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ESTRUTURA, HISTORIA € TRANSEORMAGAD: A CULTURA XINGUANA NA LOVEUE DOPEE, 1000-2000 d.() Michael Heckenberger O ALTO XiMGU € rico em historia. Este artigo visa apresentar um esbogo dessa longa heranga, que abrange mais de mil anos de desenivolvimento cultural in situ? A despeito dessa riqueza, tem sido dificil para os antropélogos conceber a histéria xinguana, uma vez que tém focalizado nfo o passado, mas o presente —0s titmos € movimentos da vida na aldeia tais como experienciados em um contexto etnogrético. Ainda de mais dificil apreensio é a histéria “estrutural”, no sentido que Braudel dé Ascorrentes profundas, recalcitrantes, da longue durée, s6 reveladas através de geracGes ou séculos, e por uma perspectiva regional. Apenas cm parte pode-se considerar a reificagao do presente como conseqiiéncia de uma lacuna analitica, evidenciada na auséncia de uma arqueologia ou histéria documental adequadas ~ embora haja, de faco, uma falta promunciada destas, Ela é também resultado de uma percepgio geral: para observadores ocidentais, a modo de vida xinguano exala sentimentos quase subliminares de atemporalidade c adequagio ecolégica, imobilidade e imutabilidade, que hé um tempo atrés eram considerados representatives das sociedades “frias” (Appadurai, 1988; Fabian, 1983). Quando se esté dentro de uma casa xinguana, por exemplo, deitado na rede olhando para os caibros, uma armadura de postes e vigas, ou para as névoas de fumaga saindo da panela e da chapa de cerdmica, pecas centrais das grandes casas ovais, é de fato dificil imaginar que as coisas possam ter sido em algum tempo diferentes: nfo hd nenhum monumento ébvio do passado nas aldeias contemporaneas. Nao apenas, entéo, é dificil conceber a histéria, mas, antes, tem sido fécil ignoré-la, uma vez que até recentemente os interesses antropoldgicos — na Amazénia ¢ alhures —, de maneira geral, no coincidiram com os histéricos. Em ) outras palavras, tem sido bastante ficil transformar um certo estado de mente compo — ou seja, aquele do antropélogo num presente etnogréfico — naquilo que seria a condigao da prépria histéria xinguana—condigéo que, no tocante 4 Amazonia em geral, tem sido comumente chamada de “cultura da floresta tropical”. 22 Go 0s roves no ato Riven Lera histéria xinguana através dos trabalhos seminais de Karl von den Sceinen (1886, 1894), por exemplo, nao necessariamente transforma ou alarga essa imagem, referente & suposta variante xinguana da cultura da floresta tropical: os gréficos abundantes parecem desenhos dos tempos atuais, néo fossem as agora onipresentes entrelinhas, O multi- lingtiismo xinguano é uma evidéncia de que, desde ha muito tempo, vem se bicicletas e traves de futebol. Devemos, no entanto, ler na desenrolando um processo histérico de “aculturacio intertribal” — processo que, na verdade, tem sido largamente notado desde o tempo de Steinen. Da mesma forma, a comparagio entre padres demogrificos do fim do século XIX com os atuais (por exemplo, aproximadamente 3 mil pessoas em 1884, 650 em 1954 ¢ quase 2. mil hoje) alerta para o fato de que as coisas nfo sio como parecem ser: imutaveis. A maioria dos autores reconheceu esses fatores histéricos ¢ alguns chegaram a fazer comentirios mais detalhados sobre os efeitos profundos provocados pelo des- povoamento (cf. Dole, 1969, 1984a; Galvao e Simées, 1966; Ribeiro, 1970; Silva, 1972) ou sobre a formagio do pluralismo xinguano (cf. Bastos, 1981; Dole, 1993). No entanto, de maneira geral, os estudos citados so micro-histéricos — abordam uma histéria de pequeno alcance; apenas rara ¢ hipoteticamente foi investigada a natureza do que aconteceu antes de 1884 (ver, particularmente, Becquelin, 1993; Carneiro, 1957; Dole, 1961/1962; Silva, 1993). Essas observagGes — que nao constituem uma critica — pretendem enfatizar que a imagem antropoldgica da “sociedade xinguana” foi amplamente construida durante a baixa demogréfica das comunidades locais (c. 1940-1980), na verdade, 0 indice mais baixo atingido pelas sociedades amerindias em geral em muitos milénios. Bem diferente é perspectiva que se tem dessassociedades em seu apogeu demogrifico, as vésperas do contato com os europeus (c. 1500). A imagem da sociedade xinguana pré-histérica que emerge de um entendimento detalhado do passado arqueolégico difere dramaticamente daquela do presente etnogrifico. O grande choque ino se deve tanto & descoberta de construgées de terra em grande escala, quase onipresentes em sitios pré-histéricos terminais, embora isso seja de fato surpreendente. A verdadeira surpresa se dé quando o antigo e sofisticado plano arquitetural € revelado em sua integridade. As grandes aldeias fortificadas do passado remoto — algumas das quais. dez vezes maiores que as atuais — e as vastas areas desmatadas a elas associadas documentam uma transformagio inesperadamente dramética e intencional da paisagem pré-histdrica. Também a distribuicio de aldeamentos, caminhos, portos € outros aspectos topogréficos demonstra que no passado, assim como hoje,o built environment integtava uma deca muito mais ampla, se estendendo para além das dreas das préprias aldeias. E bastante provavel que essa regio tenha comportado uma substancial populagao na Pré-Hist6ria tardia, somando talvez.dezenas de milhares ESTROTURA, ViSTERIA E TRANS TORMAGAD GB) 3 de pessoas, fixadas em povoados grandes e permanentes~ alguns dos quais contando com milhares de pessoas cada —, densamente distribudos por boa parte da bacia do Alto Xingu (ver Heckenberger, 1996, 1998a para uma discussao mais detalhada). Independentemente da escala exata atingida pelas antigas formagées sociais xinguanas, mudancas visiveis parecem sugerir uma descontinuidade radical entre 0 passado ¢ o presente: “O passado é um pais estrangeiro, onde se fazem as coisas de modo diferente”. A frase memoravel e freqiientemente citada de Hartley (1953) nos Jembra que tanto a antropologia quanto a histéria centam estabelecer significados corretos & distancia (Lévi-Strauss, 1963, p. 16-17; Thomas, 1991). Ao pensarmos entdo sobre a histéria xinguana, devemos nos perguntar: como exatamente podemos estabelecer significados corretos a uma distancia que tanto é cultural quanto tempo: ral? Estamos diante nao apenas do problema interpretativo de estabelecer significados culturais corretos num contexto presente (etnogréfico) ¢ dinamico, mas também do problema temporal de estabelecer a histéria desses significados, uma histéria cul- tural. Construir uma tal histéria exige ndo apenas que levemos em conta a questao da significagao, mas também que a remetamos sistematicamente a ages e, assim, possamos estender ao passado nossa interpretacao de ages significativas, através do exame dos residuos ou produtos de ages passadas — da pratica social sedimentada, Dessa forma, como obsérva Appadurai (1986, p. 5), “ainda que de um ponto dé vista