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3. IDEIA E FORMA ORIGINAL’ OU GENUINO? Mas, se a arquitetura modema se baseia no abandono do tipo como elemento genérico de contrale ¢ na assungao do projeto como concepgéic de abjetos particulares, vincu- lados a condicdes e lugares concretos, alguém pode pensar gue cada obra moderna deve ser diferente do resto. Esta 6, no verdade, uma das conclusdes precipitadas que, ao generalizar-se, contribuiu mais eficazmente pare perverter 0 eniendimento da arquitetura moderna: © fato de que, no Ambito da modernidade, 0 outor de um projeto tenho a possibilidade de propor o solucde com independéncia do experiéncia coletiva ~ situacéo que se dé depois do abandono do tipo — néo quer dizer que, além disso, devo prescindir do experiéneia pessool, ao conver ter 0 projeto em uma traicde sistemética aos seus aréprios principios: tal situagao de espontaneismo compulsive néo tem precedentes no histéria nem parece ser ovalizada pelo A nocdo de originalidade, a propésite da arquitetura moderna, surge da condicéo basica des modemidade: a re- nincia & imitogéo. A arquitetura modema se propde atuar ~ como visto até aqui — sem a determinacde do tipo conven- ional que estabilizov a organizacdo dos edificios oo longo de quase quatro séculos do cielo classicista. Nesse sentido, 28 obras do arquiteture modema séo “originais”, isto é, no so cépias de nada Aoriginalidace é, pois, um atributo essencial da orquite- tura moderna a qual, por definicéo, ¢ concebida sem ater-se « modelos. sso néo deve ser confundide com a significado vulgar do termo original, uma adeséo patolégica ao concei- to que perverte seu sentido de “ir & origem dos coisas”. Ros- treande o termo original no dicionério, encontra-se como 62 Mddiaefome sentido figurado: “o que tem cerfo cardter de novidede, fruto da crisgdo esponténea”. Ai desoparece o seniido do “original como genuine” para tomar-se “o original como singular, extraordindrio, extravagante", equilo que, & parte de ser ou néo cépia, se apresenta come novo, Tal nogéo banal de originalidade motivou um entendi- mento equivocado do fundamento estético da modemidade, porquanto o impulso de novidade em cada caso obscure cev 0 reconhecimento da novidede essencial que significa 0 concepgéo subjetiva como processo de construcéo genuina da forma, Em tal processo, a idia de “verdade” ~ caracte Fistica de objetos genuinos ~ se refere & coeréncia interior da obra, ndo é sua adequacio eventual ou dependéncia de outra realidede ou legalidade exterior. Essu nogio de verdade — de autenticidade, pora ser me- nos transcendente ~ & a condicéio da arquitetura: verdade que tem a ver com a consisténcia formal do artefato, no com a sinceridade na expresstio dos materiais ~ fisicos ou teGricos ~ que a constituer © critétio de sinceridade & outro dos mitos do criice que no s6 desfigura a noctio de modernidade, senao que projeta uma sombra sobre 0 seu contomno que impede o seu reconhecimento, Frequentemente hd alusdes a transpo: rancia da obra de arquitetura ~ em relagéo 6 técnica e @ fungao — como um aiributo essencial do sua modemidade, sem levar em conia que tal qualidade & conteaditéria com 2 mediagdo que implica o acio subjetiva de quem projeto. Elefivamente, a transparéncio é um atributo essencial dos pprocessos eleitorais ou dos sistemas bancérios, mas é con- traditério com @ mediagdo essencial da protica de arte: sem mediacac, no hé possibilidade de are. A verdade da are se apéia amitide em insinceridades, isto é, ¢ coeréncia visual que garante a identidade de um objeto pode ser obtida — e, com freqiiéncia & assim ~ por meio da distorgéo da relagdo material enire objeto © os sistemas vilizedos para construir a sua forma. Néo devemos esquecer que « erquiteturs, enquonto se empenha em ma- nifestar a estrutura organizativa de uma ou outra realidade, tua sobre uma dupla realidade: material @ a visual. A realidade da arte é de notureza visual, eo dmbito visual se estabelece no encontro dos modos de ver do sujeito com a reolidade material das coisas. Qualquer prapésito de trans- paréncia no expresso de realidade material néo faz outra coisa sendo renunciar & dimensio subjetiva da mirada em favor da abjetividade de mundo fisico, isto &, abandena 0 teritério especifico da arte para ingressar no da raz6o ou do morel Neste ponto, me parece oporuno retomar um argu: mento, esbocado onteriormente, o qual considero essencal para matizar um aspecto fundamental do falsa consciéneia moderna: 6 polaridade entre @ “arte da expresso" e a “arte da forma”. Quero advertic desde © inicio que tal diviséo néo tem apoio em nenhum argumente tebrico: na verdede, Abo existe uma definigéo de ore que coniemple a possibilidade de aceniuar olternativamente uma ou outra dimenséo. Do mesmo modo, néo feria sentido dividir 0s automéveis entre fs que server melhor para transportar pessoas € os mais apropriods pare consumir gasolina, por mais que seja in- discutvel que, para transportar os ocupantes, os automéveis consomem gosolina ou qualquer outro tipo de combustivel ou energia. A referencia ao automéyel & simplesmente um modo gréfico de corcborar um fendmeno patolégico que corre na realidode: € preferivel simplesmente aceitar que no mundo da arte ha autores que enfatizam a forma @ ou- tos que se empenham em exacerbar 0 expressividade da sua obra, dependendo tanto da sva estruture: psicolégica 64 bia e forma come do made de assumir a historicidade daquela Como ocorre frequentemente, pode sar que uma confu- so nas palvras esteja nai origem do mol-entendide: & co- mum falor-se de expresséic como “aropésite da ert", para deixar clero que néo se trata de um mero processo de mi- mese. & partir dai, devido & hébitos linglisticos inevitivels, 0 termo adquire um sentido que acentua © “cardter genial do criador", atributos tipicos da idéia de artista que fomentam os Operas, os novelos e a literatura barata, Neste caso, 0 polavra expresso alude, mesmo sem explicté-lo, aos senti- mentos do autor, @ suas experiéncias mais infimas: o artista expresso mediante “gestos” seu estado de Gnimo; “se” ex- pressa.a si mesmo, 0 que deixa fora de juizo os instrumentos e critérios que utiliza para fazé-lo. Suas obras seréio aprecia- dos pelo mero fato de serem “expresso” auténtica dos seus sentiments e vivencias. Esse modo de proceder milifica a “liberdade", entendida como auséncia de disciplina, de convengées, de critérios que dificultem @ comunicacéo; confia que o espectador vo: lorizoré sobretudo 0 compromisso de “expressar-se”, muito mais do que o contaide do que é expressado. A oruitetura “gestual” se completa com o identificacéio do gesto, seus defensores sequer indagam sobre o seu sentido i que, em sua dependéncia do subconsciente, renunciam a qualquer compromisso que restrinjo sua “criatvidade". A arquitetura da expressdo se nutre da coningente @ exacerba 0 pessoa) no sentido mois particular do palavra. Nao & casual, pois, abuso das aspas introduzidas nos paréigrafos anteriores: & um modo relativamente econémico de assinalar o caréter “pseudo” que amide adquire a “arte da expressao” Pode ser que tudo se deva a uma mii interpretaca do termo manifestar: a arte, realmente, manifesta a ordem que esirutura uma obra, revela visualmente os critérios de const tuigto do objeto, isto &, manifesta "mostra, dé a conhecer, de @ visio”. @ estrutura formal de um