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Fanos Trffao, Hatymood Holywood 1936 Blas Conn ‘Almagem Tempe Coens Giles Beewre ALinguagen Cinentoyifin Marl Maran (9 Veo dor Ans: Bresae, any Ered eens ‘anemalorcs Jean Clade Berard Colegio Pimeias Passos orca O gue Cinema Jean Clade Bernard 0 gue Rouge {Gadis Aap Kura Oe t Tero Fetando Fes Colegio Encanto Radia! ites Orneimento de am cinema Sealer Hick Omens do medo Inds Aru ANDRE BAZIN O CINEMA ENSAIOS Traut: Eloisa de Araijo Riboiro Introdut: Iemail Xavier editora brasiliense Copsright © by Ls Eons Cr, 2985. ‘halo orginal: ute gus ica Copyright © da radu baer tor Brains S.A, "Nenana pai dete pba pode er grea rasan es tral reproduida por eos mecios ou ours guar ‘sem atonaao preted ator (SBN. as-an22009x Prince, 181 Indica edition Cia Beraret Preparao de orgonat Ila lrdonBarboxa Rev: Vina Arata fri Bron Cape: Elcabeh ae Ferra (Os capitals 1 XK foram tadides por Hugo Serio Fence para publica na colin “A Expennca do Cina (Gra Embafine 1983) Aaraecemos a ton Pat Tra cesio ‘dos or de rac A taduore agradece tui da Cinematece do Museu de Arte ‘Mosema do Rio de anit, ue colaborou gentinente na ‘espe de alos Eros dor Ran da Comoe, 2597 ‘ats Sie Paco 3 Fone (O11) 8813056" Fes 881-9980 "ae: 33271 DBLM BR |MPRESSO NO BRASIL SUMARIO. Introdugho, Ismail Xavier ‘Advertncia Pretacio 7 a . Ontolgia da imagem Fotograics 1. © mito do cinema total 7 IIL, O cinema ea exploragae IV, 0 mundo do sitncio V.'M, Hulot 0 tempo + VI. Mantagem proibida VIL. A evolupto da linguagem cinematograica “Vill, Por um cinema impuro — Defesa da adapiaclo, TX. O Journal d'un curd de campagne e a esilisica ‘de Robert Bresson 7 7 X. Teatro e cinema Xi, O caso Pagnol Xi Pintura e enema XIE, Un filme bergsoniana: Le mpstove Picasso XIV. Alemanha ano zero XV. Les dermiores vacances XVL_ © western ou 0 cinema americano por exeiénia XVII, Evolugio do western s.. XVIIL Um western exemplar: Sete homens se destino XIX. Amargem de "0 erotism no cinema” 2XX. 0 realsmo cinematografic e a escola italiana da Tiberapa0 zl XXI, La terra tema n 2 2 o se 2 1s S13 196 m v8 187 191 199 219 23 2s8 -Xxi xin, XXIV. XXY, XXVI XVI anne azn Ladrdes de bicicleta De Sica ditetor Uma grande obra: Umberto D CCabiria, ou a viagem aos confns do neo-eaismo Defesa de Rossen. om Europa $1 Indice de filmes citados mm 29s 08 318 a 4 fungdo do ertico nde € reer numa hander de prt uma verdade ue existe, mas profongar 0 maximo possive, Ine imtelisenciae na sensilidade dow que ‘0 lbem, impacto da obra de arte” INTRODUCKO Ismail Xavier Em Nick's movie — Lighoning over water (1980), Wim We- ders presta homenagem a Nicholas Ray: de comum aeordo com ‘© cineasta, registra 0 cotdiano deste amigo doente, a quem resta ppouco tempo de vida. Logo de inicio, o ime revela a sua re 8 pat do inustedo da stuagd0, ndo nos incomoda a patente fencenagto presente a0 longo das sequncias: filma-se ¢ monta-se ‘como numa fiesdo eo esquema denuncia, sem remorso, o crater ‘derepetigio pars a etmara” de muita passagens, Mat nem tudo {t¥o caro; 4 poucos se instala uma ambiplidade que nos des fia — encenagdo? espontancidade? —¢ setimos a forca deste laboratrio que te um fim proximo: Nicholas Ray vai morte. [As imagens na tla realgam como pouias 0 eso, 0 sentido de pre Senga pretéita (“isso fi") ave indicia @ morte quando olhamos & reprodusio mecinia, este mesmo peso temstizado por Roland Barthes, em cdmara clara, retomando, em outra che, os temas dda Piedade eda Morte na fotograia, muito caros a André Bazin, Sem dvida, ha este efeco em Nick's movie, mas estamos. 