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Copyright © 1986 by Joseph Brodsky Publicado originalmente pela Farrar, Straus & Giroux, Inc, Nova York Textos extraidos de Less than one _ Selected essays Capa e guardas: Silvia Ribeiro 4 partir de foto de Viktor Bulla (1920) ¢ de foto da perspectiva Nevski (guardas) Preparapio: Stella Weiss Indice remissivo: Valter Ponte Revisdo: Eliana Antonioli Eliana Medeiros Dados Inerscioais de Catalogseo na Pubicagio (2) (Cérara Brasileira do Livro, Brasil) Brody, fseph, 1940 “Menes que un: enssos/Joneph Brodsky; traduso Sergio Flasman, — Sto Paulo: Compania das Leas, 1994, sa B5-7164-364-4 1. Literatura rasa - Hist e eon 2, Poesia moderna — Séeulo 20 - Hsia ee L. Titulo. 93883 ‘xo-809.104 Indices pra ctilogd sistemtico: 1. Poesia modema : Século 20: Hist eerie 809.104 2, Século 20: Poesia modems : Hist esta 909.104 a Todos os direitos desta edigdo reservados & EDITORA SCHWARCZ LTDA, Rua Tupi, 522 01233-000 — Sao Paulo — sp Telefone: (011) 826-1822 Fax: (011) 826-5523 SOBRE A TIRANIA A doenga e a morte sio, talvez, as tinicas coisas que um tirano tem em co- mum com seus stiditos. E apenas nesse sentido que ¢ vantajoso para uma nagio ser governada por um velho, Nao que a consciéncia que temos de nossa mortali- dade torne necessariamente as pessoas mais ternas ou mais iluminadas, mas 0 tempo que um tirano passar, por exemplo, concentrado em seu metabolismo ¢ tempo roubado aos negécios de Estado. A trangililidade, tanto doméstica quan- to internacional, esti na raziio direta do némero de doengas que assolam o pri- meiro-secretério do Partido, ou o presidente vitalicio. Mesmo que ele soja per- ceptivo o suficiente para aprender a arte adicional da resisténcia inerente a toda doenga, em geral ele hesita muito em aplicar o conhecimento assim adquirido as intrigas palacianas ou a politica externa, mesmo porque sempre procura instinti- vamente a restauracao de sua condi¢do saudavel anterior ou acredita simples- ‘mente na possibilidade de uma cura plena, No caso de um tirano, o tempo que se usa para pensar na alma é sempre empregado na elaboragdo de planos paraa preservagiio do status quo. Isto porque um homem em sua posigo nao estabelece distingao entre o presente, a historia e a eternidade, os trés fundidos num sé pela propaganda do Estado tanto para con- sumo da populagao quanto para consumo dele proprio. Ele se aferra ao poder como qualquer pessoa idosa se aferra a sua pensio ou 4s suas economias. O que ais vezes parece ser um expurgo nos altos escaldes percebido pela nagdio como uma tentativa de sustentar a estabilidade pela qual a nagdo optou quando permitiu que a tirania se estabelecesse. A estabilidade da pirdmide raras vezes depende do topo, e no entanto é pre- cisamente 0 topo que atrai nossa atengdio. Depois de algum tempo, o olho do es- pectador se cansa de sua intoleravel perfeigdio geométrica, e quase chega a exigir mudangas. Quando as mudangas ocorrem, porém, sao invariavelmente para pior. Para dizer o minimo, qualquer velho que lute para evitar a desgraga e 0 descon- forto, particularmente desagradaveis em sua idade, é bastante previsivel. Por 65 mais sanguindrio e cruel que possa parecer seu comportamento nesta luta, isto io afeta a estrutura interna da piramide, nem a sombra que ela projeta do lado de fora, E aqueles com quem trava sua luta, 0s rivais, merecem plenamente aquele tratamento vicioso, ainda que apenas devido & tautologia da ambigaio deles em vista da diferenea de idade. Porque a politica no passa de pureza geomeétrica revestindo a lei da selva. LAnoalto, na cabeca do alfinete, s6 ha lugar para um, e é melhor que seja um velho, porque os velhos nunca tém a pretensio de ser anjos. A ‘mica meta do tirano que envelhece é conservar sua posigao, e sua demagogia e hipocrisia no