edificio apelondo um ato de juizo do observador. © termo expressar tem também um sentido de manifestar "dor a conhecer” mas sempre em referéncia o um eslado de &nimo ou a afetos intimos; dat que o deslizamento seméntico que acore entre monifestar e expressar se traduza em duas idéios de arqui- fetura diferentes, culos propésitos se ligam a um ou outro ferme. E indubitével que a contribuicéo essencial da moderni- dade arquiteténica néo se deu precisamente no dominio da expresso, mas sim no da forma, de modo que a origina- lidade essencial das suas obras responde a um mado de concebé-los que situs, camo vimos, 0 eriterio de legalidade de sua estrutura formal no préprio objeto. A preferéncia da ‘orquitetura moderna pela canstrucdo da forma néo impli- a anvlacéo nem menosprezo da dimenséo significative de uma ebro, isto 8, néo anula nem dimirui 0 sentido que a obra adquire em um determinado ambita histérico @ cultu- ral. A consciancia histérico do projeto permite controlar até certo ponto esse sentido, cinda que ele dependa, em clkima insténcia, da base social ~ camo o tipo de condugéo inci- de no consumo de combustivel. Porém, inverter os valores, de modo que os propésitos expressives anulem as questoes formcis é, simplesmente, retirar 0 projeto do émbito da arte para instaurd-lo no da psicologia recreate. ‘Appropésito do infimo, quero assinalar que a experiéncia pessoal ndo constitui em si um material que possa nutrir © projeto, 0 ndo ser que seja ranscendida pela proposta de forma. Isso no deve ser entendido como uma rentincia ao ‘aspecto pessoal em fovor do subjetivo universal. A expe- rigncia e as préprias peculiaridades psicolégicas incidem, de alguma maneira, no modo em que cade arauiteto os- 66 idtiae forma sume os convencées histéricas sobre os quais elabora seu trabalho; nesta forma de proceder se manifestam tonto 0 personalidade do arquiteto como sua idéia de tempo histé- rico, sempre matizadas pala especificidade de uma pratica peculiar coma é a artistica O itinerdrio dos grandes arquitetos medemes ~ de Mies ile Corbusier — demonstra exatamente que a fidelidade & suos exparidneias respectivas nao homogeneizou a sua ar quitetura: suas obras mostram sua personalidade, © que thes permit insisir em valores diversos, respectivamente, ainda que ambos compartilhem um projeto estético comum, Jé que ao abandonar 0 tipo se renuncio & experiéncia social e histérica, é razodvel ctuar com a méxima citengdo {8 experiéncio pessoal, 0 que néo implica repetir edifcios, mas sim uiiliar elementos e critérios experimentados. Para- doxolmente, quanto mais experimentados estejam os mo- feficis com que se atua, mais fécil 6 abordar um projeto encominhado & construgdo de um arlefato genuino, detado de identidade formal. E caracteristico dos arquitetos que cconsideram 0 projeto como um ofo de concencéo auténtica © us0 de materiais da prépria experiéncia, conscientes de gue o identidade da obra no sera canfundida com a conti- nuidade dos instrumentos. Pelo contrério, os arquitetos me nos ambiciosos quanto & concepcie ~ e, ao mesmo tempo, menos convencides do seu trabalho ~ coslumam aceniuar a diferenga entre as suas obras com base na substtuigia constante dos insirumentos de que se server Nao hé duvida de que a obsessdo pela acepeéio mais banal de originalidade entre as comentadas aqui ~ aquela que o relaciona com o que & novidade ~ esté na base do descrédiio de umo das priticas em que, trodicionaimen fe, se fundamentou © aprendizado da arte: a cépia. Estou convencide de que um ensino de arquitetura baseodo no cépia de projetos selecionades com critério formaria me: thor ~ como consirutor @ como projetisia — que 0 enfoque ‘tual do ensino de projetos como simulacro da concepgao auténtica. © que, no melhor dos casos, proposto como exercicio de intraducdo, ne inicio do ensino de projeto—que acaba sendo uma mera familiarizagao com os instrumentos de representagio -, deveria estender-se ao longo de todo o curso. Nao € uma reflexdo teérica que me faz propor esta mu- dango fundamental na ensino de arquitelura sendo, por um lado, a experiéncia histérica do ensino de arte ~ desde « pintura & musica e, naturalmente, a arquitetura - e, por outro lado, « observacéo atenta do realidade ao longo de mois de trints enos de docéncia de projeto, em momentos distintos da fermacdo: no principio des estudos, no final do curso e nos cursos de doutorado. Mas que néo se pense que a cépia é um modo de pro: ceder limitadlo & etopa de aprendizado: me refeti a esse momento porguanto ¢ quando se intensificam os vicios © ‘98 caréncigs que wo determinar © exercicio profissional. A cépia deveria ser o recurso sistemético de todo orquiteto que néo tenha adquiride copacidade para conceber por sua conla, isto €, deveria ser 0 procedimento tipico da maioria dos arquitetos. Na realidade, assim foi nos momentos em que a arquitetura sleangou maior nivel de qualidade — nao 56 em casos pontuais, senéo em émbitos relativamente ex. ‘ensos — no século pasado. Falar deste modo néo é nenhuma aventura, pois minha conviegéo esté avalizado pela razdo € referendada pela ex. periéncia: como se pode enfrentar um projeto sem dlispor dos materiais ~ tanto solugSes coneretas como critérios ge- rais ~ com que abordé-lo? A farsa iresponsével que leva a evitar asta situsgéo conduz o aluno, desprovido néo sé dos 68 dda efoxma instrumentos para conceber, mas também da minima capa- cidade de juizo para avalior sua propostas, a se acostumar a conviver com aberragées que pouco a pouco vaio confi- gurando seu universo formal © sensitivo. Porém hé mais: a sitvactio desarmada em que se encontra o aluno anie uma atividade para a qual nao esté preparade propicia uma afe- Jago na sua conduta que culmina na transgressGe sistemd: fica do sentide comum mais elementar. Estou convencide de que @ maior parte dos absurdos que se vé em muitos proje- tos - escolares assim como profissionais — néo se deve tanto a deficiéncias no uso da razdo por parte dos seus autores come & anestesia dos sentidos — incluido 0 sentide comum = provocade pela atvagée sem atientacéo nem critéria Tal situagdia de vulnerabilidade ~ pela falta de referéncias e por néo dispar ainda de um acervo pessoal ~ aproxima ‘© estudante a uma situagéo em que o estresse inicial nao tarda em transformar-se em ceticismo pelo efeito de um me- canismo inconsciente de deféso. Desie modo, a rentincia, a audiicia e a falta de vergonho ~ entre outras paialogias comuns na atuolidade ~ adquirem outro sentido, talvez mais compreensivel, no sentido de respostas quase automaticos a uma situagéo insustentével. Por nao praticar a cépia, se incorre na imitagao: re- ndncia a investigar o fundamento construtive de arquiteturos consistentes conduz © prajeto ao émbito da aparéncia, © que condenou a arquitetura atual a um dos niveis de quo- lidade mais baixos do século possado, A cépia responsével se converte, de fato, em uma auténtice re-producéo, isto &, em uma volta a produzir 0 edificio de referéncio, apés conhecer os critérios que incidiram em sua producto ori- ginal. A cépia reprodutiva obriga a identificar os materiais, ~ solugdes construtivas e critérios, coma se viv ~ e a en- tender o seu propésito na proposta geral. Por outro lado, bia configura um universo visual rigoroso. ‘elevard o nivel de auto-exigéncia de porcionar-lhe um quadro de referencia jaturalmente, em