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Es F| F Ep OWT Cite eve t a cultural na BITE t art v7 Eyed TUTE) (ol ae] ‘ae all the quent ality soc S, Math D. Held eT. Mew, Marty and te aes dente coral pe Sear all tag se Sane DEGAS Stu arr Hat A IDENTIDADE CULTURAL NA POS=MODERNIDADE Traducéio: Tomaz Tadeu da Silva Guacira Lopes Louro 112 edigao 12 reimpresséio DPEA editors © Blackwell Publisher Ps MARI © da tradusio: De Paulo Editora BSA RIO Trés concey do. mudanca na modernidade tardia, © que esté em jogo na questo dos identidades? O texto deste lv fi adapta ao Aeordo Ortoritico Ada Lingua Portugues, aesnad em 1990, que comes ‘ignrarem Ide janeiro de 2009, 2. NASCIMENTO E MORTE Proibida reproduc, total on pari wlquee bo sustito MODERNG, 23 i proces ogritico, grifieo, Descenirando o sujeito, tmieroflmagem et. Estnspribigies aplieam-e também Iscaracterstica gress low eitrias. A violagio dos Aireitosantoraisé pune com eriane(Cign Penal, COMUNIDADES IMAGINADAS, 47 fav. 184e 88; Lei 6895/0), com busca aprernsioe Narrando a nagéo: uma comunidade indenizages diversas (Le 9610/98 ~Le cls Direitos imaginada. Desconstruindo a "cultura ars, 122 123, 124 126). nacional’: identidade e diferenco. sca reprogratie 3. AS CULTURAS NACIONAIS COMO Antora 4. Giopauizacho, 67 Compressiio espaco-fompo e identidede. tim diregdo a0 pés-modeino globel? Diritos reservadoe 3 DP&AEDITORA 5. O ctosat, 0 Locat ua Santo Aimar, 129 Santa Teresa E © RETORNO DA EINIA, 7 2211-230 — Rio de Janeino~ RJ - BRASIL The Rest in the West. fa 21)282.1768 ‘A dialética das identidades. Enderego eletrdnico: dpatdpa.com.br a Geetha DIASPORA E HIBRIDISMO 9T REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS, 99 2011 1 A IDENTIDADE EM QUESTAO tando 0 individuo moderno, até aqui visto mo um ado, assim chamada de ide € vista como parte de um proceso mais amplo de mudanga, que esti deslocando as estruturas e processos das sociedades modernas e abalando os qua- dros de r na modernidade tardia e av: uma “erise de essa crise e em que dir livro se volta para tendemos dizer Que acon modernas precipitaram essa crise? ras ela toma? Quais sio suas consequéneias potenciais? A primeira parte do livro (caps. 7 A ornmionoe CULTURAL NA POS-MODEEMIOADE 1.2) ida com mudangas nos eoneeitos de id tidade e de sujeito, A segunda parte (caps. 3-6) desenvolve esse argumento com relacao a identidades culturais — aqueles aspectos de nossas identidades que surgem de nosso “pertencimento” a eulturas étnicas, raciais, linguisticas, religiosas e, acima de tudo, na- Bate livro 6 «cio hasieamen rrito a partir de uma posi mpatica a afirmagio de que jidades modernas esto sendo “deseen- ocadas ou fragmentadas. u propésito é 0 de explorar esta afirmacio, ver 0 que ela implica, qualified-la e discutir suas provéveis consequéncias. Ao desenvolver 0 argumento, introduzg cer~ tas complexidades e examino alguns aspectos ea nocio de “descentracii em sua forma mais simplificada, desconsidera. Conseq te, as formulagées deste livro sio provisérias e abertas A opiniao dentro da comunidade estd ainda profundamente dividida quanto a to-com oq masiadamente complexo. muito poue: desenvolvido e muito pouco compreendido na cigneia social contemporinea para ser defi- nitivamente posto & prova. Como ocorre com muitos outros fendmenos soe ipossivel A oeamoane em Questho ofereeer afirmagées conclusivas ou fazer jul- gamentos seguros sobre as alegagies ¢ propo- +s tedricas que esto sendo apresentadas. ter isso em mente ao se ler o restante les/as tedricos/as que acr dita trando em colapso, © argumento se de volve da seguinte forma. Um tipo diferente de mudanca estrutural esté transformando as as no final do séeulo XX. sociedades mode _ Isso esti fragmentando as paisagens culturais, de classe, género, sexualidade, etnia, raga e sujeitos integrados. Esta perda de um “sentido de si” estavel