teérico os atores humanos invistam as coisas de significagao, de um ponto de vista metodolégico, séo as coisas-em-movimento que iluminam seu contexto humano e social”. Em uma perspectiva ampla, a saber, a-histérica — que se estende para além das “histérias de vida” de objetos ou pessoas ~, sio as coisas-através-do-tempo que devem nos inspirar, pelo menos no que diz respeito a povos néo-letrados. Nossa habilidade no sentido de conceber analiticamente as coisas-através-do- tempo, ou a cultura-através-do-tempo, depende em tiltima instincia de questoes acerca da visibilidade — 0 que, sobre o passado, podemos concretamente visualizar no presente. Sob uma perspectiva arqueolégica ou documentitia, é evidente a importincia de questées sobre visibilidade, No entanto, essas questdes também atravessam © contexto etnogrifico, embora de maneira menos dbvia. Nao apenas existem problemas interpretativos substanciais acerca de como se penetra, ou se é penetrado, por uma outra ordem cultural (Geertz, 1995), como existem também grandes problemas relacionados & profundidade temporal: como entender a perfor- mance, elasticidade ou centtalidade histérica de caracteristicas ou aspectos especificos dessa ordem sem documentar sua forma exata, ou mesmo sua presenga, no passado? Assim, embora possamos nos justificar assumindo que certas caracteristicas culturais (como simbolos, principios, préticas, produtos, instituigées, etc.) so centrais ou estratégicas devido 4 sua permeabilidade ou importincia aparente num contexto 24 eo ws rrves neat aine contemporineo, devemos notar que se trata também de assumir que elas com- preendem elementos arraigados do padrio cultural, Em outras palavras, mudangas nos niveis estruturais “profundos” ou bésicos so raramente discern{veis num curto espago de tempo: é apenas por meio de estudos que explorem o movimento da cultura através de longos perfodos de tempo, que excedam uma ou mais geracdes, que poderemos comegar a abordar questées de estabilidade ou transformago estrutural (Ohnuki-Tierney, 1990). Estender nossa andlise para além do contexto dos vivos e de suas memérias exige uma integracao de evidéncias coletadas fora dos sistemas fornecidos pelo contexto vivido. Como, entéo, dar sentido aos contextos estéticos dos registros arqueoldgico c/ou histérico ~ que, embora interpretados no presente, pertencem ao passado (deixando de lado, por enquanto, as histétias orais dos povos, ou 0 que as pessoas pensam ou dizem que aconteceu em seu passado)? O desafio é desenvolver analogias vilidas € relevantes entre 0 passado € 0 presente, tendo em vista que “reivindicat| qualquer conhecimento que ultrapasse os prdprios objetos é afirmar o conhecimento de padres operantes na cultura e na histSria e aplicar esses padres aos fatos” (Chang, 1967, p. 130s ver também Charlton, 1981; Gould e Watson, 1982; Wylie, 1985, so bre 0 uso de analogia). Varias analogias histéricas aplicadas & Amaz6nia ou a lar) gos segmentos desta (ou seja, afirmagoes como.“a Amazénia é”, “os amerindios sio”, ‘ou “as sociedades de terra firme s4o”) deram importantes contribuigdes no que se refere aos paradigmas dominantes estruturalistas ¢ ecofuncionalistas/evolucionistas. ;ntretanto, essas analogias basciam-se estritamente na etnologia e dependem, parcial 1 implicitamente, de nog6es a-histéricas de um imperativo ecoldgico ou estrutural (cultural) inerente que sobrepujam histérias especificas. O que nos falta so estudos letalhados sobre trajetérias sécio-histéricas especificas, com profundidade temporal | uficiente para avaliar padrdes de longue durée, particularmente estudos que se stendam até a Pré-Histéria. O Alto Xingu é um lugar privilegiado para um tal estudo, pois If convivem comunidades indigenas relativamente nao-aculeuradas e bem documentadas (de 1884 20 presente), que possuem claramente uma histéria “profunda” na drea (isto é de c. 800-900, pelo menos, ao presente). Assim, podem-se desenvolver analogias histéricas que ndo,dependam de pressupostos uniformes genéricos, nunca antes testadas de forma concreta no que diz respeito & Amazénia em geral. Uma vez que a histéria esctita comega apenas em 1884, a possibilidade de definir o perfil temporal da cultura xinguana anterior a esse tempo depende largamente da arqueologia; a possibilidade de “reanimar” esses perfodos mais remotos com vida cultural depende da validade, relevancia ¢ escopo das analogias entre a cultura contemporinea (etnogréfica) e os residuos arqueolégicos. A abordagem privilegiada aqui ¢, portanto, néo apenas ESIRUTERA, HISTORIA C TRANS TOR MACAD GP) 5 histérica, mas etnoarqueolégica, e visa explicitamente a integrar diversos niveis de andlise, derivados no apenas da observagio etnogréfica, das narrativas indigenas ¢ de fontes documentérias, mas também do estudo arqueoldgico de residuos mate- riais criados pela ago humana no passado. Nao se trata apenas de uma tentativa de empregar a etnografia na busca de um melhor entendimento do passado, ou, inver- samente, de utilizar a arqueologia (ou a histéria) para um melhor entendimento do presente. Trata-se, ainda mais, de tentar revelar e relacionar padrdes relevantes, visiveis cm niveis analiticos diferentes (ou seja, relativos a escalas espaco-temporais variveis), buscando entender histéria e cultura num sentido holistico; em outras palavras, trata-se de criar um didlogo conceitual entre modos diversos de pensar a histéria. ‘Ao menos conceitualmente, esse “didlogo” exigiria intercimbio aberto — senio num sentido quantitativo ou analitico — entre os dominios etnografico, etno-histdrico € arqueolégico. Assim, padrées culturais relevantes sio reconstruidos em varios momentos ao longo de um continuum histérico-cultural (“fatias de tempo”), isto & compreendendo o “sistema” (ou partes significativas deste) em diferentes pontos do fempo € do espaco, ¢ ligando-os concretamente para revelar tragos comuns, que refletem nfo apenas a existéncia de uma continuidade entre aspectos desarticulados da cultura, mas fundamentalmente os principios estruturais ou a ordem cultural subjacente ~ uma unidade de sentido organizada em torno de esquemas culturais Upicos (conforme Ortner, 1990, p. 60). De qualquer maneira, este tipo de estudo é topoldgico, e depende de nossa habilidade em identificar elementos que reflitam diretamente a continuidade cultural (estabilidade estructural) ou a mudanga (trans- formagio estrutural), Poderfamos, entdo, estender as interpretag6es do imediatamente observavel ao menos observavel, descascando camadas de sentido, colocando as coisas sais plenamente em seus diversos contextos, através de um proceso de “desctigio densa” (Geertz, 1991; Hodder, 1996). No Alto Xingu, o desafio de criar uma histéria cultural, num sentido holistico, é facilitado pela durabilidade de algumas caracteristicas altamente vis(veis da cultura xinguana através do tempo, tais como: padrao de assentamento