obrigam os espiritos de seus stiditos 4 crenga ou A proliferagdo textual. Jé 0 jovem queesta comegando, com seu zelo e sua dedicagao, verdadeiros ou falsos, sempre acaba aumentando o nivel do cinismo piblico. Contemplando em retrospecto a historia humana, podemos afirmar com seguranga que o cinismo ¢ 0 melhor pa- dro de medida do progresso social. Porque os novos tiranos sempre introduzem uma nova combinacao de hipo- crisia e crueldade. Alguns diio mais énfase & crueldade, outros 4 hipocrisia. Basta pensar em Lenin;Hitler, Stalin, Mao, Castro, Kadafi, Khomeini, Amin e assim por diante, Eles sempre superam seus antecessores de varias maneiras, e aumien- tam a pressao sobre 0 cidadao, bem como sobre o espirito do espectador.Para um antropélogo (e ainda por cima extremamente distante), este tipo de desenvolvi- mento é de grande interesse, porque amplia a concepgdo que se tem da espécie. Deve ser assinalado, porém, que a responsabilidade pelo processo a que nos refe- rimos cabe tanto ao progresso tecnolégico e ao crescimento geral da populagao quanto a crueldade especifica de um determinado ditador, Hoje, todo novo arranjo sociopolitico, seja ele uma democracia ou um regi- me autoritério, é mais um passo no caminho que, afastando-se do espirito do in- dividualismo, avanga na diregao do estouro das massas. A idéia da singularidade existencial da pessoa é substituida pela do anonimato. O individuo morre nfo tanto pela espada quanto pelo pénis, e, por menor que possa ser 0 pais, ele exige, ou submete-se a, um planejamento central. Este tipo de coisa geta facilmente varias formas de autocracia, em que os prdprios tiranos podem ser vistos como Ses obsoletas dos computadores. Mas se eles fossem apenas versdes obsoletas dos computadores, até que no seria tio mau. O problema é que o tirano é capaz de adquirir computadores novos ¢ do ultimo modelo, e aspira comanda-los. Exemplos de formas obsoletas de hardware que pilotavam suas formas mais avancadas so o Fiihrer recorrendo 0s alto-falantes, ou Stalin usando um sistema de controle dos telefones para cli- minar seus oponentes do Politburo. As pessoas nao se trans formam em tiranos porque tenham vocagiio para tan- to, e nem por mero acaso, Se um homem tem esta vocagiio, ele em geral toma um ve 66 L atalho e se transforma num tirano familiar, enquanto os verdadeiros tiranos so reconhecidamente retraidos ¢ no sio muito interessantes em familia. O veiculo da tirania ¢ um partido politico (ou a hierarquia militar, que tem uma estrutura semelhante a do partido), porque para se chegar ao topo de alguma coisa é preciso encontrar algo que tenha uma topografia vertical, No entanto, a diferenga das montanhas ou, melhor ainda, dos arranha-céus, um partido é uma realidade ficticia inventada pelos desocupados, sejam mentais ou de outro tipo. Eles chegam ao mundo e encontram sua realidade fisica, os ar- ranha-céus ¢ as montanhas, plenamente ocupada, A escolha que tém, portanto, é entre esperar uma abertura no antigo sistema ou criar um sistema novo, alterna- tivo. A iltima escolha Ihes parece o meio mais expediente de agir, porque assim podem comegar sem mais delongas. Construir um partido é, por si sé, uma ocupagao integral, ¢ muito absorvente. fi claro que nfo dé resultados imediatos; mas 0 trabalho também nfo ¢ tio duro assim, e existe um forte componente de conforto mental na incoeréncia dessa aspirago. A fim de ocultar suas origens puramente demogrificas, todo partido costu- ma desenvolver suas prdprias ideologia e mitologia. Em geral, uma nova realida- de sempre criada A imagem ‘de uma antiga, copiando as estruturas existentes. Esta técnica, ao mesmo tempo em que disfarga a falta de imaginagdo, acrescenta certo ar de autenticidade a toda a operagio. E por isso, alids, que essa gente adora tanto a arte realista. No