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(So EDIOURO/92354 TUDO QUE VOCE PRECISA SABER SOBRE PARA NUNCA PASSAR VERGONHA O Autor Datando de 1953, Paul Bahn decidiu, em tempos remotos, fazer da arqueologia um meio de vida. Quando crianga, cavou buracos no jardim dos fundos de sua casa em Hull, encontrando fragmentos de cerfmica. Estes se revelaram imitag4o de cerfmica chinesa, e nao romano antigo, mas a emogao da descoberta permaneceu intacta. Mais tarde estudou arqueologia em Cambridge, ob- teve seu Ph.D., e adotou a aparéncia regulamentar dos arquedlogos (barba e roupas deselegantes), mas a des- peito de semanas de desbravamento das selvas sul-ame- ricanas em busca de sitios perdidos, nfo conseguiu ad- quirir gosto nem por tabaco nem por 4lcool. Passou a se dedicar como escritor freelance aos as- pectos que considera mais interessantes na drea, como dentes de cavalo e gravuras de genitdlias (vide: Chocan- te: Cavalos atrelados no paleolitico?; Sem sexo, por favor, somos aurignacianos). O Ultimo livro de Paul Bahn, o profusamente ilus- trado Imagens da Era Glacial, é altamente conceituado em certos circulos obscuros, e o ptiblico também gostou. Entre seus passatempos estado as sepulturas dos famosos, especialmente em Hollywood, sobre as quais discorre ocasionalmente para pessoas que compartilham esse en- tusiasmo mérbido. Infelizmente, seu Guia-mapa Para os Tuémulos das Estrelas, que costumam chamar de Ca- daveres Célebres, esti disponivel apenas nos EUA. Felizmente todo esse trabalho requer uma certa quan- tidade de pesquisa e viagem, que € o motivo pelo qual este livro nao foi escrito num sitio arqueolégico enla- meado, mas numa praia em Figi. Os Manuais do Blefador Administragao Literatura Antiguidades Marketing Arqueologia Matematica Arte Moderna Misica Balé Ocultismo Blefe Opera (manual geral do blefador) Oratéria Computadores Predigéo do Futuro M ANUAL DO BLEFADOR Ecologia Propaganda Editoragio Sedugio Feminismo Sexo ‘TUDO QUE VOCE PRECISA SABER SOBRE Filosofia Teatro GIA Jazz Televisio Jornalismo Vinhos ARQUEOLO Lecionar Whisky PARA NUNCA PASSAR VERGONHA. Paut BAHN Tradugao e adaptagao de SyLvio GONGALVES Este livro é uma adaptagao do original inglés Bluff Your Way in Archaeology por Paul Bahn © da tradugio e da adaptagao, Ediouro S.A., 1993 ISBN 85-00-92354-7 MAC 2354 EDIOURO S.A. (Soresiora da Bator Tecoopet 5A) ‘See: DEP. DE VENDAS E EXPEDICAO RUA Nova JERUSALEM, 345 — Rio DE JANEIRO — RJ CORRESPONDENCIA: CAIXA POSTAL 1880, ‘CEP 20001-970 — Rio pe JanzIRo — RJ ‘Ta.: (021)260-6122 SUMARIO Introdugio, 6 O que é arqueologia?, 6 Ser um arquedlogo, 8 Tipos de arqueélogos, 14 Arqueologia de campo, 17 Encontrando sitios, 17 Escavagao, 18 Leis fundamentais, 23 Levantamentos topograficos, 24 Resgate, 25 Os especialistas, 26 Datagao, 28 Interpretagado, 30 Maldigées, 31 Fraudes, 33 Arqueologia impressa, 37 Estratagemas, 39 Alguns nomes para conhecer, 42 Campos de especializagio, 48 Arquedélogos famosos, 57 Glossério, 62 INTRODUCAO O QUE E ARQUEOLOGIA? Se Histéria € cascata, arqueologia é sucata. Essa profissao bizarra consiste em procurar, restaurar e estu- dar os refugos deixados pelos seres humanos do passa- do. Os arquedlogos sio, portanto, o oposto preciso dos lixeiros, embora costumem vestir-se de forma semelhante. As pessoas antigas* ndo tinham como suspeitar que 0 lixo do qual se livraram tao prontamente seria um dia resgatado por esses mercadores cientificos de trastes e ossos. Se tivessem suspeitado, teriam tomado melhor cuidado com suas coisas e prendido etiquetas para clas- sificar 0 objeto e o que faziam com ele. Como nio fize- tam isso, os arquedlogos precisam descobrir tudo sozi- nhos. A arqueologia é como um enorme e perverso que- bra-cabegas inventado como instrumento de tortura pelo demSnio, pois: a) nunca pode ser terminado b) vocé nunca sabe quantas pegas estio perdidas c) a maior parte delas est4 perdida para sempre d) vocé nao pode trapacear olhando a tampa da caixa. Pessoas pré-histéricas nem sempre tiveram a visao de usar materiais como pedra ou ceramica, que sobrevi- veriam através das eras, de forma que quantidades ini- magindveis de objetos apodreceram e sumiram. Isso é ma noticia para o arqueélogo, mas uma noticia maravi- lhosa para o blefador. Ha varias razGes para que a arqueologia seja uma area ideal em que se pode tornar-se um blefador completo: * Um blefador experiente pode obter uma vantagem importante no infcio de qualquer conversa ao se opor ao uso de termos como O Ho- mem Feito Pelo Homem, Homem Primitivo, Homem de Neandertal, ¢ assim por diante, por serem tolos e ofensivamente sexistas. Isso abalaré por algum tempo o equilfbrio de seu oponente. 6 1. Na maioria das vezes a evidéncia est4 tio dani- ficada que a opiniao de alguém é tao valida quan- to a opinido de qualquer outro, Nao ha como pro- var nada. Quando o assunto € o passado distante, ninguém sabe com clareza. O maximo que pode ser oferecido é um palpite informado. Vocé de- ve disfarcd-lo sob o titulo grandioso de “dedu- gio” ou “teoria”, ou (ainda mais imponente) “hips- tese”. 2. E particularmente facil blefar numa conversa so- bre arqueologia com um n4o-arquedlogo. Isso se deve ao fato de que, embora a maior parte das pessoas manifestem interesse no passado, seus olhos tendem a embaciar depois de ouvir o assunto por alguns minutos. 3. E especialmente facil nesse ramo fazer-se passar por um expert, repleto de conhecimentos impres- sionantes e esotéricos, porque estd cheio de ter- mos obscuros e nomes e lugares exdticos. Mesmo se o grande publico tiver ouvido sobre eles, € quase certo de que saberao pouco ou nada a seu respei- to. Ser4 muito stil, portanto, um minimo de traba- lho de casa. E brincadeira de crianga dar a falsa impressio de estar informado, afinal, poucos ousaréo desafiar seus fatos e hip6teses. Ante qualquer suspeita de que sua platéia faz parte daquele grande niimero de pessoas que — gragas aos filmes e desenhos animados — acreditam que os primei- ros humanos viveram ao mesmo tempo que os dinossau- ros, utilize essa suspeita como uma oportunidade para um sorriso de esc4rnio ou um suspiro de pena antes de esclarecé-los sobre 0 intervalo de milhées de anos entre as duas formas de vida. Nunca deixe o fato de que nada realmente se sabe sobre os acontecimentos passados interpor-se em seu caminho: use-o como vantagem. Alguns arquedlogos imi- nentes construiram carreiras sobre blefes convincentes. 7 SER UM ARQUEOLOGO Sao necessdrias qualidades muito especiais para devotar-se a problemas sem solugio e a remexer no lixo de gente morta: palavras como “masoquista”, “abelhu- do” e “louco de pedra” logo vém a mente. E por isso que a excentricidade € 0 rétulo da profissio. Assim como a dependéncia ao dlcool (na verdade, arqueologia podia ser sindnimo de alcoolismo). Pode-se atribuir esse fato tanto 4 necessidade de afogar as magoas frente a incapa- cidade de chegar a soluges como simplesmente a es- quecer o constrangimento em praticar uma profissao ri- dicula por natureza e quase sempre fitil. A imagem popular dos arquedlogos é de uma turma de doidos ou parias cobertos de poeira e teias de aranha. O blefador, entretanto, afirmar4, com um sorriso inteli- gente, que isso nem sempre é verdade: alguns deles sao apenas distraidos e h4 até aqueles que se mantém limpos. Pode-se reconhecer 0 arquétipo do arquedlogo pela barba, pelo cachimbo curvo, o casaco ou camisa estam- pada deselegante, e pelas sanddlias ou botas de cami- nhada — e¢ estamos falando apenas das mulheres. O ca- chimbo costuma ser afetacfio, um artificio classico de blefe, usado para transmitir a idéia falsa de que o ar- quedlogo € um verdadeiro Sherlock Holmes. A barba empresta um ar de sabedoria e maturidade, mas nao pas- sa de um meio para obter cinco minutos a mais na cama. Os casacos servem para ocultar as barrigas protuberan- tes (conseqiientes ao excesso de cerveja), enquanto as camisetas apenas as acentuam. As roupas e calgados dependem da temperatura, das condigées e das finangas, e muitas vezes nao sao troca- dos por dias ou semanas a fio. Deve-se fingir acreditar que isso se deve a distancia de uma fonte de agua ou toalete, e ndo a um baixo padrao de higiene pessoal, ou a pura falta de interesse. A maior parte dos arquedlogos, quando inquirida sobre 0 motivo de devotar as vidas a area, fara conside- Tag6es poéticas sobre: * sua paixao pelo passado * seu desejo de prestar uma modesta contribuigdo a restauracdo da histéria do desenvolvimento hu- mano. Alguns irao até mesmo afirmar que, como Schliemann, a arqueologia foi seu Gnico objetivo de vida desde a infancia. Nao acredite numa palavra: como bom blefador, deve estar apto a reconhecer egocentrismo a vinte passos. Se um grupo de arquedélogos fosse transportado ao passado numa maquina do tempo, as chances sao de que ficariam completamente estupidificados dentro de poucas horas € comegariam a gritar por um ar-condicionado, cerveja boa, e sua prépria versdo de como as coisas seriam no passado. Na verdade, a maior parte das pessoas é atraida pela arqueologia por uma variedade de razGes mais praticas. Aqui estAo as cinco principais. 1. As vezes pode ser bastante divertido — ja foi definida como a coisa mais divertida que se pode fazer vestido. 2.A perspectiva de atividade/aventura, viagens & encontro com pessoas do sexo oposto, Se vocé nao tem paciéncia de perder tempo sentado numa praia lendo um livro policial e quer distancia dos pacotes de turismo, entdo a arqueologia de campo pode ser uma boa solugdo. A maioria dos direto- res de campo insiste que vocé se aliste pelo me- nos por uma quinzena. Assim nao pode fugir hor- rorizado ao descobrir que vocé € apenas um tra- balhador mal pago, preso a um grupo de pessoas igualmente cansativas, e a maior parte delas le- vando seu trabalho a sério. 3. Fazer um curso universitario que costuma ser con- siderado mais facil que a maioria. Ao fim dele, alguns estudantes decidem continuar para tirar um Ph.D., tanto porque nao pensam em nada melhor 2 para fazer, como por falta de coragem de encarar © mundo real e procurar um trabalho de verdade. Muitos abandonam o curso. Daqueles que conse- guem seu Ph.D., a maioria descobre que o merca- do de trabalho em arqueologia é nulo, que desper- digaram varios anos, e que tudo o que resta a fa- zer € estudar para ser contador ou fiscal de impos- tos. Neste ponto, sua paixdo pelo Passado esvanece tapidamente, tendo seu lugar ocupado pela cor- tupg4o e pela meia-idade. 4. Conseguir um meio de vida (néo-recomendado, a nao ser que suas necessidades materiais sejam mi- nimas). Com disse Champollion, a arqueologia é uma linda amante, mas seu dote é pobre. 5. Fazer uma carreira. Isso nao é facil, pois a carrei- ra de um arquedlogo ja comega em ruinas. Uma carreira arqueologica 6 considerada um suces- SO se 0 arquedlogo se torna: * uma celebridade nacional (raro) * uma celebridade internacional (muito taro) ou rico (extremamente raro — “riqueza” e “car- Teira arqueoldgica” so quase termos contradité- rios). Normalmente consegue-se isso através de uma des- coberta com apelo popular. Virtualmente, todo arqueé- logo profissional da atualidade afirma nao ser cagador de tesouros, mas um cientista buscando informagdo, nao objetos. Portanto, em qualquer conversa a respeito de tesouros individuais, o blefador pode marcar pontos en- fatizando, com grande condescendéncia, que os arqueé- logos da atualidade nio cavam Para encontrar coisas, mas para descobrir coisas. Embora isso seja verdadeiro na maioria dos casos, é também justo afirmar que qualquer arquedlogo ficaria euférico em encontrar alguma coisa que nao apenas se tevelasse importante para a 4rea, como também estimu- lasse a imaginagio do publico. E como pouquissimas 10 descobertas (apresentadas seriamente) provocariam mais do que um bocejo contido no espectador de tevé ou no leitor de jornais sensacionalistas, tais descobertas preci- sam ser maquiadas com superlativos de blefador: o pri- meiro, o mais antigo, o maior, o mais bem preservado, 0 mais rico, o mais espetacular de sua espécie. Outro recurso eficaz constitui associar a descoberta a um t6pico sempre popular, como: * sexo * violéncia * canibalismo. N§o se esquega: como o ptiblico se importa pouco com ancestrais andénimos, € crucial ligar a descoberta a uma figura lenddria ou bem conhecida, preferivelmente de sangue azul (Rei Arthur é o grande favorito). A des- coberta do enésimo esqueleto romano ou pote peruano nao despertar4 nenhum interesse, mas se vocé apresenta- la como a provavel avé de Julio César ou como a escar- radeira de Atahualpa, conseguir4 chegar aos noticidrios, e talvez aos programas de entrevista. Seus colegas de- monstraréo