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Romanos Exposicao sobre Capitulo 11 PARA A GLORIA DE DEUS D. M. Lloyd-Fones res PUBLICAGOES EVANGELICAS SELECIONADAS Caixa Postal 1287 01059-970 — Sao Paulo - SP www.editorapes.com.br Titulo original: To God’s Glory Editora: The Banner of Truth Trust Primeira edicdo em inglés: 1998 Copyright: Lady Catherwood e Ann Beatt, 1998 Traducdo do inglés: Odayr Olivetti Revisao: Antonio Poccinelli Cooperador: Luis Christianini Capa: Sergio Luiz Menga Permissao gentilmente concedida pela Banner of Truth Trust para usar a sobrecapa da edicao inglesa Primeira edicdo em portugués: 2003 Impress4o: Imprensa da Fé INDICE Abordando Romanos, capituloll, com espirito proprio eem seu ca cenério - sua nova énfase, divis6es maiores e ligdes. 2. 17 A rejeicao de Israel, nao total - argumentos que mostram que é esse 0 caso — o primeiro considerado — a conversio do proprio Paulo —a identi- dade do povo de Deus nos versiculos | e 2. oO segundo argumento - a a existéncia de um remanescente -0 “exemplo de Elias e ligdes — a eleigfo pela graga ~ batalha nao nossa, mas de Deus — niimeros, nao decisivos — os propésitos de Deus, seguros. 4 42 A zelosa busca de Deus por parte de Israel — cegueira judicial ~ precedentes escrituristicos — béngaos transformadas em maldig6es ~ raz6es para isso — um erro ou uma injustiga em busca da justiga. 5a. sesnsaveee 5B oO que se quer dizer com cogueira ou endurecimento judicial — — como se realiza — 0 exemplo de Faraé — ligdes para hoje — avivamento. 6 wn. A licéo dos salmos imprecatérios — objegdes a eles, apresentadas - 0 lugar do Velho Testamento — a inspiragio das Escrituras — 0 cardter de Davi vindicado — punigio ~ a justica de Deus. T cssseses os . B A segunda grande divisio do capitulo - andlise dos. versiculos 11. 32 — a pedra de tropeco dos judeus, nao uma queda final — a salvagao veio para os gentios ~ para provocar os judeus a emulacao. Razées pelas quais foi permitido que os judeus tropecgassem no evangelho — 0 enriquecimento dos gentios ~ 0 sentido de “diminuigao” e de “plenitude”. Paulo est4 escrevendo como profeta ~ os vers{culos 11 e 12, uma grande declaracdo seminal — ligdes disso — a persisténcia dos judeus como nagio — as manciras de agir de Deus com individuos e nagdes — provocando outros 4 emulacio — nada dificil demais para Deus. 10 ul Razées para focalizar os judeus — meios pelos quais Paulo engrandeceu uu “glorificou” o seu ministério — seu interesse tanto por judeus como por gentios — licdes para pregadores. ll. 117 Os gentios devem ser humildes — os judeus serao recebidos novamente — 0 sentido de “vida dentre os mortos” — efeito sobre os gentios, nao sobre os judeus — nao avivamento de um estado de mortos ~ nao a ressurreigaa — uma deleitavel e admiravel béngio. Relacdo de} judeu e "gentio na ‘Tereja— duas figuras: do cardter distintivo de Israel — primicias e massa — raiz e ramos — as duas figuras dizem a mesma coisa ~ diferentes interpretagdes — relagdo com a “oliveira”. B.. . 137 Sentido de “oliveira”-o povo de Deus —a nagao espiritual, ndo a natural — continuidade do Velho e do Novo Testamentos— béngdos obtidas pela fé — posi¢ao especial dos judeus, nao porém separada. 4... 149 Anflise dos versiculos 18-22 — 0 perigo da jactincia — 0 que é estar em pé pela fé - tanto o judeu como o gentio recebidos pela fé, nao pela nacionalidade nem pela identidade racial. . saseeseen . 159 Aconstante necessidade de ensino ~ orgulho, o grande inimigo do homem — desprezando outros — retrocedendo 4 justificagao pelas obras — somente a graca nos faz distinguir-nos — necessidade de humildade. O conhecimento de Deus, o melhor corretivo para o orgulho —a bondade ea severidade de Deus - evidéncias da falta desse conhecimento — falta de piedade — importancia de se atribuir 0 devido valor tanto 4 bondade como a severidade. 17... a+. 185 Um problema aencarar—a nossa salvagdo depende de nés? - como resolver problemas quanto ao entendimento das Escrituras ~ a eleic4o — profissao de f€ e realidade ~ graca para perseverar. 1B. eoeeanensee - 198 A necessidade de aplicar a verdade — aprendendo da historia na Biblia — as instituig6es tendem a degenerar-se — a forma elimina o espirito — esquecendo os princfpios originais — o princfpio da protelagio—exemplos ¢ adverténcias. Uma nova subdivisao — a restauragdo de Isracl — argumentos que provam que os propésitos de Deus quanto a Israel naéo terminaram — a possibili- dade e a probabilidade da sua restauracao — 0 poder de Deus. Por que Paulo w usa ca argumentos, nao simples assergdes — nao devemos ser ignorantes, nem sdbios em nosso préprio conceito — o apéstolo torna conhecido um mistério — a natureza da profecia apostélica. Profecia do futuro de Israel —a cegueira temporaria — judicialmente infligida ~a plenitude dos gentios — interpretagées de “todo o Israel”. 2. . A salvacao de Israel — a profecia de Paulo confirmada pelas Escrituras - linguagem de declaragées do Velho Testamento mudada por inspiragéo — o Libertador procedente de Sifio - a alianga de Deus com Israel. B 260 Em que sentido Israel é inimigo — em que sentido é amado - os dons ea vocagao de Deus nao sao passiveis de arrependimento ou de revo- gaciio— confirmagao da interpretagio de “todo o Israel”. Deus mostra desdém por Seu povo, porém o ama — desobediéncia de gentios e de judeus — a misericérdia de Deus por ambos — encerrados “na incredulidade”, ou “debaixo da desobediéncia” — misericérdia “para com todos”, nao universalismo. O modo como Deus mostra misericérdia — Deus niio € 0 autor do pecado, mas faz uso dele para a Sua gléria — encerrados para misericérdia — “todo o Israel” nao pode significar os eleitos, nem os judeus eleitos somente. O verdadeiro Israel nem sempre um remanescente — profecia, nao historia escrita em antecipacéo ~ o perigo de ler 0 que nao consta — Paulo nao estd tratando da Segunda Vinda. DT ssees ssssaneerneessseesneeees 313 Como a profecia seré “cumprida, nao revelada — a filosofia paulina da histéria - tudo sob a mao de Deus — salvacio inteiramente de Deus - em hip6étese nenhuma sem esperanga, nem além ou fora do poder de Deus. B.. woe 332 Por que Paulo escreveu a sua grandiosa doxologia - 0 perigo de separar mente e coragao ~ anélise da doxologia — as coisas profundas de Deus - Suas riquezas — sabedoria —- conhecimento. Os ‘caminhos de Deus sao incompreensiveis, inescrutaveis ~ divisao entre conceitos evangélicos e ndo evangélicos — proclamagio, nao diélogo — exemplos dos juizos e dos caminhos de Deus ~ motivo de esperanga e dealegria. 0. on 370 Salvacio independente do homem — a ignorfncia do homem sobre Deus e sobre si mesmo — 0 homem nada tem para dar a Deus nem para reivindicar dEle - 0 Criador e Mantenedor de todas as coisas — todas as coisas para a Sua gléria — regozijamo-nos nisto? 1 “Digo pois: porventura rejeitou Deus o seu povo? De modo nenhum.” — Romanos 11:1a O capitulo onze da Epistola de Paulo aos Romanos é um dos grandes e notaveis capitulos de toda a Biblia. Sei que tenho a tendéncia de dizer isso de quase todos os capitulos que consideramos, mas ha certos capitulos que sobressaem quando se faz a leitura completa da Biblia. O capitulo oito de Romanos certamente é um deles, talvez principalmente do ponto de vista literdrio, mas ha outros capitulos cuja importancia s6 é propriamente reconhecida quando séo estudados em detalhe. E entdo que vemos como eles sio maravilhosos e profundos, e como ficamos envergonhados por nao termos percebido isso antes. Romanos, capitulo 11-e aqui lhes oferego a minha experiéncia pessoal — é um desses capitulos. Contudo, ele tem as suas dificuldades. Em muitos aspectos eu diria que é mais dificil que os capitulos 9 e 10. Certamente, tem havido divergéncia sobre parte do seu contetido e, portanto, é essencial que, quando passarmos a considerd-lo, comecemos fazendo uma espécie de introducio. Mas antes disso ha algo que é ainda mais importante. Relaciona-se com o espfrito pelo qual abordamos este capitulo. Devemos fazé-lo com reveréncia e humildade. Naturalmente, as Escrituras sempre devem ser abordadas dessa maneira, porém é necessdrio as vezes, e por razdes particulares, reforcar esta solicitacao, e uma delas tem relagéo com 0 fato de que neste capitulo ha quest6es sujeitas a grande 9 Para a Gloria de Deus debate. Portanto, resolvamos logo de inicio que 0 nosso objetivo ao examinarmos este capitulo nao seja provar que estamos certos, ao passo que outros estéo errados. Devemos evitar 0 espirito de controvérsia. Ha varios pontos de vista diferentes sobre esta passagem, e todos eles so sustentados conscienciosamente. Também devemos cuidar para que o nosso apropriado interesse pelo contetido deste capitulo nao se transforme num entusiasmo ou paixao carnal. Isso acontece por mais de uma maneira. Podemos apaixonar-nos tanto intelectual como emocionalmente. Advirto aqueles que estaéo propensos a verificar 0 que vai ser dito sobre esta questdo ou que o querem fazer particularmente sobre a declaracaéo: “E assim todo o Israel serd salvo”. Essa atitude € inteiramente im- propria quando vamos estudar as Escrituras. Lembremos logo no inicio duas coisas que vemos neste capitulo. A primeira é que nele o apéstolo se refere a um mistério. Portanto, se achamos que temos neste capitulo tudo bem arranjado e posto em quadros claros, e que nao pode existir nenhum outro modo de consider4-lo que valha a pena, ja estamos errados. Todavia a segunda é a maneira pela qual o apéstolo concluiu este capitulo. Tendo-o escrito, ele se vé num estado de coracgéo e mente no qual nado pode pensar nem fazer outra coisa sendo louvar e adorar a Deus - “O pro- fundidade das riquezas, tanto da sabedoria como da ciéncia de Deus!” A consideracéo dessa verdade produziu esse efeito nele. Deveria produzir o mesmo efeito em nds e em todos os que a consideram, e é 0 que vamos comegar a fazer agora. Indiquei como é importante compreender que os capitu- los 9, 10 e 11 desta grande Epfstola constituem uma divisdo a parte e que sempre devem ser tomados juntos. Qual é 0 seu tema? Bem, naturalmente, é toda a questao do caso e da situa- ¢ao dos judeus no tempo do nosso Senhor e do apéstolo. Falando em termos gerais, os judeus estavam rejeitando 0 evangelho, estavam fora da Igreja, e os gentios entravam na 10 Romanos I1:la Igreja aos jorros. Bem, 0 apdstolo esté preocupado com isso por varias razdes. Sem diivida Paulo se preocupava porque ele proprio era judeu. Ele revelou isso no inicio dos dois capitulos anteriores. O cristéo nao é antinatural, e todos nés devemos preocupar-nos com os nossos parentes e comos nossos concidadaos. Mas, nao somente isso; ele tinha uma preocupacio muito maior e mais profunda, que tinha a ver com a grande questao do propésito e do plano de Deus. Ele tinha terminado o capitulo 8 com uma tremenda nota de seguranga e certeza. Tinha langado seus extraordindrios desafios: “Que diremos pois a estas coisas? Se Deus é por nés, quem ser4 contra nés?” —e tinha desenvolvido isso, vocés se lembram, conclu- indo com a triunfal declaracaéo: “Estou certo de que, nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os principados, nem as potestades, nem o presente, nem o porvir, nem a altura, nem a profundidade, nem alguma outra criatura nos podera separar do amor de Deus, que esté em Cristo Jesus nosso Senhor”. O propésito de Deus é tio certo e seguro que nada o poderé frustrar. No entanto, imediatamente se requer uma pergunta. A pergunta é: “Como se pode dizer isso 4 luz da posigao e da condigéo dos judeus, 0 povo de Deus? Sua condigéo nao seria, em si mesma, uma prova de que o propésito de Deus nao é seguro? Acaso n4o foi completamente arruinado?” O propésito destes trés capitulos é dar resposta a essa pergunta e mostrar simples e claramente que 0 propésito de Deus nao entrou em colapso e que, se as coisas forem adequadamente entendidas, em tiltima andlise nao ha pro- blema nenhum. Na verdade, estas coisas hao de mostrar que 0 caso € inteiramente 0 oposto, ou seja, que o propésito de Deus sempre foi efetuado, esté sendo efetuado e sempre 0 sera, até chegar a uma perfeicdo absoluta e a uma consumacio final. O apostolo inicia esta grande demonstracao no capitulo 9, ll Para a Gléria de Deus e a chave para o entendimento disso tudo est4 na segunda parte do versiculo seis, onde ele diz: “Nem todos os que séo de Israel séo israelitas”. Ai esté o segredo. Hé um Israel dentro de Israel. Ha um Israel literal, nacional, mas h4é um “Tsrael” espiritual dentro daquele corpo maior. E 0 que o apéstolo vai dizer é que nunca foi propésito ou promessa de Deus que todo o Israel fisico seria salvo. Deus nunca disse isso. O Seu propésito foi tao-somente salvar o Israel espiritual, e esse propdsito Ele tem levado a efeito através dos séculos consecutivos. Ele ilustra isso com o que diz acerca de Isaque e Ismael, Jacé e Esai, mostrando que Deus fez esta distingdo e agiu naquele que Ele j4 havia escolhido, pondo em agao o Seu grande propésito e levando-o 4 sua completa realizagdo. E isso o leva a salientar que a salvacdo é inteiramente resultante da soberana vontade de Deus. Ha uma grandiosa declaragio no versiculo onze do capitulo nove: “Porque, nao tendo eles ainda nascido, nem tendo feito bem ou mal (para que o propésito de Deus, segundo a eleigdo, ficasse firme, nao por causa das obras, mas por aquele que chama)”. Por isso ele acentua o fato de que todo aquele que é salvo o é unicamente como fruto da eleigéo de Deus, do grande propésito soberano de Deus. E gracas a isso que todos nés somos salvos. Mas ele igualmente salienta que somos responsaveis se estamos num estado de condenacéo. Nao somos responsdveis por nossa salvacdo, porém somos responsdveis por nossa condenacao. Nao devemos entrar nesses detalhes outra vez, mas 0 apdstolo expde a sua tese de molde a tornar claro para quem quer que lhe faga objecao que a objecao é, na realidade, feita contra Deus. Diz ele: “O homem, quem és tu, que a Deus replicas?” O grande principio é que Deus salva, porém