecendo!

LUCENA — Pedro, ocê fique calmo. Não adianta nada ficar nervoso. Só vai piorar
a sua situação aqui.

DELEGADO — Lucena têm razão.

LUCENA — Eu quero saber como fica a situação do Pedro. Vim até aqui pra isso.

DELEGADO — Lucena, o que ele fez foi muito sério. Podia ter matado o outro lá.

PEDRO — Eles iam me atacar.

LUCENA — Pedro, por favor! Eu estou aqui tentando lhe ajudar! Tô tentando
resolver todo esse abacaxi que você arranjou. Por favor, não me
atrapalhe!

DELEGADO — Você deve ter muito trabalho com esse aí lá na fazenda, Lucena.

LUCENA — Mas... O rapaz ainda corre risco?

DELEGADO — Não. Já tá fora de perigo. Como você é meu amigo, eu conversei com
os outros dois agredidos. Consegui convencê-los a não prestar queixa
contra o seu... Funcionário.
LUCENA — Então... Não há acusação?

DELEGADO — Deles não. Fiz isso por você, Lucena.

LUCENA — Eu vou ficar lhe devendo essa.

DELEGADO — Mas o dono do bar teve prejuízo. Não foi muita coisa, mas teve.

LUCENA — E... Você acha que se ele receber um bom dinheiro, esquece toda essa
confusão?

DELEGADO — Tenho certeza que sim.

LUCENA — Então não têm mais problema. Pedro é agregado do seu Heitor. Ele
não ia gostar de ver o rapaz preso. Eu cubro o prejuízo do tal do homem.

DELEGADO — Vou ligar pra ele agora mesmo.

ENQUANTO O DELEGADO APANHA O TELEFONE, LUCENA OBSERVA PEDRO, QUE


ESTÁ INQUIETO. A SATISFAÇÃO NO ROSTO DE LUCENA É VISÍVEL.

CORTA PARA:

CENA 16. DELEGACIA DE ARAGUAIANA. EXTERIOR. TARDE

PEDRO E LUCENA SAEM DA DELEGACIA.

LUCENA — Como é que você me apronta uma dessas, Pedro?

PEDRO — Eu já disse que não fiz nada! Foram eles quem começaram a briga.

LUCENA — Mas as testemunhas...

PEDRO — Não me interessa as testemunhas! Elas estão mentindo, ou estão


malucas! Eu sei o que aconteceu! (p) Mas não adianta falar, porque
ninguém acredita em mim mesmo. (p) Eu vou voltar no posto e pegar a
caminhonete.

LUCENA — Já mandei Tonho fazer isso. Você volta comigo. Entra no jeep.

PEDRO — Ainda mais essa. Preciso de babá!

PEDRO ENTRA CONTRARIADO NO JEEP. LUCENA SORRI SATISFEITO E TAMBÉM


ENTRA NO CARRO.

CORTA PARA:

CENA 17. CASA DE BRENO. SALA. INTERIOR. TARDE


CONTINUAÇÃO DA CENA 14. LOURDES ESTÁ PERPLEXA COM O QUE BRENO ACABA
DE LHE CONTAR.

LOURDES — Hidrelétrica?! Aqui em Divinéia?!

BRENO — Psssiu! Fala baixo!

BRENO CORRE PARA OLHAR ATRÁS DAS PORTAS E VER SE NÃO TÊM NINGUÉM
OLHANDO, DEPOIS VOLTA A SE SENTAR.

BRENO — Ninguém pode saber disso, Lourdes! Esse assunto é sério demais!

LOURDES — Eu já disse que não vou falar nada! Pode ficar tranqüilo. (p) Uma
hidrelétrica. Mas por que, aqui? Você mesmo disse que a cidade... Que a
cidade vai ser inundada. Não dava pra fazer em outro lugar?

BRENO — Não sei. O Heitor ficou de vir aqui, conversar com a gente, explicar
tudo direitinho, mas até agora nada. Se você quer saber, nem certeza de
que essa hidrelétrica vá sair, eu tenho.

LOURDES — Mas Breno, isso é bom ou ruim pra gente? Claro que vai ser um
transtorno, mas existe alguma vantagem pra gente se a hidrelétrica for
construída?

BRENO — Vantagem... Sempre dá pra tirar. É só mexer os pauzinhos certos.


Ainda mais eu sendo prefeito.

LOURDES — Não sei se eu gosto disso, Breno.

BRENO — De eu tirar vantagem?

LOURDES — Não! Disso eu gosto! Sem vantagem como é que eu posso comprar os
meus perfumes importados? Tô falando dessa história de inundarem
Divinéia. Eu sei que isso aqui não é lá grande coisa, que é um fim de
mundo... Mas é a nossa cidade. Foi aqui que a gente nasceu. Sem contar
que tudo que é nosso tá aqui. Como vai ser?

BRENO — Nesses casos sempre têm indenização. E pelo que eu tô sabendo,


existe até o projeto da construção de uma nova Divinéia.

LOURDES — É?

BRENO — Pelo menos foi o que me falaram.

