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030172017 © DEBATE TEORICO E METODOLOGICO NO CAMPO DA HISTORIA E SUA IMPORTANCIA PARA A PESQUISAEDUCACIONAL Esta ¢ a versdo em html do arquivo http://www.histedbr.fe.unicamp br/acer_histedbr/seminario/seminario4/trabalhos/sessab01 rtf G 00g Le cria automaticamente versdes em texto de documentos a medida que vasculha a web. ‘Anais do IV Seminario Nacional ‘O DEBATE TEORICO E METODOLOGICO NO CAMPO DA HISTORIA E SUA IMPORTANCIA PARA A PESQUISA EDUCACIONAL[1] Dermeval Saviani2]} Num encontro de Histéria da Educagio, comegar pela propria Histéria no parece coisa va; ainda que, como veremos mais adiante, no debate em curso atualmente ela mesma, a Histéria, vem sendo posta em questo. Acredito, porém, que, até para nos introduzirmos de forma apropriada nesse debate, entendendo o grau, o sentido e 0 contexto em que a Historia vem sendo questionada, importa o resgate histérico do problema. Em visdo retrospectiva é possivel constatar que a Histéria s6 se ps como um problema para 0 homem, isto é s emergiu como algo que necessitava ser compreendido ¢ explicado, a partir da época moderna. A razio disso ¢ relativamente simples. Enquanto os homens garantiam a propria existéncia no Ambito de condigdes dominantemente naturais, relacionando-se com a natureza através da categoria da “providéncia”, o que implicava 0 entendimento de que o meio natural thes fornecia os elementos basicos de subsisténcia os quais eram apropriados em estado bruto exigindo, quando muito, processos rudimentares de transformagao que, por isso mesmo, resultavam em formas de vida social estiveis sintonizadas com uma visio ciclica do tempo, nao se punha a necessidade de se compreender a razio, o sentido e a finalidade das transformagdes que se processam no tempo, isto é, nao se colocava o problema da histéria. ‘A ruptura com as formas de vida acima apontadas que prevaleceram até a Idade Média dé origem & época modema. Nesta, as condigdes de producdo da existéncia humana passam a ser dominantemente sociais, isto é, produzidas pelos préprios homens. A natureza passa, assim, a ser entendida como matéria prima das transformagdes que os homens operam no tempo. E a visio do tempo deixa de ser ciclica, caracterizando-se agora por uma linha progressiva que se projeta para a frente, ligando o passado ao futuro por meio do presente. Surge ai a questo de se compreender a causa, o significado e a directo das iransformagdes. A Historia emerge, pois, como um problema ndo apenas pritico, mas também teérico. O homem, além de um ser histérico, busca agora apropriar-se da sua historicidade. Além de fazer historia, aspira a se tomnar consciente dessa sua identidade, Nesse contexto, todo um conjunto de reflexdes sobre a Historia vai se desenvolver a partir do século XVII que atingirdo a sua maxima expresso teérica no século XIX nas obras de Hegel e Marx e, numa outra vertente, desembocando na corrente positivista derivada de Comte, Sobre a base dessas reflexes foi possivel imprimir cardter cientifico (no sentido que essa palavra adquiriu na modemidade) aos estudos histéricos. Eis porque se péde afirmar que “até por volta de 1850, a histéria continuou a ser, para os historiadores e para 0 piblico, um género literdrio” (Langlois ¢ Seignobos). Talvez esse cardter de género literdrio, isto ¢, a consideragao da Histéria como narrativa, seja uma das razies da larga e longa predominincia do positivismo na produgio historiografica. Com efeito, mais do que a exigéncia de cientificidade, a diretriz positivista de descrigdo fiel dos fatos esté em consondncia com a visio jd arraigada no senso comum, da Historia como narrativa, ai entendida como descri¢ao dos fatos, isto é dos