desprezo, mas ficaréo verdes de inveja com a projegdo e o aumento de receita que esse tipo de coisa lhe proporcionara. Como blefador, vocé deve desprezar esse tipo de busca de atengféo como “farfalhice de carreiristas ambi- ciosos e sem escripulos”. Se vocé mesmo for acusado disso, explique que, infelizmente, esse tipo de coisa é necess4ria para manter o prestigio da arqueologia frente ao publico, sendo com grande relutancia que permite que a midia distorga seu trabalho. Obviamente, nao tem nenhuma intengdo de impulsionar sua carreira. Nao ser4 surpresa descobrir que qualquer um que escolha a arqueologia como profissao é, ou precisa tor- nar-se, um blefador consumado. Os estudantes sido blefadores novatos, tentando apren- der os rudimentos da 4rea para blefar para passar nos exames e conseguir uma carreira ou, ao menos, um di- LY ploma. Isso requer certa quantidade de estudo e redacéo mas também um pouco de trabalho em sitios arqueolégi- cos para ganhar experiéncia ¢ a estima dos professores. Os conferencistas possuem uma grande carga hor4- ria de ensino, nfo se pode esperar que pensem e sejam originais ao mesmo tempo. Sido blefadores com muita pratica em convencer que sabem muita coisa nesse cam- po de interesse em particular, e que nao decoraram tudo as pressas na noite anterior. Ao contrario de conferen- cistas em outras dreas, seu trabalho de verdade comecga nas férias de ver4o, quando realizarao um pouco de pes- quisa, dirigirao algum trabalho de campo, ou tentarao adiantar um pouco o livro que escrevem ha anos. Tém como objetivo principal conseguir um salério melhor e reduzir sua carga de trabalho, tornando-se: Académicos sénior, isto é, blefadores avangados. Uma vez que tais alturas estonteantes tenham sido atingidas, € possivel sentar-se e descansar sobre os louros. Por exemplo, um arqueélogo chefe de departamento no nor- te da Inglaterra nao fez absolutamente nada desde sua tese, h4 vinte anos, o que lhe valeu o apelido de “trom- bose”, o codgulo que bloqueia o sistema. Outros disfar- gam, produzindo regularmente variag6es do mesmo tra- balho. Um ou dois mantém-se animados e inventivos, produzindo trabalhos interessantes, mas essas excegdes nao tém lugar num livro de blefe. Repare que nenhum arquedlogo, nessas posig6es ou ainda em outras mais avangadas, dar4 um grama de gl6- ria As profissionais mais importantes na arqueologia aca- démica, as secretdrias, j4 que sio as pessoas mais sis da 4rea, fazem todo o trabalho pesado, e sem elas a maior parte dos académicos e departamentos simplesmente rui- Tiam. Arquedlogos profissionais precisam fazer voto de pobreza, embora nao (felizmente) de castidade. A maio- ria prefere substituir rendimentos por influéncia e dcio. Sendo magros de bens (embora gordos de corpo), cons- tantemente precisam suplicar e esmolar para poderem: 12 a) fazer o trabalho de campo b) comparecer a conferéncias c) ter seus trabalhos publicados. Vocé deve saber que essas praticas nunca revelam a verdade sobre o baixo grau de importancia ou originali- dade do projeto, mas acentuam a natureza potencial e fascinante do trabalho. £ triste, mas verdadeiro, dizer que: * Anica forma de se conseguir fazer bom dinheiro com arqueologia é blefar de forma a tornar-se professor universitario. * A tnica forma de se fazer dinheiro alto é vestir jeans apertados, deixar a barba por fazer e a cami- sa entreaberta, ir 4 televisao e blefar de forma a fazer com que o puiblico pense em vocé como um especialista na drea. * Anica forma de se fazer grandes quantidades de dinheiro é escrevendo A Tribo da Caverna do Urso. 13 'TIPOS DE ARQUEOLOGOS HA basicamente duas categorias: o arquedlogo de campo e 0 arquedélogo de poltrona. Os arquedlogos de campo sao normalmente chama- dos “arquedlogos sujos”, termo que nao se aplica neces- sariamente as suas mentes ou aparéncias (bem, as ve- zes). Sio aqueles que realmente saem para cavar e de- marcar para obter alguma evidéncia que possa ser investigada. Também tentam fortalecer sua nova ima- gem de “homens de agéo” manejadores de chicotes, normalmente com grande fracasso. A maioria dos arquedlogos de campo sabe blefar de forma a fazer com que pensem que seu trabalho é exci- tante, cheio de emogGes. Mas é bom que vocé saiba que, exatamente como o mundo do cinema ou da fotografia de moda, pode parecer glamouroso e desafiador quando visto de fora, mas se vocé experimentar, logo ira desco- brir os longos periodos nos quais nada acontece. Ha compensagGes, claro: poucas sao as profissdes que permitem que vocé viaje regularmente a regides exéti- cas com uma turma de jovens lascivas, ansiosas em se divertir e obter notas altas. Esse € o mesmo motivo pelo qual as esposas — sofredoras nao-arquedlogas — sen- tem-se compelidas a irem também. Arquedlogos de campo estio sujeitos a queimaduras de sol, picadas de insetos, bolhas nos pés e nos joelhos, € ressacas, Os arqueélogos de poltrona escolhem seu papel por uma variedade de razGes: é6cio, incompeténcia, falta de vontade de sujar as mfos, ou aversiio 4 luz do sol. Sustentam a imagem tradicional dos arquedlogos como velhos tontos ou, em muitos casos, como jovens tontos. Como nfo podem, ou nao obterao evidéncia para si mes- mos, precisam voltar-se para outras pessoas. Nao obs- tante, conseguem atingir eminéncia real na 4rea através 14 da pratica de um tipo especial de blefe conhecido como “teoria arqueolégica”, o que é feito de varias formas: 1. Vocé compensa sua falta de informagao questio- nando o conhecimento de todos que o cercam: * Como estava o mamilo do sitio? * Quao representativo era o espécime? 2. Desvia a atengao de sua prépria caréncia de idéias e solugdes atacando aqueles que tentam fazer al- gum trabalho e tentando demolir toda sua aborda- gem do assunto. Toda essa fanfarronice e admoestacao tem pago di- videndos fantdsticos a muitas carreiras, particularmente dentro da “Nova Arqueologia”. Se vocé é suficiente- mente loquaz, rude e agressivo, geragGes de estudantes o trataréo com respeito e deferéncia extraordinarios. A isso se chama “a sindrome do babuino alfa”, pois os macacos conquistam o comando com o mesmo tipo de blefe. Mas comportamento por si sé é insuficiente: sera realmente preciso dizer ou publicar alguma coisa, e esta é uma 4rea de blefe intenso. Arquedlogos teéricos (ou “Qs Mortos-Vivos”, conforme sao conhecidos) produ- zem quantidades enormes de papéis e livros, repletos com: a) jargdo impressionante b) palavras longas c) equagdes matematicas d)diagramas complicados que envolvem montes de linhas, arcos e colunas. Poucas pessoas chegarao a ler esse material além de outros tedricos tentando manter-se atualizados com no- vos jargées (e procurando algo novo para atacar) ¢ aque- les estudantes suficientemente infelizes para terem os autores entre seus professores. Conseqiientemente, pouquissimas pessoas chegam a perceber que a maior parte do texto é inexpressiva, as 15 equagdes desenxabidas, e os diagramas supérfluos, de forma que a indistria continua a funcionar. Este é um exemplo genuino de um trabalho teérico: “A nogio das contradig6es estruturais resulta numa mu- danga social relativa 4 operacao de varidveis causativas num ni- vel epistemolégico diferente daqueles assumidos em andlises de varidveis interconectadas e entidades, resultando em processos morfogénicos de retroalimentagio.” A despeito de sua sofisticagdo aparente, este tipo de blefe é notavelmente facil: basta aprender algumas pala- vras-chave como cognitivo, interpretativo e operacionavel; em seguida, ligue-as com jargdes apropriados, como es- truturalista, processual ou mesmo pés-processual (nado se preocupe sobre 0 que isso significa — ninguém mais sabe ou sequer se preocupa com isso), e podera prosse- guir alegremente até que sua platéia/leitores cochilem ou fujam aterrorizados. Caso venha a confrontar-se com um nimero assus- tador de arquedlogos tedricos (dois), tente primeiro falar positivamente sobre os méritos do trabalho de campo. Se persistirem, tente citar a maxima de Kant de que “conceitos sem percepgdes sao vazios” (isto é, vocé nao pode dominar 0 todo sem dedicar-se a algumas mintcias — em outras palavras, saia e v4 fazer algum trabalho de verdade). Uma critica vinda de um fil6sofo alemao deve atingi-los no coragéo, ou pelo menos estonted-los por tempo suficiente para que vocé dé alguma desculpa e fuja. Os arquedlogos de poltrona tendem a contrair ulce- ras, egomania e ressacas permanentes. A diferenga pode ser explicada de forma muito, sim- ples: arquedlogos de campo desencavam lixo, arquedlo- gos tedricos escrevem o seu préprio. 16 AARQUEOLOGIA DE CAMPO Em algum momento de suas carreiras, a maior parte dos arquedlogos, com a excegio dos teéricos, realmente sai e tenta obter alguma informacao nova. ENCONTRANDO SITIOS A forma mais simples de encontrar sitios € pergun- tando a alguém que saiba onde eles estio. O blefador esperto deve estar ciente de que os sitios mais importan- tes ndo sao encontrados por arqueélogos — na verdade, sio achados acidentalmente por fazendeiros, trabalha- dores de construgio ou fot6grafos aéreos; sitios subma- rinos s40 descobertos por pescadores e mergulhadores; cavernas sdo achadas por criangas (no caso de Lascaux), e até mesmo por cdes (no caso de Altamira). Os ladroes profissionais de timulos (diga huaqueros no México, tombaroli na Itdlia) sio mais aptos a descobrirem tamu- los antigos que qualquer arquedlogo. Entretanto, é o ul- timo que investiga os sitios e quem obtém toda a publi- cidade e gléria. A 4rea em particular na qual escolhem para traba- lhar € supostamente selecionada de forma a responder perguntas de relevancia especifica de seu interesse de pesquisa. Na pratica, as raz6es reais dependem de um ou de todos os fatores abaixo: * clima * presenga de um amante * piscinas * bares da regiao. Por essas razOes, a Franga € particularmente popu- lar. Também oferece comida soberba e uma sensivel tendéncia francesa a colocar tetos sobre as escavagoes. Outro fator importante é a situagio politica — guer- ra nao € um cenério saud4vel para trabalho arqueolégico de campo. Esse é 0 motivo pelo qual a maioria dos ar- Ly quedlogos americanos deixou o Ira quando o Aiatola subiu ao poder. Infelizmente, muitos resolveram mudar- se para o (temporariamente) seguro Afeganistao. Seja qual for a 4rea, h4 duas formas principais de obter informagées novas: escavagao e levantamento to- pografico. EscavacAo O ptblico pensa que os arquedlogos passam a maior parte de seu tempo cavando. Na verdade, nao sao todos Os que cavam, e apenas uns poucos cavam todo o tempo. O blefador deve saber explicar condescendentemente que processar e analisar descobertas costuma levar mais tempo que a escavagao em si, sendo, portanto, apenas 0 estagio preliminar: os meios para um fim, nao o préprio. Qualquer escavagao que esteja ao alcance do publi- co costuma ser visitada com freqiiéncia irritante por ci- dadaos honestos que pensam que elas existem para sua diversio. Devem ser tratados com a maior cortesia e respeito no caso de: a)tencionar contribuir financeiramente para 0 pro- jeto, ou b)estar ligados a alguém importante, com poderes para encerrar o trabalho. Dependendo de sua opiniao a respeito dos visitan- tes, os diretores devem atribuir aos cavadores mais char- mosos (ou mais chatos) a tarefa de conceder visitas guia- das. Os préprios diretores assumirao essa tarefa apenas para VIPs. Como os visitantes normalmente possuem alcance li- mitado de questées e comentarios, os blefadores devem estar familiarizados com as mais comuns, de forma a prepa- rar respostas dignas de G.B. Shaw ou Oscar Wilde: ¢ Eai, acharam algum ouro? * Continuem que vao acabar chegando 4 Australia, ra-ra. 1s * Qual é a idade disso? Como vocé sabe? * Por que as pessoas viviam em buracos no chao? * Perdeu suas lentes de contato, hein? ¢ Aquilo ali é um osso de dinossauro? * Quando vocés acabarem, que tal cavar meu jar- dim? * Ei Indiana, onde estao o chapéu e 0 chicote? * O que fazem quando chove? * Acho 0 Michael Wood 6timo, e vocé? Ja foi dito que nao existe uma forma usual ou corre- ta de se cavar um sitio, mas um monte de formas erra- das. Essa é uma informagio valiosa para o blefador no comando de um projeto desse tipo. Vocé pode desprezar quaisquer criticas a respeito de métodos por serem inaplic4veis 4s circunstancias particulares e inicas, pre- sentes no sitio. Na verdade, existem duas formas basicas de proce- der 4 escayagao: Verticalmente (para ver as diferentes camadas), e Horizontalmente (para expor Areas mais extensas de uma camada em particular). A maioria dos diretores mantém estratégias flexi- veis de forma a tirar vantagem de qualquer circunstancia especial que se