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As malas do Senhor

Inverno
Quando o Senhor Inverno chegou,
poucas foram as pessoas que deram conta
da sua vinda.

A rádio deu a notícia, a televisão


igualmente, mostrando paisagens cobertas
de neve e os jornais incluíram-na nas suas
páginas interiores.
As pessoas andavam
preocupadas com o Natal,
com a compra de presentes
e os arranjos nas casas e não
ligaram ao facto.
A casa do Toninho a
notícia chegou pelo pai. À
noite, ao regressar a casa e
colocando uma casinha de
palha no presépio disse:

- Já chegou o Senhor Inverno!


- Chegou!? – interrogou o pequeno, que
nunca o tinha visto.

- Está sempre o mesmo; metido naquele


casacão todo negro.

- Deve ser bem velho,


pai? – perguntou o
Toninho.
- Se o é, não o mostra!... Nem dá para ver,
com aquele grande chapéu enterrado até ao
pescoço… Mal desembarcou, se é que era
ele dirigiu-se rapidamente à aerogare,
cumprimentou as pessoas que encontrou
sem descalçar as
luvas, também negras
e tomou lugar no seu
carro privativo,
enquanto os
seguranças metiam as
enormes malas no
porta-bagagens.
- O Senhor Inverno traz malas? – questionou
o pequeno curioso.

- Traz!... E cada vez mais!... São


pesadíssimas!... Cada uma deve pesar perto
de uma tonelada, pelo esforço que os
homens faziam.
- Que trará o Senhor Inverno nas malas, pai?

- Não sei! – respondeu este. – Nem passaram


pela Alfândega!

- Talvez dê uma ajudinha ao Pai Natal a


entregar brinquedos! – sugeriu a mãe.

E a conversa ficou por ali.


Depois veio o Natal, sempre lindo, com o
Menino Jesus nas palhinhas, os
brinquedos, a família reunida, as roupas
novas, os passeios pela cidade toda
iluminada e tanta coisa boa, que não se
pode descrever.
Mas a notícia que o Senhor Inverno trazia
malas cheias de coisas, não saía da cabeça
do pequeno.

Que terão dentro?


E, quando a escola recomeçou, o
Toninho, em segredo, deu a notícia aos
amigos íntimos.

Combinaram então um dia ir até à casa


do Senhor Inverno desvendar o mistério.
- Onde mora o Senhor Inverno? –
perguntaram ao professor.

- Dizem que é no alto da serra, mas não


há caminho para lá chegar.
Perguntando aqui e ali, descobriram o
local e certa manhã, munidos de material
adequado, escalaram a montanha.
Como era belo contemplar o casario lá
de cima, por vezes encoberto com um
manto escuro de nuvens!

As corujas e as águias, escondidas nos


buracos da rocha, assustaram-nos, mas a
curiosidade em saber o que escondiam as
malas era maior.
Finalmente, avistaram a casa, também
negra, na beira de um precipício.
De súbito, a porta abriu-se e o Senhor
Inverno, solene, saiu, olhou para todos os
lados e penetrou na mata densa.
- Vamos lá! – disseram uns aos outros.

E correndo em bicos de pé, entraram na


misteriosa casa cheia de teias de aranha,
grilos e corujas.
No meio da sala estavam doze malas
enormes, colocadas em fila.
Os pequenos fizeram força e abriram a
primeira, cuja fechadura fez algum barulho
ao saltar a tampa.

Dentro havia muitos balões com a


palavra “Chuva” escrita por fora.
Chuva Chuva

Chuva
Chuva
Chuva
Chuva
Repentinamente abriu-se o tronco de
uma árvore em frente da casa e saiu uma
velha, todo vestida de negro, que correu
para eles com ar ameaçador.
Que fazem aqui?...
Não sabem que é
proibido entrar na
casa do Senhor
Inverno?
Que susto apanharam os pequenos!

Queríamos apenas
saber o que
guardavam as
malas!
Ah!... Então vocês
são curiosos e
valentes!... Não
era qualquer um
que se atrevia a
isto!

Sim, Senhora!...
Eu quero ser
cientista!
Olhem!... Eu sou a
governanta do
Senhor Inverno.
Faço-lhe a limpeza da
casa e trato dele
quando está cá. É
bom homem, mas
muito esquisito.
Raramente falo com
ele. Venho aqui
quando está e vou-
me embora antes que
ele volte.
Mas, que têm as
malas, senhora?
Cada mala está cheia
de balões diferentes.
Numa estão os
ventos fracos; noutra
os ventos fortes. Ali
estão as
tempestades…
acolá… os trovões…
enfim… tudo aquilo
que acontece no
tempo em que o
Senhor Inverno é rei
na terra.
es
t o s r t
o
Ven cos s
F
Fra nto
Ve

Tempestades

Trovões
E é tudo para
rebentar?
Quando chega a
altura própria o
Senhor Inverno
pega em cada um
deles, vai até à
beira da rocha e
rebenta-o com as
suas mãos
pesantes, deixando
cair as coisas pela
rocha abaixo.
Depois de uma pausa para respirar, a
velhinha, que não era má, afinal, continuou
a explicação.
Só que o Senhor
Inverno é uma
pessoa muito
esquisita. Por
vezes, pega no
sono, esquece-se
do seu dever e,
quando acorda,
vendo ainda muito
balão para rebentar,
pega neles e atira-
os por aí abaixo de
uma única vez.
Ah!... Agora compreendo
a razão das tempestades
que assolam os países,
destruindo casas,
derrubando árvores e
matando pessoas e
animais.
É verdade! Mas,
vão-se embora,
antes que o Senhor
Inverno volte!... E…
não digam a
ninguém que
estiveram aqui!...
Ouviram?
Sim, senhora!

Afastaram-se dali o mais


rápido possível, sentindo
as passadas pesadas do
Senhor Inverno que
voltava do seu passeio
matinal.
À noite, na sua camita, ouvindo a chuva
e o vento a fazer barulho lá fora, Toninho
pensava:

O Senhor Inverno
é bom e é mau!...
Coitado!... Não
tem culpa!... A
idade já é muita!...
Quando crescer,
vou estudar e
talvez possa
ajudar o Senhor
Inverno!

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