00 nema (no na foto) € Nicholas Ray se move, existe, persiste duragdo, xo do tempo, como nos lems jin, indie de morte, preservacdo de uma dnd ‘vat of dols efits se tencionam dentro de certo equilibrio tas ha, pert do final de Nick's movie, um climax que inviabiliza ‘qualquer residuo contemplativo face ao passado em que Wenders ‘Ray viveram a experinci. O din-adia se faz drama, se condensa ‘nesta intensidade, se presetfica de modo mas peng: estamos fo quarto do hospital, Nicholas Ray esté sentado junto 4 sua ‘cama e conversa com Wenders aris da cdmara; ele sentedores, pasta mal ea conversa flea muito tensa pois te fem 2 impressto| ‘de que tudo pode se precipitar a qualquer instante. Nicholas Ray . ANDRE BAZIN pede para ele dizer “sorta” ao fotdgrafo,ndo agienta mais a situa 0; Wenders replica "diga voc’ para vortar” e, enguanto dura fstedidlogo para desir quem comands este momento que ¢ vida (Gus expensura esta na ameaca)e reptesentapdo (a cdmara sla @ acordo), somes colocados diane de uma passagem extraordindria 4o cinema. Ray acaba por dizer “corta (Seu titimo gesto de dte- tor) e desaparece do flme que teri ovtra sequéncia. Ele morreu alguns dias depois desta cena” que tem suscitado muita discus S26 pelo aspecto moral de uma filmagem no limite da morte (no filme, a morte se afigura possvel ali, diante de nd). resente nesta discuss, uma problemética tipicamente baza- siana: a da presenga da morte (© mesmo vale para 0 $ex0) no nema. A profana;ao de um instante que deveria sr nied, 0 horizonte de obscenidade da duplicaedo mecinica da experiencia individual ieredutivel posta em sere, exibida em sessbescorrdas ( jogo ft feito ao longo dos dias mas Wenders e Ray entenderan haver um limite para a experiencia de esto consentido e, mesmo ssticando a corda alem do que muitos gostaram, o interdito da torte ae fez valere esta “cena’” do hospital raza (ona, drama tia, tudo o que de mate fund ext a implicado, Quando se asste fo filme de Wenders ese procuraassimular o impacto da cena", vem a experiéncia deta da forga deste residue, deste rastto 40 ‘eal na imagem cinematogratica. Ese constata a vigéncia de ques- tes que decadas de andise do discurso e disecapbes da imagem ‘no ciminaram de nossa pautatebica,deixando patente 0 retorno ‘de formulagies de um dos matores critcos do cinema: 8 feigho peculiar do mundo na tela, © poder da imagem cinematografica ‘de preservat a autentcidade da durasao, tum instante vivid. Percorer a principal colegio dos textos de An- Are Bazin & explorar estas e outras questOes repensar nossa rea so com o cinema ausiliads por quem nos ofereceu uma fflexto tba eparéncia simples mas de amplitude extraordinaria. ‘Em termor de cinema ¢ fotografia, podemos concordar com ‘Bazin, escrever contra ele, emprestar algumas nogdes © i fechagar outas, Impossvel ignori-lo. De Christian Metz a ‘al Bonitzer, de Roland Barthes @ Gilles Deleuze, a teoria do nema e © pensamento da imagem tém dialogado com este eri- fico notivel que nos anos 40 e 80, proferindo paletras em cine- lubes e escrevendo artigos em revisas, ent elas a catolica Esprit ¢08 Cahiers du Cinéma (que ajudou a crar em 1981), com ‘dunis a andlse do filme a sim ovtTo patamar- Sem nunca ter ‘scrito um tratado, uma suma de stu pensamento, ele, de fato, nos legou uma teora, uma coneepeio da historia do cinema, rnerRoDUCAO ° uma estilitica capaz de dizer muito bem porque Orson Welles © Jean Renoir sto especiais entre os maioreseineastas "Ensista de mio