apresente, ou para camuflar quaisquer erros que possam ser cometidos. E bom saber, portanto, que em vez de serem cuidadosamente planejadas desde © inicio, a maioria das escavagGes prossegue de forma estabanada, na base do cavar, errar e tentar de novo. '. Entretanto, € aconselhavel obter o maximo possivel ‘de informagao a respeito do que existe embaixo da su- perficie antes de comegar a cavar. Isso ajuda a evitar 0 embarago de: a) descobrir que est4 cavando no lugar errado b)nao encontrar nada 19 c) descobrir mais do que estava preparado para des- cobrir. Portanto, toda uma variedade de equipamentos e téc- nicas sofisticadas deverd ser utilizada, o que permite aos estudantes mais tecnicamente orientados produzir ma- pas vagos a respeito do que existe embaixo do solo. Esses glorificados detectores de metais incluem magne- témetros, medidores de resisténcia especifica do solo e diversos outros modos de passar energia através do chao. Caso os recursos nao permitam isso, pode-se introduzir sondas no solo a intervalos freqiientes. Ha alguns anos, um arquedlogo inglés acabou cavando pelo subsolo londrino por nao ter encontrado um sitio adequado. Em toda escavagao encontramos uma série de per- sonagens comuns. ! O diretor de escavagdo é um tipo de general. Ele (na maior parte das vezes é um ele) planeja a estratégia ge- tal, mas deixa todo o trabalho pesado para a infantaria, tratando apenas com a papelada: suprimentos, contas, permiss6es, cartas de solicitagdo e dai em diante. Os supervisores de sitio ou oficiais — normalmente estudantes graduados — atuam como ligagao entre o general e a infantaria e geralmente exercem bastante influéncia. Ocasionalmente tém alguma nogéo do que esté sendo feito no sitio e por qué. Os cavadores ou infantaria — nao-graduados, con- denados locais ou cidadaos voluntérios — sao bucha de canhio, normalmente cumprindo todo o trabalho cansa- tivo e mantendo-se num estado de ignor4ncia feliz sobre © que estd sendo feito e por qué. Surpreendentemente, alguns até mesmo pagam dinheiro para serem tratados dessa forma. Sua tarefa bdsica é remover areia de um lugar para outro, ocasionalmente peneirando-a antes de amontoé-la. Os blefadores precisam saber que durante a maior parte do tempo ocorre pouquissima escavagao: a areia é tevolvida com colheres de trolha e varrida para o canto, © que é muito lento mesmo. Na maior parte do mundo o 20 transporte da areia é feito com pds, baldes e carrinhos de mao. No Japio, entretanto, onde a mecanizagao € prédi- ga, mesmo 05 sitios arqueoldgicos menores tém sua areia removida com 0 auxilio de uma série de esteiras rolantes que conduzem a areia para o local em que ser4 empilhada. Outras tarefas excitantes incluem lavar as descober- tas (em sua maior parte, pedagos de pedra, osso ou va- sos), escrever pequenos niimeros nelas e desenhé-las, empacoté-las, e catalog4-las. Antigamente toda essa in- formagio era coletada em cadernos de escavagao, junta- mente com mensuragées exatas da localizagéo precisa da posigdo dos objetos no sitio. Nao importava tanto se aqueles cadernos eram precisos — noticias confortadoras para o cavador adepto do blefe — ja que ha poucas coisas que embotem mais a mente do que entender as anotag6es de alguma outra pessoa, de forma que os li- vros normalmente jamais eram examinados de novo. Hoje em dia, nas escavagdes mais avangadas, essas informa- gdes sao gravadas diretamente em computadores, o que no apenas significa que as m4quinas processam todos os planos de sitio com muito mais facilidade e rapidez que os estudantes, mas também que as informag6es mais irrele- vantes e intiteis podem ser ignoradas ainda mais rapido. O uso de computadores, claro, também confere a escavagio a ilusdo de usar tecnologia de ponta — nao importa que sejam apenas tao tteis e precisos quanto a informagio que lhes foi depositada em primeiro lugar, que por sua vez depende da qualidade e da vigilancia dos escavadores, assim como dos operadores de compu- tador. Matriciais de computador, mapas e diagramas fa- zem seu relatério parecer terrivelmente impressionante e profissional, e possuem a vantagem extra de dificultar ao leitor o exame atento de sua evidéncia. Alguns diretores — provavelmente aqueles que ti- veram uma infancia merecidamente solitaria — profbem que os cavadores falem no trabalho. Isso torna comple- tamente intolerdvel um trabalho que j4 € chato por natu- reza. Por viverem dias de trabalho incessantemente te- diosos, nfo é de admirar que a maioria dos cavadores 21 deseje secretamente fazer uma descoberta excitante, tal- vez um cadaver, ou mesmo algum tesouro valioso. En- tretanto, isso nao é desejavel, pois pode atrair multidées ao sitio ou provocar reclamagées e ameagas por parte dos moradores da localidade que nao queiram que seus ancestrais sejam perturbados. E é claro que sempre ha a possibilidade de maldigées. Cavadores precisam de joelhos fortes para suportar longas horas de trabalho ajoelhado sobre tabuas ou terra bruta: neste caso, pode ser titil ser catélico ou japonés. Pode-se dividir os sitios em dois tipos: 1. Terreno molhado (cheio de mato timido) 2. Terreno seco (sem nenhum mato timido). O complexo de superioridade dos arquedlogos de | terreno tmido deve-se ao privilégio de encontrar mate- tiais pereciveis que teriam se desintegrado em sitios de terreno seco. Em contrapartida, correm o risco de con- trair bicho-do-pé. Os arquedlogos de terreno seco costumam se enxo- valhar muito menos, mas correm risco de contrair pneumoconiose (se 0 sitio for realmente seco). Trabalhar em qualquer tipo de sitio ajuda a pegar um bronzeado (menos na Inglaterra), desenvolver mtis- culos e perder peso (menos na Franga). Muita gente acha que uma escavacao deve parecer uma temporada de 18 a 30 dias numa coldnia de férias. Algumas até sio, mas na maioria costuma haver um sistema de patentes em operacao, com as cavadoras mais atraentes oferecendo assisténcia primeiro ao diretor, depois aos supervisores, e em Ultimo lugar aos camaradas cava- dores. Alguns diretores franceses sfo famosos por atraf- rem “turmas” de americanas as suas escavagoes. Nunca admita a alguém de patente mais alta que esta é sua primeira escavagio, ou que vocé nao sabe o que est4 fazendo. Além de ser tao potencialmente emba- Tagoso quanto admitir virgindade, uma confissdo dessa natureza fara com que lhe dirijam as tarefas humilhantes que as maos mais experientes procuram evitar, como: 22 * cavar latrinas * fazer café ou ambos. Aconselha-se que seu equipamento e roupas aparen- tem bom uso, e vocé dever4 assumir um ar de falsa autoconfianga e negligéncia sobre todo o empreendi- mento. LgeIS FUNDAMENTAIS Existem algumas leis fundamentais na escavagao arqueolégica com as quais vocé deveria familiarizar-se: 1. A parte mais interessante do sitio estaré sob sua pilha de despojos, ou pelo menos fora da area que escolheu cavar. 2. Vocé faré sua descoberta mais importante no Ultimo dia, quando estar4 pressionado pelo tempo ¢ pelos fundos (isso é conhecido como a Lei de Howard Carter, que encontrou Tutancdamon imediatamente antes de ter as verbas cortadas por Lorde Carna- von). 3. Encontrar qualquer coisa valiosa dependera de aumentar sua escavagao, e em qualquer caso nao serd o que vocé esperava. 4. Na diivida, abra uma fenda. 5. Sé falsifique registros quando for absolutamente necessArio: isso é para os blefadores mais cinicos, que confiam no conhecimento de que cada sitio é nico, que a escavagio o destréi, e que ninguém jamais poder4 refazer seu trabalho e provar que vocé estava errado. Coisas titeis para levar a uma escavagio: * Equipamento de camping + Roupas velhas, incluindo camisas estampadas ou a frase “Arquedlogos fazem aquilo em buracos”. * Uma colher de pedreiro pontuda (na Franga, pre- ferem chave de fenda, o que pode lhe dizer algu- 23 ma coisa a respeito dos franceses). Faga a colher parecer suficientemente velha e usada para fazé- lo passar por veterano. * Repelente de insetos * Seguro (caso uma trincheira desabe sobre vocé) * Camisinhas * Abridor de garrafas e saca-rolhas. LEVANTAMENTO TOPOGRAFICO A alternativa de escavagdo atualmente em vogaéo levantamento topogrdfico. Requer caminhadas sistem4- ticas por um sitio ou terreno, examin4-lo meticulosa- mente a procura de tragos arqueolégicos de todos os tipos — muros, estruturas, pedagos de pedra ou cerami- ca, etc., cuja localizacéo é cuidadosamente mapeada, e seus padroes, estudados. Fas de levantamento orgulham- se muito de seu trabalho, estando conscientes de que os escavadores consideram levantamento uma telagado po- bre, e que a escavagio € o tinico meio de ter certeza de que ha vida abaixo da superficie. Na verdade, cada ati- vidade possui forgas diferentes: a escavagao revela mui- to sobre uma 4rea pequena; 0 levantamento revela pouco sobre uma 4rea grande. O levantamento € étimo para se blefar, porque na maioria das vezes os objetos nem mesmo sio coletados, tendo apenas sua presenga e localizacao anotadas. Por- tanto, cada levantamento é tinico e nunca podera ser repetido com exatidao. Em conseqiiéncia, ninguém pode checar seus dados, e a tinica forma de desafiar-lhe as afirmagoes é escavando toda a 4rea na qual realizou 0 levantamento. Costuma-se considerar o levantamento topografico como um segundo em qualidade, praticado quando nao se possui permissio, verbas ou mdo-de-obra para uma escava¢ao. Mas jé se concluiu que o levantamento topo- grafico € mais rapido e muito menos custoso que a esca- vagao; € menos destrutivo, e praticamente nao requer 24 nenhum equipamento além de mapas, estudantes e cal- cados resistentes. Coisas titeis para levar num levantamento topografico: * Equipamento de camping * Roupas velhas, incluindo camiseta estampada com a frase “Arquedlogos fazem aquilo sistematica- mente em toda a paisagem”. * Chapéu de couro e, dependendo do clima, guar- da-chuva * Uma bissola © Pomada para picadas de insetos © Dicion4rio de frases locais (verifique os verbetes “Cuidado com 0 touro”, “Cerca eletrificada”, “Cam- po minado”, etc. RESGATE Algumas pessoas so escavadores prore e culados a grupos dirigidos por autoridades capes . maior parte de seu trabalho consiste em escavar rapida mente sitios que se encontram, por diversos motivos, sob ameaga de destruigdo. Essa atividade requer iste nas estratégias globais: o material é desenterrado pelo bem dele, para preserva-lo para a posteridade. Seus i legas académicos que afirmam executar eee L pesquisa sob planejamento costumam zombar ae es : de procedimento. Naturalmente, o blefador deve e' ia a arqueologia de resgate As alturas quando encontrar pesquisador, e vice-versa. 25 Os ESPECIALISTAS Alguma coisa deve ser feita com toda a informagéo reunida no campo, e € nesse momento que uma grande quantidade de pessoas, muitas delas fora do préprio ramo arqueoldgico, sao chamadas para fazer seus trabalhos. ESPECIALISTAS EM FERRAMENTAS DE PEDRA Estes individuos sao responsveis por dividir peda- gos de pedra trabalhada em categorias diferentes de acordo com sua forma e estilo e tentar adivinhar para que eram usados. Nos tltimos tempos esta tarefa tem-se tornado mais facil devido 4 observagio de residuos em suas pon- tas, através de microscépios poderosos — a detecgao de sangue humano em algumas ferramentas de pedra pré- histéricas sugere que alguns trabalhadores eram tao de- sajeitados quanto os atuais. Os blefadores devem evitar piadinhas sem graga em telagdo a esses profissionais, como dizer que sua ali- mentagao principal é sopa de pedra. Poucos especialistas so mais tenazes que aqueles que dedicaram uma vida inteira a pedagos de pedra, mas a eles seguem de perto os: i ESPECIALISTAS EM CERAMICA ; Como diz 0 velho ditado inglés, é preciso ser um jarro rachado para amar um jarro rachado, mas, na ar- queologia, pedagos de cerAmica (ou “cacos”) ao quase tao numerosos ¢ indestrutiveis quanto as ferramentas de pedra, sendo, portanto, uma tremenda sorte que algumas pessoas escolham dedicar-se a essa linha de trabalho Tentar reconstruir jarros despedagados é uma tarefa eho trante e delicada, como um quebra-cabegas tridimensio- nal, especialmente se uma ou varias pegas estao faltando ou no se encaixam. Um dos requisitos essenciais para 26 essa atividade é possuir indole serena, pois € muito facil cometer erros. ZOOLOGOS Freqiientemente os arquedlogos dependem de zoé- logos para identificar os restos de animais que exumam. A vida dos especialistas em ossos € mais facil que a de seus colegas botanicos (veja abaixo), pois os fragmentos de ossos sio maiores, mais bem preservados e mais ime- diatamente identificdveis que os restos de plantas. Por conseguinte, um nimero cada vez maior de arquedlogos sente-se capaz de