regional e organizacao espacial (por exemplo, configuragao e localizagao de aldeias), economia de subsisténcia tecnologia (manufatura da ceramica, uso da terra em torno das aldeias), Perceber a continuidade desses aspectos fisicos (coisas) ao longo do tempo, produtos de priticas sociais sepetitivas permeados por sentidos redundantes e compardveis, permite-nos inferir continuidade também no nivel dos principios subjacentes. A partir de andlises desses aspectos fisicos em diversos contextos espago-temporais, sugiro que hé fortes tendéncias culturais ~ estruturas ou esquemas culturais duriveis — que sio aqui grosso modo definidas como: sedentatismo, integracéo supralocal (regionalidade) e hierarquia social. Sem pretender me adiantar, a conclusio geral deste artigo é que, a despeito 2b eo os roves ov atie xivee das mudangas ou descontinuidades draméticas, mesmo radicais, que observamos em partes ¢ em relagdes funcionais entre essas partes — como, por exemplo, as mudangas que se referem ao tamanho dasaldeias, ow a correlagao entre essas mudancas € outros fatores como mobilidade, regime de subsisténcia, etc. —, hé uma continuidade marcante na estrutura subjacente—o “4mago” simbdlico da cultura xinguana; como jd foi mostrado alhures, a histéria, ou melhor, os eventos e processos histéricos $30 mediados e internalizados através dessa ordem simbélica subjacente (Sahlins, 1985). A base empftica para a cronologia proposta e para as interpretagSes a ela associadas me foi fornecida pelas investigagdes arqueoldgicas ¢ etnogréficas condu- zidas no Alto Xingu no perfodo de 1993 a 1995 (ver Heckenberger, 1996, para uma discussio mais completa). E preciso notar que muitas das conclusdes alcancadas aqui esto em concordancia com.as de outros pesquisadores, embora minha proposta nao seja fazer uma revisio ou sintese das mesmas (para sinteses recentes da pesquisa arqueolégica conduzida antes de 1990, ver, particularmente, Becquelin, 1993, Silva, 1993; ver também Carneiro, 1957; Dole, 1961-1962; Sim@es, 1967). As recons- trugées histéricas anteriores foram formuladas em termos mais preliminares, mes- mo especulativos, devido & falta de dados arqueolégicos ou etno-histéricos mais detalhados. © presente estudo nos permite utilizar uma chave mais empitica nas reconstrugées do passado pré-histérico (anterior a 1884), inclusive uma seqiiéncia de datas radiocarbénicas, mapeamento sistemdtico e estudos distribucionais de sitios inteiros, andlise detalhada de tecnologias pré-historicas ¢ levantamento regional de sitios (numa rea de estudo de aproximadamente 1.200 km?). MACROCONTEXTOS. Através das seqiiéncias culturais conhecidas (1000-2000), a 4rea do Alto Xingu foi marcada por um padréo cultural regional distinto tanto daqueles da 4rea ama- Zénica adjacente, quanto do Brasil Central. Em parte, essa distingéo cultural, pa ticularmente evidenciada nos padrdes de assentamento e de subsisténcia, pode ser relacionada & geografia fisica ¢ &s condigées ecoldgicas da bacia — tinicas e relativa- mente circunscritas; entretanto, ela é em maior medida um reflexo da estrutura ou natureza subjacentes as préprias culturas xinguanas. Uma estrutura que, embora singularizada no Alto Xingu, pode ser remetida a um conjunto mais amplo de gru- pos, parte de uma histéria ainda mais profunda, compreendendo as periferias do sul da Amaz6nia, Se pensarmos em termos macroscépicos, veremos que hd profun- das raizes histéricas ligando povos através de amplas teas geogréficas, além de vas- tas conexGes ligando grupos coexistentes aos mesmos processos histéricos, quer dizer, estruturas sécio-histéricas articulando regi6es em sistemas macrorregionais. ESTROTURA, TASTHRIA C TRANS EORMNAGAE a9) 7 Dessa forma, entender a cultura xinguana através do tempo requer em primeiro lugar entendimento dos macrocontextos nos quais se dio a mudanga ou a continuidade, tendo em mente a adverténcia de Turner (citada acima), segundo a qual tudo esta em movimento, embora lentamente — até mesmo os contextos mais amplos da geografia e da topologia. GEOGRAFIA E ECOLOGIA As nascentes do rio Xingu situam-se quase todas numa bacia sedimentéria formada a0 longo dos flancos do Planalto Central (um vasto plat, situado a 1.000m- 2.000m acima do nivel do mas, que se estende por grande parte das regides Central, Oeste e Nordeste do Brasil) (Fig. 1). Os maiores afluentes descem num gradiente moderado que se inicia nos altos topogréficos ao sul, leste ¢ oeste da bacia ¢ vio gradualmente se nivelando ao chegarem na prdpria bacia (onde descem a menos de 0,25m por quilémetro). A altitude média da érea nuclear da bacia do Xingu € de 300m acima do nivel do mar, contendo um sibito declive de 75m de sul (13°30°S; 350m acima do nfvel do maz) a norte (11°30’S; 275m acima do nivel do mar), principalmente entre 12°30’ e 13°00’. Ficura 1. O Alto Xingu, Amazinia Meridional, entre o cerrado ea floresta 2B SB Os roves yo atin niwew Os limites da bacia a0 norte correspondem aproximadamente aos extremos ais altos do préprio rio Xingu e se definem no estreitamento da topologia ampla e plana da bacia por um solo que vai progressivamente se tornando mais alto ¢ mais ondulado abaixo da confluéncia do Xingu (Morend), particularmente abaixo de sua confluéncia com o rio Suié-Missu (Diauarum). Esse efeito funil é largamente responsdvel pela extensa inundagio que ocorre na estacio chuvosa, formando amplas varzeas ¢ canais pronunciadamente sinuosos na bacia acima de Morena. Abaixo de Morené, 0 rio Xingu é caracterizado por um curso mais direto e por uma considerdvel diminuigao na variagio ecoldgica das vérzeas. Segundo a denominagio antropoldgica, o Alto Xingu refere-se a porgbes nnucleares da bacia como um todo (em torno de 40 mil kim’), area caracterizada por uma ecologia em mosaico definida por condigées topogréficas, pedolégicas ¢ hi- drolégicas locais que, embora bastante diversas, se restringem a bacia, Em termos macrortegionais, a bacia pode ser considerada parte da zona de transigio entre as florestas equaroriais das terras baixas do sul da Amazénia c os cerrados tropicais do Planalto Central brasileiro. No entanto, iso é um tanto enganoso, uma ver que, em termos gerais, a vegetacio, o solo, a fauna e a flora encontrados no Alto Xingu séo caracteristicamente amazénicos, Trata-se na verdade de uma grande “Iingua” da Floresta Amazénica, alojada entre os limites da parte mais alta do Planalto Central, caracterizada genericamente por um meio ambiente de cerrado (mais aberto) ¢ por tum solo menos erodido, ¢ apenas ocasionalmente por florestas-de-galeria adja- centes aos cursos d’4gua. A PERIFERIA MERIDIONAL DA AMAZONIA Ha uma correspondéncia marcada entre as provincias fisioecolgicas do sul da Amaz6nia (Floresta tropical) e do Brasil Central (cerrado) com as culturas a elas associadas, compostas predominantemente de fulances de linguas do tronco macrotupi no primeiro caso edo jé no