acontecimentos passados (do latim “factus” = feito). Formulando de outra maneira a mesma hipétese, dir-se-ia que o que se entende como predomindncia do positivismo nao se configuraria exatamente como tal, mas se trataria, antes, da persisténcia da Historia como narrativa, continuando a tradi¢Zo que remonta & antigiiidade e incorporando, a partir do século passado, procedimentos formais derivados do método cientifico no processo de levantamento e organizagio das fontes e na sistematizacdo e exposicao das informagdes. E nesse Ambito que se faria sentir a incidéncia do positivismo, antes que na concepgdo de Historia ¢ na instituigo de uma cigneia da Hist6ria. Essa hipétese ganha ainda maior consisténcia quando se consideram as reiteradas observagdes atinentes & pouca familiaridade dos historiadores com 0 trato da teoria, com a reflexdo filoséfica e a epistemologia da cigncia. Ciro Flamarion Cardoso (1997, p. 4) ao se referir & pretenso dos historiadores de esetever uma historia cientifica ¢ racional, afirma que, no entanto, isto raramente se pratica com tigor, “mesmo porque muitos historiadores carecem de uma formagio que a tanto os habilite”. E mais adiante, no mesmo texto (p.11) 0 mesmo autor, abordando agora as tentativas de utilizagdo da ciéncia contemporanea, hipsiwebcache goosleuserconlent con search?9=cache:9kmOISMiQu www hited feunicampixtacer_hsledrisemineriaiseminerio@rabalhessess... 15 030172017 © DEBATE TEORICO E METODOLOGICO NO CAMPO DA HISTORIA E SUA IMPORTANCIA PARA A PESQUISAEDUCACIONAL ‘em especial a teoria quantica, para se contrapor as nogdes de causalidade, objetividade cientifica, determinagdo ou realismo, afirma que isto, porém, foi feito de uma forma que evidencia as deficiéneias de informages, “em especial da parte dos historiadores, vitimas as vezes de sua falta de preparo cientifico € filoséfico, que os faz embarcar nas canoas que Ihes parecam ir no sentido por eles pretendido, sem verificar se estio ou ndo furadas: com efeito, é freqiiente que esgrimam argumentos envelhecidos, além de conhecidos sé de segunda mio”, ssa mesma dificuldade é explicitada também por Francisco Falcon (p.97) ao tratar do “territério” histérico denominado de “Histéria das Idéias” quando conclui que “as relagdes geralmente mantidas pelos historiadores com as ‘idéias’ sio no minimo precérias”. E aponta, entre os fatores explicativos dessa precariedade, os seguintes: 1) A manifesta indiferenga de muitos historiadores em matéria de questdes conceituais, tidas como abstrages filoséficas complicadas ou initeis; 2) _O habito generalizado entre os historiadores de admitir “a priori” a transparéncia de significado das categorias utilizadas que sio remetidas com naturalidade ora ao senso comum ora a contextos tedricos especificos, sem nenhum senso eritico. Efetivamente, os historiadores, de um modo geral, nao tém se ocupado, com a desejivel acuidade, das questdes epistemologicas da historia. As excegGes ficam por conta de Alexandru Xenopol, Principios fundamentais da historia (1899); Paul Lacombe, Da histéria considerada como ciéncia (1893); Henri-Irinée Marrou, Do conhecimento historico (1954); Paul Weyne, Como se escreve a histéria (1971). Em verdade, a produgio nessa area tem sido dominada pelos filésofos e, excepcionalmente, por filésofos-historiadores como é 0 caso de Benedetto Croce, Teoria e historia da historiografia (1912) e A histéria como pensamento e como agéio (1939). Apés a reac anti-racionalista ocorrida na virada do século XIX para o século XX, representada, por exemplo, pelas obras de Dilthey e de Spengler, organiza-se, na década de 20 deste século o movimento que se traduziu na “Escola dos Annales” enquanto busca de superagdo dos limites da