fazer esse trabalho, autodenominando- se “zooarquedlogos” ou “arquezodlogos”. O blefador, claro, preferira sempre a verso alternativa 4 que estiver sendo usada. Alguns se especializam ainda mais, em ossos de peixe, ou de pdssaros ou roedores, ou, ainda, em cascas de moluscos, Caracéis é um assunto particularmente facil de ser dominado. BoTANICOS Qs arquedlogos dependem de botanicos para identi- ficar quaisquer pedagos de vegetagio que possam ser desenterrados (madeira, sementes, carogos, grdos), nao importa quaéo chamuscados ou saturados de umidade es- tejam. Os botanicos costumam extrair o material com uma sonda depois de retirar sedimentos do sitio através de uma m4quina de flotagdo ou de um filtro. Em segui- da, precisam examinar cuidadosamente esse material anti- go através de microscépios e fazer o possivel para tentar entendé-lo. As coisas ficam um pouquinho mais interessantes se a mistura vier de um est6mago. O Homem de Tollund, o cadaver preservado da Idade do Ferro do primeiro sécu- lo A.C., que foi descoberto num pantano dinamarqués com um lago em torno do pescogo, possuia uma quanti- dade de remanescentes vegetais no est6mago, indicando 27 que sua Ultima refeigéo fora um tipo de mingau compos- to de sementes e graos. Ao comer uma reconstituigado dessa papa ins{pida, Mortimer Wheeler anunciou que, se era isso que o Homem de Tollund comia em casa, pro- vavelmente cometera suicidio. Alguns botanicos se especializam no estudo de pé- len (0 blefador profissional se referiré a eles como polinologistas). Grios de pdlen sobrevivem surpreen- dentemente bem, podendo revelar muito sobre a vegeta- ¢ao e o clima do passado, demonstrando o que estava florescendo em lugares e perfodos diferentes. O estudo do pélen é, entretanto, uma disciplina que, por requerer bastante dedicagao, costuma irritar o nariz de muita gente. A\NALISTAS DE COPROLITOS Coprélitos séo excrementos fésseis de animais e humanos que podem ser encontrados em sitios arqueolé- gicos, especialmente naqueles ou muito secos ou muito alagados. Infelizmente, por representarem a evidéncia mais direta do que era realmente ingerido, precisam ser extraidos e identificados. Um pequeno niimero de intré- pidos especialistas ao redor do mundo sabe como tratar os coprdlitos com elementos quimicos, de forma a reobte- rem sua forma, textura, e até mesmo cheiro, originais. Dizem que um especialista americano é capaz de reconhecer algumas substancias em coprélitos tratados (como 0 alcaguz) apenas pelo cheiro. Esses especialistas costumam ser injustamente desprezados pela maioria dos outros académicos apenas pela natureza pouco gloriosa de seu trabalho. DatacAo Os cientistas sao responsaveis pelo servigo valiosissi- mo de prover a arqueologia com uma cronologia absoluta.: Os arqueGlogos lhes dio pedagos de carvio, osso, cera- mica e assim por diante, e os cientistas realizam suas 28 magicas para dizer a idade desses objetos. Os fisicos devem sentir-se muito populares, pois as pessoas lhes ficam perguntando sobre datas; a vida da arqueologia mudou depois que ela se uniu & fisica. Tudo o que os blefadores precisam saber sdo os no- mes impressionantes e os rudimentos de alguns dos prin- cipais métodos: 1. Dendrocronologia As 4rvores sofrem um aumento anual em seu ni- mero de anéis, e como a espessura de cada anel varia de acordo com as condig6es clim4ticas do ano (grande cres- cimento em anos favoraveis, etc.), uma série nao rompida de anéis pode ser calculada e estendida séculos para tras confrontando-se seqiiéncias idénticas preservadas em madeiras modernas e antigas. Depois disso, qualquer 4rvore encontrada na drea pode ter seus anéis compara- dos & seqiiéncia-mestra, e sua idade estabelecida com precisao. 2. Termoluminescéncia Nao ha necessidade alguma de saber como isso funciona. Apenas esteja ciente de que é principalmente usado para datar ceramica. Ao que parece, pode-se adi- vinhar ha quanto tempo um objeto foi aquecido através da medig4o da quantidade de luz desprendida quando é reaquecido. Nao é considerada eficiente com restos or- ganicos, mas é possivel datar alimentos através de: 3. Datagao por radiocarbono Usado em substancias orginicas, este método mede a mintscula quantidade de isétopos radioativos de car- bono 14 deixado nelas — depois da morte de um orga- nismo, a quantidade de C14 que ele contém diminui gradativamente na mesma proporgao que a correspon- déncia de propaganda que recebia. Datas de radiocarbono sdo um paraiso para blefado- res. Consistem em um algarismo seguido por um sinal positivo ou negativo e outro algarismo: por exemplo 2450 + 80 BP significa que a idade do objeto em anos deve variar entre 2530 a 2370 antes do presente — mas 29 ha apenas 66% de possibilidade de que se encontre nes- se perfodo de tempo. Poucas pessoas conseguem se lembrar de datas de tadiocarbono com alguma precisio, de forma que vocé pode chutar qualquer algarismo que soe como estando na ordem correta de magnitude. Se for desafiado, diga que seu algarismo é€ calibrado (ou seja, corrigido em fungao da imprecisao dos variados e complexos calculos de radiocarbono). Houve muitas tentativas de produzir “curvas de calibramento” padronizadas (datando objetos e anéis de arvore de idade conhecida e vendo'o quao errado o C14 esta em cada caso), e cada uma resultou em algo diferente. Quando confrontado com uma data de radiocarbono, o blefador pode recorrer a diversos estratagemas: a) Questionar sua precisao (se nao for calibrado), ou a precisdo de seu calibramento. b)Perguntar a respeito de que material a data foi obtida — datas a partir de conchas, por exemplo, s4o extremamente imprecisas. c) Comentar que uma simples data de radiocarbono nao é de muita valia — hoje em dia apenas uma série inteira delas é considerada confiavel. Além disso, qualquer data pode ser colocada em questao apenas pondo-se em diivida a forma pela qual o espécime foi coletado e sugerindo-se que deve ter sido contaminado de alguma forma. Pouquissimas datas ar- queoldgicas podem sobreviver a esse tipo de inquisigéo, € seu oponente sempre terd de se curvar aos seus rigores cientificos ou correr o risco de parecer perigosamente dogmatico ou descuidado. + INTERPRETAGAO : O blefador deve estar ciente de duas tendéncias bé- sicas na arqueologia: 30 1. As datas para as diversas invengGes (como a cera- mica) ou eventos (por exemplo, a chegada de hu- manos na Australia) sao constantemente empur- radas para tras. 2. O local de origem dos diferentes objetos de estu- do arqueolégico, incluindo as préprias pessoas, mudam ao redor do globo 4 medida que novas descobertas so feitas. Como Breuil disse a res- peito das origens humanas, “O bergo da humani- dade esté em pedagos”. Portanto, a arte de interpretar evidéncias arqueolé- gicas é dar-se espago para manobrar 4 luz das descober- tas futuras. As deficiéncias da interpretagéo arqueoldégica de- vem ser evidentes: na verdade, a arqueologia tem sido descrita como “a reconstituigéo de padres nio-observaveis de comportamento a partir de pistas indiretas em amos- tras ruins”. Para seu beneficio, o blefador astuto pode voltar 4 questao com uma parabola sobre um arquedlogo do futuro tentando encontrar légica num sitio arqueol6d- gico do século vinte — construgGes com arcos dourados seriam identificados como locais de adoragio onde re- feigdes rituais eram preparadas; a divindade principal é obviamente um rato com calgas vermelhas e luvas bran- cas (sua imagem é encontrada em toda parte, especial- mente em roupas); e a garrafa de Coca-Cola seria um simbolo falico ou uma estatueta feminina, de acordo com as predilegdes do intérprete. MALDIGOES FE crenga popular — gragas aos filmes, quadrinhos e jornais sensacionalistas — que os arquedlogos que pro- fanam tumbas ou sitios sagrados caem vitimas de hor- rendas maldigdes. O caso mais famoso é o da tumba de Tutanc4émon, pois o financiador do trabalho, Lorde Carnarvon, morreu alguns meses depois que a tumba foi descoberta em 1922. Os blefadores devem fazer pouco caso dessa crenga, sugerindo que Tutancamon poderia 31 ter planejado uma morte mais espetacular para Carnarvon do que fazé-lo cair vitima de pneumonia (na verdade, é provavel que sua morte tenha sido provocada pela inala- g4o, num corredor que levava 4 tumba, de um fungo en- contrado na poeira seca dos excrementos de morcegos). Também pode ser comentado que Howard Carter, que realmente descobriu e despojou a tumba, e profanou 0 corpo, morreu de causas naturais 17 anos depois. Muitas mortes seguintes a profanagées arqueoldégi- cas de tumbas e outros sitios podem na verdade ser atri- buidas a uma causa mais mundana: a arqueologia é um negécio sujo, no qual se convive com quinquilharias velhas e materiais organicos decompostos. Seria de ad- mirar se nao houvessem germes e esporos ocasionais a espreita em algum lugar entre os escombros, e como os arquedlogos nao sdo conhecidos por sua higiene, podem muito bem fazer lanches nos sitios com as m4os estando menos que imaculadas. Aos escavadores, por exemplo, sao recomendados vacinas antitetanica e sabonetes carbélicos. Os arquedlogos podem ser afligidos por uma varie- dade de outras maldigdes, especialmente em trabalhos de campo, 1)Resfriados, gripes, ou pior (especialmente na Gra-Bretanha) 2)Bolhas, queimaduras de sol, desabamento de trincheiras 3) Caminhadas (conhecidas como “A vinganga de Montezuma) 4) Nativos zangados 5) Saqueadores de timulos 6) Falta de descobertas (a maldic¢ao do “sitio esté- til”) e, a pior de todas, 7) Escassez de dlcool. Um tipo diferente de maldigao moderna € 0 apareci- mento de um exército de entusiasmados amadores por- 32 tando detectores de metais. Por alguma razdo, essas pes- soas se divertem desenterrando pedagos velhos de metal ou moedas, sentindo-se ainda mais emocionadas ao acha- rem algum tesouro escondido. Se for preciso confrontar- se com pessoas assim, o arquedlogo blefador deve pre- gar-lhes com ares benevolentes contra seu sempre to- cante conhecimento de sitios arqueolégicos e estimulé- los a restringir suas atividades a praias e pilhas de refu- go (embora a maioria dos arquedlogos gostaria mesmo é que fossem cavar em campos minados). Entretanto, ao confrontar-se com um arquedélogo pro- fissional, o blefador deverd falar em defesa do entusiasta de detecgao de metais, enquanto se esforga para conde- nar a maioria. Os arqueélogos ficam irritados com essa questo sobre desenterrar metais, e desejariam que as pessoas os deixassem enferrujar em paz até que fossem escavados de forma conveniente, dentro do contexto ar- queolégico. Muitos acham que qualquer um que saqueie uma pega do passado para beneficio préprio (seja um ladrao de timulos ou um arquedlogo que sucumbe a publicar um relatério) roubou alguma coisa insubstituivel de toda a humanidade. Portanto, é aconselhdvel, mesmo que vocé tenha um senso de ridiculo pronunciado, dar a entender que leva o assunto a sério. Afinal, é 0 Gnico que nos resta. FRAUDES As pessoas sao extremamente faceis de ser engana- das, e os arquedlogos nao sao excegdo. Durante os anos, muitas delas cairam nas garras de blefadores inescrupu- losos, tendo acreditado na autenticidade de fraudes. E preciso saber que um dos primeiros falsificadores conhecidos foi um inglés, Edward Simpson (1815-c.1875), que se tornou conhecido como Flint Jack (“Jack Silex”) e também, menos apropriadamente, como Willie Féssil. Tornou-se prolifico forjador de utensilios de silex, ins- trumentos antigos e ceramica, freqiientemente passan- 33 do-os a especialistas e amadores como espécimes genui- nos. Mais piadista que vigarista, apenas gostava de levar as pessoas para um passeio e eventualmente dar amostra publica de sua pericia. Flint Jack foi uma espécie de “arquedlogo aleijado”, pois tinha uma péssima postura de corpo, um fraco pela bebida e morreu na miséria. Ainda ha controvérsia na Franga a respeito de um sitio chamado Glozel, aberto na década de 20, que continha uma série de fraudes tao 6bvias quanto surpreendentes, supostamente demonstrando que desenhos da Idade do Gelo, ceramicas da Idade do Bronze e pranchas de argila do oriente préximo coexistiram nesse mesmo local perto de Vichy. Alguns arqueélogos ainda relutam em repudi- ar 0 sitio, e muitos nao-arquedlogos ainda o sustentam como um exemplo da cegueira da arqueologia frente a fatos constrangedores e uma civilizagao desconhecida. Um americano até mesmo “decifrou” as pranchas de Glozel, afirmando demonstrarem que 0 local era um bazar que vendia ungiientos, amuletos e dispositivos para ga- rantir a poténcia sexual. A fraude mais famosa ocorreu em 1912 na Inglater- ta, quando o Homem de Piltdown, um “elo perdido”, foi alardeado como o mais antigo