segundo. As sociedades jé que ocuparam o Brasil Central por pelo menos mil anos (Wiist e Barreto, 1999) catacterizam-se por possuirem estrutura social, cosmologia e organizagao espacial recorrentes em toda a regio. Jé nos perfodos pré-hist6ricos tardios, os vizinhos dos jé eram predominantemente tupi, mais especificamente falantes da lingua tupi-guarani, Embora mais diversos em tetmos de padrées de assentamento e morfologia social, os povos tupi, assim como os jé, formam um conjunto de culturas relativamente ligadas — uma macro- tradigio eaum “complexo bélico-teligioso” (Viveiros de Castro, 1992). Particularmente no que diz respeito As suas cosmologias distintivas Entre essas duas “provincias” macroculturais se situa ainda uma terceira que chamo de Periferia Meridional da Amar6nia, cuja extensio abrange pelo menos a ESIRUTURA, MSTORTA CTRANStHRIMACHD 2 drea compreendida entre o Alto Xingu (a leste)* e as terras baixas da Bolivia (a geste). Grande parte da regiio Centro-Oeste do Brasil eas tetas baixas da Bolivia ~ incluindo 0 Pantanal e 6 Chaco, os Llanos de Mojos, 0 Guaporé,)assim como a Periferia Meridional — representam dreas de contato entre povos de diversas I{nguas ~denominadas pelos lingilistas de dreas de “invasio” (Kaufman, 1990) , possuindo meios ambientes também marcadamente variados. E portanto dificil conceber a Periferia Meridional no contexto de tal diversidade cultural, dificuldade agravada pela pronunciada fragmentagao cultural resultante do contato com os brancos. A primeira vista, quando confrontada, por exemplo, com o pano de fundo colorido do mapa etno-histérico de Curt Nimuendaju (1981), a Periferia Meridional é dificil de se “ver”. Ela é dbvia nfo pelo que é, mas pelo que nado os jé do Brasil Central, ou 0 ndo menos marcante — embora menos claramente delimitado — ouro dos tupi do sul da Amaz6nia; 0 que est4 no meio é caracterizado pela mistura de azuis (aruak), rosas (arib) e outros, além de uma latga medida de verde ¢ ouro. Entretanto, embora a Periferia Meridional forme uma cunha entre os tupi (Amazénia) ¢ os jé (Brasil Central), ela nfo é simplesmente uma conveniéncia arbitréria formulada post hoc para descrever os grupos que por acaso ocupam a area entre os dois povos. Sem diivida, essas outras provincias culturais do forma e marcam os limites(da mais culturalmente heterogénea Periferia Meridional. Entretanto, se a examinarmos mais de perto através de uma perspectiva historica /, profunda, tal heterogeneidade se transforma num bloco quase continuo de povos aruak, se estendendo do Alto Madeira e Montafia (a leste) ao Alto Xingu. A Periferia Meridional rem tanto a ver com histéria quanto com geografia; e, enquanto 0 corpo social ¢ diverso, 9 esqueleto, a estrutura social profunda, é, em boa parte da regio, de origem|aruak (Fig. 2). verde quase sdlido indicando Em outras palavras, as similaridades culturais encontradas na Periferia Me- ridional resultam no apenas de uma proximidade ou interagio geogrifica, mas fambém de uma heranga comum, a saber: de uma estructura sociocultural prototipica dos povosaruak do sul da Amaz6nia (ver Schmidt, 1914, 1917). Os primeiros colonos aruak (maipure) do Alto Xingu, que chegaram & regio por volta de c. 800-900 (ver abaixo), jd traziam esse modelo cultural, E, portanto, um erro considerar o Alto Xingu uma drea cultural discreta ¢ isolada, produto de condig6es singulares de aculturagio simétrica entre os diversos grupos, ou, por outro lado, subsumi-lo a um substrato cultural geral do tipo floresta tropical (isto é, Amaz6nica) ou Brasil Cen- tral. No Alto Xingu, esse padrao cultural bésico (aruak) reteve sua forma por mais de mil anos, ainda que tenha softido transformagGes substanciais 20 longo do tempo ~evidenciadas, por exemplo, no estabelecimento de uma cultura regional multilingiie conhecida hoje como cultura xinguana. Podemos estender essa discusso para destacar 30 Se 65 Paves oy atte Kiwee B navies se corse A crup0s saipuran Ficura 2. Mapa da Amazbnia Meridional mostrando as dteas dominadas por falantes de linguas tupi Llinhas horizontais)¢j@(linhas obliquas), a Peviferia Meridional, as dreas com evidéncias arqueoldgicas de construgbes de terra (como valetas, estradas, ete.) € a distribuicgo dos grupos maipure da regifo, inclusive: 1) xinguano; 2) parecis 3) bauré; 4) mojo; 5) verena/guand: 6) chang; e 7) piro. que os povos maipure partilharam caracteristicas culturais distintivas através da América do Sul (isto é, hierarquia social, regionalidade, sedentarismo e agricultura relativamente intensiva, aldeias concéntricas, ceramicas “barrancoid”)> — das Antilhas 4 Periferia Meridional -, uma protocultura, ou melhor, um “substrato aruak” da AmazOnia antiga. A elaboragao dessa “visio ampla” de histéria cultural esté para além dos propésitos desse artigo; entretanto, tais modelos “culturalistas” nao Fepresentam de forma alguma uma idéia nova no que concene & AmazOnia (ver Basso, 1977; Dole, 1961-1962; Heckenberger, 1998b, 2000a; Lathrap, 1970, 1985; Lévi-Strauss, 1969, 1973; Schmidt, 1914, 1917; Steinen, 1886; Viveiros de Castro, 1992). Embora também no me proponha aqui desenvolver uma discussio geral sobre a origem ou antigiiidade das lnguas maipure no sul da Amazénia (bauré, mojo, piro, chané, terena [guana], pareci, e as do Alto Xingu), gostaria de destacar que é provavel que todas — ou a maioria ~ possam ser remetidas a uma antiga migra- SHo, ou série de migragées, para a regido do Alto Madeira; de onde posteriormente se expandiram para oeste (Acre e Peru), para sul (terras baixas da Bolivia) ¢ para leste ESTRUTORA, HISTORIA CTRAWSEARAAGKY > J 7 (Periferia Meridional).6 Os terena (guana) e os chané limitam as extensdes desse processo ao sul, enquanto os pareci ¢ 0s alto-xinguanos limitam-nas a leste. O que é mais importante aqui € que os pareci (incluindo kaxiniti, uaimaré, kozarini, iranxe, saluma/enawené-nawé) ¢ os aruak xinguanos (pelo menos, yawalapiti ¢ mehinako/ waurd/kustenau) ~ os chamados aruak centrais (Urban, 1992) — estdo estreitamente relacionados ¢ representam um movimento de aruak na Periferia Meridional, che- gando ao Alto Xingu por volta de c. 800-1000. Essa conclusio, baseada em princ{- pio na proximidade lingiiistica, apdia-se também em correlagées prelimina- res acerca de evidéncias antropométricas (Santos e Coimbra, neste volume) e, par- sicularmente, nas amplas semelhancas culturais, ESOVEMA CULTURAL E ESTRUTURA PROTOTIPICA As sociedades maipure que se espalharam ao longo da Periferia Meridional — expecificamente os aruak centrais ou aqueles povos que adotaram seus modos de vida (por exemplo, bakairi, karib alto-xinguanos) — se destacam na regio por uma constelagio de tragos culturais que as distinguem da maioria de seus vizinhos, como, por exemplo: 1) grandes aldeias anulares, mais ou menos permanentes, densamen= _te distribuidas em regides restritas ¢ interligadas por caminhos:” 2) economias de © agricultura intensiva (cosas fixas) baseadas no cultivo da mandioca, ¢ énfase nos re- cursos aquiticos;* 3) integracao sociopolitica regional baseada em cultura e ideolo- gia comuns e padrées desenvolvides de troca (como comércio, casamento, visit €cerimonialismo intercribal);* 4) ideologias basicamente ndo-ofensivas (isto é, nio- predatérias) ¢ estratégias militares defensivas construco de fortificagdes sofisticadas;!