cada momento da biografia de um farguitelo a cépia adquire uma forma distinta: durente © ‘oprendizado escolar se trata sobretud de uma cépia re- produtivo, na qual a identificagée de sistemas e critérios & {@ condigdo de reconhecimento do valor do edificio de rele Fincia; © propésito 6, neste caso, descritivo, analtico, posto que @ sintese esié implicita no objeto de partida. Superode @ lose escolar, a cépia se converte em uma transcricéo, de modo que a diferenca entre as condi6es de referéncia e as do projeto determina uma relagdo de analogia, néo mais de Identficagdo, Néo creio que ninguém pense que o Concer- to para quatro cravos, de J. $. Bach, tem menos valor musi- ‘cal pelo foto de ser uma transcri¢do litercl de um concerto para quatro violinos de A. Vivaldi: basta este exemplo para feferir-me a uma prética habitual na mésica da primeira me- Jade do século XVlll, Se trata de duas obras musicais com identidades proprios, perfeitamente diferenciadas: s6 0 fato de trocar um instrument melédico por um harménico de- Jermina uma mudanga nas condigées que afetam a musica fm cada caso. ‘A assuncdo dos materisis que a cépia revela obriga 0 situar a concepcao no Gmbito que Ihe corresponde, isto evita confundir © projeto com 0 empenho em elcborar os instrumentos, No simile literério ~ 00 qual recorro sempre com precaucio -, seria 0 caso de quem confundisse a es. trulura do discurso com a elabaracao de uma lingua com 0 qual pronuncié-l. A cépia, finclmente, exige fixar « mirada, impede a de- sotencdo com que amidde se observa a arquitetura, isto & 1m leo forma a reconhecer 0 fundamento construtive des produtes da visdo, ov melhor, 6 natureza visual dos procedimentos construtivos. Além disso, a cépia elimina a tendéncia aos juizos morais que tentam frequentemente suplantar os juizos estéticos, pois enfatiza a reconsirugdo de um proceso ié coneluido. O descrédito da cépia é um fendmeno recente: os orqui- tetos da terceira geracio ~ os nascidas em toro de 1918 =, pelas circunsténcias da sua incorporagée ao projelo no inicio dos anos cingiienta, quando a arguitetura moderna comecova @ adquirir ceria maturidade, fizeram da cépia o seu meio de oprendizado essencicl. © grav de difuso e 0 nivel de qualidade que alcancou a arquitetura ao final dessa década & consequéncio direta da copacidade de observar a que levou © aprendizado visual ‘Alguém poderia pensar que, ao propor @ ebpia como, modo de oprendizado, estou renunciando a uma arquite- tura aftstica, por crer que copiar delerminados elementos de uma arquitetura existente supée renunciar & dimensdo ctiativa do projeto, Pelo contrario; espero que é esta aly 10 do texto ninguém incorra em semelhante ingenvidade. é predsamerite comm o:praptelia dx adeglinmtenpackdacie de concepctio genuina ~ Unica maneita de proceder que iusiifico falar de arquitetura como prético artistice e hipétese sobre a qual se fundamenta esta reflextio ~ que me refiro @ cépia: 6 0 Unico modo de evitar a imitagao, dotando a quem projeta de matéria prima para a criagdo auténtica, A cépia reprodutiva evita tanto a “reducao estlstica” como o “pastiche imaginotivo", pois eleva o grav de auto-exigéncia, ‘00 ovtorgar ao projeto a categoria de auténtica concepgac. de uma ordem genuina manifestacée de tal ordem por meio do forma Naturalmente, & mais dificil ajudar a quem trota de re produair um edificio que @ quem se propde a conceber sem ‘outro arsenal que a boa vontade. A natureza dos problemas relatives a ambos casos § notavelmente distinta; 0 quem reprodur néo servem nogdes vagas nem consideracées mo- ralistas: se esté enfreniando a arquitetura desde o primeira momento, conhecendo 0 que conduziu 0 autor de projeto a tomar tal ov qual solugGo. Definitivamente, quem repro- duz de modo consciente ~ se no é ossim, incorre na mera imitagée ~ se vé obrigado a iranscender o caso concreto a cada instante. © reconhecimento de um sistema construtivo ou de um critério espacial, de um modo quase natural, s& desvincula do caso especifico para adquirir uma dimensio de universalidade que 0 converte, a partirde entdo, erm mo~ terial de concepctio genuina pora quem o utiliza. PALAVRAS E PRECONCEITOS E tao conhecida a incidéncia da linguagem no conheci- mento de quem a usa que no haverio necessidade de inss fir nisso: o realidade varia segundo o modo come a descre- vemos, de modo que ndo se tém idéias e depois se busca «@ forma mais aproprioda pora expressé-las, sendo que as idéios surgem quando Ihes dames forma verbal. O célebre caforismo de L. Wittgenstein: “os limites da minha linguagem significom os limites do meu mundo", & um modo preciso & sintéfico de expressor & dependéncio do conhecimento com relacio 4 linguagem, com a qual iniciei esta seqao, Por outro lado ~ sequindo com 0 pensador vienense um pouco mais adiante em seu Tractalus logico-philosophy cus (1918), a propésito da intuigdo necesséria para resolver os problemas de matemética, Wittgenstein diz que a lingua~ gem ~ matemética, neste caso, & claro ~ pode suprir a in- tuigdo necesséria 72 ldgiae forma A.arquitetura néo & uma excegdo: do mesmo modo que © uso de termos inodequados confunde a percepgdo — in- clusive a sensitiva ~ da reolidade material do arquiteturo, encontrar os palavras justas para cada case facliia o modo de enfrentor 0 projeto e, portanto, de encontrar a solugéo. ‘Me referirei a alguns termos muito difundidos no jargdo de professores, estudantes e, portanto, entre os arquitetas, que so parficularmente nocivos, tanto para entender a nature- 2a de cerlos episédios arquiteténicos como para abordor, fem cada caso, 0 solugéo arquitetinica dos mesmos, Néio pretendo, naturalmente, esgotar a referéncia a tal patolo- gia, sendo 160 somente chamar atengdo para um fenémeno muito abrangente, com incidéncia real na arquitetura, como irotorei de por em evidéncia Iniciarei por um terme que se utiliza em arquitetura com muita naturalidade, sem o consciéncia da violéncia que se esté exercendo sobre a realidade ao proferi-lo, mas que & pronunciado com a salisfacéio de quem se imagina em poder de um modo especifico, singular e, portanto, privi- legiado de dor nome as coisas do seu oficio: me refiro oo termo pele. Alam do anologia orgdnica envolvide neste mau habito ~ de cujo sentido irotarei em outra parte -, pode-se dizer que 0 fermo acentua a condicdo de elemento super ficial externo da parte do edificio a que alude; elemento continuo, indistinto, ainda que cjustado aos pormenores do interior. Com efeito, a pele de qualquer ser vivo tem a qua- lidacle de prateger o organism sem impor condigbes, isto 6, seguindo os acidentes de sua constituicéo, para o qual & indispensdvel o elasticidade que garonte a possibilidade de gesticulagdo e de movimento, em geral Nas inimeras vezes em que ouvi a metéfora em questo ‘00 longo da minha extensa experiéncia como professor de projetos, nunca consegui entender que aspecto do fecho mento s¢ queria realcar com o alusio dermatolégicay s6 ude perceber, na maioria dos casos, um descuido com os pormenores da construgdo do limite, precisamente a razdo principal da idealizacée da referéncia, Efetivamente, a pele € um tecido genético e disponivel - como digo -, copaz de adapiar-se a qualquer situagéo, em virtude de sua consistén- cio generosa e versatil. A extrapolagde do substantive, mais ue consituir um estimulo para encontrar um elemento de