hela, Bazin expos suas ideas partido quase sempre de questdessusctadas por um Filme, um eineasta ob Um conjunto de obras. Pensamento em aio, alihavou nogdes,juzos, sem nunea perder o toque daintervengdo pessoa, sempre em cou {ato direto com a atualidade, atento ao novo que exige umn iner- pretee 20 dado da tradigao que solicita novo exame, uma Inver: Ho de sentido face a novas ccunstncias. Diante do impacto de ‘Cidadeo Kane e do cinema norteamericano que © fim da Il Guerra tornou dsponiveis no mercado europet, dante da revo flo gerada pelo neo-ealsmo italiano, for Basin quem (rouse Imai rca formulagto erica capaz de eslarecero significado das transformastes enti em endamento, numa caso que, no desdo ‘bramento, mostrouse uma teria do cinema moderno (ver "A ev0- Iugdo da linguagem sinematogrica” ea série de artigos sobre o ‘ncoelisma na parte final deste lvro). Diane da tradgto tesrica ‘das vanguardas de 1920 e da formulacao classca de André Mal: aux em 1940 (a arte do cinema omega com a decupagem da cena), foi Bazin quem subverteu de forma radical» questto da montagem ‘do “espeifico flmico™, superando lugares-comuns sobre a rel _gbes nite o cinema € 0 teatro, criando um novo referencia de Bapel decisivo na formagdo dos jovens que, em 1989, idevaram a Nowvele Vague (ver "Montagem proibida", “Por um cinema Impuro — defesa da adapiagi0" e “Teatro e cinema") ‘0 plsaera francés fol extemamenteproficuo em critica € tcoria cinematogrfics. Havia o novo clima ciado pela liberagdo, havia um pensamento mareado pela nogto de compromiso, enga Jamento e 0 eistencialismo, em suas variadas acepcoes (arte, Merleau-Ponty, Emmanuel Mourier), defiia um horizonte de reflexdo que atinga todas as esferas, ado cinema em especial. A ‘uerra tomnara mals patente a importincia da nova tenia ‘no Imundo contemporinco; desde os anos 30, a traetria politica da Europe definira uma “‘batalha das imagens”, mostrara a fore os veiclos de comunicagao no engendramento de uma redrica fexercda sem teéguas na vida cotdiana. Na Pranga e-na Ili ‘quela conjuntura de vitéria sobre o fascism ¢ de reconstrugto ‘do mundo dentro de uma nova ordem encontrou expresio nina ‘andlise da cultura conduzida nos teros do humanismo renovado, No cinema, a confianga no homem como sueto da histriaperada pela liberacdo produz um interregno de reconiiagao intelectual ¢ {mocional com 2 modernizayi0, dando ensejo a um estilo de refle- ‘eto como o de Bazin. Nel se articulam fe religiosa © humanismo ANDRE BAZIN Wenico a conceber a producto industrial da imagem como uma romessa de conhecimeno, um “star em casa” no planeta, uma ex ploraca iuminadora dos Searedos do mundo. Tal humanismo te. nico fem algo da fe democratic, da concepgaoidealizada da cin a como gesto de-amor a natureza e propia, digamos, um ‘romento feliz em que a cinefiia te vive, sem sontratempos, como finort vida, atengho ao mundo, Através dele, oexprto de missho {e Bazin pode se deslocat da apirada vida de professor — dado ‘que Balizou sua formagdo — para o terteno dt cities mlitante, toda la um Tormidive clio a0 cinema sonoro, a0 avango das, 'eenica da reproduedo como materialzacdo de sonhes da humani- dade (ver "O mito do cinema total”, “O cinema ea exploracao"). ‘Nao por aca, a queso central desa critea € a da "voc co realista” do cinema, nao propriamente como veiculao de {uma visto corretae feshada do mundo, mas como forma de olhar ‘que desconfia da retérica (montagem) e da argumentagao exces ‘va, buscando a vor dos proprios fendmenose stuagdes. Realism, fentdo, como