® 5) hierarquia social interna e ascen¢o he- algumas veres corroboradas pela reditéria & chefia."" (Cada um desses traos varia consideravelmente entre os gru- pos; considerados individualmente, eles também podem ser encontrados em grupos ndo-aruak— por exemplo, as aldeias circulares do Brasil Central -, mas, considerados © em conjunto, esses tragos ligam claramente os grupos da Periferia Meridional e os separam de outros grupos do sul da Amazénia e do Brasil Central (ver Fig. 2). Hi freqiiente dificuldade em se elucidarem, de maneira compreensiva e acurada, tragos culturais comuns, devido & falta de dados hist6ricos e arqueolégicos e pelo fato de a maioria dos povos da Periferia Meridional ter sido radicalmente transformada pelo “contato”. Ainda assim, existem informag6es suficientes para su- gerir que estas culturas distintas sto permutagées de uma estrutura simbélica sub- jacente. Em outras palavras, esses tragos refletem motivos ou esquemas culturais amplos: categorias, principios e metéforas fundamentais, profundas, jd presentes nas culturas maipure que colonizaram o Alto Xingu, e que se manifestam, embora de maneira transformada, nos atuais povos xinguanos. Considerados na longue dureé, 22 a2 05 roves oy ae sien tués esquemas primordiais podem ser destacados, genericamente definidos aqui co- ‘mo sedentarismo) hierarquia social ¢ regionalidade: ou seja, hé um habines (no sen- tido de Bourdieu) xinguano que predispée ou tende a reproduzir: a) sedentarismo, sconomias de subsisténcia fixas ¢ alteracio de topologia (mais do que mobilidade ¢ baixo impacto); b) hierarquia social interna (mais do que igualdade); ¢ c) integra- So © acomodagio regionais (mais do que autonomia ¢ hostilidade ofensiva). Em. linhas gerais, esses esquemas culturais (estruturas) podem ser resumidos como se segue: Sedensarismo: Os xinguanos so povos sedentétios: um etos caracteristico da Vida em aldeias mais ou menos permanente permeia a maior patte dos aspectos da cultura xinguana (ver Heckenberger, 1998a; Heckenberger et al, 1999). Durante a Inaior parte do perfodo histérico, pelo menos apés meados do século XVIIL, aldeias de até mais de 300 individuos realocavam-se ocasionalmente no Ambito de uma rea fixa (num raio de Ikm, aproximadamente) ou dividiam-se, formando grupos satélites separados da aldeia “mae”. Esses movimentos sao geralmente condicionados por fatores sociopoliticos e/ou sobrenaturais (principalmente, rivalidade, feitigaria e telagBes externas mutiveis), ou ocasionalmente por Preocupagies priticas (como o actimulo de timulos nos cemitérios das pracas), mas nao sao reflexo de uma degradagio ecolégica, Na Pré-Histéria, as aldeias eram permanentes e elaboradas estruturalmente por substanciais Construgées terrestres, O sedentarismo xinguano nao é simplesmente conseqiiéncia do assentamento em um meio ambiente rico: a mudanga de um padrio in sitw menos sedentiria para um mais sedentdrio nao resultou apenas de um ajustamento a condi¢ées ecoldgi. cas particularmente propicias (ver Carneiro, 1978a), 20 contrétio, faz parte do mo- do através do qual os xinguanos, a0 longo da seqiiéncia cultural, veems “padrao” de asertamento spropriado: um modelo concéntrico muito claro e preexistente, se. gundo o qual se organizam as relagdes espaciais dentro das aldeias, cujo amago é a Praga central. A beleza de uma aldeia se deve a uma praga bem delineada e limpa, com uma zona de casas em forma anular & sua volta. Asaldeias se articulam com a paisagem local e com outras aldeias similares de tum modo bastante padronizado: estio sempre posicionadas na fronteita entre flo- restas de terra firme (no-inundéveis) cérregos, pequenos rios ou dreae inundéveis maiores ligadas aos rios principais. Distanciam-se umas das outras segundo um pa- dro mais ou menos regular de espagamento —0 qual se torna particularmente apa- Fente quando 0 conftontamos com 0 periodo pré-histérico tardio, quando a érea Gra mais densamente ocupada ~ ¢ esto interconectadas pot um complexo sistema de caminhos, pontes, portos e acampamentos, que também forma uma rede in- fegrada nos tertitérios das outras aldeias. Cada aldeia, gradualmente, dé lugar a “pasos menos construfdos, que incluem uma larga zona de floresta secundétia — ESTROTURA, HISTARIA C TRANS ORMAGAD GF 3 rocas, que se estendem para aldm de suas margens. Alguns fatores, como sua locali- 220, 0 uso da terra ao seu redor e a continuidade na produgao de ceramica domés- | dca, documentam que as populagées locais mantiveram uma orientag&o econémica ‘= ccolégica bisica, fundada no cultivo relativamente intensivo da mandioca e na | pesca, 20 longo da seqiigncia cultural inteira. A hierarquia xinguana baseia-se numa estrutura sociopolftica Hierargui intra-aldeia de parentelas hicrarquizadas ¢ de sucesso hereditéria para 0 oficio da ‘chefia. Essa estrutura hierérquica funda-se em relagées de superioridade ou domi- irmao mais velho : irmao mais nancia genealégica (homem : mulher :: pais: filhos :: novo :: chefe : homem comum) reproduzidas em virios niveis, como, por exemplo, familia, unidade doméstica e aldeia, e medidas pelo grau de “respeito” de uma pessoa ‘em relago aos que estéo em posigao socialmente superior. No Alto Xingu a hierar quia social nao se cristalizou de modo explicito em classes sociais rigidamente estra- Sficadas — 20 contrério do que ocorreu com certos povos aruak do sul, em parte; devido 4 incorporagio em grande escala de cativos, definindo uma “classe escrava” (Oliveira, 1960, 1968; ver também Oberg, 1950); em ver disso, configurou-se no Alto Xingu uma hierarquia bipartite (chefes/homens comuns). As linhas cogndticas de chefia, por possufrem um alto estatuto, mantém acesso especial ao poder ideo- dgico (simbélico) ¢, por extensio, ao poder politico-econdmico. Os individuos que ocupam as mais altas posigées (particularmente do sexo masculino) derivam. seu prestigio da relagio que estas tém com a hierarquia da chefia. O casamento poligamico é um privilégio comum entre chefes e tende a se realizar intra e inter- linhas de chefia (ou seja, hé uma endogamia de classe), entre primos cruzados, de forma a promover aliangas estratégicas entre aldeias — esse padrio, no entanto, foi sem diivida enfraquecido, devido aos efeitos do despovoamento (Dole, 1969; Carneiro, 1993s Ireland, neste volume) Reivindicagdes quanto ao estatuto de chefe (legitimidade) sao altamente contestadas e fornecem a base primordial para a oposigao ow o faccionalismo entre linhas de chefia rivais. Assim, se, num momento especifico, 0 dpice da hierarquia da chefia focaliza-se em um ou dois chefes principais, as posiges imediatamente inferio- res so sempre difusamente distribuidas dentro e entre as linhas de chefia. Aqui é importante distinguir entre a estrutura subjacente ¢ constitutiva das hicrarquias locais ¢ suas manifestagées na pritica, a realizacéo concreta dessa estrutura: quer dizer, entre 0 oficio permanente de chefe(s) ¢ os ocupantes reais dessa posigéo em um momento especifico, e entre a hierarquia fixa constitutiva das linhagens ou casas de chefes ¢ as relagSes especificas entre elas na hierarquia como um todo, que sé continuamente negociadas ¢ redefinidas (cf. Comaroff, 1985, p. 44). 