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IV. A Politica como Vocacio E.. conferéncia, que pronuncio por solicitago vossa, ir necessariamente decepcionar, sob varios aspectos. Esperais, naturalmente, que eu tome uma posigio em relacao aos pro. blemas concretos do momento. Mas isto s6 ocorrer’ de modo formal e no fim, quando apresentarei certas questées relacionadas com a significacao da acio politica na totalidade do modi de vida. Na conferéncia de hoje, todas as questoes relacionadas com a diretriz e o contetido que devemos dar nossa ativicade politica devem ser eliminadas, pois nada tém aver com a questo geral do que significa a politica como vocagao € 0 que ela pode signi- ficar. Passemos, agora, a0 nosso tema. © que entendemos por politica? O conceito é extremamente amplo e compreende qual- quer tipo de lideranga independente em agio. Fala-se da politica financeira dos bancos, da Politica de descontos do Reichsbank, da politica grevista de um sindicato; pode-se falar da Politica educacional de uma municipalidade, da politica do presidente de uma associa¢ao voluntdria ¢, finalmente, até mesmo da politica de uma esposa prudente que busca orientar © marido. Hoje, nossas reflexbes nao se baseiam, decerto, num conceito tio amplo. Queremos compreender como politica apenas a lideranca, ou’a influéncia sobre a lideran- a, de uma associagao politica, e, dai hoje, de um Estado. Mas 0 que € uma associacao “politica”, do ponto de vista sociolégico? O que € um “Estado”? Sociologicamente, o Estado n3o pode ser definido em termos de seus fins. Dificilmente havera qualquer tarefa que uma associa¢o politica nfo tenha tomado em suas mos, ¢ ndo ha tarefa que se possa dizer que tenha sido sempre, exclusivamente e pecu- liarmente, das associagdes designadas como politicas: hoje o Estado, ou, historicamente, as associacdes que foram predecessoras do Estado modemo. Em tiltima andlise, s6 podemos definit o Estado modemo sociologicamente em termos dos meios especificos peculiares a ele, como peculiares a toda associag3o politica, ou seja, o uso da forca fisica. “Todo Estado se fundamenta na forca’, disse Trotski em Brest-Litovsk. Isso é realmente cer- to, Se nao existissem instituigdes sociais que conhecessem o uso dla violéncia, entio o conce to de “Estado” seria eliminado, e surgitia uma situagao que poderiamos designar como “anar- quia”, no sentido especitico da palavra. E claro que a forca nao , certamente, o meio nomal, nem o Ginico, do Estado ~ ninguém o afimma ~ mas um meio especifico a0 Estado, Hoje, 2s Poleie al BeruP, Gessmmete Poltische Seiten Munkqe<, 1920, pp. 396450. Onginalmente, ducurco pronunciado na Unlversidace de Munique, 1918, publicado em 1919 por Duncker & Humblodk, Munigue: | 56 _ENSAIOS DE soctOLoGrA relagdes entre 0 Estado ¢ a violencia sto especialmente intimas. No passado, as instituigoes mais variadas — a partir do cla - conheceram o uso da forca fisica como perfeitamente nor- mal. Hoje, porém, temos de dizer que o Estado € uma comuniclade humana que pretende, com éxito, 0 monopélio clo uso legitimo da forga fisica dentro de um determinado territ6rio. Note-se que “territ6rio” é uma das caracteristicas do Estado. Especificamente, no momento presente, o direito de usar a forca fisica € atribuido a outras instituigdes ou pessoas apenas na medida em que 0 Estado 0 permite. O Estado é considerado como a tinica fonte do “direito" de usar a violéncia. Dai “politica”, para nés, significar a participac&o no poder ou a luta para influir na distribuigo de poder, seja entre Estados ou entre grupos dentro de um Estado. Isto corresponde essencialmente ao uso comum. Quando se afirma que uma questao € “politica”, quando um ministro do Gabinete ou uma autoridade € considerado como “politi- co", ou quando uma decisio é tida como “politicamente” determinada, 0 que se est que- tendo dizer, sempre, € que os interesses na distribuicdio, manutengio ou transferéncia do Poder sio decisivos para a resposta as questes ¢ para se determinar a decisto ou a esfera de atividade da autoridade. Quem participa ativamente da politica luta pelo poder, quer co- mo um meio de servir a outros objetivos, ideais ou egoistas, quer como o “poder pelo poder’, ou seja, a fim de desfrutar a sensagio de prestigio atribuida pelo poder. Como as instituigées politicas que o precederam historicamente, o Estado € uma relagio de homens dominando homens, relacio mantida por meio da violéncia legitima (isto é, considerada como legitima). Para que o Estado exista, os dominados devem obedecer 