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0 SIGNIFICADO ESOTERICO DO HEROICO Sempre recordarei como, em certa ocasiao, tratava de explicar a ou- tro auditério a gesta de Lednidas, que ganhou trés dias lutando contra ‘os persas, permirindo que fossem tirados de Atenas os tesouros artisti- cos ¢ os livros mais importantes para os pér a salvo da rapina. Um certo jornalisa repreendia-me dizendo: «Mas vacé sabe, a vida vale mais do © que quelaquer livro, mais do que qualquer coisaly Até que no fim lhe per- r guntei, ja um pouco a brincar, se Leénidas estaria hoje vivo se nao ti- vyesse ficado nas Termépilas para combater os persas. Nao lhe tinha ocor- rido pensar nisso. Disse-me: «do, na realidade estaria morto». «Bom, como pode ver — argumentei — todos acabamos por morrer, a questdo esta em excolher a forma, 0 modo como podemos viver e no pior dos casos mor- rer» Esta questao é similar em mais do que um aspecto aquela eleicao que se diz que foi apresentada a mae de Aquiles, se ela queria que 0 seu filho pudesse viver uma vida muito longa mas comum e mediocre, ou ‘curta e gloriosa. E ela elegeu uma vida curta e gloriosa. Em todos os _ tempos se destacou a importancia do heréico. Os herdis, inclusive, fo- fam considerados, em toda a mitologia indo-europcia, como uma e¢s- de super-homens, uma combinacao entre os Deuses e os homens. Eneias: diz-se que era filho de Afrodite e que Anquises tinha pai. De um homem terrestre e de uma Deusa imortal tinha um herdi que depois combateria em Trdia no século XII a.C., nte, que vai fazer um longo périplo, segundo nos conta por em contacto com a proto-cultura de Alba Longa. Tu- afirmava e parecia simples literatura, sabemos 105 pelas investigages arqueolégicas, ou seja, Eneias realmente existido, O que, talvez, seja dificil de imaginar € que fosse c um herdi, mas quando vemos toda a obra que levou a cabo, as vezes sobressalta-nos uma espécie de frio espiritual € psiquico é damo-nos conta de que ha gente que vem ao mundo de tal maneira do- tada que nao sao pessoas comuns, Mozart, com quatro anos, pée-se diante de um piano coberto com um lencol ¢ ele, através do pano, interpreta varias sonatas. Que crianga © pode fazer normalmente? Uma vez disseram a Augusto: «Senhor, nesta parte da parede ficou um buraco ¢ nao sabemos como tapd-lo.» Ele pegou numa folha de palmeira do solo, molhou-a em tinta ¢ golpeou a pare- de, Daf veio o que hoje chamamos folha jénica ou corintia, tio apre- ciada na estética da arte classica. Podemos participar de alguma manei- ta do facto herdico, dessa capacidade de fazer prodigios, coisas que nao saéo comuns? Como diria Platao, vamos encontrar no nosso interior «de um» € «do outro». Recordo que Ptolomeu Sother, quando mencionava Ale- xandre Magno dizia: «Quando ele estava vivo, nés faziamos milagres. Desde que morreu somente podemos realizar prodigios, jd néo podemos mais fazer milagres» O que é que Alexandre Magno tinha para que um Povo to zeloso das suas tradicées como o hebreu o tivesse recebido no ‘Templo de Salomao? O que tinha para que Poros, o grande Rei da In- dia, descesse dos seus elefantes ¢ lhe dissesse: «Oh, Alexandre, dé-me 0 destino que eu te teria dado, 0 que tu quiseres serd justo e bom»? Por desgraca o herofsmo nao esta na moda. O espanhol, particu- larmente, costuma leva-lo na brincadeira, e de Isabel a Catélica e de El Cid somente nos chegam sombras imprecisas. No entanto eles fizeram coisas, nao somente histéria, mas sim geraram uma cultura, promove- ram uma lingua com a qual nos comunicamos, deram-nos normas com as quais estamos a viver. Até onde podemos dizer que hd