34 @o o5 roves on au tivee Tal estrutura de parentelas hierarquizadas, que ctia simultaneamente uma contradi¢do estrutural entre chefes e nao-chefes, ¢ que, a0 menos figurativamente, incorpora a ambos numa estrutura geneal6gica unificada, é reconhecida por tipos diversos de sociedades hierérquicas, De uma Perspectiva comparativa, estruturas hierérquicas similares tém sido associadas a conceites diversos, como, por exemplo: “ramos” (Firth, 1936), linhagens de status (Goldman, 1970), “clas cénicos” (Kirchhoff 1955: Sablins, 1968) ¢ “sociedades de Casas” (Carsten e Hugh-Jones, 1995; Lévi- Strauss, 1982, 1987). Tém sido reconhecidas em diversas sociedades, de minima a mo- deradamente estratificadas, encontradas Por exemplo entre grupos bantu, na Africa (Comaroff, 1985; Evans-Pritchard e Fortes, 1940; Rowlands, 1990; Turner, 1957), BPO austronésios, na Oceania (Earle, 1997; Kirch, 1984, p. 34; Sablins, 1963, 1985), no sudeste da Asia (Friedman, 19755 Leach, 1954) e na costa noroeste norte. americana (Lévi-Strauss, 1982; Rosman e Rubel , 1971; Rubel ¢ Rosman , 1983), cntre outros lugares. No entanto, a continuidade de uma tal estrutura subjacente também pode ser reconhecida em sociedades mais tigidamente estratificadas, como, Por exemplo, entre os antigos maia (Haviland, 1977: Schele « Freidel, 1990; Schele ¢€ Miller, 1986), na Europa feudal eno Japao (Lévi-Strauss, 1982), no Havat (Sahlins, 1985; Valeri, 1985, 1990) ¢ até mesmo na China hiperestratificada (Chang, 1983, 1989), entre outros. A hierarquia da chefia se manifesta através da mobilizagao em contextos ri- tuals € em projetos da comunidade, do controle das atividades rituss « piiblicas em Beral,e do controle ¢ administracio dos contatos externos; é objetivada na centrali- 2asao das atividades politicas puiblicas e rituais, realizadas na praga da aldeia, e na crganizaszo espacial da casa; ésubjetivada na figura daqueles que detém a “posse” da aldeia, de suas terras, da casa do chefe, da praga, da casa den homens (8s veres acu- ‘muladas na figura de um mesmo individuo); e por fim, éeneanacla em aspectos do Corpo, do saber esotético, dapalavra e dos ommamentos do chefe, ver, outros indica- dores do estatuto elevado do chefe, Nesse sentido, sugiro que: a) um idioma da hicrarquia subjaz.a maioria das relagéessocais; b) os arores oxen ‘tansformados (construfdos) através da objetivacio simbdlicn ritual dessa hierar- ula; € c) atores “de peso”, aqueles que podem acumular um excedente de recursos simbélicos (um “fundo de poder”), transformam-nos em capital econémico — na forma de tiqueza ¢ trabalho ~, fornecendo assim a bare para uma economia po- Iitica plena (Heckenberger, 1998b), Por iltimo, podemos notar que a hierarquia tem uma dimensio “lateral” ou hotizontal, baseada em campos ou categorias concentricas og assimétricas referentes ’ualizagao do espago es identidades socais, um ponto com implicagées importantes Para incerpretages de padres antigos (Heckenberger, 2000b), Econ se os modelos SsTCUURA, HISTORIA CTRAWSEORMNGAD SD conceituais de sociedade e de espago articulassem o ponto central de um cfrculo com o vértice de uma pirimide, Regionalidade: Os padres xinguanos de socialidade possuem dimensao supralocal bem desenvolvida e necessitia, que se estende virtualmente a todos os “aspectos da vida sociocultural. Embora algumas sociedades amazénicas sejam justificadamente caracterizadas como atomistas, auténomas, definindo-se ¢ re- produzindo-se através de uma singularizagao ou oposigéo simbdlica em relagéo & exterioridade (humana ou nao), as comunidades que habitam o Alto Xingu formam uuma{sociedade regional que se reproduz, através da rede de trocas rituais entre eli- 1s, da interdependéncia cerimonial e de padres difusos de sociabilidade e de inte- ragio intra ¢ intercomunidades. A socialidade xinguana esté fundada num etos, numa visio de mundo ¢ numa ideologia social que demandam uma co-participaggo (interdependéncia entre aldeias) em rituais centrais de reprodugao social — mais notadamente relacionados aos ritos de passagem dos personagens de “elite”, afirmando lideres do passado, do presente ou do futuro. Em outras palavras, a cultura xinguana énecessariamente regional e representa um “corpo” ou “comunidade” moral (Menget, 1993); esse etos tanto promove quanto se funda na interagdo intra ¢ interaldeias, na hospitalidade e na adaptagao. Assim, a identidade xinguana ¢ autodefinida através da referéncia a um sistema comum de sentidos ¢ valores (0 interior), A fronteira entre as categorias que designam \ ocexterior ¢ o interior, apesar de mais ou menos claramente demarcada a qualquer \ momento, é altamente permedvel e graduada (concéntrica), mas, enquanto o exte- rior ¢ continuamente redefinido, em termos de identidades sociais, o Amago simbélico do sistema (os valores ¢ sentidos partilhados) mostra uma durabilidade marcante. Essa filosofia social é tudo, menos xenéfoba (atomistica ou predatéria); a0 contratio, cla é “acolhedora” e, como foi historicamente demonstrado, bastante aculturativa, prontamente absorvendo tanto tragos culturais quanto pessoas de fora. Esse padriio, que talvea ja estivesse presente no “substrato aruak da antiga Amaz6nia” (cf. Schmidt, 1917), explica em parte a heterogeneidade etnolingtifstica da Periferia Meridional. Embora no momento nfo seja possivel teconstruir os padrées pré-historicos de intercasamentos, troca material ou cerimonialismo intercomunitério, que forneciam a base das relagdes regionais, é possivel sugerir que a “regionalidade” esta presente na estrutura prototipica aruak. A idéia de regionalidade nos é sugerida nfo apenas pela proximidade verificada entre as aldeias pré-hist6ricas, mas também pelo carter de reduto supralocal que assumiam as pracas pré-histéricas e, ainda, pelos sistemas de estradas encontrados entre as aldeias pré-histéricas que, como hoje, as interligavam indubitavelmente através da regio. 