é chamada, algumas vezes, de deslocamento ou deseentragio do sujeito. Esse cultural quanto de si me Serise de identidade” para o o cultural Kobena Meree inte se torna quando esta em crise, quando algo que supae como fixo, covrente ¢ estével é deslo- cadlo pela experigneia da divida e da incer- teza” (Mercer, 1990, p. 43). A JDENTIOADE £84 QUESTAO. Esses processos de mudanga, tomados em conjunto, rep transformagio Ui gente que somos compelidos a prépria modernidade que esta sendo transformada, Este livro acrescenta uma nova mensio a esse argumento: a afirmagao de {que naquilo que é deserito, algumas ve: nosso mundo pés-moderno, nds somos “pés" relativamente a qualquer 6on cepedo essencialista ou fixa de identidade ~ algo que, desde o Huminismo, se supe ¢ © proprio niieleo ou esséncia de nosso ser © Fundamentar nossa existéncia como sujeitos x. A fin de explorar essa afirmacio, 1 primeiramente as definigdes de ‘eo carater da mudanga na moder~ nidade tardia ‘Trés concepgoes de identidade Para os propésitos desta exposigio. di Linguirei tré concepedes muito diferentes identidade, a saber, as eoncepgdes de iden dade d a) sujeito do Lhuminismo, 1) sujeito socioligico & ©) sujeito ps-moderno. {0 sujeito do Huminismo estava baseado ‘numa coneepedo da pessoa humana como um individuo totalmente centrado, unificado, do- 10 é ‘uma pessoa. Direi mais sobre isto em seguida, mas pode-se ver que essa tito “ lista” do sujeito e de sua identidade (na verdadle, a iden- tidade dele: ja q ito do Ta usualmente deserite como maseul A nogio de suj Jago com “out soas importantes para ele ito os valores, que mediavam tidos ¢ simbolos 1. Cooley e os interac simbélicos sio as figuras-chave que claboraram esta eoneepeao “int dda identidade e do eu. De acordo com e visio, que se tornou a concepedo sociobigie clissica da questio, a identidade interagio” entre o en ea soc ainda tem um nieleo ou ess Eo “eureal”, um didloge cor dade. O sujeito este é formado e modi -ado 10 com os mundos cul rais “exteriores” e as identidades que esses mundos of Aidentidade, nessa concepeiio sociols- ica, preenche o espago entre 0 “interior” € 0 “exterior” entre o mundo pessoal e © piiblico. O fato de que projetamos a “nés pré- prios” nessas identidades eulturais, ao mesmo tempo que internalizamos seus significados & valores, tornando-os “parte de bui para alinhar nossos sentimentos subjeti- vos com os lugares objetivos que ocupamos no mundo social e cultural. A identidade, entio, costura (on, para usar uma metifora médica, “sutura”) 0 sujeito a estrutura. Estabiliza les habitam, tornando ambos recipre mente mais unifieados e predizi ‘Argumenta-se, entretanto, que sdo exata- Osujeito, previ identidade unifieada eestivel, esta se tornando fragmentado; composto nao de uma tiniea, mas de varias identidades, algumas ditérias ou no resolvidas. Corresponden- temente, as identidades, que compunham as paisagens sociais “li fora” e que asseguravam nossa conformidade subjetiva com as “neces dades” objetivas da cultura, esto entrando ¢ colapso, como resultado de mudangas estru- turais ¢ institucionais. O préprio pro identificacdo, através do qual nos projetamos ‘20s contr: 2 _Aermoace om Questia ‘em nossas identiday mais provis6rio, variavel e - Esse process produz o sujeito pos-mo- derno, conceptualizado como nio tendo wma identidade fixa, essencial ou permanente. A identidade torna-se uma “celebraao mével” formada e transformada continuamen rrelagiio as formas pelas quais somos represen tados ou interpelados nos sistemas culturais qu Hall, 1987). E definida his- torieamente, ¢ nao biologieam 1nés ha identi rando em diferentes ag was. Se sentimos que temos mnificada desde o naseimento, esto sendo conti- confortadora warrativa do eu” (veja Hall, 1990). A ider fieada, completa, segura e coer ‘uma fantasia Ai medida em que os sistemas Jo e representagio cultural