todo, a auséncia da imaginagdo é mais auténtica do que sua presenga. O tédio insuportavel dos programas partidarios e a aparéncia insi- pida e nada espetacular de seus lideres atraem as massas como um reflexo delas proprias. Na era da superpopulacao, o mal (assim como o bem) torna-se téio me- diocre quanto seus siiditos. Para tomnar-se um tirano, o melhor é ser opaco. E eles sto opacos, assim como suas vidas. A tinica recompensa vem no momento em que esto subindo: ver os rivais serem derrotados, expulsos, remo- vidos. Na virada do século, no apogeu dos partidos politicos, havia os prazeres adicionais, por exemplo, de produzir panfletos despropositados, ou viver fugin- do da vigilancia policial; de fazer um discurso fervoroso num congresso clandes- tino ou descansar, as expensas do partido, nos Alpes suicos ou na Riviera france- sa. Agora, isto tudo virou coisa do passado: as questdes candentes, as barbas falsas, os estudos marxistas. O que restou foi o jogo de espera da promogdo, uma burocracia interminavel, a papelada ea procura de comparsas de confianga. Nao existe nem mais a emogao de controlar a lingua, porque ela com certeza ¢ incapaz de proferir qualquer coisa que merega o interesse das paredes repletas de micro- fones, O que leva alguém ao topo éa lenta passagem do tempo, cujo tinico conforto €asensagiio de autenticidade que da ao empreendimento: tudo que consome tem- po é real. Mesmo nas fileiras da oposigao, o progresso no partido é lento; quanto 674 ao partido no poder, ndo tem nenhuma raziio para apressar-se, ¢ a0 cabo de meio século de dominio ele préprio.passa a ser capaz de distribuir o tempo. E claro que, em relago aos ideais no sentido vitoriano da palavra, o sistema unipartidario nao, difere muito de uma verstio moderna do pluralismo politico. Ainda assim, entrar para o tinico partido existente exige mais do que uma quantidade média de deso- nestidade. Apesar de tudo, por mais que vocé seja espérto, ¢ por mais limpa e cristalina que seja sua ficha, dificilmente vocé chegaré ao Politburo com menos de sessenta anos. Quando se chega a esta idade, a vida se torna absolutamente irreversivel, e se vocé conseguir tomar as rédeas do poder s6 vai querer abrir os punhos para trocé-las pela vela do defunto, Um homem de sessenta anos dificilmente iré ten- tar algo arriscado do ponto de vista econ6mico ou politico. Ele sabe que s6 tem cerca de dez anos a mais de vida, e suas alegrias tém uma natureza principalmente gostronémica.e tecnolégica: uma dieta extravagante, 0 consumo de cigarros es- trangeiros e de carros estrangeiros. Ele é um homem do status quo, 0 que é inte- ressante do ponto de vista das relagdes exteriores, considerando o estoque cada vez maior de misseis de que disp@e, ¢ intoleravel no interior do pais, onde nao fazer nada significa piorar a condigdo existente. E embora seus rivais possam capitalizar este Ultimo fato, ele prefere elimind-los a introduzir qualquer mudan- ¢a, porque sempre sentimos certo apego nostalgico a ordem responsivel por nos- sa ascensio. : A durago média de uma boa tirania é de uma década e meia owno maximo duas décadas. Quando ¢ maior, invariavelmente se transforma numa monstruosi- dade. Nesses casos, podemos chegar ao tipo de grandeza que se manifesta no desencadeamento de guertas ou do terror interno, ou de ambos. Na melhor das hipéteses, a natureza acaba cobrando seu prego, recorrendo por vezes as maos dos rivais no momento oportuno; ou seja, antes que o nosso homem decida imor- talizar-se fazendo algo de francamente horrendo. Os quadros mais jovens, que.de qualquer modo ja nao so mais tao jovens assim, exercem pressao de baixo para cima, empurrando-o para a imensidio azul do puro Cronos. Porque depois de chegar ao topo do cume s6 existe um caminho a seguir. Na maioria das vezes, porém, a