pasado? Co- mo filésofo acredito nos ritmos histéricos, ¢ assim como hd um mo- mento em que amanhece ¢ outro em que anoitece, também no meio a de uma «noite» histérica volta inexoravelmente a amanhecer. _ Yamos procurar qual é 0 impulso secreto, aquele que nos pode r de alguma maneira em herdis, que nos pode tirar do de- j ‘comum, que nos pode arrancar da massa insignificante pa- 106 : de acordo com as nossas maiores virtudes, com os maiores sonhos. Os meus discipulos vao tet que me perdoar a mas em nome de todas as pessoas que nos visitam vamos tra- ‘arum quadro pedagdgico para entender a questo. ¢ " Diziam os antigos fildsofos que 0 homem nao esta constituido so- mente pelo corpo, mas que tem sete veiculos basicos de expresso que lhe jem ter acesso a outras realidades. Mais além do veiculo fisico, que se pode ver € tocar, haveria um veiculo energético que mantém as nossas células juntas ¢ os nossos Grgaos em accao, € mais além um corpo psi- quico ou emocional, chamado pelos ocultistas 0 «corpo astral». E por ci- dele a mente concreta, que especula, que recorda, que faz a contabi- Jidade doméstica € por cima desta, outra mente. Como aparece no Papiro de Ani, as duas mentes sao simbolizadas como duas damas; uma vestida eoutra nua. A primeira seria esse Kama-Manas ou mente concreta €a ou tra — Manas — é a dama nua, quase escondida por detrds da primeira. E amente filosdfica, aquela que se interroga sobre de onde venho, para on- de-vou, ainda que seja por uns instantes. Como estd tapada —-nao chegou © momento evolutivo para que possa ser mostrada — esconde-se outra ‘vez. Quantas vezes perante a morte de um ente querido ou o nascimento de um filho nos interrogamos se voltaréo a este mundo. Mas, de novo, voltamos ao quotidiano, para o problema do traba- tho ou do estudo que nos tira deste pensamento, ¢ de novo essa mente filoséfica se esconde. Sabem que filosofia significa a busca da Sabedoria. essa mente superior que procura a Sabedoria. A outra nao; 0 que pro- cura ¢ a comodidade; mede o prego dos carros, das cilindradas. E por ct- ‘ma de ambas, sem que 0 possamos conceber, essa parte intuitiva, reli- giosa e volitiva. Dentro de cada um destes corpos o fendmeno vai repro- ‘duzir-se a uma escala maior com os seus sub-corpos correspondentes. Como poderiamos extrair de nés o herdi, esse que admiramos tan- ‘nao importa que se chame Alexandre, ou Eneias, ou uma persona- M que nunca existiu fisicamente mas sim psicologicamente, como Quantas vezes queriamos sair desta vida rotineira que le nO que o custo fosse o de pr uma cagarola, pegar uma vara 1a rua todos os maus, os injustos, os duendes, defender os mas, as criangas? Em que coragio nao cabe esse sonho? E nhado de um bom Sancho que nos recorde qual € a © quotidiana, Ou sermos nés mesmos esse Sancho que t Junto a D. Quixote. Disse-vos die cl come afte Fla tudo estd feito «de umm e «do outro, Hi homens que nascem com uma ‘matca especial e que encarnam uma necessidade histérica, Eles assu- mem 0 que no Oriente se chama o Karma, os Skandas, 0 peso do des- tino. Uma velha lenda em Espanha diz que quando esta estiver em pe- tigo ha-de vir um homem que chegard do Tejo. E embora sejam lendas, todos necessitamos de acreditar nelas. Nao somente em realidades fisi- “as, mas_noutro tipo de realidades que preencham 05 nossos olhos de luz € as veres de lagrimas, mas que nos facam seguir andando e passar Por todas as dificuldades com 0 olhar alto, com © passo seguro. No homem, diziam os antigos, esta a semente de todas as coisas do universo que nos rodeia: dentro de nds esti o mendigo ¢ esta 0 rei, o velhaco ¢ o homem nobre, aquele