producto de imagom que deve se inclinar dante da ‘experitcia, assimilar 0 impreviso, suportar a ambigiidade, o fspesto multifocal dos dramas. Tal produgao de imagem requer tum exo, implies numa escola. A forma deste realise tem seus procedimentos-chave, Eses mesos que os construtores do cinema ‘ioderno (Renoir, Welles, Wyler, Rossellini estavam, a0 ver de Dazin,afirmando, par da diversidade de cicunstansias e “men sagend"': 0 "plano seqiénca” (apresentagdo da cena sem corte, numa Gnia tomada), or movimentos de cma, 0 uso da profun- ‘idade do campo vsivel (idimensionalidade), 0 respeito 4 dura- ‘so continua dos fos, & minimizagao dos efeitos de montagem. Talia de “iat ao em ane pub vik "montagem do cinema cisco, traduzo ideal da “'eompreen- Slo" tavintana: antes dese uleado © mundo exis, est em process; hd uma rigueza das coisas em sua inerioridade que fleve ser observada, insstentemente, até que se exprese, Pal lanro, ¢ preciso que o olnar nao fragmente © mundo € saiba ‘obserilo de forma global, na sua durasao, pedendo entao alan fara intuigdo mais funda do que de esseacal cada fendmeno ou ‘Vivenciatraz dentro des Ha, sem dvida, a mattiz berasoniana neste deal, um pouco 4 reveia de Bergson na adesa0 a0 mundo mecdnico da tenia. “Tal atengio a durde resulta do papel centel do Tlosofo rancés na formagao do crtco, presen vital anterior & letura dos textos 4e Serie sobre @imaginagao €o imaginétio, anterior mesmo 80 ‘onto de Bazin com Emmanuel Mounier (um dos fundadores ITRODUCAD, u da Esprit) no final dos anos 30, quando 0 enta0 estudante teve vivo interese pelo Personalismo de que Mounier, um dos tebrios {do existenciliemo catlico francés, era 0 porta-voz. Com sua pro- Fiseto de fe no cinema, Bazin tradi um movimento de reconcia- ‘so do pensament religioso com o mundo moderno e pode obser- Var a tela sem a moldara moralista de desconfianga i imagem ¢ ho que nela € apego 4 esfera da carne. Ha mesmo um interese pela natureea que lembra o cienista apaixonado pela empiri, thas the serescnta uma fenomenologia da ambiguidade, uma hhoedo de facetas dq mundo a resgatar que faz da Gencla um canal de intimidade com os meandros da Criacdo (a ponto de, em cr- fica don? 2 dos Cahiers le lembrar que € preciso ler em iigrana ‘hevidencia da graza, pois "0s signos de\Deus no sto sempre sobrenaturais). “Tal confianga na imagem cinematogrifica, Bazin a parttha ‘com os primeiros tebrios do cinema — Louis Delluc, Jean Eps fein — com a resalva de uma opeto realist, estranha ao iderio fa vanguarda dos anos 20, que deixa Bazin mais em paz com o ‘cinema industrial, Tal eonfianga era um tragorecorrente na forts- Sima tradigdo tedrica francesa, ae que 05 anos 6 vissem abalé- la'ao alterr or termos do pensar 0 cinema e a politic. Na pri- imeira metade do seul, era comum neseatradigao ideniicar © ‘nema com wm sopro de autenicidade na cultura, reeusa de ate ficio. Tal postara marcou a recepea0 dos erticos franceses a Hollywood cus géneros mais populares foram saudados como um vento de juventude, simplicidade, inimidade com a naurera (o western, tudo o que se afigurava como 0 Outro da Europa). Por esta via, a producto industrial se lgtimou, consolidando sua posigdo cenral na cineilia parisiense, dado que, nas revista de Sinema, afastou as formulagoes mas apocaliticasTace a cultura ‘de massa e Hollywood (ate 1968). Se no pos-puera a alternativa ‘eorealista € exaltada, ito na0 Implica, para Bazin, no rechago ‘outros modos de produgaor seu movimento &derespeito fara individual, fegdespacticolares @pertinénca a um sistema de pro- co, cuja simples exten psicoldgiea nao poderia explicate sequer ondenar, Se dominio estendese, pois, da moral (as Fbulas de {ia Fontaine) 20 mais alto simbolismo religioso, passando por todas as zonas da magia € da poesia, ‘© antropomortismo nto €, portato, condendvel @ priori Independent do nivel em que se situa, Devemos inflizmente adi tir que, no caso de Jean Tourane, ele €0 mais baixo. A um 36 tempo o mas falsocientificamente ¢ 0 menos Wansposto esteica- mente, se eles inclina, sobretudo, 8 indulgéacia, na medida em ‘que sua importancia quanitativa permite uma estopenda explora {0 das possblidades do antropomorfismo em comparacao com {eda montagem. O cinema vem, com efit, multplear as intet- pretagoes esttias da fotografia por aquelas que surgem da apro- samazao dos planos. ‘Pos € importante notar que 03 animais de Tourane nto sto ‘destrador, mas apenas domesticados, e nao ealizam praticamente hnada do que ot vemos fazer (quando parece que 0 Ta2om, houve flgum trugue: mio fora do quadro dirigindo © animal ou patas falsas animadas como marionetes). Todo engenho e talento de ‘Tourane consist em fazé-los permanecer mais ou menos imovels| ‘na posgao em que foram colocados durante afilmayem; o cen Fio ao fedora fantasia, 0 comentario }é bastam para conferit postuta do animal um sentido humano Que a ihsa0 da montagem ‘em entao dar preciso e ampliar de modo tao consderavel que, por vere, o erin quase que totalmente. Toda ura hstria€ assim arquitetada, com mumerosos personagens com relagdes compexas (tao compleess, ais, que 0 roteiro fica multas vezes contuso), dolados de diferentes caracersicas, sem que of protagonstas tenham feito outra coisa que permanecer quictos no campo da mera. A ago aparente ¢o sentido que Ihe damos pratiamente ‘nunca preexstiram a0 filme, sequer na forme parcelar dos frag mentos de eena que consticuem tradicionalmente os plano. digo mss, nessas cicunstancias era:nio apenas suficiente mas necessria fazer esse filme “de montagem”. Com efeito, ‘0 bichos de Tourane fossem animals espertos (a exemplo’ do ‘eachorro Rintintin,capazes de realizar poradestamento a mai ria das agdes que a montager ie credit, o sentido do filme seria Fadicalmente deslocado, Nosso interest reaiia entdo sobre as proezas e ndo sobre a hstria. Em outras paavras, ele pasa fo imagindrio ao real, do prazer pela feea0 & admiragdo de um rimero de music-hal bem executado. Ea montagem, criadora abstata de sentido, que mantém o espeticulo em sua irealidade ‘em O boldo vermelho, eu constato ¢ vou demonstrat que le nao deve endo pode dever nada a montagem, O que nio deixa fe ser paradoxal, visto que 0 roomorfismo conferido 20 objeto ainda mais imagndrio do que 0 antropomortismo dos bichos. O baldo vermetho de Lamorise, com efito,realiza realmente diate das cameras os movimentos que o vemos realza, Tata, €Sbvio, de um trugue, mas que nto deve nada ao cinema enguanto tl. A iusto, aqui, surge como na prestdigitagio da realidade. Ela ¢ com ‘rea € no resulta dos protongamentos victuals da montagem, ‘Que importincia tem iss, dio, se 0 resultado & 0 mesmo: fazer com que acteitemos que hé um balao na tla capar de seguir seu dono como um cachorrinho! Mas éjustamente porque nna montagem o balto magico so existria na tela, quando 0 de Lamorisse nos temet & realidad CConvém. talvez, abrir um paréaese a fim de observar que a _énaturezaabsiata da montagem naa € absoluta, pelo menes pico Topicamente. Do mesmo modo que os primeros espectadores do inematografo