o homem é responsdvel por sua prépria rejeigéo. Assim, 0 capitulo nove termina com a afirmag&o de que os judeus séo responsdveis por sua situagdo porque eles se rebelaram contra Deus, substituindo por suas idéias pessoais 0 soberano 12 Romanos 11:1a propésito de Deus e procurando a salvacio pelas obras da lei, em vez de aceité-la pela fé como dom gratuito de Deus. E, pois, importante lembrar a distingdo existente dentro de Israel e que o propésito de Deus tem sido levado a efeito por meio do Israel espiritual. Nada foi omitido, naéo falta coisa alguma, porque isso € tudo quanto Deus Se propés fazer e fez. No capitulo 10 0 apéstolo parte desse ponto ¢ o desen- volve em detalhe. Ele mostra a completa loucura dos judeus assinalando que o plano de Deus para salvacgaéo sempre foi pela fé e que nao existe nenhum outro plano. Esse é, universalmente, 0 método de Deus. Portanto, a salvagaéo nao depende das obras realizadas pelo homem, nem de coisa alguma que haja nele, mas de Deus e da Sua vontade soberana, e, como é obtida pela fé, est4 franqueada aos gentios bem como aos judeus. Ele resume tudo isso com sua ressonante declaragéo registrada no versiculo treze do capitulo dez: “Todo aquele que invocar o nome do Senhor sera salvo”. Nao importa quem a pessoa é. Os homens nao sdo salvos por serem judeus, nem porque praticam boas obras e séo_religiosos. Nao, nao, € o chamado de Deus que os salva, e, portanto, o evangelho deve ser pregado a todos, ea tinica coisa que importa é se o homem cré nele e Ihe obedece. Novamente ha dois lados em questao. A salvacao é toda de Deus, e, contudo, o homem pode trazer sobre si a conde- nagao. No versiculo dezesseis Paulo diz: “Mas nem todos obedecem ao evangelho”, e de novo firma todo o argumento com relagao aos judeus. A oferta foi feita a eles antes de ser feita aos gentios. Os apédstolos comecgaram em Jerusalém, antes de irem para Samaria e até os confins da terra, porém os judeus rejeitaram a mensagem porque absolutamente nao entenderam 0 plano divino de salvacdo. Eles procuravam a salvacdo pela guarda da lei, em vez de se darem conta de que é sempre pela fé. E, como no capitulo nove, também 13 Para a Gloria de Deus no capitulo dez o apéstolo prova com numerosas citagdes das Escrituras que tudo isso nado somente era verdade, mas também que tudo tinha sido predito e profetizado. Nao ha, pois, necessidade de que alguém tropece nisso, seja quem for, porque estas grandes citagdes de Moisés e de Isaias mostram que o tempo todo o propésito de Deus estd sendo efetuado. Nao ha nenhum problema, nao ha nenhuma falha: 0 que Deus disse que faria, Ele fez, esta fazendo e fara. No fim do capitulo 10 Paulo volta ao mesmo ponto, exatamente como fizera no fim do capitulo 9, e faz isso, mais uma vez, para mostrar estes dois lados — a livre graga de Deus segundo a Sua soberana vontade, e a responsabilidade do homem por sua propria condenagao por rejeitar o plano de Deus. Assim, este € 0 ponto ao qual chegamos: o propésito de Deus estd certa e seguramente sendo levado a efeito, embora no presente, diz o apéstolo, seja mormente por meio dos gentios antes que pelos judeus. Isso por causa da cegueira dos judeus e da sua incapacidade de entender as suas préprias Escrituras, das quais tanto se gabavam. O deus deste mundo os tinha cegado. Havia um véu sobre os seus olhos, de modo que, embora as Escrituras fossem lidas todos os sdbados nas sinagogas, eles nao as entenderam, e isso ocasio- nou todo o problema deles. E assim que Paulo termina o capitulo 10, do mesmo modo como terminara 0 capitulo 9. Mas isso da surgimento a questao que se acha no comego deste capitulo onze — “Digo pois: porventura rejeitou Deus 0 seu povo?” “Vocé esté afirmando”, alguém poderé perguntar ao apéstolo, “que Deus terminou completamente Sua relagao com os judeus, e que dai por diante o tinico povo a conside- rar so os gentios?” E essa pergunta especifica que ele acata e responde neste capitulo. O apéstolo nao tinha tratado disso nos capitulos 9 e 10, os quais visam simplesmente mostrar-nos por que os judeus estavam na condigéo em que estavam no tempo dele. Era uma coisa espantosa para judeus e gentios, quando estes se 14 Romanos I1:la tornavam cristaos, que 0 povo judeu estivesse fora. O apéstolo teve que explicar isso, porém também teve que explicar por que os gentios puderam entrar. Bo que ele faz nos capitulos 9 e 10. Ele mostra por que os judeus estao fora; Mostra como os gentios entraram, e que isso é simplesmente o cumprimento de tudo o que tinha sido profetizado; mas nesses capitulos ele nao leva o argumento para além disso. Entretato no capftulo 11 ele vai mais longe. Ele olha para o futuro e mostra que este maravilhoso e grandioso propdsito de Deus vai ser levado a efeito em sua gloriosa plenitude, tanto quanto aos gentios como quanto aos judeus. Portanto, hé um novo tema aqui. O presente foi explicado, mas a pergunta agora é: e que dizer do futuro? Os judeus esto fora; deverao estar sempre fora? Este seria o fim dos judeus no que se refere 4 salvagio? Acabou-se o propésito de Deus com respeito aos judeus? Paulo responde a isso e mostra que nao é esse o caso. E assim ele nos dé esta grande previsao da histéria — 0 propdsito supremo e final de Deus, em toda a sua plenitude, tanto com relagao aos judeus como aos gentios. Esse € 0 sumério dos trés capitulos, sumario que mostra 0 cenério deste capitulo onze. Agora estamos em condigées de fazer uma anilise geral do contetido deste capitulo. Nao ha dificuldade em fazé-lo porque ele se divide naturalmente para nés. Ele contém trés divisdes. A primeira é dos versfculos 1 a 10. Comega com as pala- vras: “Digo pois”, que também se acham no versiculo 11, no inicio da segunda divisdéo. A inquirigéo tratada nesta primeira divisao é: “Rejeitou Deus 0 Seu povo?” E esperada uma resposta negativa, que € dada com as palavras: “De modo nenhum”. Bem, o que ele faz aqui é mostrar que esta rejeigéo dos judeus, ja tratada nos capitulos 9 e 10, nao é uma rejeicéo total — no sentido de que todos os judeus foram rejeitados. Ha 15 Para a Gloria de Deus alguns que créem e que sao cristéos, como ele dera a entender naquele capitulo dez, versiculo dezesseis: “Mas nem todos obedecem ao evangelho”. Alguns obedecem, mas nao todos. Ele parte desse ponto e passa a desenvolvé-lo. Vamos entao a segunda divisdo, que comega no versiculo 11. A pergunta que ele faz aqui é: “Porventura tropecaram, para que caissem?” Novamente esta implicita uma resposta negativa. Nesta diviséo, que continua até o versiculo 32, ele mostra que a rejéicéo de Israel — a nagdo — nfo é final. Nao foi total nos versiculos 1 a 10; nestes versiculos no é final. Veremos que os versiculos 11-23 apontam para uma possibi- lidade de os judeus serem restaurados. O versfculo 24 afirma que isso € uma probabilidade. O versiculo 25, afirma que é uma certeza. Vocés véem que o argumento se desenvolve. Nao é uma rejeicao total; nao é uma rejeigao final; na verdade, uma coisa tremenda vai acontecer. Resta a terceira divisdo, versiculos 33 a 36, e esse trecho nao € outra coisa sendo uma grande doxologia, uma expressio de admiragao, de adoracio e louvor. Temos af, entao, a nossa divisao ou andlise do contetido do capitulo. 2 “Digo pois: porventura rejeitou Deus o seu povo? De modo nenhum; porque também eu sou israelita, da descendéncia de Abrado, da tibo de Benjamim. Deus nao rejeitou o seu povo, que antes conheceu. Ou néo sabeis o que a Escritura diz de Elias, como fala a Deus contra Israel, dizendo: Senhor, mataram os teus profetas, e derribaram os teus altares; e s6 eu fiquei, e buscam a minha alma? Mas que lhe diz a resposta divina? Reservei para mim sete mil varées, que nao dobraram os joelhos diante de Baal.” — Romanos 1]:1-4 Passamos agora a exposicdo detalhada da primeira divisdo deste capitulo. Vai do versfculo primeiro ao versiculo dez, e nela 0 apéstolo se disp6e a provar que a rejeicao de Israel nao é total. Ele coloca isso na forma da pergunta: “Digo pois: porventura rejeitou Deus 0 seu povo?”, que vocés poderiam tomar em termos como estes: “Estou perguntando: sera possivel que Deus rejeitou 0 Seu povo?” Que estar4 ele perguntando realmente? Qual o alcance desta rejeicgéo? Significa uma rejeigéo completa, uma reso- lugao de nao ter mais nada a ver com aqueles a quem sc refere. Essa é a expresso empregada pelo apéstolo, e ele a coloca numa posigéo proeminente em sua frase para fins de énfase. Praticamente o que ele pergunta é 0 seguinte: “Logo, o meu ensino seria que Deus terminou com o Seu povo, isto é, com os judeus?” Assim, essa é a questao levantada por ele, e ele o faz de modo que s6 cabe uma resposta a ela. Essa resposta, conforme a dada pela Versaéo Autorizada (inglesa), é: “Nao 0 permita Deus”, que significa, “nao ha de ser” - ou 7 Para a Gloria de Deus “De modo nenhum” ~a coisa é impensavel! Pois bem, por que diz ele que isso € uma coisa inteira- mente impossivel? Quero sugerir a vocés que ele da trés raz6es para isso nos versiculos 1 a 10, as quais me proponho a dividir como segue: A primeira explicagéo da razdo pela qual ele 0 diz “impensdvel” acha-se no versiculo primeiro e na primeira parte do segundo, e essa explicag&o é o seu proprio caso. A segunda explicagéo tem a ver com a doutrina do remanes- cente, e comeca a meio caminho do fim do versiculo dois e vai até o fim do versiculo seis. Em terceiro lugar, nos versiculos sete a dez, o apéstolo faz um resumo referindo-se 4 doutrina da eleicéo. Finalmente, para provar o seu argu- mento, ele pée o arremate com citag6es escrituristicas da maneira que lhe é habitual. Vejamos, entio, as trés subdivisées desta primeira divisao. Por que é que ele com efeito diz: “Nao permita Deus que alguém chegue 4 concluséo de que eu estou ensinando que Deus pés fim as suas relagdes com a nacao de Israel?” Bem, diz ele, aqui vai a minha primeira resposta: “Também eu sou israelita, da descendéncia de Abraao, da tribo de Benjamim. Deus nfo rejeitou o seu povo, que antes conheceu”. Essa é uma declaracéo muito interessante. Ha nela duas questées para as quais eu devo chamar a atengio de vocés. Diz ele: “Também eu sou israelita”, e entéo, para sublinhar isso, ele diz: “da descendéncia de Abraao, da tribo de Ben- jamim”. Diz ele: “Se alguém pensa que eu estou ensinando que quando Deus enviou o Seu Filho a este mundo com o evangelho como meio de salvagao isso quer dizer que nenhum judeu jamais seria admitido, que Deus tinha terminado com Israel e que Ele sé Se interessou pelos gentios dai em diante, quem é competente para responder a isso sou eu, porque eu proprio sou israelita”. E, nao contente com afirm4-lo de maneira geral, acrescenta: “sou... da descendéncia de Abraao”. Romanos 11:1-4 Nos capitulos anteriores, particularmente no capitulo 9, versiculo 6, 0 apéstolo tinha dado grande valor a esta questaéo da descendéncia de Abrado. Diz ele ali: “Nao que a palavra de Deus haja faltado, porque nem todos os que séo de Israel so israelitas; nem por serem descendéncia de Abrafo sao todos filhos”. A grande jact4ncia dos israelitas e judeus era: “Somos filhos de Abra&o, somos descendéncia de Abrado”, e vocés podem ver isso repetir-se como um refréo através das paginas dos Evangelhos. Pelo que ele diz: “Sou da descendéncia de Abraao”. Ele diz também que é “israelita”, e isso traz a vista Jacé, porque foi a Jacé que foi dado o nome de Israel. Noutras palavras, ele se dispde a provar que ele proprio pertence a linhagem certa. Em conformidade com o argumento do capitulo 9, Paulo diz: “No sé descendo de Abraao; pertengo a esta linhagem que vem por meio de Jacé; sou israelita”. E depois ele particulariza mais ainda, dizendo que é “da tribo de Benjamim”. Obviamente, ele est4 ansioso para dizer que nao é um prosélito, mas nao somente isso. Dizendo-nos que € da tribo de Benjamim, ele nos lembra que Benjamim permaneceu com Juda, mantendo-se fiel a alianga de Deus com Davi, ao passo que, subseqiientemente 4 morte de Salomao, as outras dez tribos estabeleceram o seu préprio reino em Samaria, s6 para acabarem sendo levadas para 0 cativeiro. Portanto, o que ele realmente est4 fazendo é dispor-se a provar a sua tese de que, se alguém dissesse que Deus terminou completamente com Israel, isso s6 poderia significar que nenhum israelita poderia crer no evangelho e ser salvo por ele. Muito bem; ele faz ali a sua declaragado pessoal, declaracdo que é um argumento forte e convincente. Mas depois ele acrescenta as palavras: “Deus nao rejeitou © seu povo, que antes conheceu”. E uma afirmacgdo impor- tante, porém ha alguma divergéncia sobre ela. E uma espécie de citacgéo do Salmo 94, versiculo 14, onde se 1é: 19 Para a Gloria de Deus “Pois o Senhor nao rejeitaré o seu povo, nem desampararé a sua heranga”. Isso obviamente estava na mente do apéstolo quando ele articulou essa frase. Contudo, ha dois modos de construir a sua afirmacao. Eis a primeira: “Deus nao rejeitou 0 seu povo, que antes conheceu”. A segunda maneira de redi- gi-la é: “Deus no rejeitou 0 seu povo que antes conheceu”. Vocés notam a diferenga? Esté na virgula. A primeira redacaéo se refere 4 nacdo de Israel; a segunda, somente aos eleitos que hé dentro da nagao. Pois bem, af estéo os dois pontos de vista, e, digo e repito, nado é sé interessante, porém também é importante que entendamos bem isto e que o resto da nossa exposigao seja coerente com a nossa maneira de entender este ponto. Ou Paulo se refere aos eleitos existentes dentro da nagdo, ou 4 nagao em geral. Tomemos estas opinides nessa ordem, por- que os dois grandes comentadores desta Epistola —- Charles Hodge e Robert Haldane - adotam a primeira opiniao e dizem algo como o seguinte: no versiculo primeiro deste capitulo “o seu povo” significa a nagéo, mas no versiculo dois ele obviamente nao se refere 4 nagéo como tal, e sim unicamen- te aos eleitos que ha nela. Eles entendem que a frase diz que Deus rejeitou a todos, fora os Seus eleitos, “o seu povo que antes conheceu”. Limitemo-nos a Hodge, porque ele apresenta trés argumentos