inglés. Um bom exemplo da falta de humor dos arquedlo- gos: nao sentiram nada de podre no ar quando Piltdown lhes apresentou um utensilio de osso no formato de um bastao de criquete. PSEUDO-ARQUEOLOGIA HA muito que os arquedlogos se acostumaram a li- dar com individuos inofensivos, obcecados pelo destino das dez tribos perdidas de Israel, a localizagao do conti- nente perdido de Mu, ou pela idéia bizarra de que tudo na paisagem britanica pode ser ligado através de linhas retas até formar o desenho dos signos do zodiaco. A maioria dos museus e outras instituigGes sao infestadas _ por sua cota de doidos que acreditam que a Atlantida ficava em Glasgow, ou que o nimero de blocos da Gran- 34 de Piramide € misteriosamente igual ao nimero de pa- lavras da Biblia. Um homem, entretanto, elevou esse ti- po de coisa a novas alturas (ou profundidades, depen- dendo de seu ponto de vista), e num livro como esse merece uma segéo s6 sua como a epitome do blefe ar- queolégico. Obscuro gerente de hotel suigo, duas vezes conde- nado por fraude e desfalque, Erich von Daniken escre- veu em 1968 um livro chamado Eram os Deuses Astro- nautas?, que juntamente com seus numerosos sucesso- res anélogos, vendeu mais de 25 milh6es de exemplares em mais de 32 paises — provavelmente mais de que todos os livros de arqueologia combinados. Suas idéias nado eram originais, mas ficaram asso- ciadas ao seu nome. Colocadas de forma simples, atri- buem tudo no passado humano que parece dificil ou bizarro (grandes monumentos, desenhos enigmaticos) a visitantes do espago exterior. A despeito de acreditar ou nao nesse conceito de “deuses astronautas”, ele o tor- nou muito mais conhecido e respeitado do que qualquer teoria arqueolégica, a suprema conquista para um blefa- dor. Poucos académicos se incomodaram em escrever li- vros para se opor a essa teoria, em parte porque achavam que isso estaria abaixo de sua dignidade, e em parte porque livros assim jamais venderiam. Como é antiético deixar que farsantes desse tipo passem impunes, vocé deveria manter alguns fatos bésicos na manga — mas apenas uns poucos, pois o fa padrao de von Daniken é 0 tipo de pessoa que mexe os labios enquanto lé. Nao sera preciso estudar profundamente seus livros: apenas uma passada de olhos em um deles, ou mesmo um exame das figuras, sera suficiente para que compreenda sua abor- dagem e truques de prestidigitador. Mas, por outro lado, se vier a confrontar-se com alguém que ja é antidanickeniano, vocé sera forgado a encontrar alguma coisa positiva para dizer a respeito dele. Defenda que seus livros séo auxilios tteis para 35 ensinar estudantes a como ndo escrever, € como se re- conhece: * légica falsa * truques de apresentacgéo * distorgdes espalhafatosas da verdade, e * selegdo matreira de fatos. Depois de ser desafiados, admitirao prontamente que muitos textos arqueolégicos podem servir ao mesmo pro- pésito. 36 AAROQUEOLOGIA IMPRESSA Embora atualmente os pafses adiantados possuam incontaveis livros e jomais devotados a arqueologia, apenas uma pequena porcentagem € dedicada a disseminar co- nhecimento entre colegas, tendo sua ateng&o voltada exclusivamente ao piiblico, que normalmente paga a conta pelo trabalho. A vasta maioria das publicagdes arqueo- légicas é produzida com apenas um objetivo em mente: promogao pessoal. Ao candidatar-se a empregos ou a fundos de pesqui- sa, um arquedlogo precisa apresentar uma lista de publi- cagdes com o curriculum vitae, e uma lista impressio- nante pode fazer grande diferenga para fins promocionais: nao importa a qualidade, apenas a extensdo. Tamanho é documento no meio académico. Como poucos arquedlogos conseguem manter uma producio de idéias inovadoras e de estudos variados, a maioria aplica uma grande dose de blefe nessa 4rea. Isso iré requerer a publicagao de resmas de abstracgéo sem significado com nenhuma aplicagéo possivel ou rele- vancia para o mundo real (veja Arqueologia teérica); ou, mais comumente, reciclagem sem fim de um mesmo trabalho. A essa tltima pratica, chamamos “a Sindrome de Enid Blyton”, que permite atingir uma grande lista de publicagdes com um minimo de esforgo. Como os titu- los e jornais sao diferentes, vocé estar4 4 vontade — os juizes ndo podem ler tudo, e a maioria dos jornais é lida apenas por algumas pessoas. Portanto, esse blefe é facil de ser levado durante a maior parte do tempo. Na verdade, é autoperpetuante, pois 4 medida que vocé publica, fica mais facil publicar; e qualquer um fora do sistema ou com alguma coisa nova e original a dizer ser4 sempre citado pelos blytonia- nos, e, logo, prejudicado. Também significa que, em conferéncias, todo mundo jé sabe o que todo mundo mais ira dizer, e portanto podem dedicar a maior parte do tempo a secar o bar. 37 Os jornais normalmente precisam cobrir as confe- réncias para obter privilégios. Também ser4 preciso ble- far com o fundo de estimulo 4 pesquisa de forma a conven- cé-los da enorme importancia que a conferéncia repre- senta para o seu ramo, Na verdade, pouca coisa nova é dita em eventos desse tipo: suas principais fungdes sao socializar, fofocar, mulherar, cagar emprego e, em geral, provar que vocé ainda esta por af. ! Livros sao problemas muito mais complexos que | jornais, pois normalmente exigem muita pesquisa e re- dagdo. Mais uma vez, porém, ha alguns dtimos atalhos para o blefador especialista. 1. Aprenda a enrolar bastante (vide Arqueologia tedrica) 2. Sintetize o trabalho dos outros (roubar de um sé autor é plaégio, mas, de muitos, é pesquisa), ou, melhor ainda, 3. Sintetize seu préprio trabalho misturando seus ve- lhos artigos e dando-lhes forma de livro. Os poucos sortudos que conseguem blefar para a fama logo descobrirao que os editores estado avidos por lhes pagar dinheiro para colocar seu nome na capa de : um livro para 0 qual contribufram apenas com um prefa- cio insignificante. Outra forma artistica de pér seu nome na capa de um livro é editd-lo, o que requer apenas escrever para uma certa quantidade de pessoas perguntando-lhes se gostariam de contribuir com um capitulo para um pres- tigioso volume novo. Muitos ficarao tao lisonjeados com © convite, ou euféricos pela perspectiva de adicionar i outro item as suas listas de publicagdo, que comegar4o a trabalhar imediatamente; num passe de magica um livro com o trabalho duro de outras pessoas sai sob 0 seu nome. Um ou dois arqueédlogos em ambos os lados do Atlantico possuem tanta pratica nesse truque que costu- mam editar pelo menos um livro por ano. Podem ser insuflados de ar quente, mas qualidade de contetido € irrelevante para a percepgao da produtividade. ESsTRATAGEMAS Evasivas Uma regra basica para blefadores em publicagéo arqueoldgica é evitar dogmatismo e encher seu trabalho com “talvezes” ¢ “possivelmentes”, 0 que proporciona maior chance de bater em retirada de forma organizada e digna em caso de ataque ou em caso de provarem que vocé esta errado. Ofuscagao Outra forma de pér as criticas para escanteio é fazer sua prosa ficar tao obscura e tortuosa que ninguém, nem mesmo vocé, estaré completamente certo do que foi dito ao terminar de lé-la. Este efeito de nuvem de fumaga, particularmente comum no trabalho tedrico, é muito til quando é provado que vocé estava errado, ou quando descobertas novas alteram a situagao: vocé pode sim- plesmente alegar que foi mal entendido e que nao disse nada dessa natureza. Enchendo Outro estratagema em publicagées consiste em in- cluir muitas listas e tabelas, que ninguém se dar4 ao trabalho de verificar ou ler, mas que servirao para fazer seu trabalho parecer académico e completo. De forma semelhante, alguns autores, muitos deles franceses, co- locam uma longa bibliografia no fim, contendo fontes numerosas e impressionantes —- sendo a maior parte delas jamais referida no texto. B apenas decorativa, mas muito util, pois dificilmente alguém ler4 o trabalho in- teiro e notara as auséncias. Nao-publicagao Alguns arquedlogos passam anos, até décadas, sem publicar nada digno de nota. Isso sera ainda mais sério se dessa forma estiverem negando a seus colegas e ao mundo em geral informag6es que desencavaram ou ob- tiveram de outro modo. S40 muitos os casos desse tipo = eet ao redor do mundo, alguns envolvendo sitios famosissi- mos. Ao invés de condenarem ao ostracismo os indivi- duos envolvidos, os arquedlogos geralmente tratam-nos com a maior cortesia e apenas resmungam pelas suas costas. i Ha uma série de raz6es basicas para nao-publica- go: 1. Preguiga, letargia ou complacéncia (principalmente entre aqueles com completo dominio sobre seu trabalho e que, portanto, nao precisam se preo- cupar em ter seu rendimento avaliado). 2. Incompeténcia. Isso toma muitas formas: alguns mal podem juntar duas frases, quanto mais produ- ‘ zir um relatério detalhado ou um ensaio. Outros sao desleixados de bergo, de forma que perdem suas anotag6es e até descobertas, em meio as ca- madas estratigraficas que formam em seus escri- térios e laboratérios. Um ou dois até se tornaram famosos por serem tio distraidos que costumam esquecer em trens seus manuscritos, notas e des- cobertas insubstituiveis. 3. Terror. Alguns tém nervos tao frageis que o pré- prio pensamento de se exporem a criticas é tortu- rante. Claro, o fato de que nao publicam também € atacado, mas isso é considerado o menor dos dois males num ramo onde, faga o que fizer, vocé certamente sera estracalhado por alguém. 4, Estar ocupado demais. Conferencistas novos ten- dem a acumular a carga de ensino mais pesada, assim como todos os trabalhos que ninguém mais pode executar, como participar de comités de bi- : i blioteca, corrigir exames e conduzir excursdes a museus. Outros estéo simplesmente preocupados demais em construir suas carreiras para darem alguma atengio a pequenos assuntos, como siste- mas de ética. 5.A esteira transportadora. A muitos arquedlogos, surpreendentemente, é permitido manter escava- gées e pesquisas sem ter de publicar qualquer coisa sobre o que ja realizaram. Isso logo produz uma grande provisao de informag6es e descobertas, a maioria das quais jamais ser4 analisada, quanto mais publicada. Como fendmeno, dé uma ilusao de atividade constante. Na verdade, € o melhor estratagema de todos. Pouqufssimos so os arquedlogos que admitem seus erros, escritos ou de qualquer outra forma. Mesmo em retratagdes escritas, geralmente afirmam que sua colo- cacao original estava correta, mas que as circunstancias mudaram. Assim, a critica a seu primeiro trabalho pode ser desviada pelo comentario “Isso € 0 que eu pensava naquela época, mas mudei de idéia desde entéo”. Vocé nunca pode fazé-los explicar com clareza como véem 0 problema no presente. Para alguém acostumado a esse tipo de manobra, é facil demais recuar em curvas € sobre sua prépria pista. Os blefadores sempre devem dar a impressdo de le- rem bastante sobre a 4rea nado apenas em seus livros € artigos, mas também nas conversas. Quando perguntado se j4 leu algum livro novo, deve responder que est4 aguardando langarem a brochura (pou- quissimos livros sérios de arqueologia chegam a sair em brochura), e entdo comece a falar sobre 0 problema sem- pre crescente do prego elevado dos livros. Outro estrata- gema eficaz quando perguntado sobre um livro especifi- co ou artigo é demonstrar entusiasmo ¢€ dizer que esta terrivelmente ocupado, mas morrendo de vontade de 1é- lo assim que seu tempo limitado permitir; entao vire a mesa perguntando a opiniao de seu interlocutor. iA Ma Petit Th cal dh aie Sa te AALGUNS NOMES PARA CONHECER Se, numa festa, lhe perguntarem o que faz e vocé confessar que esta trabalhando na tipologia das flautas de barro desenterradas perto de Stoke Poges, nao conse- guird entreter a platéia por mais de dois segundos e meio. Todo aspirante a blefador arqueolégico precisa, portan- to, saber alguma coisa sobre pessoas e lugares mais ex6- ticos que irdo interessar aos outros, preferivelmente aque- les que continuem enigméaticos ou controversos e para os quais ndo h4 ainda nenhuma resposta completa. Aqui estao alguns para serem escolhidos: Stonehenge Um dos poucos sitios arqueolégicos ingleses dos quais o mundo inteiro ouviu falar, esta estrutura tinica na Planicie de Salisbury consiste de um “henge” (4rea circular demarcada por bancos de areia e um fosso) com grandes pedras (“megalitos”) dispostos verticalmente em seu interior. As pedras maiores chegam a ter lajes hori- zontais sobre elas (duas verticais e uma verga formam um “trilito”), usando um sistema de junta de encaixe — ou seja, saliéncias nas pedras horizontais se adaptam a concavidades correspondentes nas vergas. Nao se sabe exatamente como as pedras horizontais puderam ser fi- xadas ali, embora nao parega provavel