4 autoridade alegada pelos detentores do poder. Quando e por que os homens obedecem? Sobre que justificacao intima € sobre que meios exteriores repousa esse dominio? Para comegar, em principio, hia ts justificagdes interiores, e portanto legitimacées, basi~ cas do dominio, Primeira, a autoridade do “ontem etemo’, isto 6, dos mores santificados pelo reconheci- mento inimaginavelmente antigo ¢ da orientaco habitual para o conformismo. E 9 dominio “tradicional” exercido pelo patriatca e pelo principe patrimonial de outrora. Hi a autoridade do dom da graga (carisma) extraordinario e pessoal, a dedicacio absolu- tamente pessoal e a confianga pessoal na revelacio, heroismo ou outras qualidades da lide- tanga individual. F dominio “carismético”, exercido pelo profeta ou, no campo da politi- ca, pelo senhor de guerra eleito, pelo govemante plebiscitirio, © grande demagogo ou o lider do partido politico. Finalmente, ha o dominio em virtude da “legalidade”, em virtude da fé na validade do estatuto legal e da “competéncia” funcional, baseada em regras racionalmente criadas Nesse caso, espera-se obediéncia no cumprimento das obrigacées estatutirias. E 0 dominio exercido pelo modemo “servidor do Estado” ¢ por todos os portadores do poder que, sob esse aspecto, a ele se assemelham. Compreende-se que, na realidade, a obediéncia é determinada pelos motivos bastante fortes do medo e esperanga — medo da vinganca dos poderes magicos do detentor do Poder, esperanca de recompensa neste mundo ot no outro — e, além de tudo isso, pelos mais variados interesses. Vamos falar disso. Mas ao procurar as ‘legitimagdes” clessa obe- digncia, encontramos esses trés tipos “puros”: “tradicional, “carismatico” e “legal”. : Essas concepgdes de legitimidade e suas justificagdes intimas sto de grande significagao para a estrutura do dominio. Na verdade, os tipos puros raramente se encontram, na reali- dade. Mas hoje no podemos tratar de variantes, transig6es ¢ combinagées altamente com- Plexas desses tipos puros, cujos problemas pertencem & “ciéncia politica’, Interessamo-nos, aqui, principalmente pelo segundo desses tipos: dominio em virtude da dedicacfo, dos que obedecem, ao “carisma” exclusivamente pessoal do “lider”. Pois essa é a raiz de uma voca. a0 em sua expressio mais elevada. A POLITICA COMO VoCAGAO ST A dedicagio ao carisma do profeta, ou ao lider na guerra, ou ao grande demagogo na ecclesia ou no parlamento, significa que o lider € pessoalmente reconhecido como o lider inerentemente “chamado” dos homens. Os homens nao o obedecem em virtude da tradi- so ou lei, mas porque acreditam nele. Quando € mais do que um oportunista limitado e presungoso, o lider vive para sua causa e “luta pela sua obra’.! A dedicac&o de seus discf- pulos, seus seguidores, seus amigos pessoais do partido € orientada para a sua pessoa e para suas qualidades, a A lideranga carismatica surgiu em todos os lugares em todas as Epocas histéricas. Mais destacadamente no passado, surgiu: nas duas figuras do magico ¢ profeta, de um lado, e do senhor de guerra eleito, 0 lider de grupo e condotiere, do outro. A lideranca politica, na forma do “demagogo” livre que nasceu no solo da cidade-Estado, é de maior intetesse para nés. Como a cidade-Estado, 0 demagogo € peculiar ao Oriente, especialmente & cultura mediterranica. Além disso, a lideranga politica na forma do “lider partidério” parlamentar cresceu no solo do Estado constitucional, que também s6 é indigena do Ocidente. Esses politicos de “voca¢o”, no sentido mais auténtico da palavra, sio em toda parte as Jinicas figuras decisivas nas correntes cruzadas da luta politica pelo poder. Os meios auxi- liares & sua disposicao também sao altamente decisivos, Como os poderes politicamente dominantes conseguem manter seu dominio? A questio € valida para qualquer tipo de dominio, portanto também para o dominio politico em todas as suas formas, tradicionais, legais ¢ carismaticas. © dominio organizado, que demanda a administracao continua, exige que a conduta humana seja condicionada a obediéncia para com os senhores que pretendem ser 0s porta- dores do poder legitimo. Por outro lado, em virtude da obediéncia, o dominio onganizado exige 0 controle dos bens materiais que em determinado caso sio necessérios para 0 Uso da violencia fisica. Assim, 0 dominio organizado exige o controle do quadro de pessoal executivo ¢ os implementos materiais da administracio. © quadro administrativo, que representa externamente a organizacio do dominio politi- co, €, certamente, como qualquer