natureza se vé obrigada a trabalhar sozinha, encontrando uma formidé- vel oposicdo tanto da parte dos érgaos de seguranga do Estado quanto da equipe médica pessoal do tirano. Médicos estrangeiros sio trazidos de avido para resga- tar nosso homem das profundezas da senilidade em que mergulhou. As vezes eles tém sucesso em sua missfio humanitaria (porque seus governos também es- to profundamente interessados na preservaco do status quo), 0 suficiente para permitir que o grande homem reitere a ameaga de morte que vem fazendo a seus Tespectivos paises. No final, ambos desistem; os orgios de seguranca talvez mais a contragosto 68 seca do que os médicos, porque a medicina tem menos a sofrer em termos de hierar- quia com as mudangas que isto ameaga provocar. Mas até mesmo os drgdos de seguranga acabam se entediando com seu senhor, a quem vio sobreviver de qual- quer maneira, e, enquanto os guarda-costas desviam o rosto para ndo ver, entra a morte com sua foice ¢ seu martelo. Na manhi seguinte, a populago é acordada nao pelos galos pontuais, mas por ondas da “Marcha Finebre”” de Chopin jor- rando dos alto-falantes. Depois vem o funeral militar, cavalos puxando 0 coche finebre, precedidos por um destacamento de soldados que carrega em pequenas almofadas vermelhas as medalhas e condecoragSes que costumavam adornar a tanica do tirano, como se fosse 0 peito de um co premiado. Porque é isto que ele era: um cio premiado, vencedor de corridas. E se a populagdo pranteia seu fale- cimento, como muitas vezes acontece, suas lagrimas sao as dos apostadores que perderam: o que a nagdo chora é 0 tempo que perdeu. E em seguida aparecem os membros do Politburo, ladeando o caixio coberto pela bandeira: o ‘nico deno- minador que tm em comum. Enquanto eles carregam seu denominador morto, as cfmeras zumbem e estalam, ¢ tanto os estrangeiros quanto os nativos percorrem com toda a atencao 08 rostos inescrutaveis, tentando descobrir quem ser o sucessor. O morto pode ter tido a vaidade de deixar um testamento politico, mas de qualquer modo este documento nao vira a piblico. A decisdo sera tomada em segredo, numa sesso fechada ~ isto é, fechada para o publico — do Politburo. Ou seja, clandestina- mente. O segredo é uma antiga obsessio partidatia, reflexo de sua origem demo- grifica, de seu glorioso passado ilegal. E os rostos examinados nao revelam nada. Se so capazes de manter tao bem esta falta de expresso, é porque nao ha nada a revelar. O que vird vai ser apenas uma continuagio do que jé existe. 0 novo homem s6 vai diferir fisicamente do antigo. Mentalmente, e em todos os outros aspectos, ele vai ser uma réplica exata do cadaver. Este talvez seja o maior segredo que existe. Pensando bem, as substituigdes que ocorrem num partido stio. a coisa mais proxima que temos da ressurreigdo. E claro que a repeti¢do traz 0 tédio, mas se repetirmos as coisas em segredo ainda da para se divertir. O mais divertido de tudo, porém, é a idéia de que qualquer um daqueles homens pode se transformar num tirano. O que causa toda esta incerteza e confu- siio, portanto, é apenas o fato de a oferta ser superior & demanda, Porque nao es- tamos lidando aqui coma tirania de um individuo, mas cori a tirania de um par- tido que simplesmente conseguiu dar uma feigo industrial a produgao de tiranos. O que, em gerai, foi muito engenhoso da parte deste partido e muito adequado em particular, tendo em vista a répida extingo do individualismo enquanto tal. Em outras palavras, hoje o jogo de adivinhar ‘“‘quem vai ser quem’? tornou-se tio roméntico ¢ antiquado quanto o bilboqué, e s6 pessoas livremente eleitas podem se dar ao prazer de jogé-lo. Faz muito que passou o tempo dos perfis aquilinos, 69 dos cavanhaques ou das barbas quadradas, dos bigoddes de morsa ou em escova; logo tera passado também o tempo