a favor dessa explicagéo particular. Quais sao eles? Primeiro, ele afirma que, ao referir-se aqui somente aos “eleitos”, 0 apéstolo diz algo que segue a linha do que ele ja havia dito no capitulo 9, versiculos seis a oito, acerca do verdadeiro Israel. Segundo, diz ele que esta interpretagao € 0 que Paulo diz no versiculo cinco deste capitulo: “Assim pois também agora neste tempo ficou um resto, segundo a eleigéo da gracga”. O seu terceiro argumento é este: “O uso que o apéstolo faz da ilustragéo do que aconteceu no tempo de Elias, e do que foi dito ao proprio Elias, ajusta-se tam- bém a esta declaracdo”, porque naquele tempo a nacéo como 20 Romanos 11:1-4 um todo, pode-se dizer, era apdstata, e sé havia um pequeno grupo que ainda cria. Mais uma vez, consideravelmente trepidante e hesitante, aventuro-me a dissentir dessa explicagéo, tanto de Hodge como de Haldane, e daqueles que concordam com eles. Por que a rejeito? Eis os meus motivos: primeiro, sempre me parece que atribuir sentidos diferentes a uma palavra ou expressao quando ela é repetida téo proximamente, como acontece com a expressao “o seu povo” nos versiculos 1 e 2, é fazer uma coisa muito duvidosa. Certamente temos 0 direito de supor que uma palavra empregada no mesmo contexto e como parte do mesmo argumento tem a mesma conota¢ao, a menos que haja uma razio irresistivel para o contrdrio. Mas, em segundo lugar, parece-me que adotar a explicagao deles é realmente sugerir que Paulo é culpado do vicio de linguagem chamado “tautologia”, isto é, repeti¢ao desneces- saria. O que eles fazem o apéstolo dizer 6: “Deus nao rejeitou 0 povo que Ele escolheu”. Ora, como poderia Ele rejeitar 0 povo, se o escolhera? Obviamente nao haveria nenhuma necessidade de dizer tal coisa. Isso nao acrescenta nada ao sentido. E pura repetigéo, e o apéstolo nunca se faz culpado disso. Eis o que a interpretacao deles o faz dizer: “Deus nao rejeitou o Seu povo que Ele escolheu, ao qual Ele antes conheceu”. Bem, esté claro que Ele nao fez isso! Todavia, em terceiro lugar, parece-me que a explicacéo dada por eles esquece inteiramente 0 objetivo geral deste capitulo. Lembro a vocés que no capitulo 11 0 apdéstolo nao est4é meramente repetindo o que dissera no capitulo 9 e desenvolvera finalmente no capitulo 10. Ele esté acrescen- tando algo novo e vivaz. Nos capitulos 9 e 10 ele tivera que conciliar o fato de que a maioria dos judeus nao estava crendo no evangelho com o ensino do Velho Testamento, e também tivera que justificar 0 fato de que os gentios estavam entrando. Foi esse 0 objetivo dos capitulos 9 e 10 - e fez isso, natural- mente, a seu modo admiravel e perfeito. Mas agora, no capitulo 21 Para a Gl6éria de Deus 11, ele vai mais longe; agora ele est4 olhando para o futuro e vai nos dizer o que vai acontecer com esta nacao. Bem, uma coisa extraordinéria 6 que tanto Hodge como Haldane concordam que este é 0 grande objetivo do capitulo, e, todavia, neste ponto eles esquecem que o apéstolo tinha concluido o tema do capitulo 9 e esté passando a um assunto totalmente novo. Ele esté examinando a situagaéo da nacio como tal a luz do plano e propésito final e supremo de Deus. Isso, ao que me parece, € suficiente em si e por si para pdr a explicacao inteiramente fora do pareo. Contudo, que dizer sobre a referéncia a Elias nos versfculos 2 e seguintes? Por que seré que Paulo inclui isto? Por certo a resposta é: argumentar no sentido de que Deus tinha cor- tado relagdes com a naga4o porque a maioria dos judeus nao estava crendo no evangelho é ser como o pobre Elias. Ele caiu exatamente na mesma armadilha e pensou que sé restava ele. Mas, naturalmente, a resposta de Deus a ele foi que havia muitos outros que também permaneciam em sua retidao. Certamente nisso estd a forga do argumento de Paulo. E, portanto, o apéstolo esta realmente dizendo: “Nao sou o tinico crente, pois hé muitos outros neste presente tempo”. “Assim, pois, também agora neste tempo ficou um resto, segundo a eleigaéo da graca”, e isso é exatamente 0 oposto da dedugaéo que Hodge fez da utilizagdo que por sua vez Paulo fez do referido caso de Elias. Assim eu chego ao meu ultimo motivo para rejeitar essa explicagéo. E que 0 propésito geral deste capitulo é tratar da nacéo como tal, e é isso que torna téo espantoso para mim que eles possam interpretar erroneamente esta declaragdo particular. Tanto Hodge como Haldane concordam que daqui em diante o apéstolo esté interessado na nagdo como tal. Leia de novo, cada um de vocés, 0 capitulo, e vera que o tempo todo Paulo tem os olhos postos na na¢ao judaica — um fenédmeno —e no que lhe ird acontecer no futuro. Observe as expressdes que ele emprega, as quais provam 22 Romanos 11:1-4 isso fora de todo e qualquer equivoco. Diz ele: “Digo pois: porventura (eles) tropecaram, para que caissem>?” Quem sao eles? Sdo a nagdo. Ele nao estd falando acerca dos eleitos. O termo implicito “eles” refere-se ao “povo” de Deus. “(Eles) tropecaram, para que caissem?” Nao se trata dos crentes eleitos, e sim da nacéo. “De modo nenhum”, diz ele: “mas pela sua queda veio a salvacaéo aos gentios”. Entéo vem este grande argumento: “E, se a sua queda é a riqueza do mundo”. Nao é o remanescente eleito; é a nagdo. E assim vai, até o fim. Diz ele que “o endurecimento veio em parte sobre Israel”. Ele ainda est4 falando sobre a nagao. Versiculo 25: “Nao quero, irmaos, que ignoreis este segredo (para que nao presumais de vés mesmos): que 0 endurecimento veio em parte sobre Israel, até que a plenitude dos gentios haja entrado”. Pois bem, todo o capitulo fala de “Israel”, e Hodge e Haldane séo muito eloqiientes quanto a isso. Ambos dizem com veeméncia que “o endurecimento veio em parte sobre Israel”. E temos também frases como a que diz que “eles... serao enxertados” novamente. Bem, eles séo a nagaéo que agora estd fora; nao é dos eleitos que o apéstolo esta falando. De maneira nenhuma € sobre eles que Paulo est falando! H4 logo adiante esta outra grande declaragao, no versiculo 28: “Quanto ao evangelho, sao inimigos por causa de vés; mas, quanto a eleicaéo, amados por causa dos pais”. Quem sao estes? Bem, é a nacao de Israel. Nao meramente o remanes- cente salvo pertencente a nagdéo, nao meramente o “Israel dentro de Israel”. Aqui se trata de Israel considerado como uma nacido fisica, como um povo teocratico de Deus, aqueles que sao “amados por causa dos pais”. Do principio ao fim, este capitulo, nesta frase como em todas as outras, 0 apéstolo fala deles, da nagao teocratica de Israel, do povo como uma totalidade, do povo como um todo. Nao precisamos demorar-nos na expressdo “antes conheceu”, porque j4 passamos por ela muitas vezes nesta 23 Para a Gloria de Deus grande Epistola. Que é que ela significa? Bem, a melhor tradugdo aqui é “antes ordenou”. E exatamente a mesma expressdo que consta em 1 Pedro 1:20, onde o apédstolo Pedro se refere 4 morte do nosso Senhor e declara que ele “foi preordenado antes da fundagéo do mundo, mas foi manifestado nestes tiltimos tempos por amor de vés” (VA). Portanto, em nosso versiculo a expressao significa 0 povo que Deus “preordenou”. Nao significa apenas que Deus, que sabe todas as coisas, sabia quem iria crer e quem iria rejeitar o evangelho. Quem quer que tenha percorrido bem o seu caminho através da Epistola aos Romanos néo pode acreditar nisso nem por um segundo. Todo o argumento do capitulo 9 foi que, enquanto estas duas criangas, Jacé e Esati, ainda estavam no ventre da sua mae, Deus disse: “Amei Jacé, e aborreci Esatt”. Eles nao tinham feito absolu- tamente nada. O que aconteceu com eles foi preordenagao, e € essa palavra que temos aqui. Significa que Deus teve um interesse especial por esta nagao. Nela pusera o Seu coracgdo e o Seu afeto. Isso na verdade vai mais longe ainda: Deus tinha formado e prepa- rado esta nacgo para Si. Em Amés 3:2 Deus Se dirige a ela e diz: “De todas as familias da terra a vés somente conheci”. Bem, isso s6 pode significar uma coisa: néo que Ele tinha conhecimento dela, porque Deus tem conhecimento de todas as nagées da terra. Significa: “Somente a vés eu conheci com amor especial e com interesse especial; somente vés sois um povo que constitui uma propriedade particular para Mim; estou em intima relagéo convosco. Eu vos conheci como a ninguém mais. Eu vos reconheco, vés sois 0 Meu povo”. E isso que significa, e, naturalmente, é isso que Deus nos diz em toda parte na Biblia acerca do Seu povo. E o ensino da Biblia inteira acerca dos filhos de Israel. Eles néo vieram 4 existéncia como as demais nagdes; nado eram uma nacio como as outras. Deus os preparou como um povo especial para Si, para Sua propriedade peculiar. Ele os conhece - “Eu 24 Romanos 11:1-4 serei 0 vosso Deus, e vés sereis 0 Meu povo”. Ele Se com- promete com eles. Tudo isso est4 incluido na idéia de “pré-conhecimento” significando “preordenagao”. Portanto, esta é a declaragdo do apdstolo: por que é que eu digo “De modo nenhum”? Digo-o por esta razio: Deus formou esta nagao para Si mesmo; se, portanto, Ele a rejeitar do modo como vocés estado sugerindo, significaré que Deus Se contradiz, significaré que Deus esta recuando do Seu proprio propésito! Isso é impensdvel! Os propésitos de Deus saéo sempre seguros. Ele vé o fim desde o principio. Deus é imutdvel, é inalteravel, é o Deus sempiterno. Assim o apéstolo nos da aqui uma explicagéo em si e por si suficiente do motivo pelo qual ele fala tao fortemente e diz: “De modo nenhum”! Antes de darmos por conclufda esta primeira explicagao, ha uma coisa que devo mencionar de passagem em conexdo com a palavra “israelita”, que consta no versiculo primeiro. Parte da maravilha das Escrituras é a maneira pela qual cada pa-lavra conta, e ai temos algo que é importante nos dias atuais com relagéo ao ensino dos chamados “israelitas britanicos”. Que é que eles ensinam? Dizem eles que o erro que as pes- soas sempre cometem é dar tanta atencdo aos judeus que, ao verem a sua situac&o no presente, ficam em dificuldade com relagao as profecias do Velho Testamento, que elas ficam confusas por relaciond-los com as grandes promessas do Velho Testamento. Mas isso acontece porque nao percebem que ha toda a diferenga do mundo entre um judeu e um israelita. Dizem eles que a chave para o entendimento de todas as Escrituras consiste em ver esta diferenga e em compreender que as promessas foram feitas inteiramente para Israel, e nado para os judeus. Entéo, quem é Israel? Eles dizem que “Israel” sao as dez tribos perdidas as quais as Escrituras freqiientemente se referem como “Efraim”. E quem sao elas agora? As pessoas de linhagem britanica, dizem eles. O povo britanico 25 Para a Gloria de Deus € Efraim; o povo americano é “Manassés”; e eles dizem que as gloriosas promessas das Escrituras séo realmente para 0 povo britanico e para o Império Britanico. Pois bem, esse é 0 ensino deles, e eu 0 menciono porque existe a possibilidade de que vocés encontrem alguém que ensine estas coisas e que alegue que vocés entenderam as Escrituras de maneira totalmente errénea. Qual deveré ser a resposta? O que me concerne mostrar a vocés é que s6 este unico versiculo de Romanos é suficiente em si para des- mentir esse ensino monstruoso. Como? Porque o apéstolo Paulo, que nos expde aqui a sua genealogia judaica, diz também: “eu sou israelita”. Isso prova que a sugerida distingéo entre judeu e israelita é ridfcula e sem sentido. Leiam a argumentacao do israelismo britanico, e veréo que nao sé nao corresponde ao ensino biblico, mas também nao corresponde a historia, nem tampouco a tudo o que a respeito é obtido por meio da antropologia. Essa corrente nao tem fatos a que recorrer, € teoria, suposigéo, manipulagao das Escrituras e tudo mais; porém aqui, reitero eu, temos 0 suficiente, no ver- siculo em si. Temos aqui um judeu gloriando-se, como se gloriavam todos os judeus, no fato de que é “israelita”, e, naturalmente, essa é a verdade com relacdo a este assunto. Mal tocamos na primeira parte do argumento do apés- tolo nesta divisdo inicial, mas espero ter persuadido a todo aquele que acaso tenha estado em divida sobre isto, de que © que temos aqui néo somente é uma gloriosa passagem das Escrituras e constitui a introdugdo de um grande tema, contudo também é de grande importancia pratica, utilidade e relevancia, e, quanto mais conhecermos as Escrituras, mais veremos que elas tratam dos nossos problemas modernos e contemporaneos. 26 3 “Digo pois:porventura rejeitou Deus o seu povo? De modo nenhum; porque também eu sou israelita, da descendéncia de Abraao, da tribo de Benjamim. Deus no rejeitou o seu povo, que antes conheceu. Ou nao sabeis o que a Escritura diz de Elias, como fala a Deus contra Israel, dizendo: Senhor, mataram os teus profetas, e derribaram os teus altares; e s6 eu fiquei, e buscam a minha alma? Mas que lhe diz a resposta divina? Reservei para mim sete mil varées, que nao dobraram os joelhos diante de Baal. Assim pois também agora neste tempo ficou um resto, segundo a eleigao da graca. Mas se é por graca, jd nao é pelas obras: de outra maneira, a graca ja nao é graca.” — Romanos 11:1-6 Reassumimos o nosso estudo da primeira divisao deste capitulo, que vai do versiculo primeiro ao versiculo dez, na qual o apéstolo esté mostrando que, embora os judeus estejam em grande parte fora da Igreja, Deus nao rejeitou totalmente a nacao. Paulo da as suas razées para isso. A primeira é que ele afirma “eu sou israelita” — significando que, como ele € cristo, isso € em si suficiente para provar que a rejeicgéo aplicada por Deus ao Seu povo nao é€ total. Passemos agora para o segundo argumento que ele apresenta. Acha-se no trecho que vai da segunda parte do versiculo dois até o versiculo 6. Ha nesses versiculos uma di- visdo bastante 6bvia e natural. O apéstolo primeiro estabelece uma tese, e isso ele faz da segunda parte do versiculo 2 até o fim do versficulo 4; e depois, nos versfculos 5 e 6, ele a aplica e mostra a relevancia do que esta dizendo. Antes de tudo, devemos tratar da pura e simples exposigado a Para a Gloria de Deus para desde logo obter os fatos. Ele introduz esta questio dizendo praticamente o seguinte: “Vocés nao sabem?” E assim que com muita freqiiéncia 0 apéstolo procede. Ele apela para o que os seus leitores j4 sabem. Diz ele: “Vocés nao sabem o que as Escrituras dizem?”