arquitetura com qualidades andlogas — ainda que distintas, ajustodas Go seu propésito arquiteténico ~ contribu, com freqiéncio, para que se evite a consideracéo dos atributos que deveriam caracterizar 0 fechamento. A quem se empenhe em usar a linguagem indireta ~tal- vet para aproximar-se 4 poesia —, proponho o uso da no- cao de “casca'”. Reconhego que a releréncia provoca uma mudanga de génera ~ do animal pora o vegetal ~ mas se montém deniro dos seres vivos, de mode que nde vialenta a dependéncia arquiteténica do oradnico, hébito que, como digo, comentarei mois adiante. A casca cobte e protege a Grvore & qual perience mos, sem deixor de adaptar-se & sua constiuictio, tem sua propria estrutura, o que a aproxima do popel do fechamento dos edifcios, Referi-se & casca com- promete quem uiliza o termo: the obriga @ deter-se tanto na sua relagde com 0 tronco ao qual cobre, como em sua constituigéo especifica, espessura, aparéncia, cor e textu- 19; nGo lhe permite néo considerar todas essas qualidades; somente se ampera em um conceito tao frégil como o de simples envolvente, sem condigées nem ctributos. Usar 0 termo eixo para referir-se ao percurso — ou sim- plesmente @ uma linha ~ & um hdbito t6o estensivo como o anterior, sem dar-se conta de que se esté abusando do ter: mo e violentando tanto a acepgéo fundamental da palavra, a mecéinica ~ eixo de giro -, coma a estruturante — eixo de 74 (dee forma composicao ~ no émbito de ume arguitetura académica e, portanto, anacrénica no atualidade. A tendéncia a identificar edificio ® organismo vivo leva, ecasionalmente, « aribuir-Ihe condutas de um ser animado Assim, 0 projeto “fala”, “raspande", "reage”, frequertemen- te por meio de “gestas”. Cam efeito, 0 gesto & um dos fdo- los da linguagem habitual com a qual se afare & arquitetura quem quer passar por experto; quand menos, por ume ppessoa com sensibilidede e educacéo superiares & média Qualquer coise capaz de ser identificada dentra do con- tinuo do projeto pode ser um gasto, pare quem ilza 0 fetmo: desde um simples muro até um blaco de armérios, tudo pode ser considerado um gesto se 0 narrader can sidera que sua situagia merece ser destacada. O que destacado podera coincidir com um elemento estruturente, mas muitos vezes nem essa condicdo & necessérie pare que © qualificativo seja endossada © uso de termos importados de oviras éreas tam prece- dentes em outros sistemas estéticos; os textas sobre leoria & critica musicais stio casos em que & notbrio o uso de con. ceitos plisticos: cor, textura, empastamento so alguns con- ceitos que, em referéncia ao fenémeno musical, adquirem grande clareza descritiva, provavelmente pela tensdo que provoca o transplante desde seus contextos originals. Nao & esse 0 caso da patologia que comento: ndo se trata de uma objecdo que se apéia em uma ofitude purista e intra sigente, sendo 0 propésito de advertir de que mado 0 uso de polovras alheios & arquitetura née apenas néo contibui para esclarecer 0 sentido do que & comentado, senéo que, em geral, contribui pora dificultar a idenificacao do pro- blema, porquante promete uma atencéo ao aspecto ao que 6 terme faz referéncia a qual, na realidade, nao se presi. Ao falar de eixos para designar percursos ou simples paredes, se dé ao discurso uma aparéncia de uma reflexdo sobre a estrviura formal do objeto, quando em reolidade 6 se esta escamoteands, com um term inadequado, a falta de um citério formative que Ihe daria identidade. Do mesmo modo, chamar de gesio © qualquer singularidade de uma plonie ou corte parece reconhecer a matria exores siva do episédio, quando na realidede pode trator-se de tum simples elemento constitutive da ‘otalidade, sem maior incidéncia no conjunto. Quiros vezes, 0 abuso do termo se refere & nogées mais gereis, 0 que torna 0 mal-entendide mais sério: © “concei- to” de um projeto costuma coincidir quase sempre com um precenceito do qual se parte com 0 propésita de que — na medida em que €. priori ~ esteja fora de toda divide, e que niéio edmita nenhuma discussdo. Dizer que “parti do concei- to de que a escada esté no centro”, longe de responder a uma solugée avalizoda pela historia ou pela experiéncia, & tum modo de confessar que a posicdo deficiente da escada dentro do setor ao que seve nao foi fruto de uma deciséo meditada, mas se postula como hipétese, De modo que “o conceito” serve, neste caso, para legitimar um erro e — 0 que & pior ~ para eviter qualquer juizo posterior copaz de contigo. Nos pardgrafos anteriores vimos como 0 abuso de pa- lavtas falsamente especificas interfere no conhecimento da arquitetura e impede a identificacéo de possiveis nés pro blemétices do projeto, na medida em que projeta sombra sobre g drea a esclarecer. De mode andlogo, 0 uso super: ficial da linguagen pode confundir 0 juizo sobre pessoas, 90 atribuir thes qualificativos que n&o se ajustam as carac. feristicas do sev carsiler ou posicéo intelectual. Come recor dova hé pouco tempo Carlos Mart, ume dessas confuses 6.0 que se dé entre dogmétice e axiomético. Dagmatico é 76 idéioe forma quem, devido & dificuldade para a reflexdo, converte seus ivizos particulares em verdades indiscutiveis, tonsforman- do-as assim em principios ineadiveis, perante os quais néo cabe mais que ocaté-los. Por autto lado, seria axiomético — em arquitetura ou em qualquer outra otividade — quem, devido & sua capacidade de jvizo ou sua capacidade reflex ‘ya 0V talvez a ambas condicoes ao mesmo tempo -, atua com critérios firmes emite juizos contundentes de modo que operentemente sdo indiscutiveis, ainda que na realida- de sejam evidenies, isto 6, néo necessitem demonsiracde. © primeiro se mostra impermedvel o qualquer objecéo ov adverténcio, pois ndo busca a conviceao mas sim @ crenca. O segundo sempre estoré disposto a incorporor a sua bago- gem as idéias e crlérios que surjam da sua relacao com os demais ou de experiéncias desconhecides até entdo: 0 dni- co modo de alimentar sua consciéneic: com novos axiomas & submetendo-se ao aprendizade did. CONCEITO E JUIZO No émbite da arquitetura, co longo dos dltimas déco- dos, se dev ao especto conceitual uma importéncie impro. pria em relacéo aos rumos que sequiu a sua prética, devida seguramente presungGo de que as obros de orquiteture de arte, em geral — tem uma dimensdo conceitual que thes préprio, isto &, cerla dimenséo abstrata essencicl que convém cultivar, se néo se quer cair no imediatismo da singuloridlade figurativa. Se fosse assim, a orquitetura seria acessivel 4 razGo: a identficagdo do conceia ou conceitos que o informam supario a interpretagéo “racional” da obra, coisa: que ~ como se sabe ~ € alheia tanto 4 orquitetura como & arte, em geral. Tratarei de explicar fendmeno nos paginas seguintes, ndo tanto com © propésito de veri 4. FORMA E MATERIA NAO HA PROJETO SEM MATERIA Nao sou um experto em iécnica construtiva nem de qual- quer outro tipo, pelo que espero que desculpem minha in- tromissGo nesse campo. Falo unicomente desde a perspec- fiva que me oferecem trinta anos de docéncia de projetos de arquitetvra, sempre animado pela conviecao de que se trata de uma atividade relacionada com @ materialidade, 1néo instolada ne limbo evanescente das ideias. Nao ersio que hoje consirucdo seja ensinada melhor nem pior do que o desenho ov © projeto, para mencionar disciplinas complementares. © simples fato de constarem 10 