das sobrancelhas. Ainda assim, ha algo de assustador nesses rostos afaveis, cinzentos e indis- tintos: parecem-se com todo mundo, o que lhes dé um ar quase clandestino; sao to parecidos uns com os outros como gotas d’agua. A redundancia visual dé uma profundidade adicional ao principio do “‘governo do poyo”’: 60 governo dos nin- guéns. Ser governado por ninguéns, contudo, é uma forma muito mais ubiqua de tirania, porque os ninguéns tém a mesma aparéncia de todo mundo. Eles repre- sentam as massas de muitas maneiras, ¢ é por isso que nio se dao ao trabalho de realizar eleigdes, E uma tarefa ingrata para a imaginagiio conceber qual seria 0 resultado do sistema de voto individual, por exemplo, na China com seu bilhaio de habitantes: que tipo de Parlamento isto iria produzir, e quantas dezenas de milhdes constituiriam 14 uma minoria. A proliferagao de partidos politicos na virada do século foi o primeiro aviso da superpopulagao, ¢ é por isso que eles tém tanto éxito hoje em dia, Ao mesmo tempo em que 0s individualistas escarneciam deles, eles capitalizavam a desper- sonalizagao, ¢ hoje os individualistas ja pararam derir. A meta, porém, nfo énem © triunfo do partido nem de algum burocrata em particular. E verdade que de- monstraram estar frente de seu tempo; mas o tempo tem muita coisa pela frente, e, acima de tudo, muita gente. A meta ¢ acomodar esta expansdio numérica num mundo que nao se expande, ea tinica maneira de consegui-lo ¢ despersonalizar e burocratizar todos os que esto vivos. Porque a propria vida é um denominador comum; ¢ isto basta como premissa para estruturar a existéncia de modo mais detalhado. E € isto que faz uma tirania: estruturar a vida para todos. Da maneira mais meticulosa possivel, e certamente muito melhor que mima democracia, Algm do ais, faz isso pelo bem de todos, porque qualquer manifestagio de individuali mo numa multidao pode acabar sendo nociva: antes de mais nada para a pessoa que a produz; mas também para seus proximos. E para isso que existe o Estado governado por um partido, com seu servigo de seguranga, seus asilos para loucos, sua policia e o sentido de lealdade de seus cidadaos. Ainda assim, todos esses aparelhos nio bastam: 0 sonho ¢ transformar cada homem em seu proprio\buro- crata, E o dia em que este sonho vai se realizar ja esta a vista. Porque a burocra- tizagdo da existéncia individual comeca quando pensamos na politica, e nao aca- ba com a aquisico de uma calculadora de bolso. Assim, se alguém se sentir elegiaco no funeral de um tirano, é antes de mais nada por razSes autobiograficas, e porque esta morte toma ainda mais concretas as saudades que sente dos bons velhos tempos. Afinal, este homem também foi produzido pela velha escola, numa época em que as pessoas ainda percebiam difereriga entre o que diziam e o que faziam, Se ele nfio merece mais que uma 70 linha na histéria, bem, tanto melhor: foi porque nao derramou sangue bastante de seus stiditos para merecer um pardgrafo. Suas amantes eram antes gorduchas ¢ poucas. Nao escrevia muito, nem pintava ou tocava um instrumento musical; e também nfo introduziu um novo estilo no desenbo de_méveis. Era apenas um tirano comum, mas ginda assim os dirigentes das maiores democracias se esfor- ‘gavam ansiosamente para apertar a sua mao, Em suma, ele ndo fez marola. Eéem parte gracas a ele que, quando abrimos as janelas de manh, o horizonte ainda nao é vertical. : Devido a natureza de seu cargo, porém, ninguém conhecia seus verdadeiros pensamentos. B bastante provavel que ele proprio ndo os conhecesse. Isto pode- ria ser um bom epitéfio, nfo fosse pela anedota que os finlandeses contam sobre 0 testamento de seu presidente vitalicio Urho Kekkonnen, e que comega assim: “Se eu morrer...””. i (1980) 71

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