se somos confrontados por uma multiplie multiplicidade desconcertante e cambiante de identidades possiveis, quais poderiamos nos identificar ~ a0 menos te. temporariam« 13 ‘AtosnnonDe CULTURA na rs-MODERNIOADE Deve-se ter em mente que as trés concep- hes de sujeito malguma medida, Simplificagies. No desenvolvimento do arg into, elas se tornario mais complexas ¢ qua- lificadas. Nao obstante, elas se prest pontos de apoio para desenvolver 0 argu central deste livro. © cardter da mudanca na modernidade tardia ‘Um outro aspecto desta questo da iden- tidadeesté relacionado ao carater da mudanca na modernidade tardia; em particular, a0 processo de mudanga conheeido como “glo balizagio” e seu impacto sobre a identidade cultural. Em esséneia, 0 angumento 6 que a mu- danca na modernidade tardia tem um caré- ter muito especifico. Como Marx disse sobre amodernidade ‘Todas as rel ‘ongeladas, com se -formadas envelhovem antes de podterem ossif- arse, Tuo que & sido te desmancha no ar (Marx e Engels, 1973, p. 70) 4 A 1oenionne EM QUESTAO jedades modernas so, portanto, io, sociedades de nente, Esta éa principal «ladles “tradicionais janga cons rao eos simbalos so valorizados porque con rerpetuam a experiéncia de geragies. A tradigio & um mei 1 com @ tempo € 0 espago, inserindo qualquer atividade ou expe- ticular na continuidade do passado, e futuro, 08 quais, por sua vex, so festruturados por préticas sociais recorrentes (Giddens, 1990, pp. 37-8), A modernidade, em contraste, nao é definida apenas como a experiéneia de con wdanga rapida, abrangente continua, mas é uma forma altamente refle- xiva de vida, na qual: das. reformadas aquelas pr alterando, (ibid. ta, em particular, © ritmo o aleance da mudanga ~ “i medida em que 15 ‘Arorimoane CXTURAL NA R:MODEMONDE reas diferentes do globo sao postas em inter formagio social atinge superficie da te tuigies mode altimas 0 paragio com as s ras, ondas de tran: ente toda a so radi (por ‘exemplo, 0 estado-nagio 0 aimereamtl aio de pros uma enganosa continuidade com as for ante os eo trabalho assalariado), jores (pi plo, a cidade diferentes. Mai formagées do tempo e do espag chama de “desalojamento do sistema s —a“extraciia” das relagdes sociais dos cont tos loc ongo de esealas indefinidas de espaco- importantes so as tran » que ele ” is de interagio e sua reestruturagao a0 (ibid, p. 21). Veremos todos esses temas mais adiante. tanto, 0 ponto geral que gosta- rin de enfatizar é 0 das descontinuidades 16 Osmodos de vida coloeados en nidade nos livraram, de wma forma bastante ta, de todos ost social, Tanto em extensio, Ur i 1s tradicionais de ordem + envolvidas na moder das transformag dade, dace sio mais profundasdo qn smudancas earacte res: No plano da extensio, elas serviram ps estabelecer formas de interconexio social que i i “Brnest Lacla (1990) usa 0 cone A IDENTIOADE em QUESTAD_ cobrem o globo; em alteraram algumas das earacte epestonis de nossa exi 1990, p. 2) (Cid David Harvey fala da mod como implicando nao apenas “um rompim to impiedoso com toda e qualquer condigao precedente”, mas como “caracterizada por um pprocesso sem-fim de rupturas e fragmentag internas no seu préprio interior” (1989, p. 12) to de “deslo- ‘camento”, Uma estrat eujo centro ¢ deslocado, niio sendo substitui- do por outro, mas por “uma pluralidade de entros de poder”, As sociedades modernas, fargumenta Laelau, ndo tm nenhum centro, pio articulador ou organizador oe niio se desenvolvem de acordo com 0 to de uma tiniea “e A sociedade nao é, como os socidlogos p ram muitas vezes, um todo unilicado e bem ‘a totalidade, produzindo-se ‘a deslocada 6 aqu de si mesma, como o desenvolvi flor a partir de seu bulbo. Ela esta constante- “descentrada” ou deslocada por e tardia, siio caracterizadas pela “dife- was por diferentes v7 ALNDENMOADE CULTURAL NA POS-MOBEENIDADE divisdes antagonismos sociai em uma