que tenham sido recrutados deuses astronautas. As pedras maiores (sarsens) séo locais, mas as pe- dras azuis (que realmente s4o azuladas e raiadas de rosa) possivelmente foram trazidas do Pais de Gales — talvez 14 houvesse desconto para compras grandes. Os escavadores dividiram o desenvolvimento do sitio, cobrindo um pe- tiodo que se estende de 3000 a 1100 A.C., numa série completa de fases (I, II, III a,b,c) que ninguém pode lembrar. Se vocé for perguntado sobre isso, pode esca- par do assunto de forma elegante afirmando que discor- 42 da da seqiiéncia e explicando que esté 4 espera do re- latério completo da escavagao para fazer vocé mesmo a ordenagio das evidéncias. Stonehenge é geralmente considerado um sitio ri- tual (qualquer coisa em arqueologia sem fungao ébvia é classificado como ritual). Possui claramente algum sig- nificado astronémico, pois esté alinhado de acordo com o nascer do sol no solsticio de verao. Entretanto, ante- cipa os druidas por muitos séculos, ndo havendo nenhu- ma evidéncia de ligagio, seja com religiao, seja com sacrificio humano. O que néo impede que uma turma de pessoas vestidas com pijamas brancos v4 até 14 todo junho para executar algum tipo de ceriménia pseudo- druida. Nos tltimos anos, Stonehenge também tornou-se 0 foco de invasées solsticias de hippies, que presumivel- mente veneram a construgdo como o primeiro rock group. Retnem-se ali para entregarem-se a conflitos rituais com a policia e dar gragas ao sol nascente por suas mesa- das. Carnac Uma colegdo de pedras pré-histéricas iméveis na Bretanha, que nao deve ser confundida com Karnak (um enorme templo egipcio). As pedras correm enfileiradas por quilémetros através da paisagem, parecendo as vis- tas intermin4veis de montes de cupim no norte da Aus- tralia. Os blefadores deveriam, entretanto, apontar com cuidado tais similitudes, ou os ouvintes impressiondveis concluirio automaticamente que os megalitos de Carnac foram erigidos por um grupo de aborigines com sauda- des de casa. Sitios como Carnac sdo sopa no mel para o blefador, pois ninguém tem a minima idéia de para que serviam essas pedras. S40, como sempre, consideradas como ri- tuais, e (inevitavelmente) acredita-se que possuam algu- ma finalidade astronémica, mas o seu chute pessoal ser tao bom quanto qualquer outro. Vocé deveria saber que essas pedras iméveis sfo chamadas de menires. Se isso trouxer 4 baila as histérias em quadrinhos do Asterix, comente que, embora engragadas, as histérias so ar- queologicamente falsas, pois avangam a era dos megali- tos pré-histéricos milhares de anos a frente, de forma a coexistir com os tempos romanos. Comentarios desse ti- po podem marc4-lo como um desmancha-prazeres, mas confirmarao suas credenciais como um perseguidor da precisdo dos fatos. O exército de barro Como de praxe, a maior descoberta dos ultimos tem- pos foi feita por nao-arquedlogos; no caso, campénios chineses que perfuravam o solo em busca de Agua. O que encontraram perto de Xian foram milhares de figu- tas de barro de soldados e cavalos em tamanho natural enfileiradas. Estavam ali apenas para guardar, na morte, © imperador Qin Shihuangdi (3° século A.C.), que se encontra enterrado sob um grande monte a uma certa distancia. Essa estranha pr4tica foi, ao menos, uma pro- va de que é possivel massacrar pessoas no pés-vida: sendo, para que vocé iria querer levar todo seu exér- cito? As tropas estavam claramente bem equipadas e ar- madas, demonstrando que 0 exército chinés nao estava falido 4 época. Arquedlogos ansiosos estao se pergun- tando o que ir4 aparecer em seguida: a marinha de barro do Imperador? Nazca Mistério intrigante, essa planicie no Peru estd co- berta por milhares de linhas retas que se estendem por quilémetros, correndo paralelas ou entrecruzando-se, as- sim como estrias formando desenhos gigantescos de ani- mais, pdssaros, peixes, aranhas, etc. Os sulcos foram abertos h4 muitos séculos por pedras em movimento so- bre o solo, de forma a revelar a areia mais clara abaixo: Maria Reiche, matem4tica alema, passou varias décadas tentando provar que as marcas possuiam fungao astro- ndémica; nao é preciso dizer que foram consideradas ri- 44 WR gal tuais. Von Daniken insiste que o sitio é um tipo de aero- porto para discos voadores; outros propd6em que os nazcanianos possuiam conhecimento e tecnologia para elevarem-se em balées (como muitos arquedélogos, ti- nham muito conhecimento sobre ar quente). Os blefado- res devem tentar sugerir que as pessoas de Nazca eram apenas muitissimo altas. Nao ha evidéncias para isso, mas também no h4 para os balées. Incas e Astecas Muitas pessoas, incluindo a maioria dos estudantes calouros, encontram dificuldades em lembrar qual des- ses dois povos viveu no Peru e qual no México, e qual foi destruido por Cortez e qual por Pizarro. Os blefado- res podem manter esses fatos basicos nas pontas de suas linguas, apenas lembrando que: ¢ Inca e Peru tém ambos quatro letras. Tanto Peru quanto Pizarro comegam com P. * Asteca, México e Cortez tém todos seis letras. A devastagéo dessas duas grandes civilizagdes pe- la ambigio espanhola é um dos episédios' mais tragicos da Histéria. Alguns véem a devastagao das praias espa- nholas pelos turistas ingleses como uma justiga poé- tica. Os Incas edificaram templos e fortes imponentes a partir de imensos blocos de pedra artisticamente conec- tados (embora provavelmente nao por astronautas de pas- sagem). Tinham pilhas de ouro, mas nenhuma escrita: usavam barbantes com nés em seu lugar, e mesmo Champollion teria queimado as pestanas para decifra- los. Seu sitio mais famoso é Machu Picchu, que soa co- mo alguém espirrando. Os Astecas estao associados com grandes templos construfidos em camadas e assemelhados 4s piramides e com o sacrificio de milhares de inimigos para apaziguar a fome voraz de seus deuses. Se insistirem no assunto, vocé pode desviar as perguntas mencionando a existén- cia de outros grupos na Mesoamerica (ndo México, por 45 . : favor), como os Toltecas, Mixtecas, Zapotecas, Chichime- cas e Maias. Apenas um especialista em Novo Mundo saberia como todos esses se disp6em espacial e crono- logicamente, mas como tais cientistas sdo raros, vocé pode chutar 4 vontade. O mais famoso sitio mesoamericano € Chichén Itza; descubra sua prépria forma de lembrar qual é qual — nao podemos dar-lhe tudo de bandeja. Ilha de Pascoa A maioria das pessoas est4 familiarizada com as gigantescas cabegas de pedra que guarnecem essa dimi- nuta ilha no Pacifico (embora os blefadores devam recu- sar-se a chamé-las “cabegas”, pois as cabegas na verda- de possuem tronco, mas ficaram enterradas até 0 pesco- ¢o com o passar dos anos). Infelizmente, a maioria das pessoas também esta familiarizada com as afirmagées de von Daniken de que as pedras vulcanicas daqui sao duras demais para serem esculpidas por ferramentas de pedra, e que de qualquer modo nao ha 4rvores para pro- verem rolamentos e alavancas para mover os monstros. Conseqiientemente deve ter sido obra (surpresa!) dos astronautas de novo. Na verdade, a rocha é excepcionalmente mole e fa- cil de ser esculpida, e h4 ainda milhares de martelos de pedra e centenas de estdtuas nao-terminadas ainda na pedreira, assim como uma ampla evidéncia, por pélen e outros restos botanicos, de que a ilha inteira era original- mente coberta por grandes palmeiras, admiravelmente adequadas para 0 uso como rolamentos, etc. Os blefadores devem tentar desviar a conversa so- bre a Ilha de Pascoa (sempre use os nomes nativos para ela, Rapa Nui e Umbigo do Mundo) das estatuas para as incriveis esculturas de vulvas em pedra. Na cultura da Ilha de Pdscoa, o clitéris era deliberadamente aumenta- do desde a mais tenra idade, e as garotas tinham de abrir as pernas sobre duas rochas para exibi-los a sacerdotes em certas cerim6nias. Os maiores eram honrados com sua imortalizagéo em pedra, e suas orgulhosas detento- ras ganhavam os melhores guerreiros como maridos. Embora as mulheres modernas compartilhem de uma ambigao semelhante, sao timidas demais para se abrirem tanto a pessoas estranhas. Australia Como um todo, a arqueologia australiana € uma 4rea valiosa para o blefador por ser estudada hd apenas 28 anos, e dificilmente qualquer um fora da Austrélia sabe alguma coisa sobre ela. Deixe pasma sua platéia mencionando nomes de sitios como Lago Mungo, Kutikina, Pantano Kow e Caverna da Sorte dos Iniciantes. Também é uma das reas mais ricas para arte rupestre, com milhares de sitios e milhdes de motivos, Alguns sitios ainda sao sagrados para os aborigines, que lhes conferem nomes evocativos como Darangingnarri (“Cami- nho para a mulher com pernas abertas”). CAMPOS DE ESPECIALIZACAO H4 uma ampla variedade de subdisciplinas interes- santes dentro da arqueologia para nelas se concentrar. Um blefador precisa apenas ser um “especialista” em qualquer assunto que a outra pessoa ndo entenda nada. Egiptologia Nao é 0 assunto mais vivo da 4rea (afinal, é caracte- tizado pelo Livro dos Mortos), mas permanece popular por causa de seus monumentos imponentes e fotogéni- cos, mistérios, escrita desenhada, deuses estranhos e te- souros espetaculares. A maioria dos filmes com temas arqueolégicos transcorre no Egito, e normalmente fala a respeito de muimias e maldigdes. Portanto, se quiser ble- far em arqueologia, obviamente precisa saber um pou- quinho sobre essa civilizagao. E facil blefar em egiptologia porque a maior parte dos nfo-arqueélogos ouviu falar apenas de um punhado de pessoas (Tutanc4mon, Cleépatra ¢ talvez Quéops ¢ Nefertite) e sitios (Vale dos Reis, as Piramides, Abu Simbel). Portanto, pode deixd-los pasmos sem muita di- ficuldade mencionando um par de faradés obscuros co- mo Sesostris ou Sheshonk. Caso venha a encontrar-se com qualquer pessoa que tenha feito excursdo ao Egito, nao precisa demonstrar nenhuma pericia. Apenas dei- xe-a falar pelos cotovelos sobre sua experiéncia e im- pressGes. Para demonstrar conhecimento intimo dos aspectos menos familiares da vida no Antigo Egito, vocé poderia mencionar os papiros (absolutamente genuinos) que dio a receita de uma pocao para conquistar 0 amor de uma mulher: o homem precisa misturar algumas caspas do escalpo de uma pessoa assassinada com alguns graos de cevada e carogos de maga, e depois adicionar um pouco de seu préprio sangue e sémem, e finalmente o sangue do carrapato de um cachorro preto. Esta mistura, se adi- cionada a bebida da dama, traria conseqiiéncias devasta- doras. Outra f6rmula de conquista, planejada para fazer uma mulher gostar de fazer amor, era esfregar a espuma da boca de um garanhao no “obelisco” do amante. Se for desafiado a traduzir alguns hieréglifos, in- vente alguma coisa tola e religiosa que soe plausivel, e sua platéia estar4 satisfeita. Por exemplo: “6 Rei dos Dois Reinos, Amado de Nut, a Mae Divina, e de Re, teus inimigos prostam-se ante tua carruagem conquistadora”. Outro blefe particularmente eficaz é falar em termos de dinastias — “isso provavelmente data do inicio da 13* dinastia” —- pois todos ficarao impressionados e nin- guém ousard admitir que nao sabe do que esta falando. Mesmo a maioria dos arqueélogos nao-egiptélogos nao terd a menor idéia de como atribuir datas (muito menos faraé6s) as dinastias. Tutancémon, incidentalmente, foi da 18* dinastia. Sesostris da 12°, e Sheshonk da 22°. O Oriente préximo Exatamente o mesmo se aplica 4 arqueologia do oriente préximo, pois apenas especialistas podem lembrar a di- ferenga entre Suméria, Babilénia, Assiria, Acddico, Hitita € outros menos cotados. A mera referéncia a 3° dinastia de Ur deve estabelecer a profundidade de seu conheci- 48 mento, enquanto uma mengio ao (Rei) Nabonidus com- provaré sua pericia. Os unicos aspectos da arqueologia do oriente préxi- mo com os quais vocé precisa familiarizar-se sao as tumbas reais de Ur com seus tesouros de ouro; os grandes sitios elevados conhecidos como “montes artificiais” e as enormes torres em degraus chamadas zigurates (significando pi- cos de montanhas). A mais famosa delas foi a torre de Babel (Babilénia): sua construgdo, de acordo com a Bi- blia, terminou em desastre, 0 que prova que ae fazem mal 4 satide. Os blefadores também devem estar cientes de que os pergaminhos do Mar Morto consistem de milhares de fragmentos de livros em hebraico antigo, com cerca de 2000 anos de idade, encontrados por pastores quando arremessavam uma pedra dentro de uma caverna perto do Mar Morto. Quando se espalhou a noticia sobre ‘a importancia de suas descobertas, os pastores receberam a importancia de trinta e trés centavos de libra por pole- gada quadrada delas. O blefador profissional tera cuidado em diferenciar arquedlogos biblicos sérios, que