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Torre em Dubai simboliza fim da extravagância

Arquitetura da próxima década declara fim dos excessos e retorna às


linhas austeras de um modernismo sustentável

SILAS MARTÍ – FOLHA DE S.PAULO - 05 Fev 2010

Tem nome de xeique o último exemplo da era dos excessos na arquitetura.


Em meio à crise econômica, Dubai inaugurou no mês passado o arranha-céu
mais alto do mundo, que teve de batizar com o nome do sultão de Abu Dhabi,
que evitou a bancarrota do projeto.

Agulha que desponta no deserto, o Burj Khalifa tem 828 metros de altura, 192
andares, 57 elevadores, 1.044 apartamentos de luxo, 49 salas comerciais, 160
quartos de hotel, uma piscina suspensa e até uma mesquita no 158º andar.
Custou US$ 1,5 bilhão e ainda não vendeu todos os espaços.

Executivos do emirado que sucumbiu no colapso econômico estão cruzando os


dedos para a coisa deslanchar, mas a torre reluzente, na melhor das
previsões, deve amargar algum prejuízo. No horizonte poeirento, de canteiros
de obras paralisadas, é um símbolo incontestável do fim da arquitetura
extravagante que marcou a primeira década deste século.

”Os tempos do excesso acabaram”, afirmou Frank Gehry, em entrevista


recente, ele mesmo um dos maiores representantes do star system dos
arquitetos. “É preciso poupar energia e dinheiro. Não sei se isso é bom ou
ruim, mas é o que há.”

No caso de Gehry, está mais para ruim. Seu projeto de mais uma filial do
Guggenheim no emirado vizinho, Abu Dhabi, não vai muito bem das pernas e
coleciona ataques dos críticos antes mesmo de ser concluído.

À sombra da megatorre de Dubai e do faraonismo das ilhas artificiais, renasce


como tendência um modernismo comedido, um retorno às linhas ortogonais
mais austeras, um compromisso com o ambiente, e a fusão definitiva entre os
espaços interno e externo.

Neomodernismo

Projetos em andamento neste ano já trazem na planta essa reabilitação do


modernismo. Quando veio a São Paulo, Jacques Herzog, da dupla Herzog e De
Meuron, disse que seu Teatro da Dança, megaprojeto na região da Luz, recicla
preceitos de Lina Bo Bardi e Oscar Niemeyer. Viu nesses arquitetos um
“frescor ainda chocante”.

Niemeyer, Le Corbusier, Mies van der Rohe também estão entre os “heróis”
de Ryue Nishizawa e Kazuyo Sejima, dupla de japoneses do escritório Sanaa.
Além de projetar a filial do Louvre no norte da França, translúcida, em fusão
com o entorno, são pontas de lança desse neomodernismo.
Sinal de que é essa a tônica dos anos 2010, Sejima foi eleita para presidir a
próxima Bienal de Arquitetura de Veneza. Elencou entre suas metas a busca
pela arquitetura que consiga se integrar melhor ao espaço circundante, sem
sobressaltos e formas mirabolantes.

Shigeru Ban, japonês que projeta a filial do Pompidou, também na França,


parece seguir essa cartilha. “Queria fazer um museu aberto ao público, não
uma escultura”, disse à Folha sobre o museu que será inaugurado neste ano.
“Será um grande telhado aberto ao entorno, um prédio flexível.”

Estrela do calibre de Gehry, Zaha Hadid mostrou que também sabe domar
suas formas arredias. No Museu Nacional das Artes do Século 21, em Roma,
reduziu suas curvas orgânicas e elipses estonteantes a blocos de concreto
aparente, numa distribuição que encarna essa nova onda de austeridade.

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