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Educagéo e Filosofia, 12 (24) 297-301, jul/dez. 1998 RESENHAS FREITAS, Luis Carlos. Critica da organizacao do trabalho pedagégico e da didatica. Campinas, Sao Paulo: Papirus, 1995. Maria Clarisse Vieira” No calor dos debates educacionais dos tiltimos anos, temas como a formagao docente, pratica pedagégica e organizacao do trabalho escolar e pedagégico ocupam lugar de destaque na produgao de Luis Carlos Freitas’ . Nesta producio, a obra Critica da organizacao do trabalho da escola e da didatica é ponto de referéncia para a compreensao das suas idéias e proposigdes. A obra é resultado de tese de livre docéncia, defendida em 1994 na Unicamp, resgatando, nas palavras do autor, “o que resistiu aos debates nos tltimos dez anos no campo da didatica.” Inicialmente, questiona a aparente identidade de discurso que, centrada no contetido, pode conduzir ao neotecnicismo, ou seja, um novo tecnicismo, revestido com “ares progressistas”. Em uma proposta de trabalho de pesquisa em didatica, em 1987, o autor afirma que a “a pesquisa deve deslocar-se em diregao a pritica, utilizando (...) observagaio e descri¢ao sistemdtica apoiadas com métodos quantitativos e qualitativos(...) levantamento das pesquisas realizadas nesta diregdo, intercambio de procedimentos metodolégicos e a realizagao de pesquisas destinadas acaptar sistematicamente a dinamica do processo pedagégico (p. 11). Nesta obra, concretiza esta proposta, destacando a dimensaio central que a avaliacao ocupa na organizacao do trabalho escolar, bem como as fungdes sociais encarnadas pela mesma na reprodugao/ transformagao da sociedade capitalista. Utilizando como referencial tedrico-metodolégico o materialismo histérico dialético, reafirma sua * Aluna do Programa de Mestrado em Educagao da Universidade Federal de Uberlandia. 297 Educagao e Filosofia, 12 (24) 297-301, jul/dez. 1998 posic¢ao socialista, esclarecendo que prefere “conviver com boas ortodoxias a assumir algumas falacias modernosas”(p.15). Neste as] embor; i j A obra est4 organizada em trés capftulos: no primeiro, dialoga com autores brasileiros, os quais possuem uma tradicao de pesquisa e ensino no campo da didatica e na organizago do trabalho pedagégico. Embora nao pretenda classificd-los em correntes e tendéncias politicas pedagégicas, 0 conjunto e o perfodo das obras estudadas os vinculam & diddtica fundamental, a pedagogia histérica-critica e a pedagogia dos conflitos sociais. Assim, a didatica fundamental, emergente nos anos 80, concebe a educacéo como um fenédmeno multidimensional, que possui diversos estruturantes que devem ser articulados, compreendendo a escola em suas inter-relagdes. Esta contrapde-se 4 diddtica instrumental, hegeménica nos anos 60 e 70, baseada na neutralidade, racionalidade e no formalismo didatico. No entanto, adverte o autor, os textos destas autoras possuem uma perspectiva critica, mas nao apresentam proposta alternativa 4 atual organizacio societéaria. Jéem relagdo a pedagogia hist6rica critica, aponta as incoeréncias presentes na teoria defendida por Libaneo, consubstanciada na pedagogia critico-social dos contetidos. Libaneo “toma a escola capitalista como referéncia para encontrar sua unidade de anélise na didatica (a categoria aula) , sem criticar esta forma de organizagao escolar” (p. 30). Através do triangulo didatico classico (professor, aluno, matéria), supde que a matéria (contetidos criticos sociais) realize a mediaco professor-aluno. Para Freitas, Libaneo desconsidera 0 cardter histérico do fenémeno aula, substituindo o trabalho material produtivo pela verborragia do professor, caindo no formalismo didatico e indo “ao inverso de Saviani da consciéncia filos6fica ao senso comum” (p. 49). . Contrapde-se a 298 Educagag e Filosofia, 12 (24) 297-301, jul/dez. 1998 pedagogia histérico-critica por se ater a esfera da circulagao, ou seja, & ‘No campo da didatica, enfatiza-se a participacdo dos sujeitos, partindo-se do principio de que no “fazer gera- se o saber”. Entretanto, Freitas considera que a forma radical como esta entende a atuagao do capitalismo a aproxima do reprodutivismo, o que nao invalida a relevancia de sua andlise sobre as determinagdes da escola e da tecnologia capitalista. No segundo capitulo, o autor desenvolve uma discussio em torno dos parametros teéricos-metodoldgicos utilizados em sua pesquisa. Criticando a perspectiva fenomenoldgica e positivista, afirma que o materialismo hist6rico dialético supde “rigor nos processos de observagao (...) num esforgo para construir (ou reconstruir) a percepgdo dos atores da instituigao (...) 