. Bem, por que sera que ele faz isso? Certamente porque est4 desejoso de mos- trar que nao est4 apresentando uma teoria ou uma idéia pessoal dele. O apéstolo nunca baseia a sua posicéo em seu préprio pensamento. Ele sempre quer que eles vejam e saibam que o que ele diz se baseia na autoridade da Palavra de Deus. Noutras palavras, como temos visto muitas vezes em seu modo de raciocinar e em sua argumentacao, uma tese que ele defende, talvez mais freqiientemente nestes trés capitulos, 9, 1011, do que em qualquer outra passagem, é que nao havia nada de novo naquilo que estava acontecendo entre os judeus no seu tempo. A mesma coisa tinha ocorrido repetidamente na histéria dos filhos de Israel no Velho Testamento. Ora, este € um argumento muito importante, porque a acusagdo assestada contra o grande apéstolo era que, ao ensinar o evangelho e toda a nogao do que seja a Igreja Cristi, ele estava dizendo algo que de modo nenhum poderia estar ligado ao Velho Testamento. Nada é tao importante para o grande apdstolo como poder mostrar que ele nao ensinava nada novo em principio, e sim que tudo fora predito no Velho Testamento. Deus tem somente um grande método; ha somente um plano de salvacgao. Vocés véem isso tanto no Velho como no Novo Testamentos. Assim, é é6bvio que é deveras pertinente ao argumento geral nesta altura que o grande apéstolo possa demonstrar isso por meio de um exemplo e ilustragao procedente da histéria do Velho Testamento. “Vocés nfo sabem”, diz ele, “o que as Escrituras dizem sobre Elias?” Uma tradugio melhor seria: “Vocés ndo sabem 0 que as Escrituras dizem “em” Elias?” Por que defendo isso? Porque nos mostra como Escritura se refere a Escritura. Nao 28 Romanos 11:1-6 existe nenhum livro de Elias (forma de origem grega do hebraico Elijah), e assim, por que ele diz “em Elias”? Bem, esse € um modo de dizer: “Vocés nao sabem o que Deus disse na porgéo das Escrituras que trata da histéria de Elias?”, e, para resumir, ele diz “em Elias”. O que Deus disse “em Elias” é 0 que temos em 1 Reis, capitulo 19, na narrativa sobre Elias, particularmente no que ele disse em oracdo a Deus. Recordemos os fatos dessa histéria notdvel. Elias tinha ido pouco antes ao Monte Carmelo e ali, sozinho, tinha enfrentado oitocentos e cinqiienta falsos profetas.* Este Gnico homem levantou-se contra eles como um leo, e, claro, desbaratou-os e derrotou-os. Mas, tendo feito isso, soube da intengdo da rainha Jezabel de dar cabo da vida dele, e fugiu para salvar-se. E ali o vemos sentado debaixo de um zimbro e fazendo siplicas a Deus contra Israel. Ele orou a Deus pedindo que fizesse alguma coisa com relacaéo ao povo de Israel e efetivamente disse: “Os filhos de Israel deixaramo teu concerto, derribaram os teus altares, e mataram. os teus profetas 4 espada, e eu fiquei sé, e buscam a minha vida para ma tirarem. Por que nao fazes alguma coisa com este povo, por que nao o feres?” Clamou a Deus que agisse judicialmente com respeito a eles. Ele no se limitou a correr em fuga, e a sentar-se, falar como falou e sentir-se como sentiu- se; ele realmente foi longe, ao ponto de orar desse jeito. Bem, qual é 0 ponto em questao? Toda a dificuldade estava em que Elias tinha julgado completamente mal a situagao, e Deus o fez ver isso, dizendo: “Eu fiz ficar em Israel sete mil; todos os joelhos que se néo dobraram a Baal”, e todo o objetivo do apéstolo é mostrar um paralelo entre aqueles tempos e os dele préprio, dizendo que nao era o caso de que s6 ele estava salvo e era cristao. Ele reivindicara a posigio * Ver 1 Reis 18:19. Nota do tradutor. 29 Para a Gloria de Deus de cristéo, mas quer deixar claro que nao est4 na situacdo de Elias, que se julgava o tnico que restara. Paulo sabe que ele € um dentre um grande ntimero. No tempo de Elias houve de fato apostasia de uma parte da nacido de Israel, e se vocés olhassem superficialmente para a situacéo, pode- riam muito bem chegar 4 conclusdo de que Elias tinha 1azio; todavia o caso é que ele estava absolutamente errado. E, diz o apéstolo, agora acontece exatamente a mesma coisa. Eu, que sou israelita, sou cristéo — porém no sou s6 eu. Contudo, néo somos deixados nos dominios da opiniéo sobre isso. Paulo escreve: “Mas que lhe diz a resposta divina?” e emprega af uma palavra significativa, uma palavra nao utilizada em nenhuma outra passagem do Novo Testamento. Ha aqueles que a traduzem assim: “Que diz 0 ordculo de Deus?” A palavra se refere a um pronunciamento muito especial de Deus, uma resposta divina, e 0 que Deus disse foi: “Eu fiz ficar em Israel sete mil; todos os joelhos que se néo dobraram a Baal”. Paulo diz: “Reservei para mim sete mil vardes, que néo dobraram os joelhos diante de Baal”. Chamo a atencdo para esta diferenca porque ha pessoas que acham que esta mudanga nas palavras contradiz a dou- trina da inspiragao verbal das Escrituras. Indagam eles: que vantagem ha em afirmar que este homem foi divinamente inspirado, quando ele cita mal as Escrituras ou lhes acres- centa algo? Como podem vocés continuar sustentando a inspiracao divina delas? Bem, como tive ocasiao de assinalar muitas vezes, esse tipo de coisa é prova da inspiragdo, nao o contrario. O mesmo Espirito que inspirou os escritores do Velho Testamento foi quem inspirou o apéstolo, e Ele € 0 tnico que tem direito de acrescentar ou mudar algo, ou de lhe conferir uma diferente nuanca de significado. Paulo, como ex-fariseu, jamais se aventuraria a citar o Velho Testa- mento de algum modo que nao fosse perfeitamente literal, mas cle faz isso muitas vezes, e o faz porque era apéstolo, e inspirado. Por isso, quando temos Deus dizendo “Eu fiz ficar”, 30 Romanos 11:1-6 pelo Espirito o apéstolo entende que significa “Reservei para mim”. Como o Espirito é o Autor eo Inspirador de todas as Escrituras, sé Ele sabe que sentido particular Ele quer apresentar num dado ponto particular. Logo, longe desta variagao militar contra a inspiragao divina, é um argumento em seu favor. Finalmente, devemos notar os ntimeros que so mencio- nados, e a grande diferenga que hd entre cles. Um, e sete mil! O pobre Elias diz: “Eu fiquei s6”; Deus, mediante um ordculo, diz a ele: “Reservei para mim sete mil vardes, que nao dobraram os joelhos diante de Baal”. Que contraste! Isso da forga 4 conclusao de Paulo no versiculo 5: “Assim pois também agora neste tempo ficou um resto, segundo a cleigdo da graca”! Pois bem, no tempo de Elias havia s6 um resto, um remanescente, que Deus tinha reservado para Si. A massa da nag&o tinha cafdo num estado de apostasia, porém Deus reser- vara um “remanescente”. E o que Paulo esta dizendo é que Deus ainda tem reservado um remanescente. Uma vista superficial da situacéo do século primeiro poderia redundar na conclusao de que a Igreja sé consistia de gentios. Isso é um erro, diz Paulo. Eu estou nela. Mas, néo somente isso, ha outros; como aconteceu no tempo de Elias, ainda ha um remanescente, segundo a eleigdo da graca. Julgo importante que tenhamos em mente que no tempo de Paulo havia mais judeus que se tornaram cristéos do que As vezes percebemos. Por exemplo, Tiago e os anciaos da igreja de Jerusalém disseram a Paulo: “Bem vés, irmao, quantos milhares de judeus ha que créem, e todos sao zela- dores da lei” (Atos 21:20). Notem isso — “quantos milhares de judeus ha que créem”! Portanto, o que o apéstolo diz no texto em foco era estritamente acurado. Por isso, a idéia de que Deus tinha terminado com o Seu povo ¢ inteiramente errénea. E errénea sob todos os pontos de vista, até mesmo no nivel factual, todavia é também uma prova da existéncia de 31 Para a Gloria de Deus “um remanescente, segundo a eleicdo da graca”. Tendo dito isso, 0 apéstolo acrescenta: “Se é pela graca, nao é mais pelas obras: de outra maneira, a graca jd nao € graca. Mas, se é pelas obras, a graca deixa de atuar: de outra maneira, as obras j4 nao sdo obras” (VA). E necessério mencionar dois pontos aqui. O primeiro relaciona-se com a segunda parte da declaragéo que, como muitos comentadores assinalam, est4 ausente dos melhores e mais antigos manuscritos. Bem, isto absolutamente nao importa, é claro. Suponho que para vocés é evidente que aqui nao se trata de “alta critica”; é um caso de critica textual. Existem muitos manuscritos, e uns séo mais importantes que outros. Nos melhores manuscritos a segunda parte do versiculo nao est4 presente. Apesar disso, nao faz nenhuma diferenga substancial, porque é simples- mente o inverso do que é dito na primeira parte, a qual realmente contém o significado todo. “Se é pela graga, nao é mais pelas obras: de outra maneira, a graca jA nao é graca”. Essa declaragéo inevitavelmente traz consigo este corolério: “Se € pelas obras, a graca deixa de atuar: de outra maneira, as obras j4 ndo séo obras”. Noutras palavras, o ponto principal é: teré que ser, ou “graca” ou “obras”. Nao podem ser as duas coisas ao mesmo tempo. Sdo duas eternas antiteses, e, se for uma, nao poderd ser a outra. Entretanto, em segundo lugar, alguns comentadores indagam por que Paulo teria dito o que consta na primeira parte do versiculo 6. Isso é muito importante. Alguns pare- cem achar que o apéstolo repete isso porque ele era um pregador, e o pregador sempre gosta de repetir os seus pontos. Ele tinha dado grande importancia a antitese “obras — graca” desde 0 comego desta Epistola (na verdade, toda a Epistola é, num sentido, um tratado sobre a salvagdo pela graga e nao pelas obras), e por isso eles pensam que, tendo dito “eleigéo da graca”, Paulo nao precisava insistir em dizer “Mas, se € por graca, jd nao € pelas obras”. Bem, estou disposto a conceder que pode haver alguma pressao nesse 32 Romanos 11:1-6 argumento — apenas um final golpe de martelo no prego para certificar-se de que a coisa ficou permanentemente fixa. No entanto, hé algo ainda mais importante aqui. E que a intengao de Paulo é demonstrar a certeza absoluta disso tudo; que o que esta acontecendo em Israel nao é algo feito de improviso, por assim dizer, e sim que Deus esté no comando. E desta soberana doutrina da eleicéo da graca, vista em detalhe no capftulo 9, que ele nos est4 lembrando uma vez mais. Passemos agora as ligdes para nds, a aplicagéo deste ensino. Primeiramente vamos tirar uma importante ligdo teolégica ou doutrindria. Qual sera? E esta doutrina do remanescente que existia no tempo de Elias. O argumento realmente é que, em certo sentido, o remanescente dé uma espécie de garantia a nagao. Afinal de contas, o remanescente é parte integrante da nagao, e, uma vez que um “remanescente” é salvo, nao se pode dizer, e nao se deve dizer, que toda a nagao foi rejeitada. O remanescente é uma parte do todo e, se esta salvo, isso nos diz algo sobre 0 todo. Claro esta que néo devemos pressionar exageradamente isso, como alguns que dizem que o remanescente constitui 0 todo. Nao devemos dizer isso, porque no é 0 que 0 apés- tolo ensina. Diz ele que um remanescente “do” todo é que foi salvo, e que essa era a situagéo no tempo de Elias tam- bém. Contudo, este € 0 ponto realmente importante, é Deus que preserva o remanescente. Agora, notem que isso é dito com diversas palavras: “reservei”, “eleic¢éo” e “graca”. Bem, nado se pode ter nada mais forte que isso. Paulo nao poderia ter escolhido outras trés palavras que expusessem isso com maior forca. O principio em operacao é 0 da graca. Aqui de novo, naturalmente, ha algo inteiramente fundamental para todo o ensino biblico. Vocés o véem em Isaias 1:9; 7:3 e 2 Tim6teo 2:17-19. Temos af algo a que devemos aferrar-nos e que devemos entender. E a grande mensagem do plano e propésito salvifico de Deus. 33 Para a Gloria de Deus Se nado houvesse nenhuma doutrina do remanescente, os filhos de Israel teriam desaparecido ha muito tempo, mesmo antes do tempo do nosso Senhor. Nao fosse pelo propésito de Deus, a Igreja Crista de ha muito teria desapa- recido completamente. H4 somente uma razdo pela qual a Igreja continua existindo, e essa razao é que ela é a Igreja de Deus. Se fosse nossa, hd muito tempo jd a terfamos arruinado. Mas nao é, vocés véem. O remanescente é resul- tado da escolha feita por Deus. A eleicio! Nao ha outra explicagéo. Nao depende do homem, absolutamente. Nao é que alguns se decidiram a apegar-se 4 verdade. Nao, eles n&o o conseguiriam. Nenhum deles se apegaria 4 verdade, se Deus nao se apoderasse deles, como o apéstolo tinha demonstrado tao pormenorizadamente no capitulo 9. Uma das coisas mais inexplicdveis para mim é haver algum cristéo que faga objecéo a doutrina da eleigao feito por Deus. Meus caros amigos, a Igreja Crista teria perecido ha séculos, provavelmente no século primeiro, sem a eleigaéo efetuada por Deus. Ele que preserva a Igreja, como foi Ele que preservou os filhos de Israel. A Palavra de Deus nao teria tido nenhum efeito, se Deus nao a tivesse feito pros- seguir, e Ele a mantém em andamento pelo principio da eleicéo, e a eleic¢do 6 inteiramente uma questao de graga. Ninguém é escolhido por ser bom ou por crer. Se vocé requisitar crédito para si porque cré no evangelho, vocé estard negando o ensino essencial do Novo Testamento. Nao! Vocé nao cré porque é uma pessoa melhor do que o incrédulo que est4 fora, no mundo — absolutamente nao. Todos nés somos iguais, “todos nds pecamos, e destituidos estamos da gléria de Deus”. Simplesmente que alguém seja salvo, deve-se unicamente 4 eleig&éo pela graca. E, como o apéstolo diz, “se é por graca, j4 nao é pelas obras”; tem que ser uma coisa ou a outra. “Graca” significa que somos salvos apesar de nés mesmos; é totalmente da bondade de Deus; significa favor demonstrado a pessoas que néo merecem 34 Romanos 11:1-6 favor nenhum. E favor mostrado a criminosos, a gente que merece ser destruida eternamente. A graca é inteiramente de Deus. Nao é resposta a algo que fazemos, € iniciada por Deus, vem totalmente de Deus. Graca! E, naturalmente, o ponto salientado aqui é que o remanescente € preservado unicamente porque esse € 0 propésito de Deus. “Se o Senhor dos Exércitos nos nao deixara algum remanescente, j4 como Sodoma seriamos, e semelhantes a Gomorra” (Isafas 1:9) — sim, e foi unicamente Ele que péde deixd-lo. Tudo teria ido por Agua abaixo, nao fosse Ele. Permitam que lhes ofereca 0 exemplo classico disso, se assim quiserem; 0 que aconteceu com Sodoma e Gomorra a que Isafas se refere. L6 e sua familia tinham ido para 14, como vocés sabem; nunca deveriam ter ido. Foi nisso que L6 cometeu o seu grande erro. Ele escolheu as cidades da planicie, queria fazer dinheiro, e Abrao* foi deixado a cuidar de umas poucas ovelhas no alto dos montes. Esse foi 0 erro inicial de L6. E entao as coisas foram de mal a pior, e Deus decidiu destruir aquelas cidades por causa da vida que ai levavam. Ele enviou Seus anjos, lembram-se?, para avisar L6 e sua familia, e em Génesis, capitulo 19, versfculo 16, ha uma grande declaracdo que as vezes penso que é uma das declarag6es mais dramaticas de todas as Escrituras. Ali 0 mensageiro de Deus urge com L6 para que saia da cidade. A declaragéo é: “Ele porém demorava--se...”