variedade de diferentes sujeito” duos. Se t totalniente no é porque elas so unificadas, 1us diferentes elementos e iden- tidades podem, sob unstineias, ser conjuintamente au io é sempre parcial: a estrutura dat dade permanece aberta, Laclau, Esta ¢ uma concepgio de identidade muito diferente ¢ muito mais perturbadora e pro do que as duas anteriores. Entre~ tanto, argumenta Laelau, isso nado deveria nos desencorajar: o deslocamento tem caracteris- tieas positivas. Ele desarticula as identidades estaveis do pasado, mas também abre a pos- sibilidade de novas ar de novas identidades, a pros sujeitos e o que ele chama de daestrutura em torno de pontos nodais parti eulares de articulagio” (Laclau, 1990, p. 40). Giddens, Harvey e Laclau oferes turas um tanto difers danga do mundo pés-moderno, mas suas énfa ses na descontinuidade, ruptura eno deslocamento contém uma linha comum, Devemos ter isso em mente quando discutirmos o impacto da mudanga contempo- nea conhecida como “globalizagio™. jculagies: a eriagao A toenmioape em auestAo © que esta em jogo na questéo das identidades? Até aqui os argu tante abstratos. Para como eles se ap edo que esta “ de vias politicas da frags ‘glo” de identidades. fencaminhow a tum juiz negro de visdes polit ras. No julgamento de Bush, o 08 (que podia tum juz negro) ps mas porque ele era eonscrvador em termos da logislacio de igualdade de direitos, ¢ os elit lo 0 jogo das identidad Durante as “audié As andi@neias causa Dlico e polar mum esedndale pie aram a sociedade americana, ” ‘A oeNmDADE CULTURAL MA POs-MODENADADE Alguns negros apoiaram Thomas, baseados nna questo da raga; outros se opuseram a cle, tomando come base a questao sexual. As mulheres negras estavam divididas, depen- dendo de qual identidade prevalecia: sua identidade como negra ou sua identidade como mulher. Os homens negros também estavam divididos, dependendo de qual fator prevalecia: seu sexismo ou seu liberalismo. ‘05 homens brancos estavam divididos, depen- dendo, nio apenas de sua politica, mas da forma como eles sei respeito ao racismo e ao sexismo. As mulheres con vadoras brancas apoiavam Thomas, nao ape nas com base em sua inclinagao politica, mas também por causa de sua oposicao ao fer nismo, As feministas braneas, que freque temente tinham posighes mais progressistas nna questao da raga, se opunham a Thomas tendo como base a questo sexual. B, wma vex que o juiz Thomas era um membro da judiciaria © Anita Hill, na época do al gado incidente, uma funcionéria subalterna, festavam er jogo, nesses argumentos, tami questées de elaste social. ‘A questo da eulpa out da inocéneia do juiz Thomas nio esté em discussio aqui o que 1 em discussao ¢ o “jogo de identidades” © suas consequséneias politieas. Consideremos 0s seguintes elementos: 20 Arorrroace 4 questio Asidentidades eram contraditérias. las se eruzavam ou se “desloeavam” mutua- atuavam tanto fora, na sociedad, atravessando grupos politi- ‘cos estabelecidos, quanto “dentro” da ‘eabeca de cada individuo. Nenhuma identidade singulay ‘exemplo, de classe social — pod odlas as diferentes identidades com um “identidade mestra” tnica, abrange nna qual se pudesse, de forma segura, ba ‘sear uma politiea. As pessoas nao identi- ficam mais seus interesses sociais excli- sivamente em termos de elas no pode servir como um dispo discursive ou uma eategoria mobilizado- ra através da qual todos 08 variados in- teresses e todas as variadas i das pessoas possam ser reco! entadas. De forma crescente, as paisagens politi- eas do mundo W0 so fraturadas dessa forma por identificagées rivais ¢ deslocantes — da erosio da = por classe © da tidades, pertencentes & nova base p Titica definida pelos novos movin sociais: o feminismo, as lutas negra: 2 (Mereer, 1990). + Uma ver que a identidade muda de acor- tos de libertagao nacional mucle é pelado ou 1ado, a identificagio nao é