historiografia tradicional de fundo positivista até entio dominante. Nas suas duas primeiras fases que se estendem até 1969, com a aposentadoria de Fernand Braudel, esse movimento se pautou pela busca de construgo racional de uma histéria totalizante. A partir dos anos 70 dé-se uma inflexdo com a adogdo de pressupostos estruturalistas oriundos da filosofia, da lingiiistica e da etnologia que desembocara na autodenominada “Nova Histéria” a qual se converteu no piv6 do atual debate tedrico € metodolégico no campo da Histéria a0 se contrapor & historiografia que vinha sendo praticada seja na perspectiva tradicional qual se atribuia a influéncia positivista, seja na perspectiva critica de orientago marxista ou tributdria da Escola dos Annales das fases lideradas por Lucien Febvre e Mare Bloch e, depois, por Fernand Braudel. Na visio de Ciro Flamarion Cardoso (1997, pp. 1-23), o embate atual se trava entre dois paradigmas que ele denomina de “iluminista” o primeiro e “pés-modemo” o segundo. Como foi acenado no inicio desta conferéncia, a propria historia vem sendo objeto de questionamento neste momento quando se toma corrente a afirmagio da impossibilidade do surgimento de novas teorias globais o que inviabiliza “tanto a hist6ria que os homens fazem, se se pretende perceber nela algum sentido, quanto a histéria que os historiadores escrevem entendida como uma explicagao global do social em seu movimento e em suas estruturagdes”. Para Flamarion Cardoso, “a melhor resposta a tal desafio seria, é claro, produzir uma teoria holistica do social que, escapando a parte fundamentada das eriticas feitas 4s teorias disponiveis, desse conta das sociedades de hoje — 0 que a qualificaria também para o entendimento das sociedades passadas”. Ele se pergunta, ento, por que isto ndo ocorreu ainda, e avanga a seguinte resposta: arece-me que, nesse particular, as ciéneias sociais, entre elas a histéria, esto numa situagdo anéloga das ciéncias naturais por volta de 1890. Naquela época, haviam-se jé acumulado criticas numerosas ¢ irrespondiveis as teorias vinculadas a uma visdo newtoniana do universo. Mas s6 a partir de 1900, com a teoria quintica e depois a relatividade, um novo paradigma comegaria a esbogar-se. Os iltimos anos do século XIX caracterizaram-se, entdo, por um mal-estar teGrico e epistemolégico entre os cientistas naturais, similar ao dos cientistas sociais da atualidade: com 0 agravante, para estes iiltimos, de que as teorias disponiveis caducaram sobretudo porque proprio objeto central — as sociedades humanas contempordneas — mudou muito intrinsecamente, Ou melhor, 0 que nos leva ao cere do problema: ainda est’ mudando radicalmente, mas em um proceso que, se jé revela alguns de scus aspectos e potencialidades, longe esta de haver chegado ao fim e portanto de manifestar todas as suas conseqiiéncias” (p.13). Estamos, pois, numa fase de transig&o em que novas condigées ja esto se configurando mas ainda nfo amadureceram o suficiente para permitir a formulagdo © sistematizagdo da teoria adequada para compreendé-las © explicé-las. Essa circunstincia favorece as concepgdes de dissolugdo da histéria em miltiplas histérias e 0 abandono das explicagées de amplo alcance, que passam a ser taxadas como invidveis ¢ sem sentido, aspectos esses que tupdweteach qogleuer cone com sear ?g-cachek imCISAAQJnw fisted fesnicanprlacey_sledbiseminarioteminarioMtrbahostess.... 