! Se a saida tivesse sido deixada por conta de Lé, ele e toda a sua familia teriam sido destruidos com as cidades da planicie, com Sodoma e Gomorra, porém o anjo de Deus 0 pegou pela mao e o levou embora. Como se demorava, foi levado e foi salvo pela acao de Deus. O aviso nao foi suficiente, ele teve que levado a forga, por assim dizer, e dessa forma 0 remanes- cente foi salvo de Sodoma e Gomorra. Foi assim também “Deus ainda nfo tinha mudado o nome de Abrao. Ver Génesis 13:7 € 17:5. Nota do tradutor. 35 Para a Gloria de Deus no tempo de Elias e de Isaias, ¢ 0 apdstolo esté dizendo que continua sento assim. E Deus que mantém o remanes- cente em andamento, é a eleigdo da graga! E, se é pela graca, ja nao é pelas obras: de outra maneira, a graca j4 nao é graga. Tudo vem inteiramente de Deus. Vamos agora extrair algumas conclusées e dedugdes praticas disso tudo para nés, e eu dou gracas a Deus por isso. Esta passagem me faz dar gracas a Deus pelas Escri- turas mais que nunca. Quéo maravilhosas elas séo! Nao somente 0 seu ensino, mas até mesmo a sua hist6ria. Eu gosto da histéria que ha nas Escrituras; gosto destes exemplos e ilustragées dos homens de Deus e dos profetas e dos servos escolhidos de Deus. Como é€ reconfortante ler sobre um homem como Elias, que uma vez se encontrava sentado sob um zimbro. Que conforto para nés, mortais menores, poder- mos passar boa parte do nosso tempo em tais lugares! Observem este poderoso homem de Deus, este inflamado profeta, 0 primeiro dos grandes profetas de Deus em Israel. Elias! - 0 homem do Monte Carmelo, homem de coragem, cardter rijo como rocha, que péde desafiar os oitocentos e cingiienta (profetas de Baal). Quase digo gracas a Deus porque neste préximo capitulo vamos vé-lo sentado debaixo de uma 4rvore, de um zimbro, cheio de tristeza por si mesmo, a gemer e a queixar-se. Oh, 0 conforto e a consolagéo das Escrituras! Deixem-me, porém, tirar algumas licgdes detalhadas. Eis a primeira ligdéo que tiro disso tudo. Devemos aprender a encarar cada situacdo da vida de maneira escriturfstica. O que eu quero dizer com isso € 0 seguinte: 0 que quer que nos aconte¢a, néo devemos ver meramente a coisa em si, naéo devemos meramente aplicar a nossa razao a isso; pensemos nisso escrituristicamente. Diga a si proprio: “Aconteceu algo parecido com isto a alguém que consta nas Escrituras? Posso achar uma analogia 14?” E o que Paulo estava fazendo. Ele diz: “Nao sabeis o que as Escrituras dizem de Elias?” Ele diz: 36 Romanos 11:1-6 olhem aqui, vocés nao devem ficar em dificuldade pelo que estd acontecendo agora, vocés nao véem que h4 uma perfeita ilustragao disso 14?” Outra lig&o pratica e bastante pessoal que eu tiro é esta: Tenhamos o cuidado de nunca nos envolvermos de maneira muito pessoal nestas questdes. Que é que estou querendo dizer? Bem, nado estou dizendo que vocés devem ter uma atitude desligada ou teérica para com as coisas de Deus e com a vida e obra da Igreja. Nao quero dizer isso, abso- lutamente. Isso, estd claro, é totalmente errado; nesse sentido vocés devem envolver-se pessoalmente. Mas 0 que ev quero dizer 6: nunca deixem que 0 diabo os persuada de que a Igreja é de vocés. Nao se envolvam pessoalmente desse modo. Foi esse 0 problema de Elias, nao foi? Vejam vocés, Israel era dele: “O Senhor, sé fiquei eu, e estao querendo matar-me!”, como se Deus nao existisse e como se Israel nao pertencesse a Deus. A preocupacao era de Elias, a instituigao era dele, por assim dizer, a nagao era dele. Ele se envolvera pessoalmente no sentido errado, e por isso ficou deprimido. Noutras palavras, nao ha nada mais importante para lembrarmos, especialmente num tempo como este, do que téo-somente este simples fato: “A batalha nao é nossa, mas de Deus”. Este é um dos grandes problemas. As pessoas pensam em termos de si mesmas, como se a Igreja fosse sua propriedade, e se envolvem pessoalmente, sentem-se feridas, ofendidas, e assim por diante. Nao devemos envolver-nos nesse sentido erréneo. A Igreja nao € nossa, pertence ao Deus eterno e sempiterno. A seguir, notemos aqui uma adverténcia muito necessaria na hora presente. Ei-la: “Nao se deixe levar pelos nimeros. Nao siga a multidéo”. No tempo de Elias quase todo o mundo estava do lado errado; 0 rei, a rainha e todos os profetas. (Ninguém tinha conhecimento dos sete mil.) Contudo Elias nao disse: bem, eu devo estar errado; nao pode ser que s6 eu esteja certo e todos aqueles homens estejam errados. 37 Para a Gléria de Deus E isso que muitos estao tentando fazer que pensemos hoje sobre 0 movimento ecuménico. “Quem sao vocés, para se levantarem contra isto?” Eu repito: gragas a Deus por esta histéria de Elias! Nao importa se todo 0 mundo esté diz- endo outra coisa; nfo siga a multidéo, nao presuma que os ntimeros estéo sempre certos. Lembre-se: A verdade para sempre no patibulo, O erro para sempre ocupa o trono. Isso é verdade hoje, como sempre foi. Nao julgue estas questées pelos ntimeros; a verdade é que importa. Eu me oponho junto com um homem semelhante a Elias, Martinho Lutero, que se levantou contra quinze séculos de tradic&o e ensino catdlico-romano, todos os grandes doutores daquela igreja mobilizados contra ele. Nao importa, ele sabia qual é a verdade, pelo que disse: “Aqui permanego, nao posso fazer outra coisa; assim, Deus me ajude”. Muito bem, eu penso que precisamos aprender hoje esta grande ligéo que sobressai desta doutrina do remanescente. Toda a atmosfera est4 contra isto nos dias atuais. Em geral os homens nao gostam de remanescentes, eles pensam em termos de amalgamagées, de nimeros, de igreja mundial, etc. E quem é vocé para se opor? Por isso vocé sera envilecido ¢ ridicularizado. Nao se aborrecam, meus amigos; nao pensem em termos de ntmeros. E a verdade que importa — nao nimeros, nao popularidade, nenhuma destas coisas. Ha uma grande adverténcia dirigida a nds aqui. E, depois, hé uma censura feita a nés aqui, e esta é, naturalmente, que nao devemos ser pessimistas, que nunca devemos sentir um pingo de desespero; menos ainda, jamais devemos ser cinicos. Oh, é tao facil dizer isso, mas é muito dificil p6-lo em pratica. Vivemos dias de grande desalento, especialmente para os evangélicos que valorizam a verdade. A atmosfera da opiniao tende a produzir isto: “Ah, 0 que isso 38 oe Romanos 11:1-6 importa no fim das contas? O que importa é 0 espirito geral do homem. Que importa 0 que vocé sabe ou nao, no que vocé cré ou nao?” Toda a atmosfera é contra nos, e é facil tornar- -nos pessimistas, mesmo até ao desespero. Vocé vé a causa toda ir-se embora, e diz: “S6 eu fiquei”, e vocé se assenta debaixo do seu zimbro ou sai correndo em fuga, e diz: “Bem, que eles fiquem com isso. Eu fiz o melhor que pude. Nao posso fazer mais nada. Se é isso que eles querem, que o tenham; logo iréo descobrir, finalmente verao a verdade; nao posso fazer mais nada quanto a eles”. Terriveis tentacdes as vezes sobrevém aos que se desanimam — quando vocé se deu, deu sua alma, digamos, e vocé vé as mesmas multidées dando ouvidos a falsos profetas. A tentagaéo é para virar-se e fugir, como fez Elias, e dizer: “Que eles sejam cozidos em seu préprio caldo”. E vocé se assenta 4 sombra do seu zimbro e fica a se lamentar. Todavia, meus amigos, 0 incidente que estamos estudando nos admoesta. Quando algum de vocés se assentar ali, Deus vird, como fez a Elias, e cis 0 que Ihe dird: “Que € que vocé esta fazendo aqui?” Este nao € o seu lugar, este lugar nao é para Elias de Monte Carmelo. Os Elias nao fogem de mulheres - nem que sejam rainhas. “Que fazes aqui, Elias? Volta para o teu lugar, volta para o teu trabalho.” Ha uma repreenséo aqui. E, meus amigos, eu e vocés precisamos disso nestes tempos dificeis, tempos de tentacdo e de prova pelos quais estamos passando. Mas, deixem-me concluir com a reconfortante consolagaéo que nos vem deste incidente. E 0 conforto propiciado por este grande incidente é este: os propésitos de Deus séo seguros. E é por isso que, como vocés véem, o apéstolo intro- duz este “remanescente, segundo a eleigéo da graga. Entretanto, se é por graca, j4 nao é pelas obras”. Vejam vocés, este é 0 conforto, e é por isso que ele usa este argumento. Por isso os expositores nao devem perguntar: “Por que ele introduz isto aqui?” His a resposta: ele disse: olhem aqui, gracas a Deus esta questéo nao depende de nds: “nao pelas obras”! 39 Para a Gloria de Deus E tudo pela graca de Deus. Deus manterd a Sua Igreja em andamento. O remanescente pode vir a ser muito pequeno, nao importa; os propdsitos de Deus sdo seguros, nada os pode deter, nada os pode frustrar. Néo importa quantos perambulem extraviados e caiam ao lado do caminho. Deus sempre tera o Seu remanescente, Deus sempre manteré a Sua obra em andamento. Néo sabemos como, mas Ele sempre o fara. Essa é a grande doutrina. E, naturalmente, Deus sempre temo Seu remanescente. A hist6ria est4 cheia de provas disso. No pior periodo das trevas do catolicismo romano, houve pessoas como os waldenses do norte da Itélia, os “Irmaos da Vida Comum”, da Moravia, da Boémia, de partes da Holanda e de outros lugares como esses. Deus sempre teve o Seu remanescente, sempre teve um povo e 0 manteve em andamento; e sempre o fara. Por essa razéo, néo temos necessidade de preocupar-nos ou de aborrecer-nos defini- tivamente sobre tudo o que esta acontecendo no mundo moderno. Toda esta nogéo de uma grande igreja mundial que nao deixa muito espaco para a f€ evangélica; meus amigos, vocés nao precisam preocupar-se. Vocés nfo tém necessidade de preocupar-se com a causa de Deus. Ele a fara ir avante! O que é importante para nés nao € nos preocuparmos com a causa de Deus, porém certificar-nos de que perten- cemos a Seu povo, para que, quando chegar o dia, nado tenhamos terriveis sentimentos de vergonha por nos termos limitado a “seguir a multidao”, a tomar o caminho facil. Ver-se-4 que estivemos dispostos a pertencer a um rema- nescente desprezado, por pequeno que seja; néo estivemos interessados em nada, sendo na verdade. Lembremo-nos disto, porém: isso no significa que vocé simplesmente se assenta, fica na inatividade, e diz: “N6és somos 0 remanescente”, e nao se incomoda com o que acontece com os demais. Absolutamente nao! Nao foi essa a 40 Romanos 11:1-6 atitude do apéstolo, como veremos enquanto percorrermos este capitulo. Diz ele que estava fazendo o maximo para “provocar ciime na maioria”. Ele nao disse: estamos todos certos, entrem no meu pequeno circulo, somos ortodoxos, que o mundo v4 para o inferno. Nada disso! Ele se preocu- pava com eles. Vimos isso no inicio do capitulo 9 e no inicio do capitulo 10. E o repetird. Ele esta fazendo o melhor que pode para produzir “citimes” neles, para que voltem e creiam no evangelho. Portanto, vocés véem que, enquanto recebem conforto da doutrina do remanescente, néo devem procurar receber conforto erréneo, dizendo apenas: “Nés estamos certos! Sé nés estamos certos, e nada podemos fazer”. Absolutamente no; é nosso dever abrir os olhos dos outros, € nosso dever preocupar-nos com eles. A doutrina do remanescente segundo a eleigéo da graca deve preservar-nos do pessimismo e do desespero, mas nunca deverd levar-nos 4 inatividade. Estando confiantes e seguros gracas ao plano e propésito de Deus, devemos exercer os nossos esforgos para dar a conhecer a verdade a outros e a persuadi-los a crerem nela e a aceitd-la. 41 4 “Pois qué? O que Israel buscava nao o alcancou; mas os eleitos oalcangaram, e os outros foram endurecidos. Como estd escrito: Deus lhes deu esptrito de profundo sono; olhos para ndo verem, e ouvidos para nao ouvirem, até ao dia de hoje. E Davi diz: torne-se-lhes a sua mesa em laco, e em armadilha e em tropeco, por sua retribuicdo; escurecam-se-lhes os olhos para nao verem, e encurvem-se-lhes continuamente as costas.” —- Romanos 11:7-10 Nestes solenes versiculos o apdstolo resume o que disse previamente neste capitulo. Certamente estamos entrando na esfera do mistério supremo. Portanto, “tiremos os sapatos dos nossos pés, porque o lugar em que estamos é terra santa”. Esta passagem é tal que deve ser abordada com reveréncia, com humildade e com cuidado. Ela nos mantém face a face com alguns dos elementos mais misteriosos do ensino biblico, e do ensino cristao em particular. Tenhamos em mente o que 0 apéstolo diz no fim do capitulo. E muito aplicdvel neste ponto — “O profundidade das riquezas, tanto da sabedoria como da ciéncia de Deus!” Pois bem, esse € 0 espirito e o modo como devemos aproximar-nos disto. Estamos tratando com a mente e os métodos de Deus e, portanto, devemos antecipar que nao seremos capazes de entender plenamente o assunto. Mas 0 homem que se rebela porque nao entende a mente de Deus € alguém que