26 Os Peves oo ate tanou TRANSFORMACOES Ac longo do segundo milénio d.C., pode-se dizer, houve continuidade dessas Gorruturas ou esquemas cultura, observvel especificamente em aspectos bésicos da sultura xinguana: padres de assentamento, organizacdo espacial da aldeia, uso da terra, tecnologia e economia de subsisténcia. Tal perspectiva nos é sugerida através da integracao de evidéncias arqueolégicas, lingiifsticas, etno-historicas ¢ da his- t6ria oral indigena. Sitios arqueolégicos pré-histéricos (Big. 3) mantém uma forma basica: a praga central citculat, a partir da qual se estendem vias radiais, Essas vias [ebresentam as principais artérias de uma rede de caminhos que ligam as aldeias entre si €a pontos proeminentes na regio, Associada a esses sitios, encontra-se uma distintiva'manufacura da cerimica, que mostra claramente nao apenas a continuidade cultural (aruak), das primeiras ocupagdes 20 presente, mas também a continuidade za economia de subsisténcia (Heckenberger, 1998a).!? Com relagdo aos aspectos mais obviamente durdveis dessa cultura, observa-se também a continuidade de longo © rocticaton © com ates © Sem atrce (© ipa no determined A isgos Ficura 3. Distribuigio de sitios arqueoldgicos no Alto Xingu. Obs.: sitios fortificados (crculos com este), ou sea, sitios com valetas¢ ater nas ‘margens das prasas cestrdas sitios com atertos(crculos com ponto), ou sca, sioseom SPsimasOes de tera de configaraeio desconhecda, mas provavelmentedo padiso dos sitios fortificados. Rots: A nomenclatura dos sitios enumerados est relacionada no Quadro 3; Morend (MT-AX-08) €0 0 11 do mapa. ISTRETURA, TSTHRIN C TRAWSEIRINAGAD > 27 ‘exmo no uso geral do territério — como, por exemplo, na localizacéo das aldeias, Jecais de atividades especiais, trilhas, pontes e portos para canoas. Assim, através desses tragos durdveis e visiveis, que implicam continuidade =m outrés aspectos menos vistveis, a seqiiéncia cultural também representa uma sradicio cultural singular: a tradicio regional xinguana. As fronteiras desta tradicio, embora mais ou menos flexiveis ao longo do tempo e néo precisamente delimitadas até 0 momento, correspondem aproximadamente aos limites da bacia xinguana. Baseando-nos principalmente em mudangas sensfveis nos padrées de aldeamento secnologia da ceriimica, em evidéncias etno-historicas e em uma seqiiéncia de dados dé radiocarbono (Quadro 1) podemos reconhecer, nessa Tradigao Xinguana, varios ‘periodos significativos de transformacio. Esses elementos fornecem a base para uma diviséo da seqiiéncia cultural em duas fases consecutivas: a fase Ipavu (c. 900-1600) Quapro 1 — DaTAGOES DE RADIOCARBONO PARA O ALTO XINGU, SEGUINDO Os S{TIOs Sitio Lab, Ne Idade ajustada por C13 (AP*) Ano Nokugu Beta-72260 180 = 60 1770 dc. Ipatse Beta-72264 190 = 60 1760 dc. Kuguhi Beta-72266 340 #50 1610 d.c. Nokugu Beta-81301 360 + 70 1590 d.C. Tehukuge Beta-72265 440 + 50 1510 4.C. Kuhikugu Beta-72262 440 70 1510 d.c. Miararré Gif-3307* 600 2 80 1350 d.C. Tuatuati GiE5365* 680 + 60 1270 4.c. Hialugihici Beta-88362 690 # 60 1260 4.C. Nokugu Beta-78979 700 + 70 12504.C. Kuhikugu Beta-72263 900 + 60 1050 d.c. Hialugihici Beta-88363 910 + 80 1040 dc. Morena Gif-3308* 920 + 90 1030 d.C. Nokugu Beta-72261 1000 = 70 950 d.C. Nokugu Beta-78978 ‘Moderno - Obs.: 1) Nao esto incluidas as séries de datas confusas de Mt-Ax-01 € 02; 2) datas Beta-Analiticas (Beta) sio reportadas aqui pela primeira vez; datas seguidas de asterisco sao reportadas em Becquelin 1993, p. 228-230; 3) a amostra Beta-78978 nao é considerada segura pois foi coletada numa profundidade de 50cm abaixo da amostra Beta-81391 (1590 d.C.) na unidade de escavagao 95 origem de contaminagio desconhecida ~ AP (Antes do Presente) é a expresso usada para a datagio de perfodos arqueoldgicos. O infcio do Presente, conforme convencionou-se, equivale ao ano 1950 d.C. As indicagées usuais a.C. € d.C. continuam também a serem utilizadas. (N. do E.) 38 @ os roves on nui aiveu rracesmaDrocanngncas Secunia henguane Tae | 1694 4750 i | ingens |1500— | 1400 Inova Iie Nigcnase (asec) ES Ficura 4, Datagées radiocarbdnicas do Alto Xingu. Obs.: 0 ntimero do laborat6rio esté entre as idades calibradas (em negrito) e as no calibradas da mesma datagio. a fase Xinguana (c. 1750-presente), separadas por uma fase transicional (fase Proto- Xinguana) (Fig. 4). Cadla uma dessas duas fases foi ainda subdivida em um estégio mais remoto e outro mais recente, para melhor explicitar mudangas sensiveis."? (RONOLOGIA XINGUVANA © Quadro 2 ilustra o raciocinio bisico para a periodizagao cronolégica. Na fase Ipavu mais antiga (c. 800-1400), havia um padrio cultural pré-histérico mais ou menos estével, marcado pelo estabelecimento de pragas circulares e pela manufatura da ceramica distintiva na érea, ambas caracteristicas de ocupagées da tradicio xinguana Fig. 5; Quadro 3). Esses grupos, ancestrais dos aruak do Alto Xingu, representam, aparentemente 0 ponto terminal a leste de uma expansio que se originow a oeste no fim do primeiro milénio .C. (c. 800-900). Esse padrao sofreu drametica mudanca por volta de 1400, documentada pelas fortificagSes encontradas em varias aldeias do periodo pré-histérico tardio. Na fase Ipavu tardia (c. 1400-1600) grandes aldeias fortificadas, descritas abaixo, dominavam a regido. A medida que os padres locais ESTRTURA, HISTORIA C TRAWSTURMAACAD G3 9 opbexy 2 vormnjnur oxSepHfosuos (O8BT-0Z8I)— ourstexe paxesntreas) dna 9 (e8uodyy punted) qurey sooipyuod sodnad sop owuaunisarede | — weg eu Tareyeq 2 FAns ‘feu sop ommouoarede | — IILAX 910998 op seuzapung sejad soprznponun sopiqiow sozoxaa a soauajora sonbexe & opraap [evora: eurarsis op ogSezrjiqeasasop epider — PSBT-OSZT metus vurnBusy asm coupasty-orord opopreg, SALNVUIIANV SOUTER SO NOD SOLVENOD ~ 0, LLT-OFLT souenSurx so wos snadoma soreiuos somaund (nome 9 pinewey sop srensaour) dma sop ou (euspi20 » pesusi0 soxajduzos) wayypaBoad onssarduros — — opsyjndodap — onupuos > oraupp srew oyeaue> ‘feuorpHoyy, elugmeury yo PeNuaD jIseig oF ogSerIp ur eIpdome oysuedxe ep o1syuL — (serurapued -x9) nadoms owsiperuojos op sorsz1put sorigj9 sionyssod soxoursd (quey) peiuartg oxajduroy op sagsednso sesaurd = — Patop19 oxajduros op seroppe sep jeuorseindod ovSvapnu = PaUEP!PO oxajduro> op svrappe sep EMINNs orSesoquia—— eigeg ep JoLa1U! ou ogsuedxa 9 yeuo‘oendod oxuswne — — (Gqenme) sepenstox peauopig oxajdwoz op ssodednoo sespound == 0SZ1-0091 0091-0071 00FT-008 pouorsrsuny, aso ‘oyequ09 ap opoysag mypine navdy aso pmioqus mand 2005 contoasty-a1d opoyiog SVOLLSPA.LOVUVO/SALNANIWAOUd SOLNAAT svivd SIVUNLIND SOdOpAd SIVIN.LIND SOG} SO CANNDAS SALNININIOW SOLNEAG - Z OWA 4.0 @ os roves po atte Kine vuadypuy vonsjod eSuasozd ep owuouajoauasop sa9ssy 9 [euorsendod onui2us95039 stoapaso steuopsendod sopsped ap oxusurtzajaqeises arufiows oursrusfipuy Jevopeindod opsersdnoas vouey onbueg op eus8ypur ogsensiurupe coypuap > os1jgnd assoumuy soreur voyonsero oxSeindodap ap ossaooid o as-aduroxinut ‘fersuaBro1> oxSeursea ap seureiBoad 2p oust Joqeise o euawstpna eorppLu eIouarstsse epeqyprouss .ruenSurx zed, (L261 ‘wanseg) owued iqeéey ‘Suodsy sompuy Sop