automatiea, mas pode ser ganha- se politizada, ds veres, descrito como ma mudanca de uma po- idade (de classe) para uma constituindo ica de ide politica de diferenca. Posso agora esquematizar, de forma breve, o restante do livro. Em primeito ly ‘you examinar, de uma forma um pouc profunda, como 0 conceito de iden mndou: do conceito ligado ao sujeito do Thu. minismo para o conceito sociologico e, depois, para o do sujeito “pés-moderno™. Em seguida, olivro explorara aquele aspecto da identidade ‘cultural moderna que é formado através do pertencimento a uma cultura nacional e como bs processos de mudanga—uma mudanga que tfetna um deslocamento —compreendidos no conceito de“globalizagio” estao afetando isso. 2 2 NASCIMENTO E MORTE DO SUJEITO MODERNO. yraneos, das pr pela qual 0 suje ar os est rsio particular do 10 humano” ~ com certas eapacidades humanas fixas ¢ um sentimento estével de sua propria identidade e lugar na ordem das coisas ~ emergiu pela primeira vez na idade ‘moderna; como ele se tornou “centrado”, nos discursos e priticas que moldar: dades modernas; como adquiriu nigio mais sociolégiea ou i ele esta sendo “des tardia. 0 foco principal deste eap ceitual, centrando-se em concepedes mutan- tes do sujeito humano, vist afi discursiva, cuja forma unificada ¢ identidade racional eram pressupostas tanto pelos dis- cursos do pensamento moderno quanto pelos processos q idernidade, sendo-Ihes dos qquais un modernidade 23. wsidentidades: das e eoerentes dificil. A ideia de que namente unific we agora se tornaram totalmente deslocadas é uma forma, altamente simplista de contar a histéria do sujeito moderno, Eu a adoto aqu 1¢ tem o propésito exclusivo de uma exposigao conveniente. Mesmo aqueles que subscrevem inteiramente a nocZo de um descentramento da identidade tariam nessa forma simplificada. Deve-se ter essa qualifieagio em mente ao ler este capi: tulo. Entretanto, esta formulacio simples tem itar (no breve es- paco deste live) eshogar um quadro aproxi- mado de como, de acordo com os proponentes da visio do descentramento, a coneeptualiza- ‘cao do sujeito moderno mudou em trés pontos estratégicos, durante a modernidade. Essas mudangas sub de que as conceptualizagées do sujeito madam. , portanto, tém uma historia, Uma vez que o sujeito moderno et ticular (seu “nascimento”) e tem ria, segue-se que ele também pode mudar ©, de fato, sob e4 ‘mesmo cont E agora um lugar-comum dizer que a época moderna fez surg a ce decisiva de individualismo, no centro da dispositivo uma forma nm 24 cooenal se uma nova concepeio do sujeito Ie sua identidade, Isto nio signifien que nos tempos pré-mode fram individuos mas que a individualidade fra tanto “vivida" quanto “conceptualizada” dle forma = ciadas A modernidad ram o indivi- duo de seus apoios esti has estruturas, Antes se acreditaya que essas fram divina uyjeitas, por te estabelecidas; nao estavam nto, a mudancas fi Ostatus, a classificagiio © a posi pessoa na “grande cadeia do ser o das coisas ~ predominavam o de que a _ do“ individuo soberano Renasceniista do séeulo XVI ¢ 0 Th do século XVIIL, rey uma entidade qu no seu proprio interior ¢ dida além disso: por outro lado, é tum ula ms, 1976: pp. 133-3 25 [roeosoe cuLuta nA MS HoDSERDADE pensamento ena cultura ocidentais contribu ram para ae a Reforma e ‘a conseiéncia iosas da Lereja ea expuss ihos de Deus; o Humanismo Renaseent {que colocou o Homem (sic) no centro do uni- Verso: as revolugées cientifieas, queconferiram ‘a0 Homem a faculdade ¢ as capacidades para nvestigar e decifrar os mistérios da agem eo Thuminisio,eentrado nai do Homem racional, cientifico, libertado do dlogma e da intoleréncia, ¢ dante do qual se ‘cetendia a totalidade da historia humana, para ser compreendida e dominada. Grande parte da historia da filosofia oci- dental consiste de rellexdes ou refinamentos dessa concepsio do sujeito, seus