se coloca imediatamente na mesma categoria, digo eu, destes judeus, cujo tragico caso e condicio estamos considerando. Sejamos cautelosos. Todos nds estamos demasiado prontos a emitir as nossas opinides e, quando 4 Romanos 11:7-10 nao entendemos a mente de Deus, dizemos que alguma coisa nos parece errada. Esse foi todo o problema dos judeus. Por conseguinte, nao permita Deus que nos fagamos culpados do mal terrivel do qual eles se fizeram. Primeiramente, tenhamos claro em nossa mente 0 ponto basico que o apéstolo estd firmando. Ele comega dizendo: “Pois qué?” — que significa: “Portanto, 0 qué?” Noutras palavras: “Qual éa situagdo a luz do que eu estive dizendo?” Sua resposta € que “O que Israel” — isto é, a nagao como um todo, “O que Israel buscava nao 0 alcangou”. Apalavra “buscava” é muito importante porque significa “busca zelosa”. O apéstolo afixou uma preposicéo a palavra por ele empregada para fins de énfase. Nao era uma “olhada” casual, e sim “uma busca zelosa e persistente”. Acresce que ele emprega 0 tempo verbal presente para indicar que Israel continuava fazendo isso. O que estava sendo objeto da busca? Bem, nao ha como questionar que se deva entender que era a “justiga”, a “retidao”. Eles queriam ser retos perante Deus. Contudo ele diz que, embora eles estivessem buscando isso “zelosa e persistentemente, nao o alcangaram”, ao passo que “os eleitos 0 alcancaram”. Pois bem, temos aqui uma express4o muito interessante. Ele no diz (VA) “os eleitos” o alcangaram, mas “a eleigéo”. Por qué? Se ele dissesse “os eleitos oalcangaram” nos nos inclinariamos a pensar nos eleitos como individuos, e poderfamos cair no erro de pensar que isso foi resultado do que eles eram em si mesmos e do que eles tinham feito. No entanto, para impedir essa possibilidade, 0 apdstolo se refere a eles como “a eleicdo”. Isso p6e 4 mostra o importante ponto segundo o qual foi por causa do que outrem tinha feito que eles o alcangaram. Essa expressao salienta Aquele que “elege”, antes que alguma escolha feita pelas pessoas, e, assim, toda a gloria deve ser dada unicamente a Deus. A expresso descreve também pessoas coletivamente, antes que como individuos, e isso é relevante para todo o argumento. A declaragéo continua e diz: “e os outros”, que significa 43 Para a Gléria de Deus todos os da nagao, fora aqueles escolhidos, “foram endurecidos”. Devemos examinar a palavra “cegados” (VA) porque todos os comentadores assinalam que realmente deveria ser traduzida por “endurecidos”. Conquanto seja assim, os tradutores da Versio Autorizada (inglesa) tiveram uma boa razdo para traduzi-la por “cegados”, como fizeram em 2 Corintios 3:14, um capitulo paralelo, onde lemos: “Mas as suas mentes foram cegadas”. Penso que podemos justificar essa traducdéo em Romanos assinalando que, na citagéo que o apéstolo aduz imediatamente ha uma referéncia 4 cegueira: “Como esta escrito: Deus lhes deu espirito de profundo sono; olhos pata ndo verem”. Significa, vocés véem, que uma rija mds- cara veio sobre os olhos e os impediu de verem. Por que nao deveria haver uma opacidade nos olhos, bem como um endurecimento do coragéo? Ha isso, e 0 apdstolo parte das suas citagdes para elaborar esse ponto. Entretanto o que devemos notar é que este verbo est4 na voz passiva; eles “foram cegados”. Teremos que voltar a isto. Nos versiculos 8 a 10 0 apéstolo concretiza a sua declaragaéo basica e faz uma coisa sumamente extraordindria. No versiculo 8 ele toma algumas citagdes das Escrituras e delas produz uma nova espécie de declaragio. Aqui de novo temos outro exemplo da inspiracdo divina do apdéstolo. O mesmo Espirito que tinha composto as declaragdes originais, aqui esta governando este grande apéstolo, e estd apresentando o mesmo sentido das trés declaragées na forma desta Gnica declaragéo composta. Os versiculos citados sao Isafas 29:10; Deuterondmio 29:4 e Isafas 6:9. Bem, o que é que Paulo diz? Diz ele que “Deus lhes deu espirito de profundo sono”. Significa que Deus produziu neles uma espécie de torpor ou de entorpecimento. O sentido da palavra empregada pelo apéstolo refere-se a certa incapaci- dade da pessoa fazer uso das suas faculdades. Se vocé ficar sob a influéncia de uma droga, tera uma pdlida percep¢ao das coisas que acontecem ao seu redor, mas ndo serd capaz 44 Romanos 11:7-10 de entendé-las. Vocé nao estaré completamente inconsciente, porém tampouco estar4 plenamente consciente; as suas mais altas faculdades de visao, audigdo e entendimento é que serio afetadas. Eis 0 que o apéstolo esté dizendo: Israel estava nessas condicées antes. Temos estes exemplos disso até do tempo de Moisés e do tempo de Isafas, e ainda estava acontecendo nos dias de Paulo. Diz ele que nao havia nada de novo nisso; e, desafortunadamente, ainda estd acontecendo. Essa é a ex- plicagao do fato de que a maioria dos membros da nagao de Israel, na verdade todos, menos o remanescente segundo a eleigéo da graga, recusam o evangelho e estado fora da Igreja Crista. Ele cita o Salmo 69, versiculos 22 e 23, nos versiculos 9 e 10, que dizem: “E Davi diz: torne-se-[hes a sua mesa em lago, e em armadilha, e em tropego, por sua retribuigao; escuregam-se-lhes os olhos para nao verem, e encurvem-se- -Ihes continuamente as costas”. Bem, temos novamente aqui uma declaragéo sumamente importante e, a0 mesmo tempo, dificil. Davi se refere 4 mesa deles, o que naturalmente signi- fica as coisas que nela est&o, e néo a mesa propriamente dita. Eles tém sua mesa abarrotada de comida e bebida, de tudo 0 que eles poderiam desejar. Diz Davi que tudo isso se torne uma armadilha para eles, e aqui, certamente, ele usa ilustra- ¢des que uma comunidade agricola entenderia muito bem, os lagos e armadilhas utilizados para pegarem passaros e animais. Essas armadilhas eram armadas e 0 pobre animal seguia o seu caminho sem nada suspeitar, e de repente a armadilha ou 0 lago o apanhava. Nao hé por que entrar na distingdo entre as duas palavras. SAo empregadas para expor a figura plenamente. Mas a palavra significativa é “retribuigéo”, e nao “Iago” ou “armadilha”,e nem mesmo “tropeco”. Retribuico significa que o que est4 acontecendo é como que uma recompensa pelo mal praticado. Noutras palavras, 0 que estd em vista é que 4S Para a Gloria de Deus eles colhessem as conseqiiéncias da sua atitude obstinada e recalcitrante para com a verdade de Deus. O que Davi estava pedindo em orag&o era que os préprios beneficios que eles estavam recebendo de Deus se transformassem em punicdo e num obstéculo para eles. Pergunto: que é que ele quer dizer com mesa? Bem, eu acho isso muito importante para nés. Ele estd dizendo algo como 0 seguinte: confrontado com esta espécie de condigao, Davi pediu a Deus que tornasse em maldigao a Sua béngio. A mesa equivale a beneficios matériais e béngaos espirituais. Ha exemplos terriveis justamente disso no Velho Testamento. Num deles 1é-se: “E ele satisfez-lhes 0 desejo, mas fez definhar as suas almas”. Isso esté no Salmo 106:15, onde o salmista estava revendo a longa hist6ria dos filhos de Israel. “Entaéo creram nas suas palavras, e cantaram os seus louvores. Cedo, porém, se esqueceram das suas obras; nao esperaram o seu conselho, mas deixaram-se levar da cobiga no deserto, e tentaram a Deus na solidao”. Fala-se af do clamor por carne, vocés se lembram, e Jhes foram enviadas codornizes, etc., mas eis como ele resume isso — “Ele satisfez-lhes 0 desejo, mas fez definhar as suas almas”. Deu-lhes prosperidade. Seus corpos engordaram, porém suas almas definharam. Pois bem, isso faz parte da declarag&o que temos diante de nés: “Torne-se-lhes a sua mesa em laco, e em armadilha, eem tropeco, por sua retribuicgéo”. Contudo, nao creio que podemos limitar isto s6 aos beneficios materiais relacionados com a agéo de Deus pela qual os introduziu na terra de Canaa, “terra que mana leite e mel”. Sua mesa estava abarrotada. Mas tornou-se em maldigio para eles. Entretanto, Deus lhes tinha dado béngios espirituais. Como Paulo disse, tinham sido dados a eles “oraculos vivos”. Na verdade, Deus lIhes tinha dado “a adogao de filhos, e a gloria, e os concertos, e a lei, e 0 culto, e as promessas” (Romanos 9:4,5). Tudo isso esta incluido também. E a peticéo de Davi é que estas coisas das quais abusaram e que usaram 46 Romanos 11:7-10 mal se tornem para eles “em laco, e em armadilha”, e uma espécie de recompensa ruim. E, naturalmente, é justo esse tipo de coisa que era verdade a respeito dos filhos de Israel. Isso se cumprira parcialmente no passado, mas a tese do apéstolo € que o real cumprimento foi no tempo dele. Depois ele acrescenta esta figura: “Escuregam-se-lhes os olhos para nao verem” — refere-se 4 cegucira espiritual; e ento, “encurvem-se-lhes continuamente as costas” — é a figura de um homem idoso, com as costas curvas e j4 sem forgas. Agora, qual é 0 significado disso? O principio que ele esta colocando diante de nds € 0 seguinte: se nado obedecermos a Deus, as préprias béngaos de Deus se tornarao uma maldicao para nés. Isso nao explicaria em parte o estado em que se encontram a Igreja e este pais na presente hora? A Igreja Cristé tornou-se grande, importante e rica no século deze- nove, e deixou de ser uma pequena seita desprezada. Acredito que isso veio a ser uma maldigao para ela, e que nés her- damos algo das conseqiiéncias disso. O fato terrivel é— mesmo as béngdos de Deus, se vocé as vé de maneira errénea e se vocé abusar delas, passaréo a ser uma maldigao para vocé. E por isso que a tradigéo é uma coisa a respeito da qual devemos ser muito cautelosos. Vocé olha para a longa historia da Igreja e vé que certos lugares que uma vez gozaram béngdos incomuns, hoje estao entre os lugares mais estéreis do universo. Pois acontece que eu conhego particulares exemplos disso. Eu fui criado numa localidade onde um poderoso homem de Deus estivera pregando ha mais de duzentos anos, 0 grande Daniel Rowland, de quem o bispo Ryle dizia que foi o maior pregador depois dos apéstolos. Daniel Rowland pregou ali durante cingiienta anos, e aquele lugar costumava experimentar o céu na terra domingo apés do- mingo, e noutras ocasides. Pois bem, acho muito dificil pensar em qualquer outro lugar que conhego que atualmente esteja 140 morto espiritualmente, e ndo tenho divida nenhuma de que a explicagéo € que a tendéncia ali foi viver da tradicao. 47 Para a Gloria de Deus Eu poderia mencionar outros lugares. Isso aconteceu in- dividualmente com muitas capelas. Tinham sido muito abengoadas, Deus tinha abarrotado sua mesa, porém a pré- pria bén¢ao tornou-se em maldigao para elas, muito embora a béngao tenha sido a Palavra de Deus ~ a lei, 0 evangelho, a propria Palavra de Deus! Assim vocés véem que ela inclui tudo. A “mesa” pode significar ndo somente dadivas e béngdos materiais de Deus, pode significar a prépria Palavra de Deus. A mais rica béngao — que pode tornar-se uma maldigao para as pessoas. Aqui se trata das pessoas a quem os “ordculos de Deus” tinham sido dados, e, todavia, ficaram muito mais cegas que os gentios, que nao os tinham e que estavam sem nenhum conhecimento ou instrugado. Esta é a terrivel verdade ensinada aqui! E eu penso que esta é uma palavra valida para o povo evangélico moderno. Nao permita Deus, meus amigos, que quando, por Sua livre escolha, Deus decidir avivar a Sua obra novamente, que os evangélicos sejam as pessoas que devam ser deixadas de lado por estarem vivendo da tradigao, e nao de uma vivida experiéncia de Deus; por se terem tornado orgulhosos do seu conhecimento das Escrituras, mas perderam o Espirito; por terem gozado uma espécie de abundancia, tanto material como espiritual. Este pensamento é apavorante! Acaso o declinio, a deca- déncia deste pais na atualidade nao se deve em grande parte a estas coisas? A nossa propria abundancia pode ser a maior maldicéo. O perigo de uma sociedade opulenta sempre é contentar-se e relaxar, enquanto as nacdes mais pobres dao duro. Enquanto nos tornamos frouxos, elas envidam todos os seus esforgos e, dessa forma, a nossa propria béngac passa a ser uma maldic&o para nés. Penso que se viu isso depois da Ultima guerra mundial. A recuperagéo da Alemanha tem sido um fenémeno, um espantoso fenédmeno. Ela é uma das principais nag6es industriais. Por qué? Bem, porque ela ficou téo 14 embaixo que teve que trabalhar duro, ao passo que 48 Romanos 11:7-10 outras nagées, as nagdes mais prdésperas, tendem a descansar sobre os seus louros. Esse é 0 principio envolvido aqui. E isso pode acontecer com uma igreja, pode acontecer com um cristao individual; e pode aplicar-se, reitero, nao somente aos beneficios e béngaos materiais e 4 abundancia de bens, mas também pode aplicar-se até mesmo ao entendimento da Palavra e a posse da verdade. No momento em que comecamos a descansar sobre tais coisas, a orgulhar-nos delas e a pensar que “nés somos 0 povo”, jé caimos neste mesmo erro que despejou esta terrivel calamidade sobre os filhos de Israel. Ora, € importante que captemos isto, porque 0 nosso Senhor mesmo disse justamente isso em Seu ensino. Vé-se isso na parabola da vinha, em Mateus 21:42 e no juizo proclamado em Mateus 23:24. Estevao fez a mesma coisa quando se levantou perante o “conselho”, o Sinédrio. Ele fez os seus ouvintes passarem por toda a sua hist6ria e disse: “Homens de dura cerviz, e incircuncisos de coragéo e ouvido: vés sempre resistis ao Espirito Santo; assim vés sois como vossos pais. A qual dos profetas ndo perseguiram vossos pais? Até mataram os que anteriormente anunciaram a vinda do Justo, do qual vés agora fostes traidores e homicidas; vés, que recebestes a lei por ordenacg4o dos anjos, e nao a guardastes” (Atos 7:51-53). E € justamente isso que o apédstolo esté dizendo aqui. Essa tinha sido a tendéncia deste povo desde 0 comego, entretanto agora a calamidade final tinha vindo sobre ele. Tudo o que tinha sido predito e profetizado chegou ao ponto culminante. Tais predigdes e profecias eram apenas sugestées indicativas do que estava para vir. E agora veio. E assim, vocés véem, esta