investigam as terras bi- blicas, dos fandticos que tomam a biblia como um evan- gelho e ainda tentam achar pedagos da Arca de Noé no Monte Ararat. Deciframento Arte em extingao, pois a maioria dos primeiros es- critos j4 foram decifrados, limita-se agora a adivinhar 0 que o médico escreveu em sua receita ou é aplicada por secretérias quando tém de datilografar a partir de gar- ranchos, Entretanto, esteve a todo vapor nos dois wlti- mos séculos, com muitos tipos de quebra-cabegas instigantes para ser solucionados ao redor do mundo. Jean Frangois Champollion (1790-1832) foi um dos primeiros decodificadores. Como escreveu um livro aos 12 anos, e aos 13 estava lendo 4rabe, sirio e copto, vo- cé pode imaginar que intolerdvel menino-prodigio 49 Champollion deve ter sido. Em 1808 comegou a traba- lhar na Pedra de Rosetta (que tinha textos idénticos em egipcio e grego) e por volta de 1822 havia realizado a decifragao dos hieréglifos. A maioria dos outros decifradores tiveram menos sorte e, ao invés de terem uma cola acessivel como aquela, precisaram comegar de fragmentos. Um antigo escrito que merece a atengao dos blefa- dores é aquele da civilizagdo Indu, pois ainda nao foi solucionado. Portanto, podera dizer qualquer coisa so- bre ele sem ser corrigido por ninguém. Uma escrita ain- da mais obscura é de Rongo Rongo da Ilha de Pascoa, que sobrevive apenas como caracteres esculpidos em 26 pecas de madeira. Os ilhéus modernos sfo ocasional- mente pedidos para traduzir aqueles textos, mas tendem a dizer uma coisa diferente a cada vez, o que significa que eles mesmo sao 6timos blefadores. Arte rupestre Seu estudo é uma das atividades mais divertidas da arqueologia, que requer a localizagio e registro de gra- vuras antigas e pinturas nas rochas. Aqueles envolvidos precisam ser durGes (a maior parte da arte se encontra em cavernas profundas, montanhas altas ou 4reas muito quentes) e incluem muitos dos personagens mais excén- tricos que alguém poderia encontrar. Na auséncia dos artistas originais, é impossivel sa- ber muito sobre esses desenhos, e essa é portanto uma area ideal para o blefe. Melhor ainda, muitos lugares sao quase inacessiveis: por exemplo, as cavernas tendem a conter estalactites afiadas, fendas, 4guas profundas, guano, mosquitos, e até, em algumas partes do mundo, abelhas assassinas. Uma caverna em Dordogne, piedosamente fechada ao ptblico, se encontra abaixo do vilarejo de Domme e sempre serviu como seu esgoto. A entrada é através de uma carvoeira no jardim dos fundos de al- guém, a caverna fede, e é sdbio nao examinar muito de perto as substancias viscosas pelas quais tém de se pas- sar. Ocasionalmente, durante a visita, outra carga é des- 50 pejada de uma casa acima. O propésito da expedigio é ver um unico e mediocre desenho de bisdo da Idade do Gelo. Poucos especialistas retornam para uma segunda visita. Arqueologia subaquatica Escavar em terra ja é dificil, mas algumas pessoas gostam de tornar as coisas ainda mais complicadas, e trabalhar embaixo d’4gua é o equivalente arqueolégico a ficar em pé numa rede. Os blefadores podem comentar com bom humor que 0 nome de George Bass, o melhor praticante dessa atividade, combina perfeitamente com ele [“bass” é 0 nome de um peixe em inglés]. A maior parte do trabalho é feito no leito maritimo, em portos ou em lagos, mas ocasionalmente também envolve sitios incomuns como 0 grande “cenote” ou pogos sagrados maias em Chichén Itza, nos quais, de acordo com os registros espanhdéis, eram atiradas em sacrificio grandes quantidades de ouro e mulheres virgens. Vocé pode comentar com seguranga que a ultima afirmativa nao € correta, pois o trabalho dos mergulhadores e dragadores nos quatro metros de agua e um de esterco revelou que muitos dos esqueletos pertenciam a homens e criangas. Os arquedlogos submarinos ficam muito excitados com desenhos de navios e cargueiros, tépicos tratados com indiferenga por seus colegas de terra, a nao ser que encontrem alguma coisa particularmente antiga, inco- mum ou bem preservada. Os marinheiros de 4gua doce provavelmente se afogam em rancor por nao poderem ver todos esses sitios, a no ser em filme. Portanto, oca- sionalmente os arqueélogos resgatam um navio inteiro para a superficie e terminam seus estudos 14. Isso foi feito recentemente com uma colegio de madeiras en- charcadas que costumava ser 0 navio da Era Tudor Mary Rose. O Mary Rose afundou a uma pequena distancia do porto, o que nao atesta muito a favor da engenharia na- 51 val britanica, mesmo naquela época, e os blefadores podem salientar 0 fato de que a evidéncia arqueolégica sugere que toda a tripulagdo j4 tinha comegado a jogar dados antes de a viagem ter propriamente iniciado, o que pode ser considerado como 0 equivalente do século 16 a dei- xar as escotilhas de proa abertas. Arqueologia urbana Nas tltimas décadas, muito trabalho tem sido reali- zado em sitios dentro de bairros e cidades — parcial- mente em fungdo de um interesse crescente no passado urbano, porém com mais freqiiéncia por pura necessida- de, pois cada vez mais construgées sao demolidas para novas serem erguidas, dando aos arquedlogos uma bre- ve oportunidade entre as operagées para olhar 0 que ha embaixo do sitio escolhido. Caso encontre uma fonte de fascinio em fundagées de tijolo, sapatos enlameados de couro, cacos de louga, canos de barro e quantidades in- termin4veis de ossos de galinha, entéo este € 0 campo para vocé. Ocasionalmente, a cidade podera remontar ao periodo medieval, caso no qual poder4 também aprofun- dar-se nas gloriosas fossas vikings e nos esgotos roma- nos. As grandes vantagens da arqueologia urbana sao: 1. Vocé provavelmente ser visto na televisao local. 2. Nunca estara longe de casa, dos suprimentos ou da assisténcia médica. 3. Ndo precisa acampar. 4. Ha bares perto de seu local de trabalho. As desvantagens sao que sempre ha um monte de passantes olhando para vocé e fazendo perguntas irritan- tes, e, pior ainda, sua familia e amigos podem vir emba- ragar vocé na frente dos outros escavadores. A vitrine da arqueologia urbana é o Jorvik Centre em York, Inglaterra, (Jorvik é a palavra vicking para York), uma imitagdo caga-niqueis de aldeia vicking, cons- trufda sobre o local verdadeiro, para a qual filas intermi- 52 naveis de turistas sio levadas em carros elétricos. H4 palhagos fantasiados, efeitos sonoros, e até cheiros apro- priados (as criangas particularmente adoram a latrina). Se vier a discutir com difamadores desse tipo de coisa, deverd aplaudir seus lucros e sua contribuig&éo em fazer © passado renascer para o grande publico. Caso encontre um admirador de Jorvik, entretanto, poder4 comentar maldosamente que ela faz pela arqueologia 0 que as condensagoes de livro fazem pela literatura. AARQUEOLOGIA EXPERIMENTAL Um dos ramos mais divertidos da arqueologia, en- volve o uso de utensilios antigos — ou fazer e usar ré- plicas deles — para aprender sobre suas fungGes, capa- cidades, eficdcia, resfduos, etc. Isso lhe d4 a chance de assoprar as trombetas de Tutancimon, guiar arados pu- xados por bois, atirar langas, atacar colegas com espadas de bronze, incendiar prédios e ainda assim chamar isso de pesquisa académica. Mas tem seus riscos: no século passado um certo Dr. Robert Ball de Dublin testou algumas trompas irlan- desas do fim da Idade do Bronze, soprou forte demais, estourou uma veia e morreu. Até hoje os fabricantes de réplicas de artefatos de pedra podem ser reconhecidos pelos curativos nos dedos. Os blefadores devem referir-se depreciativamente a: 1) inconfiabilidade, e 2) airrelevancia dos resultados de experiéncias de curto periodo por maos inexperientes. A arqueologia cobre periodos tao exten- sos de tempo que tende a lidar apenas com fatos demo- tados — um século €é um momento breve para os arque- 6logos, a nao ser que estejam esperando por uma inspe- ao da diretoria. Pouquissimos sitios arqueolégicos es- tao “congelados no tempo” de forma a prover uma idéia do comportamento cotidiano: Pompéia é um desses sf- tios, onde o fim chegou tao rapido que as pessoas so 53 encontradas fazendo todo o tipo de coisas que nunca gostariam que a posteridade visse; e destrogos de navios formam outro tipo de “cépsula do tempo”. Vocé pode fazer as mesma objegées as informagées de perfodos de tempo igualmente curtos obtidas pela: ETNOARQUEOLOGIA Um dos ramos mais recentes da drea, 6 uma 6tima forma de conseguir férias exdticas e aventurescas em lugares remotos. Consiste em selecionar grupos desco- nhecidos de pessoas (cagadores, aldedes simples, pasto- tes de ovelhas, etc.) — preferivelmente no Terceiro Mundo ou no Alasca. V4 entao até 14 e viva entre eles por um tempo, tomando nota de como e por que eles fazem e usam coisas, e como e quando as quebram e jogam fora. Espera-se das vitimas que tolerem forasteiros arrua- ceiros com cadernos e cimeras acampados em frente as suas portas, seguindo-as 4s compras, locais de trabalho; cozinha, sala de jantar e lixeiras. Surpreendentemente, pouquissimos etnoarquedlogos sao atacados violentamente. Depois de concluir 0 que est4 acontecendo com 0 uso e descarte de objetos (nunca deve ficar por certo tempo suficiente para dominar a linguagem) retorne para sua escri- vaninha ¢ use esses breves estudos para fazer generaliza- g6es precipitadas sobre o que as pessoas no passado e em ambientes completamente diferentes faziam. Isso faz parte do que chamamos de: Neo-arqueologia Ou melhor, arqueologia, pois tem sido praticada com mais regularidade pelos americanos. Os blefadores po- dem se confortar com o fato de que o proprio titulo j4.é um blefe. E na verdade a velha arqueologia empavonada com jargao e apresentada com um alto grau de pompa’e fanfarronice (veja Arqueologia teérica). Os jovens re- voltados que comegaram todo esse estardalhago na dé- cada de 60 se entregaram a muita autocongratulagao, admiragéo mitua e difamagdo (é lenddrio o vicio dos arquedlogos pelas brigas internas), mas quando a poeira assentou, ficou claro que nada havia mudado muito e que muito pouco fora conseguido. Quando confrontar-se com pessoas que sabem algu- ma coisa a respeito de neo-arqueologia, vocé deve res- peitar suas aspirag6es e iniciativa, mas lamentar seu des- perdicio de energia e falta de sucesso. Se encontrar com mais alguém, procure se entrosar usando termos obscu- ros como “teoria de alcance médio” (nao se preocupe com o que isso significa, se é que significa alguma coi- sa, a maioria dos arquedlogos também nao sabem) ou como “método hipotético-dedutivo”, referindo-se 4 bus- ca por leis universais do comportamento humano (0 cé- lice sagrado da neo-arqueologia). Tome cuidado para nao exagerar, ou ira perder sua platéia rapidamente. Esse tipo de absurdo nao soa como se fosse arqueologia verdadeira para eles ou mesmo para qualquer um que nao seja neo-arquedlogo. AARQUEOLOGIA INDUSTRIAL, E LIXO Como a arqueologia trata sobre todos os vestigios do passado comportamental humano, significa que tudo que foi jogado fora — até hoje de manha — pode ser considerado material arqueolégico. Assim, muitas pes- soas dedicadas dirigem seus esforgos para o registro € preservagao das reliquias do passado industrial recente (fabricas, maquindria, minas, pontes, canais, etc.) para certificarem-se de que algo restar4 para os futuros ar- quedélogos estudarem. Isso significa que frigideiras quebradas, mobilias ve- lhas, televisGes estouradas e garrafas vazias podem ser defendidas como artefatos arqueolégicos. Mesmo 0 ma- terial que vocé condena 4 lata de lixo — seu sitio arqueo- l6gico particular — pode ainda atrair a atengéo de algum dedicado pesquisador em busca de informagées. Ja ha alguns anos tem estado em andamento no Arizona 0 adequadamente batizado “Projeto Lixo”, conduzido por zelosos estudantes de arqueologia que chafurdam em latas de lixo, classificando e quantificando o que é joga- do fora. A fungio desse projeto € supostamente obter infor- mages de como e quando as pessoas se desfazem das coisas (veja etnoarqueologia), mas, como qualquer ble- fador poderé comentar com um leve sorriso sarcdstico, 86 as pessoas do Arizona sabem de que forma latas va- zias de comida de cachorro e lampadas usadas podem an dizer alguma coisa sobre qualquer perfodo no pas- sado. TRABALHOS EM MUSEUS Finalmente, muitos arquedlogos trabalham em mu- seus, tendo entre suas atividades: a) Procurar colegdes de objetos que ninguém mais estuda. b) Organizar exposigées, etc. c) Pensar em formas de divertir e instruir as hordas aterrorizantes de criangas barulhentas trazidas por professores desesperados. Suas vidas também sao perturbadas por lundticos ocasionais e por uma corrente infindavel de cidadaos exigindo que lhes identifiquem algum objeto desenterra- do no jardim ou encontrado na praia. Nao é de admirar que a grande maioria dos arquedlogos de campo sejam profissionais de museu que encontraram uma forma de escapar. 