2S co0W2017 _O DEBATE TEORICO E METODOLOGICO NO CAMPO DAMISTORIAE SUA MPORTANCIA PARA A PESQUISA EDUCACIONAL integram o chamado “paradigma pos-modemo”. Por outro lado, a revalorizagdo da histéria como narrativa sugere um retomo aos idos de 1850 quando a Histéria era entendida pelos historiadores assim como pelo piblico de um modo geral, como um género literario, conforme afirmagao de Seignobos ¢ Langlois na obra “Introdugo aos Estudos Historicos”, publicada em 1897. Quanto ao “paradigma pés-moderno”, apds apresentar as suas prineipais caracteristicas, Ciro Flamarion Cardoso faz 0 inventirio das principais criticas que, a seu ver, devem ser dirigidas a essa tendéncia: 1) O antisracionalismo tipico dessa corrente se acompanha, por vezes, de certo desleixo teérico & metodolégico e, o que é especialmente grave no caso de historiadores, até mesmo no que diz respeito A critica das fontes. 2) Os pds-modernos costumam ser mais apodicticos ¢ retéricos do que argumentativos, langando mao de afirmagdes apresentadas como se fossem axiométicas auto-evidentes, ndo sendo entZo demonstradas — como se bastasse dizer “eu acho”, “eu quero”, “minha posigio €...”, no se preocupando, também, com a refutagdo detalhada ¢ rigorosa das posigdes contrarias, 3) Ha paradoxos e aporias insolaveis em muitas das posigdes pos-modemas. Exemplos: a) na defesa da “desconstrugao”, sendo os pontos de partida a negago de um sujeito agente ¢ de qualquer relago referencial entre discurso e realidade, por que o discurso da desconstrugao seria mais aceitavel, teria maior autoridade do que qualquer outro dos discursos ¢ escritas, no jogo dos significantes que se multiplicam até 0 infinito? b) e como conciliar a negagdo do sujeito e do homem com um método hermenéutico relativista que, na prética, descamba para o subjetivismo? 4) Poder-se-ia invocar também, contra muitos membros da corrente atual, 0 fato de cairem no velho “fagam 0 que cu digo, nao o que cu fago”. A denincia da ciéncia ¢ do racionalismo como terrorismos a servigo do poder esta longe de significar que os pés-modernos, uma vez encastelados em posigdo de poder, sejam mais tolerantes na pritica, devido ao relativismo que em tese pregam, do que aqueles que criticam e combatem. Essa contraposi¢ao apresentada por Ciro Flamarion Cardoso entre os paradigmas “iluminista” e “pés- modemno”, alias, j4 proposta por ele em 1991 no I Seminério deste Grupo de Pesquisas quando proferiu conferéncia sob o titulo “Paradigmas Rivais na Historiografia Atual” (CARDOSO, 1994), no deixa de ser instigante, Entretanto, ¢ forgoso reconhecer que implica uma esquematizaciio um tanto simplificadora jé que coloca sob uma mesma rubrica correntes bastante distintas ¢ até mesmo opostas entre si. Com efeito, embora ‘© marxismo participe com as demais correntes do século XIX do entendimento de que a razio humana é capaz de conhecer a realidade objetivamente, a obra de Marx se formulou em contraposigdo tanto ao iluminismo quanto ao positivismo, criticando-os de forma contundente. ‘De qualquer forma, o debate esta instalado € tem conseqiiéncias da maior importincia para a pesquisa educacional, de modo geral, e para a pesquisa histérico-educacional, em especial. Efetivamente, dada a historicidade do fendmeno educativo cujas origens coincidem com a origem do proprio homem, o debate historiografico tem profundas implicagSes para a pesquisa educacional, jé que o significado da educagio esti intimamente entrelagado ao significado da Histéria. E no ambito da investigagdo historico-educativa essa implicagio é duplamente reforgada: do ponto de vista do objeto, em razdo da determinagiio histérica que se ‘exerce sobre o fenémeno educativo; e do ponto de vista do enfoque, uma vez que pesquisar em historia da educagao ¢ investigar 0 objeto educagao sob a perspectiva histérica, ‘A propésito cabe observar a dificuldade dos historiadores em reconhecer a educagdo como um dominio da investigagdo histérica. Veja-se 0 exemplo do livro “Dominios da Histéria: Ensaios de Teoria e