declaracéo nos ajuda a entender todo o ensino do Velho Testamento. A totalidade do Velho Testamento é, num sentido, uma profecia deste ponto culminante, deste climax, em que veio o Filho de Deus e 0 povo escolhido nfo O reconheceu, mas O crucificou, prefe- rindo Barrabds a Ele. E assim o juizo de Deus vem sobre ele. E 0 que € terrificante nisso é que tudo aconteceu com ele 49 Para a Gl6ria de Deus porque era o povo de Deus, porque tinha as promessas que ninguém mais possuia, porque s6 esse povo tinha os “oraculos”, a Palavra de Deus, todo o cerimonial, o templo e tudo o que era ensinado e sugerido por esses meios. Justa- mente essas béncdos que Deus lhe dera foram as coisas que os cegaram para a verdade existente em Cristo Jesus. Que ligées séo ensinadas aqui? Sugiro que ha quatro delas. Em primeiro lugar, a grande ligéo sobre o modo errado de buscar a béngio de Deus; em segundo lugar, a cegueira judicial; em terceiro e quarto, como entender os Salmos imprecatérios e os Salmos messianicos, respectivamente. Primeiro: por que é certo dizer que “o que Israel buscava nao o alcangou”? Toda a resposta consiste em dizer que nao 0 buscou da maneira certa. Tudo por causa do seu entendimento completamente errado da lei e dos profetas, e principalmente do Messias em Seu cardter e em Sua obra quando Ele veio.O apéstolo realmente havia dito isso no fim do capitulo 9, onde lemos: “Que diremos pois? Que os gentios, que nao buscavam a justica, alcangaram a justiga? Sim, mas a justica que é pela fé. Mas Israel, que buscava a lei da justicga, nao chegou 4 lei da justiga. Por qué? Porque nao foi pela fé, mas como que pelas obras da lei: tropecaram na pedra de tropego. Como esta escrito: eis que eu ponho em Sido uma pedra de tropeco, e uma rocha de escndalo; e todo aquele que crer nela nao ser confundido”. Toda a tragédia deles aconteceu porque eles nao procuraram a coisa que buscavam da maneira certa. O que buscavam era certo; porém af estd a terrivel ligdo: vocé pode estar buscando a coisa certa e contudo perdé-la total- mente porque nao a esta buscando do modo certo. Entendemos bem isso? E af que entra o perigo da teligiado. H4 muitas pessoas genuinamente sinceras que dizem: “Quero conhecer a Deus, quero ser abengoado por Deus” - mas nao O conhecem, e, se permanecerem como est4o, jamais O conhecerao. Mas sao pessoas zelosas, séo ardorosas, léem a Biblia, oram, praticam boas obras, estéo 50 Romanos 11:7-10 dispostas a fazer qualquer coisa, algumas delas fazem grandes sacrificios; entretanto nao O conhecem! Pois bem, nao nos esquegamos do que o apéstolo disse acerca de tais pessoas: “Irmaos, 0 bom desejo do meu coragéo e a oracao a Deus por Israel é para sua salvacdo. Porque lhes dou testemunho de que tém zelo de Deus” (Romanos 10:1,2). Tinham zelo de fato. Realmente faziam busca intensa, persistente, vigorosa. O fariseu nao era alguém que meramente dizia: “Jejuo duas vezes por semana e dou o dizimo dos meus bens aos pobres”. Ele fazia isso. E verdade. Essa era toda a tragédia desse povo. E a tragédia de todos quantos confiam em sua propria religiao, ou em seu modo pessoal de buscar a Deus, ou em suas proprias boas obras. Hé somente um meio pelo qual se pode obter a béngdo. E inteiramente pela fé. A tragédia de Israel € que n4o a buscou “pela fé”. Pensava que podia cumprir a lei; achava que podia obter justiga e conse- guir a béngdo de Deus pela posse do templo e sua freqiiéncia ao templo, pela posse da lei e por suas obras. Foi por isso que Estevao teve que dizer aos seus ouvintes: nao me digam: “Temos 0 templo”; Deus nao habita em templos feitos por miaos. Eles pensavam que toda vez que iam ao templo receb- iam uma béngao. Nao se apercebiam de que vocé pode ter coragéo de pedra mesmo no templo e no momento em que vocé vé o templo dessa maneira errada. E muitos continuam agindo assim em sua vida religiosa, em suas grandes catedrais, 0 que eles julgam que constitui o servigo ou o culto a Deus. “Neste monte”, como disse a mulher samaritana, o Monte Gerizim; os judeus diziam: “Nao, em Jerusalém”. O nosso Senhor diz: “Nem neste monte nem em Jerusalém adorareis 0 Pai. Mas a hora vem, e agora é, em que os verdadeiros adoradores adorarao 0 Pai em espirito e em verdade; porque o Pai procura a tais que assim 0 adorem” (Jodo 4:20-23). Se vocé esté pondo a sua confianga no fato de que tem Biblia ou que é membro de igreja ou que vai a um particular edificio ou que pratica certas boas obras, vocé est4 como os 51 Para a Gléria de Deus judeus. Esta fora, est cego e nao tem o que busca, e nunca 0 ter4, seguindo essa linha. Ha s6 um meio de salvacio — esta € a mensagem da Biblia toda — é Jesus Cristo e Ele crucificado. E a simples fé nEle, nada mais. Se vocé introduz algo mais, vocé nao a tem e nunca a tera. Vocé pode obter grande satisfagdo pessoal, como os judeus tinham, mas a prova €: como é que vocé reage 4 pregacdo da justificagéo pela fé somente? Vocé fica aborrecido e irritado? Vocé acha isso injusto para vocé? Se é isso que acontece, vocé é como os judeus. Foi essa a tragédia desse povo. Acredito que estamos testemunhando algo parecido com isso nos dias atuais. E terrfvel ter que dizé-lo, mas nao seria verdade que 0 maior obstdculo ao verdadeiro conhe- cimento de Deus em Cristo e da salvagéo neste pais é hoje a Igreja Cristé, assim chamada? Ela constitui o maior obstaculo porque representa um cristianismo falso. Aqueles que ainda créem na justificagao pela fé sao um remanescente diminuto. Gragas a Deus, ainda ha “sete mil que nao dobraram os joelhos...”. Mas somos um remanescente, e ndo ha como contestar que a Igreja oficial, a “cristandade”, como lhe chamam, é hoje o maior empecilho para a verdadeira fé, nao somente em nosso pais, mas em todo o mundo. E uma coisa terrivel, mas aconteceu de verdade no passado, e creio que esta acontecendo verdadeiramente hoje. Sejamos, porém cautelosos, se cremos que pertencemos ao remanescente, cuidando para nao nos gabarmos. Todos nés temos necessidade de examinar-nos a nds mesmos e de ser cautelosos. Hé somente uma posigdo segura, e é quando podemos dizer com sinceridade: “Eu nao sou nada; Tu és tudo”. Eis af esta terrivel licgao dada pela nagao de Israel. Ela n4o o alcangou. Por qué? Bem, porque Israel “teve zelo de Deus, mas néo com conhecimento” (VA). E 0 conhecimento é: Jesus Cristo, e Este crucificado. Deus tenha misericérdia de todos nés e nos dé entendimento nestas grandes e misteriosas questées. 52 5 “Pois qué? O que Israel buscava nao o alcangou; mas os eleitos oalcangaram, e os outros foram endurecidos. Como estd escrito: Deus lhes deu espirito de profundo sono; olhos para nao verem, e ouvidos para nao ouvirem, até ao dia de hoje. E Davi diz: torne-se-lhes a sua mesa em laco, e em armadilha e em tropeco, por sua retribuicgao; escurecam-se-lhes os olhos para ndo verem, e encurvem-se-lhes continuamente as costas.” - Romanos 11:7-10 Estes versiculos contém profundas ligdes para nés, ligdes que j4 comegamos a examinar. A primeira delas é 0 terrivel perigo da busca errada. Toda a tragédia dos judeus é que, nao buscando a béngdo de Deus da maneira correta, nao a obtiveram. Vimos que a grande licéo que isso apresenta ao cristéo € se, no principio ou mesmo no fim da sua vida, ele nada é sen&éo um pecador, salvo unicamente pela graca de Deus em Jesus Cristo. No momento em que comegamos a confiar em alguma coisa que haja em nés mesmos, em nossa educago, em nossos antecedentes, ou em qualquer outra coisa, j4 saimos da posigao verdadeira. Passemos agora 4 nossa segunda ligdo, que éa da “cegueira judicial”. E feita referéncia a ela no fim do versiculo sete, onde lemos, “e os outros foram endurecidos” ou “cegados” (VA), e é desenvolvida nos versiculos restantes deste trecho. As frases que devemos destacar em conex4o com este ponto séo “os outros foram cegados” e “Deus lhes deu espirito de profundo sono”. Pois bem, naturalmente é aqui que chegamos a doutrina mais dificil, que devemos abordar com temor e tremor, 3B Para a Gl6ria de Deus porque jamais tratarfamos dela se nao estivesse nas Escrituras. Tenhamos o cuidado de n4o permitir que nenhuma sabedoria ou entendimento humano se intrometa de algum modo ou forma. Existem aqueles que néo gostam desta doutrina ea rejeitam, e existem outros que reagem contra eles e quase se orgulham dela. Mas ambos os grupos esto igualmente errados. Esta é uma doutrina que deve encher-nos de um sentimento de temor e de assombro. Qualquer espirito sectdério que entre de um lado com relagio a ela mostrara claramente que as pessoas ndo percebem que esto tratando com a mente e 0 propésito inescrutaveis do Deus eterno. Qual seria, entao, esta doutrina? Ela j4 havia sido firmada no versiculo dezoito do capitulo nove, onde lemos que Deus “compadece-se de quem (ele) quer, e endurece a quem quer”. A objecao levantada que afirma “Se Ele endurece, entéo nao pode culpar” hd somente uma resposta, e é 0 seguinte: “Mas, 6 homem, quem és tu, que a Deus replicas?” Nao discuta com Deus! Lembre-se, Deus est4 no céu, e vocé esté na terra —e logo vocé no estard mais na terra. Oh, o atrevimento do homem em replicar contra Deus, em aventurar-se a fazer a Ele suas criticas! “Porventura a coisa formada diré ao que a formou: por que me fizeste assim? Ou nao tem o oleiro poder sobre o barro, para da mesma massa fazer um vaso para honra e outro para desonra?” Pois bem, o argumento € o mesmo, mas o apéstolo retorna a ele, e o faz porque deseja ajudar estas pessoas. Mas nao é s6 0 apéstolo Paulo que ensina esta verdade. E terrivel ter que dizer isto, mas estamos cercados de pessoas na Igreja Crista que nunca se cansam de contrastar o ensino de Paulo com o do nosso Senhor, Isso tem sido muito popular modernamente, por mais de cem anos. E um tremendo fruto do tratamento dado as Escrituras pela chamada “alta critica”. Muitos dizem que gostam do ensino de Jesus, mas este homem, Paulo, era um ex-fariseu que nao tinha eliminado as suas 54 Romanos 11:7-10 nogoes e idéias legalistas. A tragédia, dizem eles, é que ele veio e inseriu 4 forga essas idéias todas neste evangelho gloriosamente simples de Jesus Cristo. Isso é por demais patético porque, como lembrei a vocés, 0 nosso bendito Senhor e Salvador pessoalmente ensinou exatamente a mesma coisa. Em Mateus 13:13-15 lemos: “Por isso lhes falo por parabolas; porque eles, vendo, nao véem; e, ouvindo, néo ouvem nem compreendem. E neles se cumpre a profecia de Isaias, que diz: ouvindo, ouvireis, mas no com- preendereis, e, vendo, vereis, mas nao percebereis. Porque 0 coragdo deste povo est4 endurecido, e ouviram de mau grado com seus ouvidos, e fecharam seus olhos; para que néo vejam com os olhos, e ougam com os ouvidos, e compreendam com 0 corago, e se convertam, e eu os cure”. E exatamente a mesma citagdo que o apdstolo Paulo nos oferece aqui. No entanto, nao haveria diferenga entre as duas citagdes? Os termos em que 0 nosso Senhor coloca a que fez sao: “O coragao deste povo est4 endurecido, e ouviram de mau grado com seus ouvidos, e fecharam seus olhos”. Mas 0 apéstolo diz: “Deus lhes deu espirito de profundo sono”, e eles ficaram cegos. Nao seria essa uma diferenga importante entre o nosso Senhor e 0 apéstolo Paulo? 7 Como conciliar estas duas declaragdes diferentes? E muito simples. H4 dois elementos nisso tudo — 0 humano e 0 divino. A declaragéo de Romanos, que também se acha em Atos 28:25 e em Joao 12:37, salienta 0 lado divino, ao passo que o lado humano sobressai em Mateus. Tomando o que Paulo escreveu, a pergunta importante 6: “Como é que Deus faz isso?” A primeira mancira pela qual Ele o faz, evidentemente, é que Ele para de lutar contra os rebeldes. Certamente vocés se lembram do que Deus disse antes do Diltvio: “Nao contenderd o meu Espirito para sempre com o homem” (Génesis 6:3). Vé-se claramente que ha um ponto em que Deus, por meio do Espirito Santo, deixa de lutar contra pessoas que resistem as Suas disposices. 