Lumiere reevavam som a chepada do tm na eta ‘Ho da Ciotat, # montager, em sua ingenuidade orignal, no & Dercebida como anificio, © haito com o cinema sensibilizou ‘ouco a pouco o especiadr, «grande parte do publico seria hoje fapaz, se The pedisemos para presiar um pouco de ateneto, de sistinguir as cenas “reais” das sugeridas unicamente pela monta ‘em, Everdade que outros procediments, tis como a tansparén a ia, permite mostrar, no mesmo plano, dais elementos, por exem- ‘lo, o tigre ea vedete, cujacontiguidade apresentaria na realidade flguns problemas, iusto € ai mais perfeta, mas pode ser desco- teria e, em todo caso, o importante nlo € que o traque seja ou ‘io invisivel, mas que haja Ow nso truque, do mesmo modo que 4 belera de um falso Vermeer nao poderia prevalecer conta sia ‘nautentiidade ‘Objetarho que os baldes de Lamorsse sto, no entanto, truce os. 180 € Obvio, pols se no o fonsem estaiamos em presenca ‘de um documentirio sobre um milagre ou sobre 0 faquirsmo, © © filme seri bem difeente. Ora, O buildo vermeiho & um conto ‘inematogrifico, uma pur invensSo da mente, mas o que importa ‘Erque etn histGria deva tudo 20 cinema, justamente porgue 20 ‘ssencial ela nada Ihe eve bem ponivel imaginar O haldo vermelho como ui 1 Ierdvio. Mas, por mais bem escrito que se poss imagiar,o iva ‘io cheearia aos pés do filme, pois o charme deste & de outra nat teza, No entanto, a mesma historia, por mais bem filmada que fosse, poderia nko ter mais realidade na tela do que no lvro; seria na hipbtese de Lamorisse decidir recorter As lusdes da montagem (ou eventualmente da transparéncia). O filme se traneformarin entio num relato em imagens (como o conto seria em palaveat) a0 més de ser 0 que &, val dizer, a imagem de um conto ou, se Dreferizem, um documentito imaginaro, [Ess expresso me parece ser em defiiivo a que melhor define © propésito de Lamorsse, proximo e no entanto diferente do de ‘Cocteau quando realiza, com Le sang d'un pode, um documents- rio sobre a imaginasdo (ais, sobre o sonho). Encontramo-nos, portanto, embrenhads, pela reflexto, numa série de paradoxos. ‘\ montagem, que tantas vezes¢tida como a esénca do cinema, ¢, nessa conjuntura, 0 procedimento literirio eant-cinematogri- Fico por exceléncia. A especiticidade cinematogrifica, apreendida pelo menos uma vez em estado puro, reside, ao contrat, 10 ero respeito fotogratico da unidade do espaco. : "Mas € prevso aprofundar a andlise, pois poderemos observa, som razlo, que se O baldo vermelho nto deve extencialmente | pada 8 montagem, cle recorre a ela aidentalmente. Pois, afinal |e contas, se Lamorisse gastou 500.000 francos com bales verme- Ths, foi para nao faltar substitutes. Do mesmo modo, Crin blanc «ra duplamente mite a qu, de fat, varios cavalos com o mesmo aspecto, embora mais ou menos sevagens, compunham a tela lum nico cavalo, Essa consiatagto vai nos permite chegar mais Derto de wma lei esencial da enlistica do filme. Considerar os filmes de Lamerisse como obras de pura fce80 seria tra-os, como também, por exemple, Le rdeau cramotl. A ‘redibilidade dels std certamentsligada a su valor documenta, 0s acontecimentos que ees repesentam sto parsaimente veda deiros. Para Crin blanc, a paisagem de Camargue, vida dos cri ores e dos pescadores, os costumes das manadas,constituem & bate da fabula, 0 ponto de apoio slide e irrefutdvel do mito orém, sobre exearealidade fundamentam-sejustamente uma di lética do imaginiro, cujo interessante simbolo é a duplicacdo de Chin bane. Assim, Crin blanc ¢ mm x6 tempo 