Metodologia”, recentemente publicado. A obra se compde de dezenove capitulos distribuidos em trés partes. ‘AI Parte trata dos “Territérios do Historiador: dreas, fronteiras, dilemas”, Os cinco capitulos ai incluidos versam sobre “Histéria Econémica”, “Historia Social”, “Historia e Poder”, “Histéria das Idéias” e “Historia das Mentalidades © Historia Cultural”. io s6 ndo aparece um “territério” chamado “Historia da Educagio” como esta ndo & sequer mencionada nos “territérios” reconhecidos como a Historia Social, a Historia das Idéias ou a Historia Cultural. A'Il Parte estd referida aos “Campos de Investigago ¢ Linhas de Pesquisa”, abrangendo dez capitulos: historia agraria; histéria urbana; histéria das paisagens; historia empresarial; histéria da familia e demografia histérica; hist6ria do cotidiano e da vida privada; histéria das mulheres; hist6ria e sexualidade; historia e etnia; historia das religides ¢ religiosidades. Aqui, também, nenhuma mengio A histéria da ‘educagio. Finalmente, a III Parte trata dos “Modelos Teéricos e Novos Instrumentos Metodolégicos: Alguns Exemplos”. So os seguintes os quatro capitulos que compdem essa parte: historia e modelos; histiria ¢ anilise de textos; histéria e imagem: os exemplos da fotografia e do cinema; histéria e informatica: 0 uso do computador. De novo, nenhuma palavra sobre a historia da educagao. tupdlweteacha qogleuer cone com sear ?y-cachek ImCISAAQJnw hist fesnicanptrlacey_sledbiseminarioteminarioMtrebahostess... 9S 030172017 © DEBATE TEORICO E METODOLOGICO NO CAMPO DA HISTORIA E SUA IMPORTANCIA PARA A PESQUISAEDUCACIONAL De outro lado, as dificuldades te6ricas dos historiadores, como jé foi apontado, se manifestam também, e até mesmo se poderia esperar que fosse em grau ainda maior, no caso dos educadores. Deve-se, porém, reconhecer que os investigadores-educadores especializados na Histéria da Educagao tém feito um grande esforgo de sanar as lacunas teéricas, adquirindo competéncia no Ambito historiogrifico capaz de estabelecer um didlogo de igual para igual com os historiadores. E, ao menos no caso do Brasil, cabe frisar que esse didlogo tem se dado por iniciativa dos educadores, num movimento que vai dos historiadores da educacio para os, digamos assim, “historiadores de oficio” e nao no sentido inverso. O reconhecimento do empenho dos historiadores da educagdo ndo deve obscurecer, porém, as reais dificuldades tedricas. Dir-se-ia que, até mesmo em razio do mencionado empenho em se colocar em dia com ‘os avangos no campo da historiografia, detecta-se uma tendéncia em aderir muito rapidamente as ondas supostamente inovadoras que ai se manifestam. Apenas 4 guisa de exemplo, lembro a influéncia de Foucault, transformado praticamente no guru da historiografia dita avangada, O problema é que a maioria dos historiadores, de um modo geral, e historiadores da educagao, de modo especial, tem pouco dominio sobre o universo epistemolégico em que se move Foucault e, menos ainda, sobre a matriz filoséfica de que ¢ tributério, 0 que obrigaria a remontar ao pensamento de Nietzsche, Talvez, esteja ai a razio da grande receptividade conferida 2 Foucault nas pesquisas de Historia da Educagdo, acolhido como o arauto da defesa da subjetividade humana, Logo ele que escreveu “As palavras e as coisas” para demonstrar que “o homem & ‘uma invengdo recente” cujo fim ja se anuncia, como se evidencia nessas palavras finais do livro: “Se estas disposigdes viessem a desaparecer tal como apareceram, se por algum acontecimento de que podemos, quando muito, pressentir a possibilidade, mas de que ndo conhecemos de momento ainda nem a forma nem a promessa, se desvanecessem, como sucedeu na viragem do século XVII ao solo do pensamento classico — eno _pode-se apostar que o homem se desvaneceria, como a beira do mar um rosto de areia” (FOUCAULT, 1968. p. 502). Para Foucault o pensamento classico, isto é, aquele que se constituiu nos séculos XVII e XVIII, entrando em crise no século XIX, tinha por base um “campo epistemoldgico” gerador das categorias sujeito”, “consciéncia” as quais ndo passam de ficgdes desse mesmo campo epistemoldgico. Isto porque, como esclarece Eduardo Lourengo na introdugdo 4 tradugdo portuguesa de “As palavras e as coisas”, nogdo de “campo epistemolégico” traduz uma intengdo implicita que estrutura uma drea cultural permanecendo, porém, invisivel aqueles que a utilizam, melhor dizendo, aqueles que ela utiliza, Kis porque Eduardo Lourengo dé este significativo titulo a sua introdugdo: “Foucault ou o fim do humanismo”. Essa idéia esté explicitamente formulada na obra, como se pode ilustrar, por exemplo, no tépico denominado “o sono antropolégico” onde, apés referir-se a Nietzsche que teria reencontrado 0 ponto em que a morte de Deus é sinénimo do desaparecimento do homem, sendo a promessa do super-homem a iminéncia da morte do homem, afirma Foucault: “A todos os que pretendem ainda falar do homem, do seu reino ou da sua libertagio, a todos os que formulam ainda questies sobre o que é © homem na sua esséneia, a todos os que querem partir dele para ter acesso a verdade, a todos aqueles, em contrapartida, que reconduzem todo 0 conhecimento 4s verdades do proprio homem, a todos os que nfo pretendem mitologizar sem desmistificar, que ndo querem pensar sem pensar logo que é 0 homem que pensa, a todas essas formas de reflexiio canhestras ¢ torcidas, ndo se pode sendo opor um riso filoséfico — quer dizer, em certa medida, silencioso” (1968, pp. 445-6). E nesse contexto que Foucault se revela assumidamente estruturalista 0 que se manifesta mesmo na introdugdo 4 “A Arqueologia do Saber” quando, ao tratar dos problemas do campo metodolégico da histéria, afirma: “a estes problemas pode-se dar, se se quiser, a sigla do estruturalismo” (1972, p. 19). E verdade que, nessa mesma introdugao ele ira, mais adiante (p. 25), fazer uma autocritica de suas obras anteriores, entre elas, “As palavras e as coisas”. Nao, porém, para abandonar aquela rota, mas para assumi-la de forma mais conseqiiente ¢ radical. Com efeito, ao se referir “Histoire de la Folie” ele ird lamentar o quanto permaneceu ai proximo de “admitir um sujeito anénimo e geral da historia”. E se entristece por nao ter sido capaz de evitar, em “Les Mots et les Choses”, que “a auséncia de balizagem metodologica permitisse que se acreditasse em andlises em termos de totalidade cultural” (1972, p. 25). Em outros termos, para ele essas insuficigneias decorreriam da forga de atrago ainda exercida pelo “campo epistemoldgico” clissico que o teria levado a se aproximar da idéia de um sujeito geral da historia, num caso, ¢ da categoria analitica da totalidade cultural, no outro, Parece, pois, no mfnimo estranho que esse autor seja tomado, com alvorogo ¢ entusiasmo por jovens investigadores da histéria da educagio, como aquele que teria vindo a resgatar a liberdade e autonomia dos sujeitos tanto no Ambito da ago histérica como da pesquisa histérica. Trata-se, salvo melhor entendimento, de um tema que esté a exigir um estudo sistemético, euidadoso e aprofundado, © Grupo de Estudos e Pesquisas “Historia, Sociedade e Educago no Brasil”, cuja origem data de 1986 surgiu, como o sugere o seu nome, com a preocupagdo de investigar a Histéria da Educagao pela iptv ebcache gooleusercnlentcomisearch?g=cache 9kimOlSAiQJswn hited fesnicamp acer Nsledhriseminariatsemineritirabalhosiess.. 