LOURDES — Menos mal. (p) Mas eu acho que isso pode ser uma faca de dois
gumes. A repercussão pode ser péssima pra sua carreira política.

BRENO — E você acha que eu também não estou preocupado com isso? Não
paro de pensar. Pode ser uma catástrofe!
LOURDES — Breno, você precisa pensar muito bem nesse assunto. Precisa ver se
vale mesmo a pena apoiar essa tal hidrelétrica. Imagina só quantos
eleitores vão ficar sem casa! Porque é isso o que eles vão pensar! Não
adianta dizer que vão fazer outra cidade. Pra esse povinho, eles vão
perder tudo e acabou. E são eles que votam em você.

BRENO — Eu sei. E a minha imagem não tá das melhores com esse raio dessa
epidemia.

LOURDES — Pois é. Por isso que eu estou falando. Breno, essa história vai começar
uma guerra aqui em Divinéia, e você precisa escolher muito bem de que
lado vai ficar.

BRENO OLHA PENSATIVO PARA A MULHER.

CORTA PARA:

CENA 18. SÍTIO DE ZÉ MARTINS. COZINHA. INTERIOR. TARDE

Sonoplastia: “SINÔNIMOS” – CHITÃOZINHO & XORORÓ E ZÉ RAMALHO. CHICA


ESTÁ PREPARANDO COMIDA NA PIA DA COZINHA. DE REPENTE ELA PÁRA,
PENSATIVA INSERT FLASHBACK – CENA 11 – CAP. 05. ELA E PEDRO SE BEIJANDO
NA VARANDA DO SÍTIO. A CENA DEVE SER EM CÂMERA LENTA. FIM DO
FLASHBACK.

CHICA — Diacho de vida! As coisa num podia sê bem mais fácil do que é?
Pedro podia querê i embora daqui comigo e ia ficá tudo certo. E ocê,
Chica, também é uma cabeça dura. Têm tratado o pobre de um jeito!

BRISA ENTRA SEM QUE A IRMÃ PERCEBA E FICA OUVINDO ELA FALAR SOZINHA.

CHICA — Mas eu também num tenho culpa se ele num consegue entendê as
coisa. Nossa vida ia sê bem melhor longe daqui. Ele fica dizeno que tá
pensano em ganhá mundo, em saí de Divinéia, mas aposto que é tudo da
boca pra fora! No fundo o que ele qué mesmo é fica véio aqui. Mas eu
não! Eu num quero isso, não! Imagina que eu, Chica Martins... Chica,
não! Débora! Imagina que eu, Débora Martins, vô passá o resto dos meus
dia nesse lugar besta! Nem morta! Nem morta!

BRISA — Ocê deu pra falá sozinha agora, Chica?

CHICA SE ASSUSTA E OLHA PARA A IRMÃ, QUE COMEÇA A RIR.

BRISA — Ocê me adescurpa. Eu num queria lhe assustá.

CHICA — Num queria, mas assustô! Isso lá é jeito de entrá? Parece uma arma
penada! Num faz barulho e de repente desembesta a falá!
BRISA — Ocê tava falano de Pedro, num é?

CHICA — Tava. Ocê ouviu.

BRISA — Ocê queria que ele fosse embora de Divinéia com ocê, num queria?

CHICA — Era tudo o que eu queria da minha vida. O que eu sempre quis.

BRISA — Quando... Quando ocê foi embora daqui com aquele caminhoneiro,
foi por isso? Foi só pra saí daqui?

CHICA SE ENCOSTA NA PIA, PENSATIVA, COMO SE RECORDASSE.

CHICA — Quando eu conheci ele, ainda num namorava Pedro. A gente teve um
namorico de criança, mas só isso. Aí o Leonardo chegou aqui na cidade.
Homem bonito, que sabia falá as coisa que uma mulher qué escuta. Eu
me encantei por ele e ele por mim. Nóis namorô um tempo e ele me disse
que queria caçá serviço longe daqui.

BRISA — De onde ele era?

CHICA — Do interior de São Paulo. Dizia que a vida aqui era parada demais pra
ele. Nessa época eu já queria ir embora de Divinéia, mas era menor de
idade. Pai num deixou. Ficou até contra o namoro.

BRISA — Eu lembro pouco disso, era pequena, mas lembro de ocês dois
brigando.

CHICA — Era só o que eu e pai fazia naquela época. Brigá! Eu resorvi i embora
sem ele sabê. Vivi uns dois mês com Leonardo, mas num deu certo. Ele
era um safado. Num podia vê um rabo de saia. Foi aí que eu vi que num
tava apaixonada por ele. Tava apaixonada pelo que ele era pra mim.
Porque, com ele, eu podia sair de Divinéia. Era isso que eu queria. E
podia tê sido com quarqué um. Mas quando eu larguei ele, vi que num
tinha pra onde corrê, aí acabei vortando pra cá. (p) Pai me recebeu de
cara feia, mas recebeu.

BRISA — A cara feia do pai num dura dois dia.

CHICA — E eu num sei disso? Depois eu comecei a namorá Pedro e tô aqui.

BRISA — Pedro é um bom homem. Ocê devia de levantá as mão pro céu todo
dia. Um home bão desses e apaixonado por ocê. Têm um monte de
mulher por aí querendo isso.