0 verdadeiro cavalo que pasta nos campos slgados de Camargue, ¢ 0 animal de sonho que nada ctenamente em companhia do menino Foleo Sua realdade cinematozriica ndo podera dispensar a realidade documentéria, mas era preciso, para que ela se tornasse verdade de nossa imaginasto, que se destruissee renascesse a propria re Tidade A realizao do filme exigiu com certeza vias provzas. O saroto excolhide por Lamorisse munca tha se aprosimado de lum cavalo. Foi preciso, entretanto, Ihe ensinar a moatar em peo. Mais de uina cena, dente as mais espetaculars, foram rodadas quase sem truguese, em todo caso, a despeito de cetos perigos. , no entanto, basta pensar nels para compreender que seo que a tela mostra ¢ express tvese que ser verdade, realizado efetiy ‘mente diate da camera, o filme dbsara de existir, pois dexaria ‘no mesmo insiante de serum mito. a parte de trague, a margem de subterfglo necessiria& ldgica do relao que permite ao imagi- niciointegrar a um sb tempo a reaidade e substitula. Se hou- weve apenas um cavalo sevagem submetide penosamente as xi ‘Encias da fimagem, o filme ria apenas uma faganha, um himero de adestramento, como o cavalo branco de Tom Mix podemor ver 0 qv ele perderia com iso. O que € preciso, para a Plenitude estética do empreendimento, € que possamos acreditar ia realidade dos acontecimentos,sobendo que ve trata de true. caro que o espectador nao precisa saber que hava ts ou qua- tro cavalos® ou que era preciso puxar o focinho do animal com tum fio de ndilon para que vrasie a cabeca de modo adequado, ( importante que possamos dizer, a0 mesmo tempo, que a maté- fia-prima do filme € autnica e que, no entanto, “& cinema”. ‘Assim, a tela reproduz o fluxa e reflux de nossa imaginas30, que ‘senutre da realidade qual ela projeta se substitu a Tabula nasce da experitncia que ela transeende, Mas, reciprocamente, ¢ preciso que o imaginéro tenha na tla ‘a densdade expacia do real. A montagem s6 pode ser ulizad {dentro de limites precios, sob pena de atentarcoatra a peépria ‘Ontologa da fabula cinemaiogrifica. Por exemplo, ndo € permi {ido 0 realizado excamotear, com o campo/eontra-sampo, dif culdade de mostrar dois aspecios simultineos de uma a0. Fei o| ‘gue Altert Lamorsse compreendeu perfetamente na seqiéncia ‘da caga ao coelho, em que vemos sempre simultaneamente, no ‘campo, 0 eaalo, 0 menino ¢ 0 coelho, mas ele quase comete um ferro.na seqiéncia da captura de Crin bane, quando 0 menino & frrasiado pelo cavalo galopando. Pouco importa que © animal ‘que vemos naquele momento, de longe, arrastar © peaueno Foleo — sejao falso Crin blanc, tampouco que para essa opera lo arricade © proprio Lamorise tenha substtuido 0 g8"010, fas me incomoda que no final da sequénca, quando o animal ‘vai mais devagare par, a cimera nlo me mosireirrefutavelmente ‘a proximidadefsia do cavalo e da cranga. Uma panoramica ou im be.» capes do aa gue pete & red ese um reveling pra tris poderia feo. fsa simples precaugto teria astentead rerospestvamene odor os pasos anttes, coat td plans scion de Fle do alo cao: {eado uma dieldade que no entatosetorou beni agus ‘momento do eps, vm omer abla Mer xpacal da no’ « ANDRE BAZIN ‘Senos esforcarmos agora para defini a difeuldade, me parece ‘que poderiamos estabelecer em lei estética 0 seguinte principio “Quando o essencal de um acontecimento depende de uma pre- senga simuanea de dois ou mais fatores da ago, 4 montagem fica proibida”. Ela retoma seus direitos a cadaver que 0 sentido

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