ovdeoojaa ‘sortapsesq od openstupupe eusdypuy anbred ap ovSe1> (1961) PeuoPeN nosnpy op seoysauar soobipadxs sejad epesoqrota soo{Sojour sassarovur sop opSeaotias (6661-S561) serurapids sejed vpesnes roygnseie> jeuorsejndod epiod (c¢61-79g1) (ofmaneg “wren? ‘souroyiaure soupeorssiur Sa04¢y ‘aioaAKee {UOPUOY oxssiAtI0.) sesmnbsad sep onusume a stetiofseurynutr 9 soxraqisexq sossar20U (0661-026) (uueurourpy prurypg tiadoyy suouyong) sewroe sspSypodxo sestourtad (0261-0881) sausso3d-9661 0661-0861 0861-0561 OS6I-psst onpuen puemnSury aso ‘oorigasty opopiag (NANIZLG NIa NoA) CAVULSIOAY OLYENOO OULAWRId ~ ¥BBT — stecvarn, vistdaia CTRANStIRNAGAD ae 4 1S accentamento se tornavam mais orientados para a ocupacao permanente de sitios ectificados, a populacéo regional ia sc concentrando nesses sitios. Durante a fase Ipavu, destacaram-se dois complexos singulares de sitios: 0 ‘Complexo Oriental, que ocupou a parte sudeste do niicleo da bacia do Alto Xingu, =o Complexo Ocidental, correspondente as grandes aldeias fortificadas iden- SBicadas a oeste e norte do lago Tahununu. Esses Complexos esto mais préximos do que chamarfamos del “culeuras arqueolégicas’, pois possuem aspectos da culeura Sarerial essencialmente idénticos. Os aruak contemporineos do Alto Xingu sio os descendentes desses grupos do Complexo Ocidental, embora as duas linguas aruak siro-xinguanas (yawalapiti e wauré/mehinako) talvez remontem a uma divisio pré- bistérica do Complexo Ocidental em termos do eixo norte/sul. © Complexo Orien- sal corresponde a aldeias menores, nao-fortificadas, identificadas em torno do lago bununu, compostas aparentemente de uma ou virias estruturas circulares (algumas das quais podem ser identificadas como casas). Os aldeamentos remontam a grupos aacestrais das comunidades de lingua karib do Alto Xingu, conforme atestado pela historia oral karil Esse padrao foi rapidamente alterado pelos impactos iniciais do contato com ‘es curopeus (c. 1500-1600), cujos efeitos mais notdveis foram o despovoamento €a disrupcio dos sistemas sociopoliticos macrorregionais. Durante a fase transicional, Ficura 5. Planta do sitio pré-histérico de Nokugu (MT-PX-06). Obs.: aldeias historicamente ocupadas por grupos xinguanos durante 0 perfodo entre o final do século XVIII ¢ 1973 sio marcadas com circulos abertos, inclusive: 1) Ahangitahagii; 2) Waurd; 3) ¢ Atl. Pontinhos pretos assinalam unidades de coleta (2,0m2) positivas, ou seja, que produziram material arqueolégico de superficie. Notem-se a praca central ¢ as estradas radiais, 4.2 65 ovis v0 att niwee QuapRo 3 — Stri0s ARQUEOLOGICOS PRE-HISTORICOS E PROTO-HISTORICOS DO ALTO XINGU E PRESENGA DE OBRAS MONUMENTAIS Referéncia do sitio Nome ‘Obras monumentais on fg Mc-Fe-01* ‘Makahuku # Nao = Me-Fx-02* Ipavul ¢ Nio = Mc-Fx.03* pave I+ Nio _ MeFr-04* Ipavu IIL Nao = Me-Fx-05 Noviari + Sim 16 Me-Fx-06* Nokugu + Sim 1 Mt-Fx-07* ‘Tuatuari + Sim 13 Me-Fx-08 Miarasré # Nao = Mr-Fx-09 Yakaré * Sim 12 Me-Fx-10 Narid + Sim - Melt Kohikugu ** Sim 2 Me-Fe-12" Ipatse Nao (C. Oriental) 20 Mc Fx-13* Hialugihiet Sim 3 Mt-Fx-14* Tehukugu Nio (C. Oriental) 19 Me Fe i5* Kuguhi Nao (C. Oriental) 18 Me Bx-16" Netonuga Nio (C. Oriental) 2 MeFx-17* Heatsikugi Sim 4 McFx-18* Kagahier Sim 5 Mc-Bx-19** Sect- Nao? 6 Me-Fx-20™ Nao? 7: Mc Fx-21™* Nio? 8 Me-Fx-22** Agikwangaku Sim 9 Mt-Fx-23** Tnagu Nao? 10 Me-Fx-24** Wagihiti Sim? 4 Mc-Fx-25" Agahahiti Nao (C. Oriental) - Mt-Fx-26°* Trafununu Nao (C. Oriental) - McFx-27** Ehumba Sim? - McFx-28" Gahanguga Sim er MrEx-29"* Angaanga Sim - Me-Fx30** Meinaew Sim 15 Me-Fx-31 Waurd Sim 7 Cbeerapdes: 1) Outs fontesrelevantes: (na segunda coluna) + Simes, 1967, 1972; # Becguelin, 1083s * Sila, 1993; * Dole, 1961/1962 (Mc-Fx-12 a Mt-Fs-31 foram registrados pelo autor junta com a XIV Coordenagéo do Instituto do Patriménio Histérico e Anistico Nacional); 2) * Ident. Fade unicamente com base na tadigéo oral indigena; 3) Afirma-s a exstenca de outtos provéves ioe Br histéricos nas proximidades das aldeas contemporneas avd (ro Tuatuari anguro/kalapalo conforme ssteurutn,visténin ¢ Teansconmnacie <9 4 3 Proto-Xinguana (c. 1600-1750), a manutengéo de fortificagdes substanciais nas fas cessou ¢ muitas delas foram abandonadas pelas comunidades do Com- ‘Ocidental. Por volta de meados do século XVIII, comunidades do Complexo Qsiental migraram para algumas areas previamente ocupadas por aldeias do Com- “plexo Ocidental.\Apés c. 1600-1750, os Complexos Oriental ¢ Ocidental se fun- "Gram, formando a base de uma cultura regional multiétnica (fase Xinguana) que © continua até o nosso século. O periodo entre c. 1720-1770 foi pronunciadamente “conturbado devido as exploracbes dos bandeirantes, que adentravam 0 Brasil Cen- ‘ezal co sul da Amazénia — como conseqiiéncia da descoberta do ouro e da escravi- acto das populacdes amerfndias. E A fase Xinguana mais remota (c. 1750-1884) comegou com os encontros face 4a face entre xinguanos c luso-brasileiros, relembrados vividamente nas historias orais xinguanas (Basso, 1995; Franchetto, 1992). Essas entradas tiveram breve duragio, ¢ no século XIX (até 1884), os europeus aparentemente ndo mais estiveram na bacia do Alto Xingu.|Essa primeira fase Xinguana representa um periodo de consolidacéo cealtural, quer dizer, de fusio de diversas culturas, que deu lugar a uma cultura re- gional multigmnica/lingtiistica. O processo de integragio social e aculturagio no sistema ‘cxltural xinguano tem raizes pré-histéricas, conforme indicado tanto pela aproxi- macio geogréfica quanto pela interagio entre os Complexos Oriental ¢ Ocidental {€ 1500-1750), ¢ continuou ao longo das fases subseqiientes ~ Proto-Xinguana e Kinguana. A fase Xinguana recente (1884-presente) se define pela chegada da ‘expedicdo etnolégica alemé liderada por Karl von den Steinen, o qual documentou um sistema cultural regional relativamente estavel, essencialmente idéntico (grosso modo) a0 que existe hoje (Steinen, 1886, 1894). PRIMEIRAS OCUPACOES ‘As primeiras ocupagées da bacia do Alto Xingu de que se tem noticia se iniciaram por volta de 800-900 d.C. As datas radiocarbénicas provenientes de camadas iniciais da estratigrafia cultural intacta (terna preta) feitas em trés sitios do alto Xingu —Nokugu (1000 + 70 AP), Kuhikugu (900 + 60 AP) e Hialugihitt (910 + 80 AP) — documentam uma ocupagéo quase simultinea no fim do primeiro milénio A.C. Em seqiiéncia cronolégica correta referente as escavagées desses sitios, datas radiocarbénicas demonstram que a terra preta consiste em depésitos acumulativos formados durante séculos de ocupacdes continuas (ou quase continuas). Em cada caso, a ocupagio inicial representa aparentemente o estabelecimento de uma aldeia circular, com uma praca mais ou menos “limpa” de artefatos e de terra preta e um anel de dreas domésticas a0 seu redor ~ indicada pelos depésitos estratificados de

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