CHICA — Mas num é só Pedro que é assim, não. Bicho-Brabo também é.

BRISA — Ocê num comece.


CHICA — Brisa. Ocê precisa falá com ele. O pobre deve de tá sofrendo. O que
ocê fez com o moço...

BRISA — Eu sei, Chica! Tô aqui morrendo de curpa. Num sei como vô te cara
de falá com ele.

CHICA — Eu tenho certeza de que ele vai lhe perdoá. Sabe por quê? Porque
Bicho-Brabo lhe ama. Amor de verdade. Eu sei que a gente num escolhe
de quem gosta, mas eu, se fosse ocê, tentava vê esse moço com outros
óio.

BRISA OLHA A IRMÃ, PENSATIVA.

CORTA PARA:

CENA 19. FAZENDA DE HEITOR. EXTERIOR. TARDE

O JEEP TRAZENDO LUCENA E PEDRO CHEGA E PÁRA NA FRENTE DA CASA. PEDRO


APANHA SUA MOCHILA, DESCE E VAI ANDANDO NA DIREÇÃO DA PORTEIRA.

LUCENA — Espera, Pedro!

PEDRO — Tô indo pra minha casa! Já escutei sermão demais por hoje! Amanhã
eu volto pra trabalhá!

LUCENA OBSERVA PEDRO INDO EMBORA. SORRI SATISFEITO E ENTRA NA CASA.

CORTA PARA:

CENA 20. FAZENDA DE HEITOR. SALA. INTERIOR. TARDE

DIOGO, EDUARDA, BÁRBARA E ANDRÉ ESTÃO SENTADOS CONVERSANDO.


QUANDO LUCENA ENTRA, DIOGO E EDUARDA SE LEVANTAM.

DIOGO — Cadê o meu irmão, Lucena? Cadê o Pedro? Ele ainda tá preso?

LUCENA — Não. Eu resolvi tudo. Os homens lá acharam melhor não prestar


queixa. Terminou tudo bem.

EDUARDA — Graças a Deus.

DIOGO — Mas cadê o Pedro?

LUCENA — Foi embora pra casa. Num tava pra muita conversa. Também não é
pra menos.

DIOGO FICA DECEPCIONADO.

DIOGO — Ele não quis vir até aqui pra me ver?


LUCENA — Diogo, eu... Eu nem disse que você estava aqui. Ia dizer agora, mas
ele foi logo saindo.

DIOGO — Então... Ele tá aqui perto.

LUCENA — Tá sim. Acabou de sair pela porteira.

DIOGO — Eu vou atrás dele!

EDUARDA — Diogo, talvez seja melhor...

DIOGO — Eu vou atrás do meu irmão! Preciso falar com ele.

DIOGO SAI. LUCENA E EDUARDA TROCAM OLHARES, MAS DESSA VEZ, ANDRÉ
PERCEBE.

CORTA PARA:

CENA 21. FAZENDA DE HEITOR. PASTO. EXTERIOR. TARDE

Sonoplastia: “SAUDADE DA MINHA TERRA” – SÉRGIO REIS. PEDRO SEGUE


ANDANDO PELO PASTO. CORTE PARA DIOGO GALOPANDO UM CAVALO. ELE VÊ
PEDRO AO LONGE, SORRI E APRESSA O PASSO DO ANIMAL. AO CHEGAR MAIS
PRÓXIMO, QUANDO CONSEGUE VER MELHOR O IRMÃO, PÁRA ASSUSTADO.

DIOGO — Mas... É o pai! É o meu pai.

OS OLHOS DE DIOGO SE ENCHEM DE LÁGRIMAS. SORRI.

DIOGO — Ele ficou igual ao meu pai.

DIOGO FAZ COM QUE O ANIMAL VOLTE A GALOPAR NA DIREÇÃO DO IRMÃO.


PEDRO SE ASSUSTA QUANDO O ANIMAL SE APROXIMA. PÁRA E FICA VENDO DIOGO
DESCER DO CAVALO E SE APROXIMAR DELE SORRINDO. PEDRO O OBSERVA POR
ALGUNS INSTANTES. AOS POUCOS PERCEBE-SE, PELA EXPRESSÃO DE SEU ROSTO,
QUE ELE ESTÁ RECONHECENDO O IRMÃO. ABRE UM SORRISO.

DIOGO — Não acredito. Tanto tempo. Você é...

PEDRO — Eu sou Pedro. E você... Você é Diogo!

DIOGO — Pedro... Meu irmão.

OS DOIS COMEÇAM A RIR EMOCIONADOS, VÃO SE APROXIMANDO E FINALMENTE


SE ABRAÇAM. UM ABRAÇO FORTE, ENTRE DOIS IRMÃOS QUE NÃO SE VIAM HÁ
MAIS DE VINTE ANOS. A IMAGEM SE CONGELA, UMA PAREDE DE LABAREDAS
TOMA CONTA DA TELA E SE TRANSFORMA EM UM GRANDE MURO DE TERRA SÊCA.

FIM DO CAPÍTULO

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