5 08012017 0 DEBATE TEORICO E METODOLOGICO NO CAMPO DAHISTORIAE SUA IMPORTANCIA PARA A PESQUISA EDUCACIONAL mediagdo da Sociedade, 0 que indica a busca de uma compreensio global da educagdo em seu desenvolvimento. Contrapunha-se, pois, 4 tendéncia que comegava a invadir 0 campo da historiografia educacional. O inicio formal de suas atividades se deu em 1991 com o I Seminério realizado em duas etapas (maio € setembro) com o propésito de discutir a concepgdo e a metodologia da investigagdo histérica, oca que a chamada crise dos paradigmas se manifestou com toda a evidéncia, Tendo-se decidido iniciar as atividades pelo projeto “Levantamento e Catalogagao das Fontes Primarias e Secundadrias da Educagéo Brasileira” mantendo-se a necesséria abertura tedrica sem dogmatismos ou pré-julgamentos de qualquer ie, foi organizado em 1992 0 Il Seminério para discutir especificamente os problemas relatives as fontes da pesquisa em Historia da Educago. As equipes iniciaram os trabalhos indo aos arquivos e se familiarizando com as fontes disponiveis, dai partindo para estudos de cardter tematico de acordo com as perspectivas te6ricas entendidas, & luz das informagdes a que tinham acesso, como as mais adequadas & anilise dos temas definidos como objetos de investigagao. O III Seminério Nacional realizado em novembro de 1995 permitiu que se tragasse um amplo painel dos projetos tematicos desenvolvidos ou em desenvolvimento nos diversos GTs estaduais. Diante do caminho percorrido ao longo dos iiltimos seis anos, evidencia-se a necessidade de se retomar a discussio tedrico-metodolégica de modo a garantir a consisténcia e a consolidagdo das pesquisas realizadas e em realizacio no ambito dos diferentes GTs estaduais. Dai, a tematica central e as mesas propostas para este IV Seminério Nacional. Empenhar-nos-emos, entdo, em estabelecer um elo de ligagdo entre as mesas redondas do periodo matutino ¢ as sessdes de comunicagio vespertinas. Nesse quadro releva de importéncia a Plenaria das Comunicagées prevista para a quinta-feira a tarde. Ai ensaiaremos verificar 0 influxo do debate instaurado nas mesas redondas sobre 0 andamento dos nossos trabalhos de pesquisa de modo a garantir-Ihes a necesséria consisténeia tebrico-metodoldgica. Est, assim, aberto 0 debate. Acreditamos, pois, haver cumprido a finalidade desta conferéncia que era tdo-somente introduzir-nos no tema geral deste seminario, a saber, “o debate teérico ¢ metodolégico na Histéria e sua importancia para a pesquisa educacional”. Referéncias: CARDOSO, Ciro Flamarion, “Paradigmas rivais na historiografia atual”, Educag&o & Sociedade, No. 47, abril/1994, pp. 61-72. CARDOSO, Ciro Flamarion, “Histéria e Paradigmas Rivais”. In: CARDOSO, C.F. VAINFAS, R. (Orgs.), Dominios da Historia: Ensaios de Teoria e Metodologia. Rio de Janeiro, Campus,1997, pp.1-23 FALCON, Francisco, “Historia das Tdéias”. In: CARDOSO, C.F. e VAINFAS, R.(Orgs.), Dominios da Historia: Ensaios de Teoria e Metodologia. Rio de Janeiro, Campus, 1997, pp.91-125. FOUCAULT, Michel, As Palavras e as Coisas: Uma arqueologia das ciéncias humanas. Lisboa, Portugalia, 1968 (Original: Les Mots et les Choses. Paris, Gallimard, 1966). FOUCAULT, Michel, A Arqueologia do Saber. Petropolis, Vozes, 1972 (Original: L'Archéologie du Savoir. Patis, Gallimard, 1969). ‘Campinas, 14 de dezembro de 1997. Dermeval Saviani [1]1. Conteéncia de abertur do IV Seminitio Nacional de Estudos e Pesquisss “Historia, Sociedade e Educagdo no Brasil Campinas, 14a 19/12/97 [22 Protessor Titular do Departamento de Filosofia e Histiria da Educagdo da UNICAMP. hiipulwebeache googleuserconlani.com Jsearch?g=cache-9ktmQISHiQJ,www histedr fe unicamp.brlacer_hisledbrisominerilseminariodhrabalhosisess.... 55

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