curricula como matérias distintes, portanto suscetiveis de serem ensinadas em parolelo, j& 6, por si s6, suficientemen- te aberrante para nos deixar preceupades, talver néo tanto a ponto de se orgonizar um congresso sobre o temo, mas © suficiente para que nos demos conta de que tal curriculo nido um plano de estudos coerante, Ao afirmar aqui o que é pensodo por muitos, néo me proponho a questionar a credibilidade dos professores des- sas disciplinas; apenas pretendo essinalar que nao se trata de matérias diferentes, mas de facetas de ume mesma ati- vidade: a concepgdo € o projeto da obra. Esta é uma pré- fica especificamente arquiteténica, e que de nenhum modo deveria ser confundida com o habito amplamente difundido de monifestar graficamente um desejo ou de expressar com fragos uma ilusdo. Pelo contrério, elo necessariamente se associa ao empenho em conceber artelatos materiais, ha- bitdveis pelo homem, dotados de uma consisténcia formal que, na medida em que a contém, franscende a componen- te uliltéria ou, se for o caso, mercantil ‘O que Fiedler dizia hé canto e vinte anos, o propésito da mirada © do desenho ~*néo sdo atividades distintos, sendo 122 Ferma e mote dois momentos de uma mesma atividede"-, pode extender se ha tempos ao desenho, & construgéo e ao projeto. ‘Ms o fenémeno que denunciei ao inicio deste capitulo, ‘embora pareca natural, pela tranqiilidade com que é acei 0, no é de modo algum congénito, nem na arguitetura, nem no seu ensino: 0 abandono do sistema moderno de conceber, no final dos anos cinqtenta, num momento em que, paradoxalmente, estava dando seus melhores frutos, é © episédio chave para entendé-lo. Oscriticos, aqueles que decretaram o seu fim, se decep cioneram ae comprovar que se reduzia a orgie simbolico que, o seu juizo, era o destino da arquitetura modema: em se lugor, se difundia um modo preciso de conceber a for- ma que, para culminar sua desgraca, ere conhecido como Esfilo Internacional. Pensou-se que a arquitetura havia chegado aquele esta do de estilismo por uma deficiéncia em sua fundamentagéo conceitval. Assim, sobre a primazia do conceito, por um lado, ¢ sobre © abrandamento propiciado pela figurativi- dade, por outro, cimentou-se o pés:modernismo que, com diferentes denominagdes, manteve a hegemonia da arqui: tetura internacional oté hoje. Néo quero ser demasiade: mente ofimista acerca do aparente interesse pela arquite tura moderna que se verifica ha alguns anos: pode ser sé ume ilusée, provocada pela fadiga que a deconstrugdo © © minimalismo praduziram no alma dos arquitetos. Sondo ‘assim, 0 madera interessaria exclusivamente como estilo o consumir em poucos anos, enquanto os expertos na gesitio de eventos déic toques finais a uma nova mode de mais cil digestao. A prioridade do conceito a que me refiro tentava suavizar 9 orfandade estética provocada pelo abondono do sentido de ordem que a modernidade havia posto em circulagéc, © que comecave a ser interiorizada até pelos arquitetos mais apéticos. A falta de critérios com que tomar decisdes du- rante © processo de projeto, recorreu-se a “idéia", espécie de faniasia pseudoliterdria que, ¢ partir de entéo, teria que reger o projeto e, ao mesmo tempo, servir de parémetro de verificogdo das decisées sucessivas que balizam 0 proces- so. ‘A partir de entiio, conforma avancova a idealizagio do projeto, os perfis laminados deram lugar as matéforas; as lajes, 8 metonimias; os fechamentos passaram o ser deno- iminados peles; as escadas, nicleos de circulacéo vertical; 15 singuloridades, gestos; e assim, ao invés de olhados, os edificios se liam, falavam de valores metafisicos; qualquer Conjunto relativamente limitado de elementos, mesmo sem ‘9 menor traco de ordem, era considerade uma lingvagem, Desse modo, se insttuiu um jargéo cuja pretensdo s6 era comporével & banalidade de suas molivacées reois: dissi- mmular a precariedade com que se abordeva o projeto, sem outro ctitério que uma série de preconceitos de cardter mo- ral, em sua maioria, isto 6, determinados por uma idéia de como deveriam ser 0s edificios, ante o absoluto desconheci- mento do que a arquitetura é em realidade. A conceitualizacéo do arquitetura teve efeitos nefastos, tanto para a tectonicidade dos edificios como para o resto das qualidades que tradicionolmente os haviam adomado, Ao conferir-lhe um estatuto idecl, por crer erroneamente que a abstragdo implicava uma renincia & visualidade, vi- veu-se por alguns anos a ilusdo de que o projeto podia ser ‘auténomo, inclusive da prépric materiolidade dos seus pro- dutos: o construgdo se converteu, néo mais em um pretexto para a forma — como havia assinclado Rieg! cam anos antes pare discutir o determinismo materialista de Semper ~ mas em um obstéculo ds vezes intransponivel para que a arqui- 124 Forma e motésio fetura pudesse “expressar a idéio", sua suposta obrigacao intinsece. Em um contexto em que os principios deram lugar @ ordens ¢ os critérios @ fidelidade ~ comumente arbitraria ~ a uma idéia, o criacdo € 0 desenvolvimento dos deporta mentos nas universidades, como émbitos caracterizados por uma légica porticular ~ mais relacionada com problemas adminisirativos que arquiteténicos — conduziv & sitvagéo tual Uma experiéncia recente ilusira de modo exemplar a si tuacdo a que me refiro. Numa tentative de hormonizar 0 ensino de projeto e construcéo entre duas cétedras, uma de cada matéria, uma aluna obteve @ nota méxima da sva tur ma projetando um edificio com aberturas horizontais para © disciplina de projetos, tal como seus professores consi deravam mais coerente com a sua idéia, e verticais para «© disciplina de construcdo, porque tecnicamente era mais razoével, a julz0 dos professores correspondentes. © conceito e a técnica ~ a idéia e a razdo ~ pareciam, uma vez mais, pélos de uma oposicéo irreconcilidvel: dois critérios perfeitomente legitimos, mas arbitrérios, se nao se referem c uma mesma atividade formativa, sintética: 0 con cepcao. O desenyohimenio auténomo de ambas facetas do pro- ieto levou & conclusdo aberrante de que 0 projeto “idéia” universos metafisicos, valiosos por suo coeréncia conceitu- al, ¢ logo a construco estanca as feridas provocadas pelo enconiro inevitével dessa fantasia imaterial com a realida- de. Procedendo assim, se perverte tanto © papel do criativo = utilico de propésito 0 qualificative que se outorgam os publicitirios —, como 0 do técnico. Um e outro passam a assumir papéis subalternos em relagéo & um conceptor su- premo que habita no imaginério coletivo dos publicacées especializadas. Se 0 ciativo visa obter o favor do mercado ‘administrando com audacia os estilos distinguides pelo mi- dia com sua ungéo editorial, 0 técnico se esforca em ela- borar sistemas construtivos sem mais valor que sva prépria consisténcia interna e sem outra esperonca que alcangor uma fatia minima de mercado. Hé pouco tempo, havendo proferide ume conferéncia no Departomento de Arquitetura da Faculdade de Engenha- via do Edificacao de Catania, ltélia ~ nome que soa bastante exbtico -; tive opertunidade de visitar Noto, cidade recons- truida no final do século XVII, como consequiéncia de um terremoto. Pois bem, nem os episédios mais desinibidos e delirantes que o barroco propiciou deixavam de referir-se 8.pauta sistemética proporcionada pela construcdo virtual de um sistema travejado, segundo o tadicao classicista Foi preciso