poderes e suas ceapacidades. U ede. ‘essa concepeio sua fo ‘ fildsofo frances René Descartes (1596-1650). ‘Algumas vezes visto como o “pai da Filosofia moderna”, Deseartes foi um matemiticn¢ ien- tista, o fundador da geometria analitica © da foi profundamente influenciado pela neia’ do século XVIT. Fle foi atingido pela profunda diivida que se seguin ao desloca- mento de Deus do centro do tle que 0 sujeito moderno “nasceu” no mei dda dhivida e do ceticismo metafisica nos faz Jembear que ele nunca foi estabelecido e uni- mulagao prima 6 "de ordem de Descartes: “Penso, logo exist [Nascimento € motte B0 suieTo MODERNO ficado come essa forma de deserevé-lo parece sugerir (veja Forester, 1987). Descartes av tou as contas com Deus ao torné-lo o Pri Movimentado :daiem diante, rramente em termos meednicos e matematicos. Descartes postulon duas substa distintas ~ a substincia espacial (matéria) « 4 substncia pensante (mente). Ele refoca- aquele matéria” que te fos seus elementos essenciais & quantidade minima de elementos e, em tiltima anélise, mentos irredutiveis. No centro da “mente” ele colo individual, ido por sua capacidade para r har e pensar. “Cogito, ergo sum” era a palavra {énfase minha). Desde entao, esta concepe do sujeito racional, pensante ¢ conseiente, situado no centro do conhecimento, tem sido ‘conhecida como o “sujeito es Outea contribuigao critica foi feita por John Locke, o qual, em seu Ensaio sobre a compreenstio humana, defi ‘em termos da “mesmid (sameness) de wn ‘uma identidade que permanecia a mesma ¢ que era continua com ‘sou sujeito: “ jdade da pessoa aleanga a 27 [Aroenonoe crue na ns-hoDemeDADe exata extensiio em que sua consciéneia pode ir para tras, para qualquer ago ou pensamento pasado” (Locke, 1967, pp. 212-213). Bsta figura (ou dispositive viduo soberano” ~ est dos processos e praticas centrais que fizeram ‘mundo moderno. Ele (sic) era o “sujeito” da modernidade em dois sentidos: @ origem ou ‘ujeito” da razio, do conhecimento e da pra- ticas eaquele que sofria as consequéncias des- sas praticas ~ aquele que estava “sujeitado” a Clas (veja Foucault, 1986 ¢ também Penguin Dictionary of Sociology: verbete “subject”) ‘Algumas pessoas tém questionado se 0 capitalismo realmente exigin uma concepgio ide individuo soberano desse tipo (Abererom- bie et alli, 1986). Entretanto, aemergéneia ‘uma concepeae mais individualista do sujeito Gamplamente aceita, Raymond Williams sin- tetizou essa imersio do sujeito moderno nas priticas e discursos da modernidade na se- seinte passagem: Acmergéneia de nogies de individualidade, 00 entido moderno, pode ser relacionada ocolaps0 Aaordem social, econdmieaereligiosa medieval 1 howve No movi sno geral contra o fe ‘uma nova énfase naexistencia pessoal facia ¢ além de sew Taga ¢ sua faneho a bafase gia sociedade hierérquiea. Houve ‘imilar, no Protestantismo, na relagdo direta © 28 [Nascimento & MORTE 00 suuETO MoDERNO individual do homem com Dew, em op cesta relagio mediada pela Igreja. Mas foi 6 a0 final do séeulo XVI e no séewlo XVIU qu novo modo de a na Ligica e na Matemi tica, postulow individ como a entidade maior (cf. as “mdnadas" de Leibnia), « partir da qual ‘outras categorias especialmente categoria u tivas) eran derivadas. O pensamento politico do principalmente este modelo. 