56 AARQUEOLOGOS FAMOSOS Como pouquissimos arquedlogos se tornaram mun- dialmente famosos, vocé precisard apenas saber 0 basico sobre uma lista selecionada. Em dificuldades, apenas invente alguns nomes, quanto menos plausiveis melhor: nos tltimos anos houve ar- quedlogos chamados Glob, Plog, Prat, Clot e Frankenstein. E hé tantos arquedlogos no mundo que ninguém pode ter ouvido falar de todos. Quando num beco sem saida, vocé pode escapar fazendo uso da manobra simples de citar trabalhos recentes de alguns “eminentes” nomes ficticios de alguma parte obscura do mundo, como Para- guai, a Albania ou a Universidade de Bradford. Entre- tanto, nado tente um nome comum: hd muitos Clarkes e Smiths eminentes na arqueologia, e podem lhe pedir que especifique sobre qual esta se teferindo. NABONIDUS O primeiro arquedlogo conhecido foi Nabonidus, 0 Ultimo rei da Babilénia. No século 60 A.C., ele e sua fi- lha, a princesa En-nigaldi-Nanna, escavaram (ou fize- ram seus escravos escavarem) por baixo de prédios, lo- calizando as fundag6es de estruturas ainda mais antigas. Como a arqueologia ainda nao existia, os babilénios devem ter pensado que eles estavam completamente malucos — mas quem é rei pode fazer qualquer coisa. HEINRICH SCHLIEMANN (1822-1890) Schliemann € 0 tinico arquedlogo do século XIX do qual muitas pessoas j4 ouviram falar, e ele nao era um arquedlogo profissional, mas um homem de negécios. Quando tinha oito anos, seu pai, um pobre pastor ale- mio, deu-Ihe como presente de natal um livro que con- tinha uma gravura de Tréia em chamas. Heinrich tor- nou-se obcecado com essa imagem e jurou que um dia 57 encontraria a Trdia de Homero (0 que comprova o risco de expor imagens violentas a criangas). Tendo acumulado uma fortuna na Rissia e outra na América, aposentou-se aos 46 anos — um bom truque se vocé conseguir — e viajou para a Anatdélia (o blefador competente jamais a chamaré de Turquia), procurou em volta por um monte que se adequasse as descrigdes de Homero, escavou nele, e descobriu uma antiga cidade em rufnas. Continuou a cavar e a encontrar toda uma série de cidades antigas, uma por cima da outra, até que chegou a uma que acreditou ser a de Homero. Esse feito prova o velho provérbio “se nao conseguir da primeira vez, Troie, Troie de novo”. : Ele também afirmou ter descoberto um tesouro de objetos de ouro no local. Dizem que o contrabandeou através da alfandega turca sob a saia volumosa de sua linda esposa grega. Se fosse hoje em dia, dificilmente teria sido um bom lugar para esconder. As opinides estado divididas entre considerar Schliemann pioneiro da arqueologia ou simplesmente tude cagador de tesouros, especialmente porque cavou diretamente em busca do que estava procurando. Nao se esquega de adotar o ponto de vista oposto ao de seu oponente. Boucher DE PERTHES (1788-1868) : Um oficial alfandegério menor, este francés foi pio- neiro na coleta e identificagao de algumas das primeiras ferramentas de pedra, as quais acreditava serem feitas por humanos de uma época remota. A maioria de seus contemporaneos achava-o excéntrico. Certa vez decla- tou que “observo um sorriso no rosto daqueles com quem falo”. Isso ainda € um risco para quem opta pela profis- sao de arquedlogo. Boucher de Perthes cometeu o erro fundamental copiado por muitos escavadores desde entao, de mae aos seus empregados pelo que encontravam. Com uma inoc€ncia tocante, ofereceu uma grande recompensa ao a i primeiro trabalhador que desenterrasse restos humanos em seu sitio. Nao é de admirar que o prémio tenha sido reinvidicado muito rapido, e € menos surpreendente ain- da que a mandfbula tenha provado ser uma fraude, GENERAL Pitt-Rivers (1827-1900) O blefador bem informado deve saber que o verda- deiro nome deste pioneiro era Augustus Lane Fox. Quando soldado profissional, recebeu uma grande heranga, soba condigéo de que mudasse seu nome para Pitt-Rivers. Concordou de pronto com esses termos, afinal o novo nome ndo era mais ridiculo que o antigo. Grande excén- trico, obrigava os empregados a comparecerem a con- certos de orquestras de metais em seu parque nas ma- nhias de domingo, e tentou aclimatar iaques e Ihamas a um habitat inglés. Dirigia as escavagdes com precisdo disciplina, como exercfcios militares, tradigao continua- da mais tarde por Mortimer Wheeler, outro militar; al- guns escavadores modernos ainda tentam dirigir suas escavagdes como pequenos destacamentos. Howarp CarTER (1874-1939) Carter é famoso por ter descoberto a tumba de Tutancémon. Depois de remover 200.000 toneladas de areia e rocha, sem encontrar nada em seis estagdes de trabalho, bem que mereceu um pouquinho de sorte. oO blefador se posicionard contra os tesouros, ou contra os remanescentes da exposigao de Londres, referindo-se a vulgaridade de uma obsessio por ouro ¢ a énfase doentia no fascinio e nado nas informagdes sobre as vidas dos egipcios comuns. O blefador realmente profissional afirmaré preferir 0 apelo estético mais simples da mascara fune- réria de ouro do faraé Psusenes (encontrada mais tarde, e relativamente desconhecida) a do rei Tut. HENRI BrEvIL (1877-1861) Padre francés, Breuil veio a dominar todo o campo da pré-histéria durante décadas, especialmente 0 tema da arte rupestre da Idade do Gelo em cavernas. Calculou ter, durante sua longa vida, passado 700 dias dentro de cavernas, copiando a arte — nao é de admirar que tenha desenvolvido problemas de vista. Breuil tornou-se tao eminente que era conhecido como o “Papa da Pré-hist6- ria”, e muitos arquedlogos, entre os quais infelizmente se inclui o préprio Breuil, passaram a acreditar que ele era infalivel. Um amigo de muitos anos ousou discordar, e Breuil nunca mais falou com ele. Sir Mortimer WHEELER (1890-1976) Um escavador exemplar que trabalhava com gran- des sitios, Rik preferia aqueles com tendéncias militares, como o grande forte britanico de Maiden Castle, com suas muradas gigantescas e seu cemitério de guerra. Na Inglaterra, ele é mais conhecido do pliblico como uma personalidade televisiva, competidor-astro do programa da BBC Animal, Vegetable, or mineral? na década de 50. O fato de que este programa de perguntas, apresen- tando trés arquedlogos que identificavam objetos, ter sido um grande sucesso comprova o quanto a televisio evoluiu nos tltimos 30 anos. O blefador precisa saber que o bom humor de Wheeler, seu carisma, seu bigode, seu cachimbo curvo e seu char- me traquinas n4o conquistavam apenas os espectadores: foi mulherengo inveterado até a velhice. Também era um blefador completo, acertando perguntas estranhas no A.V.M. por decorar antes os catélogos dos museus esco- Ihidos, ou por checar quais objetos haviam sido removi- dos da exposicao. GLYN DanieL (1914-1986) O maior historiador da arqueologia e um especialis- ta em monumentos megaliticos, Daniel foi mais conhe- cido pelo ptiblico como popularizador da rea, enquanto como gastrénomo escreveu O Arquedlogo Faminto na Franga. Personificagio do esteridtipo do apresentador 60 de tevé (completo com éculos e gravata-borboleta de bolinhas), foi um dos maiores expoentes da abordagem da “arqueologia como diverséo”, certamente a forma mais sa de ver a atividade. Os LEAKEYS HA poucas dinastias de arquedlogos, e esta tornou- se a principal novela da area. Louis Leakey (1903-1972), o fundador rispido e durao da “firma” enriqueceu no Vale Rift, leste da Africa, onde antigos utensilios e os- sos eram passiveis de ser encontrados em grande quan- tidade. Desde sua morte, a cabega da familia é sua vitiva, Mary, que continua seu trabalho pioneiro no Desfiladei- ro de Olduvai e outros sitios. O casal, conhecido cari- nhosamente como “Ossos e Pedras”, devido 4s suas res- pectivas especialidades, teve trés filhos, um dos quais, “R.E.”, seguiu os passos do pai e continua a fazer desco- bertas importantes a intervalos regulares, incluindo o cranio chamado 1470 (cerca de 2,8 milhGes de anos), a despeito de tentativas persistentes e infrutiferas de seus rivais de superd-lo, batizando seus fésseis com nomes mais bonitinhos, como “Lucy” e “A Primeira Familia”. Provavelmente 0 arquedlogo mais conhecido do mundo na atualidade é Indiana Jones. Embora a maioria dos profissionais repudie abertamente suas aventuras, criti- cando os filmes por perpetuarem o mito do arquedlogo como um romfntico cagador de tesouros na trilha de ouro enterrado e de civilizagGes perdidas, pode ter cer- teza que é puro blefe. Secretamente, recebem de bragos abertos cada porgio do fascinio de Jones que sobra para eles, sabendo que a propria palavra “arquedlogo” agora evoca imagens do “Indy”, com uma dama deslumbrante na garupa. Nos departamentos da arqueologia das uni- versidades americanas, néo é incomum encontrar, pen- durado atrds das portas dos escritérios, um chicote e um chapéu de couro. 61 GLOSSARIO A.P, Nada a ver com estabelecimento residencial, simplesmente uma abreviagao de “Antes do presente”. Como os arquedlo- gos tendem a viver no passado, seu “Presente” atualmente é 1950. Area de Atividade. Confusio de artefatos onde os arquedlogos gostam de imaginar que alguma coisa aconteceu. Arqueologia Tedrica, Ultimo recurso dos desesperados e iletra- dos. Arte Rupestre. Qualquer coisa desenhada, pintada ou esculpida em rocha. Artefato, Qualquer objeto que parega ter sido usado por pessoas. Bipedismo. Otimo jargio de blefe que significa andar sobre duas pernas. Conferencista. Alguém que fala enquanto todo mundo dorme. Cultura, Termo arqueolégico para grupos regionais de artefatos similares, freqiientemente igualado com pessoas diferentes. Também aquilo que cresce nas canecas e pratos das cabanas de escavacao. Estratigrafia. As camadas diferentes encontradas num sitio, uma sobre a outra. Em geral, dado um par de camadas, a superior € mais recente que a de baixo. Hipocausto. Um assoalho sob o qual circula ar quente, aquecen- do a sala acima. O local de encontro de qualquer simpésio de arqueélogos constitui o exemplo perfeito. Hipotese. Uma adivinhagio. Inicio/Fim. Primeira e segunda partes de um periodo. Os arqued- logos adoram dividir perfodos, fases e culturas em pedagos praticos como esses. Mastaba. Tipo de tumba egifpcia com teto reto para oficiais de altas patentes'e sacerdotes. Megalito, Uma pedra grande. Microlito, Uma pedra pequena. Monturo. Um monte de lixo. Mumificagao, Método para preservar um corpo morto de forma a manter sua aparéncia em vida, que consistia em remover os intestinos ¢ sugar o cérebro pelo nariz. Neandertal. Tipo humano primevo cujo nome deriva dos ossos encontrados no século dezenove em Neander Tal (vale) na -Alemanha Oriental. Os blefadores podem revelar que o p prio vale recebeu esse nome de um escritor religioso alemao chamado Newman, que o batizou assim em fungao da expres- s&o grega Neander (novo homem). i : Necrépole. Uma drea de tumbas; um tipo de cidade exclusiva hey I fodo da pré-hist6ria, itico. O primeiro ¢ mais longo perfodo da pré- ria, oe nome ve do grego “pedra velha” (Paleolito). E seguido pelo Neolftico (pedra nova), tendo, inevitavelmente, entre os dois o Mesolitico (pedra média). Cada um deles é subdividi- do em fases (veja Inicio) e culturas, essas batizadas mais freqiientemente de acordo com os sitios. Pogo. Qualquer buraco pequeno demais para ser uma Fossa de Armazenamento. : Ritual. Explicagao para todos os fins usada quando nada mais vem a mente. : Secretaria, Alguém cujo saldrio é inversamente proporcional ao seu valor. Teoria, Uma série de hipsteses. Tamulo, Uma sepultura. i if ia, A classificacio de ferramentas, ceramica, etc. em ca- pereenl prone acordo com sua forma, tamanho, data ou fungao. Ela requer uma mente extremamente organizada — para apreciar esse tipo de coisa: Pitt-Rivers era um mestre da classificagio e os arquedlogos alemaes fazem uma festa com isso. HUMOR / CULTURA GERAL | BLEFE: ESPERTEZA, LOGRO, ENGODO. BLEFAR: AGIR E FALAR SEGURA E ESPERTAMENTE SOBRE QUALQUER ASSUNTO, COMO SE DOMINASSE PERFEITAMENTE O TEMA. MANUAIS DO BLEFADOR: SERIE DE PEQUENOS LIVROS QUE CONTEM FATOS E TERMINOLOGIA TECNICA, TRANSMITINDO O CONHECIMENTO DE EXPERTS. ENCICLOPEDIA DE BOLSO. Apos ler este livro, vocé estara apto a: © denunciar a verdadeira idade da mumia da sua sogra; * identificar de que era se origina o dinossauro do seu_ chefe; © descobrir quem foi a “louca” que roubou “aquilo” da mumia dos Alpes; * decidir-se por nao seguir a carreira de arquedlogo J 500"923548 ISBN Toe es Cs 'z rs 7 a om a 0 8 op LL TI a C ©) Pe

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