que a premonicdo cléssica se tornasse realido- de, isto &, que 0 apoio do edificacdo se concentrasse em elementos resistentes pontuais, para que tal circunsténcia tivesse deixado de atuar como referéncia da obra arquite- ténica. Durante trezenios e cinquenta anos, sonhamos com ume arguiteturo realmente porticoda e, quando tal solugéo técnica acontece, abandonamos sua contribuicéo histérica @ ordem arquiteténica, em roca de fantasias tescas de du- videsa procedéncia. Uma ordem a qual, no século possado, ingvém deveria ter confundido com a regularidade nem com a hierarquie senéo com uma classificaséo das unide. des fisicas ¢ funcionais segundo critérios de correspondén- cia e equilibric, como o arquitetura de meados do século XX havia posic em evidéneio. A.consirucéo 6 um instrumenio para conceber, ndo uma técnica para resolver: ndo deve determiaar solugao algu- ma, sendo propiciar decisées cujo sentido necessoriomente hd de transcendé-la; seu destino 6 contribuir decisivamente 126 Forme e matéria para a sistematicidade congénita do edifico. A construgao 6a condicéo da arquitetura e a tecionicidade um valor inequivoco dos seus produtos: qualquer edificio melhoro subsiancialmente co atender aos aspectos construtivos que foram previstos para a sua réalizacéo; isso nao significa, naturalmente, aplicar mecanicamente solugées construtivas elaboradas sem propésito nem objetivo confesséveis. Eu née gostaria que alguém deduzisse dos minhas po: lavas que a construgéo & a componente oculta da: arqui tetura; bem ao contrério, a construgéio é 0 disciplina que comumente vertebra a aparéncia. Nao estou referindo-me, naturalmente, & mera expressdio da iécnica, preconceito que, no final dos anos cinqUenta, fundamentou a moda do brutalismo ~ baseada na ficcdo de que « simples énfase ex pressive dos vicissitudes da construgio era copaz de garon tit, do mesmo tempo, a consisténcia visual e a idoneidade historiea do edificio ~ send & contribuigdo essencial da dis- ciplina técnica 4 ordem suprema que dslingue os produtos de arquitetura auténtica e estabelece a distincia que permi- te distinguir as suas obras dos meros produtos da atividede imobiléro, A atencdo & construgao ndo 6 uma panacéa caper de devolver & arguitetura, por si s6, a1 qualidade que teve em ‘outros tempos: é simplesmente uma condigéi basica do ato de concaber. Do mesmo modo que nao se pode pensar sem polovtas, ndo se pode conceber sem @ consciencia siste- mmética que proporciona a construcéo, se por conceber se eniende — como dizia a principio ~ formar um objeto ge- nuino que, realizado materiaimente ov néo, esteja dotado de sentido hisiérico e consisténcia formel. Se desejamos um fuluro com arquitetos deve-se recuperar 0 sentido comum € difundir a evidéncia de que néo héi concepedo sem técnica, nem arojeto sem matéria CONSTRUTIVISMO E TECTONICIDADE © recurso é idéia € comumente ido come a garantia de que © projeto teré. uma intencdo correta ~ até certo ponto sistematica ~, ou seja, responderd a um conceite global que evite a arbitroriedade e 0 relativismo. Hd, ao contrério, uma sistematicidade intrinseca na arquiteture que, incompreensi- velmente, nao se leva em conia, como pareceria lagico: a que implica ciuar com a mediogéo de sistemas construtivos concretos. No verdade, existe a protica generalizada ~ de- vide mais co hébito de se atuar assim que & plena consci- &ncia do que se faz — de limitar 0 projeto ao tracado de al- gumas linhas, sem outra discipline que as “idéias” do autor, que vem a ser um testemunho gréfico dos suas intencdes Quando © resultado satisfaz plenomente os expectativas do desenhista, passa-se a “resolver a construcéo”, o que impli- co a elaboragdo de complexas pranchas de detalhe, cujo objetivo é demonstrar — e demonstrar a si proprio — que, opesar das dificuldades e absurdos do projeto, & possivel consiruislo, embora com estorgo e desoerdicio de meios dinheiro. Tal modo de proceder condena os expertos em técnica consirutive a mobilizar seu saber para encobrir com mais ou menos habilidade os vicios sisteméticos sobre os quais fo- ram elddorados os projetos. € significative o sentido histéri- co de fal stuagtio. Se observarmos os momentos fundamen- fais da histéria da orquitetura, apreciamos que a ordem dos edificios sempre se baseou em um sistema o qual, ainda que de modo virtual, alude @ um sistema construtvo: os ordens arquitetOnicas se fundamentam em um modo de entender a Conslructio que - com o antecedente da Grécia eléssica e 0 parénteses do gético — ocupou praticamente as tltimos vinte 128 Forma e matéic séculos de histéria da arquitetura. De fato, a partir do sécu: lo XV, a arquitetura parece anunciar um momento em que construcdo e ordem convergiréio em um sistema construtivo, capaz de resolver co mesmo tempo « estrutura resisterte © disciplinar a esirutura formal. (Os arquitetos da segunda metade do sécule XX, em uma demonstracio de insensibilidade histérica e visual ~ ¢ justo reconhecé-lo -, elaboraram uma série de mitos figuratives, baseados em uma idéia de “originalidede" ossocioda: ao imediatismo e & desordem, menosprezando as possibilida- des que a técnica oferece para construir uma arcuitetura @ altura do seu tempo, tanto técnica como visualmente. De foto, uma das coracteristicas mais notéveis de tol erquite- tura € a auséncia de tectonicidade, isto ¢, dessa condigéio esiruturante do construtive que vai além da sua eficdcia na solugdo de problemas concretos de projeto. © terme tecté. nico ~ etimologicamente, © que se relere & construgio ~ & usodo em geologia em referéncia @ esirutura da Terra; isso sugere consideré-lo 0 ospecto da construcde que transcen. de 0 seu papel bésico de produgéo material pare aludir a dimenséo consirutiva sobre © qual se baseia a identidade dos artefaios © uso meramente prético do construcéo — sem que se perceba um minimo de fundamentactio estrutural do objeto ~ resultou, nas ulimas décadas, em construgées a-tecténi- cas, baseadas em um uso arlesanal da tecnologia - 0 que implica uma contradicéo bésica —, cujo objetivo é oferecer uma determinada imagem ao preco visual © monetério — que seja. A consequéncia disso s80 abjetos inverossimeis que expressam com afetagia o que deveria constivir a sua matéria prima, Neles a disponibilidade do mercada tecna- lsgico consegue anular os valores sobre os que se boseia © progresso da técnica: o abuso do envidracamento sem transparéncia & talvez 0 exemplo mais flagrante da olieno- ‘cio a que leva repetir determinades clichés, @ margem do sentido que se poderia associar a eles. No realidade, os sistemos de suporie do vidro podem acaber arrvinando 0 propésito de transparéncia que determina a opcéo de en- vidracar. Esso arquitetura no & fecténico, mas “tecnicos”, pela mesma rozdo que ndo & visual, e sim ética, nem formal, sendo alegérica, nem ordenada, mas regular ou irregular, 0 ‘que 6 0 mesmo. Na realidade, ndo é arquitetura, mas uma mera gestdo de lugares comuns de fécil digesttio, boseada em sublinhar os absurdos mais notérios com uma exibicéo de desperdicio material e econémico que demonstra a ex cepcionalidade da proposta. A tectonicidade € a condigGo estrutural do construtivo, aquela dimensdo da arquitetura na qual a ordem visual e a cordem material confluem em um mesmo critério de ordem, sem chegar jomais o fundir-se, animando a tensdo entre forma e consirugdo. A