0 ary rento comesava 6 individuos, que tinham uinaexistencia priméia einicial.Asleis ‘eas formas de sociedade exam deles devivadas: or submissio, como em Hobbes: por conteato yento, ot pela nova verso da Tei natural, no pensamente liberal. Na eo lissiea, 0 eoméreio era deserito através de um par separados caleulavam as com daquela agdo que ees poderiam empreender (Williams, 1976, pp.135-6) Ainda era possivel, no séeulo XVII, ima- ginar 05 grandes proeessos da vida moderna ‘como estando centrados no individuo “sujeito dda rardo”, Mas i medida em que as sociedades ‘modlernas se tornavam mais complexas, elas fadquiriam uma forma mais coletiva e s ‘AoenngA0e cULTUEAL NA Pos-MODERIEDADE das nos direitos e consentimento individuais, foram obrigudas a dax conta das estruturas do cestado-nagzo e das grandes massas que fazem ‘uma democracia moderna..As leis eléssieas da economia politica, da propriedade, do con- trato ¢ da troca tinham de atuar, depois da industrializagio, entre as grandes formagies ide classe do capitalismo moderno. O empre~ endedor individual da Riqueza das agoes de ‘Adam Smith ou mesmo d°O capital de Marx foi transformado nos conglomerados empresariais da economia moderna. O cidadio individual tornou-se enredado nas maquinarias burocra- teas ¢ administrativas do estado moderno Emergiu, entao, uma concepcie mais social do sujeito. 0 individuo passou visto como mais localizado © “definide” no jnterior dessas grandes estruturas e forma- aes sustentadoras da soci Dois importantes eventos articular um conjunto mais amplo de funda nentos conceptuais para o sujeito moderno. O primero foi a biologia darwiniana. O sujeito humano foi *biologizado”—a razio tinha wma tase na Natureza ¢ a mente um “fundamento™ no desenvolvimento fisieo do eérebro humano. (0 segundo evento foi o surgimento das novas ciéneias sociais. Entretanto, as transfor tages que isso pos em agao foram desiguais +O “individuo soberano™, com as suas (dele) vontades, necessidades, desejos & 30 Nascar © NORTE BO UENO mCRERC interesses, permaneeeu a figura central tanto nos drcursos da economia mode nna quanto nos da lei moderna. 0 dualismo tipieo do pensamento car- tevnmo fois izaddo na divis das cigneias sociais entre a psicologi as outras disciplinas. O estudo do indivi- duo ede seus procesoe mentais torna -se 0 objeto de estudo especial e privile- giado da psicologia : ° tanto, fornece uma critica do “individualismo racional” do sujeito eartesiano, izon o indivi duo em processos de grupo © nas ‘argumentava. ticipagiio pla processos e as estruturas dos pelos papé jo sustenta c os individuos neles mnalizae ‘essa “externa Tizagiio” do lo social (como disen cconstituem a dese ico soviologic ‘Aroornoabe Como foi observado acima, G. H. Mead cos interacionistas ‘uma visio radicalments processo, A integragdo do indi Sociedade tinha sido uma preocupac de longa data da sociologia. Tedricos ‘como Goffman estavam profundamente ‘atentos ao modo come o “eu” € apreser tado em diferentes situagoes soc ‘como os conflitos entre estes diferentes Tnais macrossoctoligieo, Parsons {etd o “juste” on complementarida- cate eo sstena social. No guns ertcon sega ‘tcilogia convenciona mantivers algo dloduaisme se Descartes, expecialmen- problema ads conta a para Tite modelo sciold lor em geande part, mnetade do sto XX, a ‘emumem sua forma disciplinar Fntretanto, exatamente no var mas perturbalo © pertarbader ooujito eda went mand 8 Stnociado como surgiment do Med 32 a ‘ontramos, aqui, a figura do indi- ‘viduo isolado, exilado ow alienado, colocado contra o pano de fundo da maltidio ou da me- trdpole anénima e impessoal. Exemplos disso incluem a famosa descrigio do poeta Baude- aire em “Pintor da vida moderna”, que er- gue sua casa “no eoragao tinico da multidao, fei meio uo ir e vir dos movimentos, em meio ao Fugidio ¢ ao infinito” e que “se torna um finico corpo com a multidio”, entra na mul- tido “como se fosse um imenso reservatério de energia elétriea”; 0 laneur (ou o vagabun- do), que vagueia entre as novas arcadas das lojas, observando passageiro espetaculo da metropole, que Walter Benjamin celebrow no seu ensaio sobre a Paris de Baudelaire, ¢ cuja contrapartida na modernidade tardia é, pro- vavelmente, o turista (ef. Urry, 1990); “K", a na, confrontado por uma buro- eracia sem rosto, na novela de Kafka, O Pro- ras alienadas da literatura e da critica social do séeulo XX visavam representar a experién: lar da