0 cerne do procedimento metodolégico diz respeito a construgao, no pensamento, do desenvolvimento das contradigdes da pratica, incluindo suas possibilidades de superago” (p. 71). Discute-se, ainda, neste capitulo, questées como a ciéncia pedagégica ea didatica, a interdisciplinaridade, a organizac4o do trabalho pedagogico, as categorias avaliagao-objetivos, contetido-método da escola, de unidade metodoldgica e de auto-organizacao e as exigéncias postas pelo capitalismo a educacao neste final de século: (Gta /encama|os/objetivos/da Sociedade) Amparando-se no conceito de eliminagao adiada proposto por Bordieu, atesta a seletividade do sistema ea fungdo social real desempenhada pela avaliac&o. Para 0 autor, se no howver essence, arealdade de classe determina odesino escolar dos ey os professores nao se relacionam da mesma forma com os alunos () ...) a escola nao foi feita para o aluno trabalhador (...) Essa perspectiva s6 pode existir na escola a partir do momento em que hd resisténcia (p. 104). 299 Educagao e Filosofia, 12 (24) 297-301, jul/dez. 1998 No que tange, ao momento atual, analisa a emergéncia da “nova direita” internacional, em sua versdo neoliberal e neoconservadora relacionando-a com as transformacGes e crises que se processam no (p. 117). Demonstrando a influéncia que estas proposi¢Ges tém exercido na educacio brasileira, discute a difusdo da Qualidade Total no meio educacional, bem como 0 Plano Decenal de Educa¢ao e Revisdo Curricular. Conclui este capitulo, afirmando qui Considera necessario “aproveitar esse novo interesse do capital pela educagao, mas a luz do projeto histérico claro e compromissado com a maioria do povo cuja miséria s6 tem aumentado” (p. 141). No Ultimo capitulo, desenvolve uma discusséo em torno da categori: concebida como elemento-chave para a da @Scolaleapitalista! Salienta que esta categoria deve ser analisada no interior da escola como avaliagao/objetivos do ensino e no nivel da escola como um todo, através do projeto politico pedagdgico, uma vez que hd uma tendéncia para que a fungdo social atribufda a escola capitalista seja retransmitida no interior da escolae projeto pedagdgico em meio a tensdes, acomodagées e resisténcias. avaliagdo & compreendia como avaliagao formal e informal. A primeira utiliza-se de “praticas que envolvem o uso de instrumentos explicitos de avaliacao, cujos@ades podem sel a luz de um procedimento claro.” . 145). Esta tiltima determina a primeira, pois 0 juizo “assistematico” construfdo pelo professor a respeito do aluno, pode contribuir para o maior/menor desenvolvimento de suas possibilidades de sucesso/fracasso escolar. Neste capitulo, sao apresentadas dois estudos desenvolvidos pelo autor no Laboratério de Observagio ¢ Estudos 300 Educagao e Filosofia, 12 (24) 297-301, jul./dez. 1998 Descritivos (LOED) da Unicamp, visando compreender a avaliacdo na atual organizacao do trabalho escolar. Sao apresentados, também, és resumos de estudos desenvolvidos por pesquisadores, conduzidos pelo autor, no interior do LOED. Os estudos realizados apontam no contexto da pratica pedagégica, a existéncia do tripé avaliativo: avaliagdo instrucional, disciplinar e de valores. O poder do professor ergue-se a partir deste tripé, onde o aspecto classificatério € apenas a “ponta do iceberg”. Constatou-se também, o papel preponderante da avaliagao informal ou espontanea na produgdo de juizos e na confirmacdo do sucesso/fracasso escolar dos alunos: concep¢ao de homem, educacao e sociedade e em um modelo de aluno que legitima a atual organizacio societaria. Conclui o trabalho, demonstrando que mas € necessario a transformacio do projeto politico pedagégico da escola, tirando proveito da contradi¢do reaberta entre educar e explorar. Consideramos que o autor manteve neste estudo uma coeréncia com 0 teferencial tedrico-metodolégico adotado, compreendendo a organizacao do trabalho pedagégico e escolar em suas contradigdes e possibilidades de superaco no contexto social. A obra traz uma importante contribui¢ao ao repensar critico da didatica e a formagao dos profissionais da educagao, ao “desconstmuir” o discurso de educadores vinculados ao campo da didatica, mostrando seus avangos ¢ limites te6ricos. Ao apontar a avaliagio como categoria chave na compreens4o/transformacao da escola capitalista, demonstra a real fungaéo desempenhada pela mesma, destacando as possibilidades e limites de superagao e resisténcia 4 logica excludente da atual organiza¢ao societéria no contexto da organizagao do trabalho pedagégico e escolar. 301

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