tectonicidade tem mais @ ver com a condigéo construtiva do objeto formado que com a mera sinceridade consirutiva, valor, em todo caso, de caréter mo: ral, porém alheio é arquitetuca, “A arte tem o ver com a verdade, nao com a sinceridade” repetia Fiedler hé aproxi- madamente cento ¢ trinta anes. (© Ombito da tectonicidade consiste nesse substrato es- sencial do consiruiive que tem @ ver com a estrutura das coisas; no caso de arquitetura com a constituigéo intima dos edilicios, Independente da manifestagéo ou no de suas vicissitudes consirutivas. De modo similar a como @ forma: 6 entendida como a manifestacao da estrutura organizative do edificio, a tectonicidede poderia ser considerada a ma nifestacdo do estrutura construtiva, a qual hd de apoiar-se em critérios de verdade como consisténcia intemo do obje: 130 Forma e metéria 0, ndo de sinceridade como adequacéo da referéncia ao referido, A tectonicidade 6 uma qualidade do arquitetura, nao «© expressdo de um valor genérico, independente dos seus produtos. Por isso s6 cabe exorté-la caso @ caso: nao hé uma tectonicidade genérica, vinculada a um estilo ou modo de conceber, mas ¢ obtida em cado obra, fozendo a cons truéio material intervir no construcdo formal do edificio, isto 6, conseguindo que a obra contenka em seu fundamento estruturante o qualidade genuina do construido. Como 0 forma, a tectonicidade & um valor vinculado ao julzo sub: ietivo, relacionado 4 concepcao do edicio e identilicével pelo mirada. No entanto, nas iltimas décadas proliferou © recurso & ‘técnica com um pretexto expressivo, de modo que periodi- camente foram aparecendo “construtivismos” de linhagem equivoca, cuja tosca iconografia se baseava na exibictio imediata dos detalhes técnicos dos sistemas mais oparato- 50s. As doutrinas que basearam suas proposias ne reivindi ‘cacGo da técnica ~ como o brutalismo e os realismos, mais ‘ou menos vernéculos ~ contribuiram para 0 fendmeno que comento. © fundamento moral ~ ou melhor, convencional — de ais atitudes propiciou um uso pitoresco dos procedi- mentos técnicos ¢ converleu em material norrativo o que, na realidade, teria que ser 0 condigdo sistemética do concep- 40, cvja presenca deveria limitar-se ao seu popel estimu lante e, ao mesmo tempo, disciplinador. Nao se trata, portanto, de subordinar ao sisterna cons- trutivo a configuragéo € a oparéncia do edificio, senéo de controlar a tensGo que relaciona 0 “como se constr6i" com © "como se v6". Eletivamente, a construgao material & 56 uma das condicées da construcéo formal, a qual néo é sendo a manifestagdo superior de uma idéio organizativa, A esirutura material seré a pavia sobre & qual a agée de projesta tenta revelor uma estrutura visual, de caréter mais geral que, contendo-a, no se reduze as daterminacées da sua légica, A arquitetura de Mies van der Rohe transcende de ma- neira exemplar os elementos metdlicos industriais que utiliza para construir: 0s perfis laminados coneretos aparecem nes- sas obras integrados em estruturas visuais mais complexas que, sem negd-los, anulam suas identidades originais e os incorporam a universos cvja consisténcia vai além da iden- tidade do material construtivo Nao se pode conceber & margem de um sistema cons- trutivo: © arquiteto ordena materiais cancretas, néo linhas que so sé uma simples declaragGio de intengées. A idéia do projeto como mera expresso gréfica de um desejo, sem a tonsao positiva que 9 construcéa material introduz necessa- Fiaments no consirugéo da forma, propicia uma arquiteture cua falta de identidade formal & agravada por uma o-tec- tonicidade congénita A propria idéia do “detalhe construtiva” adquire um sen- tido novo, desde a perspectiva aqui proposta; de solucéo técnica de um pormenar passa a constituir o nécleo siste- mético do edificio: na realidade, se trata da sintese de um sistema em poucas relacées técnicas e visuais, dotadas de uma condico essencial que as capacita para dar canta da fotalidade. Nessas condigées, o projeto atua sobre 0 maté ria, néo sobre @ ilusdo, @ « mirada encontra matéria em que deter-se, néo s6 a sombra fugaz e volétil de uma intengae. 182 Ferma-e matéia MATERIAL DE CONSTRUGAO E MATERIAL DE PROJETO ‘Ae mencionar conjuntamente e correlacionar as de matéria e forma se costuma assumir ~ ainda que ipl famenie ~ 0 propésito de referi-se a totalidade das eoi de fato, qualquer enfidade fisico esté constitvida por matéria que adquire identidade pela acd de uma fow especifica. A pouca importéncia que se pode dar & for = pelo menos na nossa cultura ~ propicia que a matérid —a substéncio ~ se considere comumente como 0 aspect essencial das coisos. © “substancial” equivale a “o mall importante” na linguagem coloquial. Quando o polaridade se refere & ar de matéria comumente se refere aos el intervém na consirugdo dos edificic se entende a relagdo motéria-forma como o _cidéncia do ospecto material no figurativo, ist da logica do aspecto fisico sobre aquilo que, ‘minado, pertence ao ambito artisiico, Procedendo assim se reduz @ obra a seus aspecios fi sicos e sua uiilidade & exploracéo material dos espacos @ servigos: 0 aspecto aristico se vé, desde essa perspectiva, como um plus afetivo que enobrece a matéria sobre o qual pousa, sem mais ineidéncias na sue constituigdo, Néo abs: fonte, 0 arquitetura, mesmo quando oo adquirir realidade fisica parece haver coneluido 0 ciclo da sua concepcéo, de modo que a partir desse momento s6 0 aspecto material ser6 relevante, contém — em estado latente, por assim dizer determinados valores que testemunhom a presenca virtual do projeto, isto &, dos eritérios @ principios que fundemen tom sua condigéo formal conereta. Dito de outro modo, @) ‘arquitetura incorpora ao artefato em que se materialize uma. série de valores que déo sentido histérico e cultural @ téeni- ca construtiva, Deste modo, embora « construgio ~ como processo de reclizacdo material ~ conte com materiais fi- sicos e técnicas de produgdo, 0 obra ~ como resuliado de uma prética artistica — conta com materiais arquiteténicos & caterios de formacao. E 140 aberrante a idealizacdo do artefato, convertendo- em um mero reflexo do conceito que o anima, come a coisificacdo da sua notureza, que implica ver nele a pura materialidade do sua constituicce. Uma obra de arquitetura cadquire um sentido no mbito dos — ou frente aos ~ sistemas de conviecdes dos quais emerge que no pode ser reduzido & mera consisténcio material da sua constituigéo, A nocéie literal ~ imediala, redutiva ~ de matéria corres- ponde, pois, & redugdo da obra di sua dimenséo fisica. Mas, por outro lado, néo ¢ dificil ver na acepgic banal de ma: ‘éria um rastro de uma idéia primitiva de forma que se usa com frequéncia. Efstivamente, a forma é confundida ami Gde com a mera oparéncia das coises, determinade pela imaginagde mais ov menos caprichosa do projetista, Em todo caso, independente da conjuniura animica do autor, considera-se que a forma soja determinada pelas condicées do materiol com que adquire consisténcia fisica ‘Ambas concepgdes de material ~o da obra e © do pro- jeto — foram vistos, a0 longo do séeulo XX, como obsticulos a vencer, jf que comprometem « desejével “originalidade” que caracterizaria « arquitetura moderna: assim se foi cons- truindo © mito impossivel de uma arquitetura esponténea, sem outra matério prima que os materiais de construcéc e sem outra limitacéio que