modernidade. Varias dessas “instancias exemplares da modernidade”, como as chama sby, povoam as paginas dos principais teé- ricos sociais da virada do séeulo, como George Simmel, Alfred Schutz e Siegfried Kracauer (todos os quais tentaram capturar as caract risticas essenciais da modernidade em ensaios famosos, tais como The Stranger ou Outsider) 33 Arocosoecuuen WA rs-MoDEaNND (veja Frisby, 1985, p.109), Estas imagens mos- traram-se proféticas do que i sujeito cartesiano e ao sujeito socielogico na modernidade tardia. Descentrando o si Aquelas pessoas que sustentam que as identidades modernas esto sendo fragmenta- das argumentam que o que aconteceu & con cepgio do sujeito moderno, nan dad tardia, no foi simplesmente sua desagregagao, mas seu deslocamento. Flas deserevem esse deslocamento através de uma série de ruptu- ras nos diseursos do conheeimento moderno. Nesta secio, farei um rapido eshogo de cinco ‘grandes avangos na teoria social e nas eiéncias humanas ocorridos no pensamento, no periodo da modernidade tardia (a segunda metade do século XX), ou que sobre ele tiveram seu princi- pal impacto, ecujo maior efeito, argumenta-se, ojo descentramento final do sujeito eartesiano. A primeira descentragio importante refere-se as tradigdes do pensamento mar- ista. Os escritos de Marx pertencem, natt- ralmente, ao séeulo XIX ¢ no ao séeulo XX. tum dos modos pelos quais seu trabalho foi redescoberto ¢ reinterpretado na década de sessenta foi a luz da sua afirmagio de que (os “homens (sic) fazem a histéria, mas apenas sob as condigées que Ihes sao dadas”. Seus 34 novos intérpretes leram isso no sentido de {que os individuos nao poderiam de nenhuma forma ser os “autores” ow os agentes da his- 6ria, uma vez que eles podiam agir apenas ‘com base em condigies hist6rieas criadas por outros e sob as quais eles nasceram, utili- zando os recursos materiais e de cultura que Ihes foram fornecidos por geragées anteriores. les argumentavam que © mar: corretamente entendido, deslocara quala nogio de agéncia individual. O estruturalista ‘marxista Louis Althusser (1918-1989) (ver Penguin Dictionary of Sociology: verbete Althusser”) afirmou que, ao colocar as re ges sociais (modos de producao, exploragio da forga de trabalho, os eireuitos do capital) ¢ nao uma nogio abstrata de homem no centro de seu sistema tedrico, Marx deslocou duas proposigses-chave da filosofia moderna: + que hi uma esséncia universal de homems + que essa esséncia € 0 atributo de “eada individuo singular”, o qual é seu sujeito real: Esses dis posta so complementarese indis- solves. Mas sua exis em toda uma perspectiva de “ilealists, Ao rejitar a esénein do homem como sua base teriea, Mar reeiton todo esse sistem “orginico depostlados. Eleexpulson aseategorias filoséticas do sujeto do empirismo, da esséncia 35 |ALIOENTIDADE CULTURAL WA POS-MODERNIDADE ‘deal, de os odominiose - nau deforma suprema. Nao apenas da economia politica (ewjeigao do mito do homo ecomomicus, isto €, do individuo, com fuculdlades e necessida- des definidas, como sendo o sujeito da ceonomia lissiea; no apenas da histria;..nio apenas da “tica (eweigdo da idea ica kantiana); mas tam- ‘ém da prépiafilosofia (Althusser, 1966, p. 228), Essa “revolucio tedrica total” foi, & 6 vio, fortemente contestada por muitos tesricos humanistas que dio maior peso, na explicagao hist igéncia humana. Nao precisamos discutir aqui se Althusser estava total ow par- cialmente certo, ow inteiramente errado, O fato 6 que, embora seu trabalho tenha sido ampl ‘mente eritieado, seu “anti-humanismo tedrico” (isto 6, um modo de pensar oposto as teorias que derivam seu raciocinio de alguma nogao de cesséncia universal de Homem, alojada em cada sujeito individual) teve um impacto eonsideravel sobre muitos ramos do pensamento moderno. 0 segundo dos grandes “

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