que mata e aquele que morte, aquele que persegue ¢ aquele que é perseguido. Dentro de cada um de nés esta aquele que se molda as circunstancias, que sofre como um boi com a cabeca baixa e aquele que trata de superé-las com uma causa nobre e brilhante. Em cada um de nés pode nascer o herdi. Consiste simplesmente em levar a substancia da vontade espiritual sempre para a parte mais al- ta de cada um dos planos onde estamos a actuar, Na pratica reflectir- se-ia no plano fisico mantendo tudo o mais limpo e ordenado possivel, nao manchando, sendo o mais ecoldgico possivel, estando com a Na- tureza e nao contra ela, E no plano energético pondo as nossas energias A disposicio das pessoas, nao regatear essa moeda que o pobre nos pede € nao me refiro aos profissionais que levam grandes cartazes € depots compram droga, mas o verdadeiro pobre. Quando Alexandre vé um mendigo e para o seu cavalo Bucéfalo — chamava-se assim por ter na frente uma marca parecida a um boi — diz-lhe: «Mendigo, oferero-te a cidade de Priamo.» O mendigo observa-o ¢ diz-lhe: «Alexandre, eu pe wm mendigo, ofereces uma cidade a um mendigo’ E ele read a éo1 que pede, é Alexandre que dd.» Poder ter esse Alexan -nos 4 heroicidade. Nao somente por aquele que recebe, bis ) s40 orgulho de serem voces a dar. Ja sei que tdo-pouco estd- o, Esta na moda falar na humildade, dos povos de ouro, grandes mantos Deus, levavam-se grandes cruzes sreciosas. Hoje, em nome do povo fazem-se grandes F jemagéeicos. Fu nao falo nem em nome de Deus, ito pequeno, nem em nome do povo porque nao sou $0 se, Quetiafala-vos em nome da verdade, do que poet ia que esta mais além do que se possa levar num século ou a jente podemos fazer sair em nés essa forca de vontade que ake ee: iq por um instante. De alguma forma, a bprilhar o herdi, nem que seja P C eri asa sempre essa generosidade. Narureza misteriosa compe gent ‘Como podemos ser herdis no plano psiquico? Tendo controle so- 5 nao respondendo aos insultos, etc. Recordem a nossas emogoes, x ee ee quando diz: «Os caes ladram para nbs, Sancho. E sinal de que Jeamos» Quando horizonte nos agride é porque de alguma ma- neira estamos a avancar. Tratemos de purificar os nossos sentimentos, ‘nao somente ter instintos biolégicos, mas também instintos espirituais: fade proteger os débeis, o de poder fazer as coisas bem ainda que nin- guém nos observe, embora ninguém nos desafie. £ quanto a nossa mente concreta, aplic: muito dificil. Recordo um grande filésofo chamado Sri Ram. Quando eu era muito joyem, disse-me: «Hd que procurar uma felicidade que ndo traga a infelicidade de ninguém. Se um sapateiro vende os seus sapatos muito baratos, as pessoas que os compram ficam felizes, mas o sapateiro é infeliz porque perde dinheiro. Se esse sapateiro os vende muito caro, as pes- 804s vo ser infelizes. Hd que trabalhar para que todos sejam felizes.» Eu Iepliquei: «Haveria que fazer uma balanga com os bragos de borracha para quese levantasem os dois ao mesmo tempo.» E. ele respondeu-me: «Nao, maveria que sair um pouco do mundo material!» _Serepartimos um pao entre todos nds, cada um teria muito pouco. nos elementos espirituais, a mtisica, por exemplo, se a escutamos Podemos chegar a essa gléria espiritual sem que esta encolha a0 ; Se podemos elevar-nos até essas alturas espirituais vamos : algo que possa ser dado a todos sem escassez para ninguém e qual receba o que deve receber. ims a subir, vamo-nos encontrar com esta outra cara nobres, audazes, nao repetir simplesmente as biblio- uma grande tentagao; um escritor actual sempre procu- de maneira recta. E apoiar-se naquilo que outro disse. Ha