outta organizacio, limitado pela obediéncia a0 detentor do poder e no apenas pelo conceito de legitimictade, do qual falamos acima. Ha dois outros meios atracntes para os interesses pessoais: a recompensa material e a honraria social. Os feudos de um vassalo, as prebendas das autoridades patrimoniais, os sal4rios dos modernos servidores piblicos, a honra clos cavaleiros, os privilégios dos estados e a honra do servidor ptiblico compreendem seus respectivos proventos. O temor de perdé-los é a base final ¢ decisiva para a solidatiedade existente entre 0 quadro executivo e o detentor do poder. H4 honra ¢ pilhagem para os seguidores, na guerra; para 0 séquito do demago- 0, hd os “despojos” ~ ou seja, a explorac’o dos dominados, através do monopélio dos car- g08 ~ e ha lucros ¢ prémios a vaidade, politicamente determinados. Todas essas recompen- ‘sas so também derivadas do dominio exercido pelo lider carismatico. Para manter um dominio pela forga so necessdrios certos bens matetiais, tal como ocor- fe com uma organizacio econdmica. Todos os Estados podem ser classificados segundo 0 fato de se bascarem no principio de que os préprios quadros s&io donos dos meios admi- nistrativos, ou de que os quadros sao “separados’ desses meios de administraclo. Essa dis- tincdo € valida no mesmo sentido em que dizemos hoje que o emptegado assalatiado e 0 proletirio na empresa capitalista estio “separados” dos meios materiais de producio. O detentor do poder deve ser capaz de contar com a obediéncia dos membros do quadro, autoridades, ou quem quer que seja. Os meios administrativos podem consistir em dinhei- 10, edificios, material bélico, veiculos, cavalos ¢ muitas outras coisas. Tudo depende de o detentor do poder dirigir e organizar, ou nfo, a administragdo, embora delegando poder executivo a servidores pessoais, autoridades contratadas, ou favoritos e pessoas de confian- 58 ENSAIOS DE socroLocta $% que nao séo os donos, isto €, que nao usam os meios materiais de administragdo ao seu talante, mas so dirigidos pelo senhor. A disting2o € observada em todas as onganizagoes administrativas do passado. Essas associacdes politicas nas quais os meios materiais de administracio so controlados autonomamente, no todo ou em parte, pelo quadro administrative dependente, podem ser chamadas associagSes organizadas em “estamentos”. O vassalo na associagao feudal, por exemplo, pagava do scu proprio bolso a adminisiragao ¢ judicatura do distrito que Ihe era entregue como feudo. Ele proprio fomecia seu equipamento € provisdes de guerras, e 0 mesmo faziam seus subvassalos. E claro que isto tinha conseqiiéncias para o poderio do senhor, que s6 se bascava numa relagio de f€ pessoal e no fato de que a legitimidade de sua possessio do feudo e a honra social do vassalo cram derivacas do senhor geral Em toda parte, porém, remontando até as mais antigas formagdes politicas, encontramos também o préprio senhor ditigindo a administragio. Ele busca tomé-la em suas mios tor. nando os homens pessoalmente dependentes dele: escravos, agregados domésticos, aten- dentes, “favoritos” pessoais e prebendarios enfeudados em dinheiro ou in nanura 20s seus armazéns. Busca cobrir as despesas com seus préprios recursos, com a receita de seu patti- ‘mOnio; ¢ busca criat um exército que seja dependente dele pessoalmente, porque € equi ado ¢ abastecido de seus celeiros, armazéns ¢ arsenais, Na associacao dos “estamentos", o senhor domina com a ajuda de uma “aristocracia” auténoma e, portanto com ela divide seu dominio. O senhor que administra pessoalmente € apoiado seja pelos membros de sua Casa ou pelos plebeus. Estes so camadas sem propriedades que no tém honra social pré- ria; materialmente, estio completamente presos a cle e niio encontram apoio em nenhum Poder rival préprio. Todas as formas de dominio patriarcal e pattimonial, despotismo sulta. nista ¢ estados burocriticos pertencem a esse tiltimo tipo. A ordem estatal burocratica € especialmente importante: em seu aspecto mais racional, ela é precisamente caracteristica do Estado modemo, Em toda parte, 0 desenvolvimento do Estado modemo € iniciado através da acao do Principe. Fle abre o caminho para a expropriacdo dos portadores autOnomos ¢ “privados” do poder executivo que estio a0 seu lado, daqueles que possuem meios de administragao Préprios, meios de guerra e organiza¢io financeira, assim como os bens politicamente usaveis de todos os tipos. A totalidade do processo € um paralelo completo ao desenvol mento

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