a capacidade inventive do arlfice Na realidade, a arquitetura dos ultimas décadas renun clou & nogéo de material arquiteténico propriamente dito - isto &, a elementos ou solucdes avalizadas pela historia 136 Fonna « matéra © pela experiéncia -, 0 que limita sua matério prima ao Ambito do meramente construtiv. No melhor dos casos, @ idealizagéo do projete levou & rendncia a qualquer im: posigdo que afete a eficdicia da comunicagio imediata do idéia que anima a obra. No verdade, nessas arquiteturas ue aqui comento nao hai projeto sendo ~ como ja se viu ~ mera traducdo do idéia em imagens, processo pera 0 qual ocasionalmente bastam insirumentos gréficos sem referente algum, independentemente dos conceitos que os desenhos tratam de expressor. Os sistemas arfsticos que se fundamentam em nogées de forma mais refinadas, como a misica, tem uma idéia mais matizada de material, o que os faz contor com ele ‘como substéncia « conformar. Assim, na mésico, & conside- rado material, além da substéncia sonora das nates ea pe- culiaridade cromética dos timbres, as células temdticas, os ternas completos e os eventuais desenvolvimentos parciais de ovtras obras, préprias ou olheias. Se bem que a obra como fenbimene fisico de notureza sonora esteja constituida por notes correspondentes a freqi- éncias determinadas, acompanhados par harménicos espe- ificos em cada caso, a obra como resultado de um ato de consirugéio, controlado por eritérios de ordem consistente, se nutro de antidades mais complexas. A musica conta com um meterial sonoro cuja entidade é indiscutivel ~ objetivo ¢ relativamente estével ~ © com um material musical ~ for- necidlo pela histéria da misice ~ cujo uso em um momento dado responde ao ponto de vista descle © qual o compositor aprecia 0 reolidade, isto 8, a cultura e a histéria A convicgao de que 0 criagie nde raside tanto na inven- Go de novas melodias como no estabelecimento de novos sistemas que as reelaborem e desenvolvam fez que, desde a antiguidade, os misicos se servissem de materiais da misi- ca como matéria prima das suas composicdes. Dificilmen- te Bach teria podido cumprir seu compromisso de preparar uma cantata semanal, sendo ao mesmo tempo cantor do jgreja de Sonto Tomds de Leipzig, se néo houvesse tomado materiais de Handel, Vivaldi ou de si mesmo, como base para suas composicées religiosas. E se howvesse renuncio- do a esses empréstimos, ao centrar todo o seu esforgo na inovacdo dos temas, haveria provocade sem divida uma redugdo na qualidade da sua musica: assumir 0 sev pa: pel come uma pritica circense de mera habilidade Ihe teria desviado do projeto musical com o qual abordou o primeira terco do século XV Meu ponto de vista se aproxima a dos mésicos, de modo que, @ consideragao fisica do material eu agragaria a edogie de arquitetura préprio e da das demais — de alguns dos seus critérios e solugdes ~ como matérie prima de uma atividade formadora que é, a meu juiz0, a especifica do pro- ielo. A impossibilidade de separar os aspectos material e es- {fico — em arquitetura e em qualquer manifestacde artistica ~ me inclina @ considerar a obra como um ente complexo, compost ao mesmo tempo de matéria © projeto, que se nutre de materiais tanto fisices como nocionais, Tudo isso no mbito de uma idéio de concepgée que considera que seu peopel esié mois centrado na construcdo de estruturas = isto 8, na proposicao de relacses ~ que no invenggo de elementos primérios. Com isso me limito a atualizar o prin cpio fundamental da modernidade arquiteténico e artistiea, em geral Mies van der Rohe & talvez quem melhor exemplifica 0 otitude que comento: proticamente toda sua obra esté cons- ‘ruida sobre materiois que ele elaborou no Glass Room da exposicio de Stuttgart, em 1927. Digo materiais endo va- lores, porque esse pequeno espago representa néio apenas 136 Forma e matvia ‘9 assuncdo prematura dos valores essenciais do arquitetu ra de Mies, sendo a coneregéo material dos mesmos em propostas especiticas, salugdes que responder as diferentes situag®es em que se encontra o habitante de um espaco, em relacdo a um espoco préxime interior e um espaco in firito exterior, Quem considerar este caso demasiadamente genético pode comprovar coma os edificios de escrtérios do Federal Center so abordados literalmente com os mate. Finis com que Mies acobava de construiro edificio Seagram Digo abordados porque a salugéo definitiva implicou 0 me diacéo de devenas de desenhos e centenas de esbocos ¢ detalhes, com o objetivo de que, independentemente da sua “semelhanca” com Seagram, 0 novo edificio fosse uma Proposte genuina, isto é, original, auténtica; nisso radica sua identidade e @ qualidade da svc arauitetura Tal mudanca de objetivo no projeto ~ isto &, moderor © impuko orientado & produce de moteriais pare intensi ficar a concepgio de estruturas genuinas que os ordenem ~ nde implica renunciar a nada senéo que, pelo contrério, significa reivindicar a auténfica dimensdie formativa da cr do. E isso no Ambito de um projeto liberado da obsesséo compulsive pela falso novidade ~ entendida como gestio vulgar dos préprias obsessdes -, sem outa referéncia que (98 expectativas hipotéticas de um pblice desorientado, sem curiosidade nem eritério, derrotade de antemao, Hé algumas décades se pode notar um menosprezo em relocdo & incidéncia da matéria ~ enfendida agora na suc acepgio fisica — na concepgo da forma: @ conceitvaliza 0 da arquitetura que sequiv a0 abandono dos critérios formais da modemidade coniribuiu para dfundir 0 fiegao de que a arquitetura tem sua existéncia real no mundo das idéas, de modo que sua concrecdo material € um palido reflexo da sua auténtica esséncio. Noo é de estranher, pois, que a considerocée da consis- {@ncia material como um valor das obras fesse abandonada. O brutalismo— isto é, a dodo dos pormenores de consiru- ‘go como material expressivo ~ constituiu, poradoxalmente, uma mosta exemplar do que digo. Os sistemas constutivos deixarom de interagir com os programas, ao se fornarem responsdveis pela oparéncia das obras. hipertrofia dos elementos a que levou a exacerbacdo da plosticidade da construgtio conslitviy uma perversdo da prépria noctio de sistema, A construcio se tronsformou na sua caricatura, de modo que, & medida que seus elementos hipertrofiados se faziom presentes nos edificios, desaparecia a tensdio que © sistema consirutive @ a estrutura formal provecam, tonto na arquitetura moderna como na das grandes momentos da historia, A eibicdo demagégica do aspecto construtiva se desenvolveu ao mesmo tempo em que se onvlava pro- aressivamente a consideracdo do aspecto formal. Assim, foi institvida uma tectonicidade de opereto, de efeito imediato © cordter infantil, que desapareceu quase com a mesma ra- pidez com que se hava difundido. No realidade, o brutalismo abriv as portes & desconside acd consirutiva que a arquitetura demonstrou nos dhimas décadas: a conceitualizagéo do projeto propiciada pelas neovanguardas implicou praticamente a deseparicéo da consirucao como elemento formative fundamental da ar- quitetura, Prova isso 0 foto de que se chegou a considerar rozodvel 0 vicio de nao mostrar os elementos estruturais em planta “para expressar melhor 0 conceito”, sem se dar conta de que nd ha projeto sem materia De qualquer modo, a espiritvalizagée da erquitetura

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