que ser valente, ‘ou dizer aquilo em que cada um acredita sinceramente, Na imen- sa roda do Cosmos, na imensa graca de Deus, ha lugar para todos, os grandes ¢ os pequenos, os que sao belos ¢ os que nao 0 S40, os passaros © 0s peixes, as pedras as rvores, os astros ¢ as entranhas da Terra. Se cada um de nds assumir esse lugar podemos ter ideias elevadas que repre- ‘sentem 6 que temos dentro e ajudem as pessoas a caminhar. No plano intuitivo, deveriamos ser ecléticos, nio pretender forcar os outros a acre- ditarem naquilo que acreditamos. Apresentar as coisas tal ¢ qual como nos parecem, valentemente. Sio muitos os caminhos que sobem 0 cume da pirimide, Em cima encontramo-nos todos. Onde estamos separados & em baixo, porque 4 medida que vamos subindo vamo-nos aproxi- mando uns aos outros, mesmo que tenhamos ido por caminhos aparen- temente opostos. E a harmonia por oposicao. As vezes as pessoas que di- vergem de nés, se tém uma boa intengao podem chegar a uma certa forma de verdade. Chegamos ao plano da vontade. Todos a temos dentro da alma; nao hd nenhuma roda que possa girar se nao ha um eixo. Somos rodas que giram na vida e ha um eixo de vontade que esta em nos. E questao de busca-lo, de meter as maos da alma com toda a forga ¢ encontrar esse ser interior, para 14 de todas as comodidades, de todas as circunstancias, da- quilo que as pessoas digam. Nao é sé uma forma de evolucao, mas, antes sim, de transmutagio no atanor alquimico, essa espécie de frasco do qual $¢ dizia que continha o sal, o enxofre e 0 merctirio. E no fim saia a chama tedentora de onde se clevaya a Fénix. E necessario algo mais do que a «evolugao», é necessario esse toque divino, essa mao de Deus nas costas que nos permita conyerter-nos em “outra coisa. O homem pode ser homem mais além do animal porque ve um toque divino que lhe permitiu dar esse salto para a frente. _ Ser herdi consiste em melhorar a nossa forma de ser, investigar na para descobrir em nds a chispa imortal. Nem todos vamos set them Alexandre. Alguém terd que fazer o papel de Bucéfalo, pois mbém entrou na Histéria tal como Babieca e Rocinante. O im- € estar em cima ou em baixo, esse ¢ 0 falso mito da lura te é cada um ser o que é: ¢ melhor ser um bom: aleiro, Platao dizia que vale mais aquele que bem um templo do que aquele que é um ; csc ‘0 nosso proprio dever de maneira ake me 7 consegue vencer asua debilidade ¢ comer menos id 6, de certo mode, herdi. E se pode vencer isso pode vencer muitas mais coisas. Aq ca um tem medo da obscuridade e nao acende as luzes em casa jd deu ui ne, queno passo. Aquele que teme a morte ¢ um dia vai Passear por nd mitério, sabendo que talvez ai nao esteja mais do que © pé © que a vida esti mais além... esse € um herdi: comegou a crescer nele a chispa da guia de fogo que surge por cima do atanor. Mas mais além est4o aqueles que sao verdadeiras encarnagées his- toricas, aqueles que encarnam o destino, uma necessidade ¢ promovem as grandes mudangas na Histéria. Dentro de nés dorme, talvez, algum D. Quixote que cavalga na busca de uma Dulcineia inexistente. Talvez um Alexandre que diz ser filho de Amon e vai ao Egipto procurar o seu horéscopo gravado numa grande placa de granito. Talvez um Sancho que queira ir com um pou- co de queijo da Mancha e um cantil de couro com vinho ao lado de D. Quixote. E nao importa que os caes ladrem, ladram porque cavalgamos € as patas dos nossos cavalos vao marcando sobre a terra o velho bater dos tambores do Destino. Valorizemo-nos, sejamos quem somos, pese a quem pesar. Isso ¢ ser fildsofo ¢ scr herdi.

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