5S Para a Gléria de Deus Outra maneira pela qual isso acontece é descrita no capitulo primeiro desta mesma Epistola, do versiculo 19 ao fim. E aquela declaracdo repetida trés vezes no sentido de que Deus “entregou” os homens ou os passou ao poder do pecado ao qual eles nao queriam renunciar. Noutras palavras, o ensino é este: quando o homem caiue se tornou escravo de satands e do pecado, Deus nao abandonou o homem. O diabo tornou-se o deus deste mundo, mas isso nao significa que Deus “abandonou” o mundo. Deus introduziu o que tem sido chamado principio da “graga comum”. Esta influéncia restritiva redunda em que os efeitos do pecado séo mantidos dentro de limites. Por isso as Escrituras deixam claro que foi Deus que ordenou ou estabeleceu a familia, a lei e a ordem nos magistrados e no governo, na arte, na musica, ea cultura na civilizagao, etc. Tudo isso foi introduzido por Deus e o seu principal objetivo é restringir os efeitos do mal. Ora, o mundo nada sabe destas coisas, mas a Biblia ensina isso com muita clareza. Noutras palavras, se Deus nao fizesse isso, se fosse permitido ao homem viver como quisesse sem que Deus lhe impusesse nenhuma restricdo, é fora de questao que ele ja se teria destruido a si mesmo, como também teria destruido toda a humanidade e o mundo inteiro. Houve algumas épocas terrificantes na histéria do mundo. Mas Deus sempre tem mantido uma restricéo. E uma coisa maravilhosa investigar isso na Biblia, especialmente no Velho Testamento, e ver que Deus permite que ditadores se levantem e vao muito longe, porém nunca além de certo ponto. Deus sempre interferiu e os deteve, e o ensino bfblico é que Ele continua a fazé-lo. Contudo, é igualmente claro que em certas ocasides Deus retira essas restrigdes, por certo tempo, para dar uma ligéo ao povo. Toda vez que Deus fez isso com os filhos de Israel, sempre foi para ensinar-lhes que Ele os tinha prote- gido e defendido, e lhes tinha outorgado governadores, mas 56 Romanos 11:7-10 quando eles persistiam em rebelar-se e em recusar o Seu governo, Deus permitia que um inimigo os derrotasse, e eles eram levados para algum cativeiro. Foram para o Egito, e depois estiveram na Babildnia, e ali sofreram coisas terriveis, simplesmente porque Deus havia retirado deles a Sua protecao. Mas mesmo além da retirada da restrigo ainda ha um passo, que consiste no processo de real endurecimento. Esse € 0 tipo de coisa que, como vocés podem ver, 0 apéstolo estava ensinando no capitulo 9 que Deus tinha feito com Farad. Quando Faraé persistiu em sua recusa, Deus lhe fez © que se chama “endurecimento”. Ele, por assim dizer, fez Faraé pior do que era, e Faraé se tornou incapaz de fazer nenhuma outra coisa, sendo o que fez. Como o apéstolo afirma, Deus levantou Farad para que por meio dele fosse dada uma lig&éo ao mundo inteiro. Ai esto, pois, os métodos e meios pelos quais Deus produz essa condicéo de “cegueira judicial”, o que significa que as Pessoas que se acham nessa condico so totalmente incapazes de crer. E isso que Paulo est4 dizendo realmente. “Pois qué?” ~ qual é a situag4o? Bem, é esta: “O que Israel buscava nao o alcancou; mas os eleitos (VA: “a eleigéo”) 0 alcangaram, ¢ os outros foram endurecidos (VA: “cegados”)”, porque “Deus lhes deu espirito de profundo sono: olhos para néo verem, e ouvidos para nao ouvirem”. Ora, 0 nosso Senhor, vejam vocés, disse exatamente a mesma coisa acerca dos fariseus. Em Mateus, capitulo 13, Ele diz que falava em pardbolas para que aquelas pessoas néo entendessem o que Ele estava dizendo. A elas nao foi dado entenderem, como o foi a outras. Elas nao sabiam o sentido porque nao havia o propésito de que o soubessem. Era uma cegueira espiritual imposta a elas. Pergunto: seria que isso é algo somente punitivo? Seria que € uma agdo que Deus executa sobre certas pessoas quando vé nelas dureza e obstinagaéo? Seria apenas uma 57 Para a Gloria de Deus forma de punigéo? Bem, a resposta a isso, acho eu, é que é principalmente uma acao punitiva. Noutras palavras, funciona como segue: a luz rejeitada produz por si mesma endurecimento e dureza. Essa é a grande caracteristica do pecado. O pecado sempre tende a produzir endurecimento. Vocé pode hesitar por longo tempo antes de fazer uma coisa pela primeira vez. Uma vez feita, a segunda vez nao é dificil. Isso faz parte do processo de endurecimento obser- vado pelo lado inverso. E assim se dé com a resisténcia a obra do Espfrito Santo, a luz e ao conhecimento da verdade como ela subsiste em Cristo Jesus. Bem, se quiserem, em termos do coragdéo acontece a mesma coisa. Se nao nos permitirmos responder sim a verdade erender-nosa ela, quanto mais a ouvirmos mais empedernidos ficaremos. “Vede, irmaos”, diz o autor da Ep{stola aos Hebreus, “que nunca haja em qualquer de vés um coragao mau e infiel, para se apartar do Deus vivo. Antes, exortai-vos uns aos outros todos os dias, durante 0 tempo que se chama Hoje, para que nenhum de vs se endureca pelo engano do pecado” (Hebreus 3:12,13). Isto se vé perfeitamente na histéria de Faraé, como ele ficou cada vez mais duro, e cada vez mais furioso; e chegou a um estégio em que virtualmente enlouqueceu em sua incredulidade e em sua resisténcia a Deus. Pois bem, embora se trate principalmente de uma agdo punitiva, as Escrituras dao a entender que ha algo mais que isso. Neste ponto confesso francamente que estamos num dominio no qual devemos andar de maneira extraordina- riamente cuidadosa. Todavia 1 Pedro 2:7 faz esta notavel declaragao: “Para vés, os que credes, é preciosa, mas, para os rebeldes, a pedra que os edificadores reprovaram essa foi a principal da esquina; e uma pedra de tropeco e rocha de escandalo, para aqueles que tropecam na palavra, sendo desobedientes; para o que também foram destinados”. Essas dltimas palavras — “para o que também foram destinados”. Para o que foram destinados? Bem, foram destinados para 58 Romanos 11:7-10 isto — que o Senhor Jesus Cristo fosse para eles “uma pedra de tropego e uma rocha de escAndalo, para aqueles que tro- pecam na palavra sendo desobedientes”. Devemos ter isso em mente. Além disso, hd estas palavras no versiculo quatro de Judas: “Porque se introduziram alguns, que ja antes estavam escritos para este mesmo juizo, homens {mpios, que convertem em dissolugdo a graca de Deus, e negam a Deus, tinico dominador e Senhor nosso, Jesus Cristo”; (VA: “...que antigamente foram ordenados para esta condenacaéo, homens impios...”). Bem, este vers{culo nao é tao dificil como o imediatamente anterior porque deveria ser traduzido: “...que antigamente foram anotados para esta condenagao”. “Anotados” é a tradugao da palavra utilizada pelo apéstolo. Ela indica 0 fato de que aquilo que eles estavam fazendo jé era conhecido e por isso foi registrado. Mas isso realmente nao explica a dificuldade. Como é que uma coisa pode ser anotada, a n4o ser que nao somente seja conhecida porém também certa? Colocando isto na sua forma minima e mais fraca, essas duas declaragées sugerem esta coisa extraordindria: que havia pessoas designadas para tropecarem na Palavra, sendo desobedientes. Que dizer sobre isso? Comecamos afirmando que Deus nfo criou o pecado. E impossivel que o tenha feito. “Deus é luz, e nao hd nele trevas nenhumas” (1 Joao 1:5). Deus nunca fez mal a ninguém. Isso é impossivel; é inconcebivel. Como Tiago nos lembra, “Deus nao pode ser tentado pelo mal, e a ninguém tenta” (Tiago 1:13); este € um postulado fundamental. Qual ser4, entdo, a solugdo do problema? Seguramente é esta: € Deus, e sé Deus, que salva a quem quer que seja, como j4 vimos profusamente nestes trés capitulos da Epistola aos Romanos. Ninguém é salvo fora da eleicaéo de Deus. Se vocé reivindicar crédito pelo fato de ser crente em Jesus Cristo, quase lhe dou a minha opiniao de que vocé nao esta salvo. Nao devo dizer isso; pode ser que vocé seja 59 Para a Gléria de Deus um cristéo muito ignorante, e um cristéo muito antibiblico, Entretanto o ensino das Escrituras é que ninguém pode contribuir com coisa alguma para a sua propria salvacao; é tudo segundo a eleigao de Deus. Pelo que, vemos isto: quando Deus elegeu alguns para a salvacdo, nao elegeu outros para a salvagdo. E me parece que esta é a explicagdo dessas declaragées. Eles foram “ordenados para esta condenacao” somente no sentido de que nao foram eleitos para a salvacéo. Vé-se, pois, que este € 0 processo: Farad nao estd entre os eleitos. Por isso ele recusa, desobedece ¢ rejeita. Lembrem-se, porém, de que ao homem é possivel tomar essa atitude de maneira serena e quase inofensiva, observada do ponto de vista humano. Muito bem, Deus sabe disso quanto a Faraé, e assim Ele levanta Farad como uma ilustragéo e um exemplo da natu- reza horrivel da incredulidade, aumentando por Sua acao a descrenga e a desobediéncia naturais de Faraé. Deus nao cria isso, simplesmente o extrai e o torna mais manifesto por uma violenta resisténcia por parte de Faraé —e, diz Paulo, por parte dos filhos de Israel. Deus lhes deu espirito de profundo sono. Eles tinham sido recalcitrantes; assassinavam. os profetas de Deus quando Ele os enviava a eles, uns apés outros, e mesmo quando Ele enviou o Seu préprio Filho eles fizeram a mesma coisa. No entanto, nisso Deus pée as claras esta coisa terrivel chamada incredulidade. Ele lhes deu espfrito de profundo sono. Noutras palavras, pode-se dizer que eles foram “designados para isto”. O pecado ja esta ali; 0 pecado é produzido inteiramente pelo homem. Tudo o que Deus faz neste processo de cegueira judicial € que Ele a faz aumentar exageradamente, por assim dizer. E como focalizar um microscépio sobre ela, de modo que o objeto que normalmente nao aparece claro e manifesto para a humani- dade é ampliado tanto que todo o mundo o vé. Noutras palavras, todos nés olhamos para Faraé e dizemos: “Que terrivel atitude para com Deus!” Olhamos 60 Romanos 11:7-10 para os filhos de Israel do tempo do nosso Senhor e do tempo de Paulo, e até o dia de hoje, e dizemos: “Que coisa terrivel é a incredulidade! Pode levar até esta nagdo, 0 povo escolhido, a ndo reconhecer 0 seu proprio Messias e até a gritar: “Fora com ele! Crucifica-o!” Ai est4 o fato, aumentado e ampliado exageradamente. Deus produziu isso a fim de tornar esta condigao de pecado e de incredulidade clara e ébvia para toda a raga humana. E isso que o apéstolo esté real- mente dizendo. Essa me parece a tinica explicagao destas passagens citadas do Velho Testamento, e também do uso que delas fizeram o nosso Senhor, Lucas em seu livro de Atos, Judas em sua Epistola e os apéstolos Paulo e Pedro. Deus é sempre justo e reto. Ele nao tornou estas pessoas pecadoras, mas, por Sua livre escolha, decidiu no salva-las e, ao mesmo tempo, demonstrou nelas e por meio delas a enormidade do pecado, o seu carater terrivel, e como ele torna a pessoa definitivamente incapaz de adorar a Deus, de servi-lO e de receber as Suas béngios. E entio, o que é que tudo isso tem a ver conosco hoje? Bem, hé apenas algumas licdes praticas que eu desejo colocar diante de vocés nesta altura. A primeira é: nao estaria acontecendo algo parecido hoje em dia? Nao seria essa a explicagéo do estado atual de coisas? Falando em termos gerais, observem a atitude deste pais para com o evangelho. Por que é tao incomum a freqiténcia a igreja? Que é que ha com a maioria dos nossos concidadaos e concidadas? Por que havemos de ser um remanescente assim téo pequeno? $6 dez por cento da populacao deste pais se declaram cristaos, e s6 a metade dessa minoria leva o cristianismo a sério e freqiienta regularmente um local de culto — cinco por cento da nacao. Por que noventa e cinco por cento nao sé nao créem no evangelho, mas também o ridicularizam? Sabemos muito bem disso tudo, mas como explicd-lo? Temos Biblias abertas, tradugdes incontaveis, todos os tipos de instrugio e esforgos evangelisticos. Contudo nada parece 61 Para a Gloria de Deus fazer qualquer diferenca. Como explicar isso? Bem, eu penso que parte da explicagdo, vocés sabem, é justamente o que 0 apéstolo nos esta dizendo aqui, e o que esta acrescentando, que ele cita de Davi: “E Davi diz: torne- -se-lhes a sua mesa em Jaco”. Penso que a situacdo religiosa deste pais é explicada mormente pela “abundancia”, pela “mesa”. “Nunca tivemos coisa téo boa”, vocés véem, a mesa est4 atopetada. Fartura de dinheiro em nossos bolsos, fartu- ra de bebida, de carros... “Torne-se-lhes a sua mesa em lago.” E em seus carros 0 povo vai para as praias no domingo, ou vai para as montanhas, ou jogar golfe, ou fazer isto ou aquilo — “Torne-se-lhes a sua mesa...”. A mesa estd se tornan- do um lago. A prépria béngaéo de Deus esté se tornando uma maldigao. A pobreza é uma coisa terrivel, porém, vocés sabem, no sentido espiritual a abundancia é uma coisa muito mais perigosa. Com muita freqiiéncia a mesa tem sido o lago, e eu acredito que estamos vendo algo disso nos dias atuais; que este e outros paises estdo sob este processo de cegueira judicial. Eu e vocés — nds — vemos 0 evangelho tao claramente! Acaso vocés nao perguntam as vezes, “O que hd com as pessoas? Como é que elas néo conseguem enxergar isto?” E vocés se véem na obrigacaéo de explica-lo, e nado ha outra explicacéo, sendo esta. Ai esta, pois, uma ligéo. Mas agora permitam que eu passe a uma segunda ligdo, ainda mais pratica. Digo isto com considerdvel hesitagdo e temor, porém estou bem certo de que tenho razao. Hé um ponto em que é melhor que paremos de apresentar a verdade do evangelho a certas pessoas. Se vocé vir que alguém a quem vocé esta tentando levar o conhecimento da verdade comega a blasfemar, eu digo, pare de fazer isso! Simplesmente diga a tal pessoa que nao vai mais lhe falar sobre isso. Vocé apenas leva tais pessoas a uma espécie de insana e insensata oposicao a verdade. Chega-se a um ponto, reitero, em que vocé vé que esté lidando com tanta obstinac&o e resisténcia que s6 62 Romanos 11:7-10 parece enfurecé-las e inflam4-las, a um ponto em que vocé para de lhes falar. Vocé continuaré orando por elas, mas eu penso que nesse ponto vocé deve parar de falar. Deixem que lhes oferega uma terceira ligéo que também julgo que acharao muito proveitosa, se a examinarem. Acredito que temos aqui a resposta final e suprema ao ensino de um homem como Charles G. Finney sobre a questéo do avivamento. Bem, vocés se lembram do que Finney ensina em suas palestras sobre avivamento. Finney experimentara uma converséo sumamente admiravel e recebera 0 batismo do Espirito no dia seguinte ao da sua conversio. Ele era formidavel e brilhante, era um homem capaz. Mas muitas vezes tenho opinado deste pilpito que é possivel acontecer que um homem que passou por uma experiéncia suma- mente admiravel ande errado em seu ensino, ¢ eu acredito que Charles G. Finney esta errado em seu ensino sobre avivamentos. Ele diz em sua obra Lectures on Revivals (Prelegdes sobre Avivamentos) que vocé pode ter um avivamento quase sempre que quiser. Hé certas coisas que vocé precisa fazer; se as fizer, teré um avivamento. Por isso em suas prelecdes ele diz aos ministros 0 que devem fazer; vocé leva as pessoas a fazerem confissdéo dos seus pecados, e isto e aquilo, “vocé faz estas coisas”, diz ele, “e o avivamento tem que acontecer”. Para isso hd somente uma resposta — nao s6 nao tem que acontecer como nao acontece. Vocés véem, Finney estava no meio de um avivamento, parece que nao percebeu isso; ele achava que a sua técnica é que o tinha produzido. Nao foi! Houve um avivamento, houve um derramamento do Espi- tito de Deus e naquelas condigées certas coisas foram feitas. Dai ele faz a sua deducio geral: “Faga estas coisas, e vocé terd avivamento”. Pois bem, conheco muitos ministros que, tendo crido em Finney, fizeram 0 maximo que puderam, muitas vezes e em mais de uma igreja, para conseguir um avivamento, todavia nao conseguiram. Por qué? A resposta, vocés véem, é que 0 avivamento vem de Deus. Ha alguns 63 Para a Gloria de Deus de nés que tém estado orando por avivamento durante muitos anos, e estéo pregando e falando sobre isso, e conci- tando o povo a orar por tal béngao. “Por que o avivamento nao vem?” alguns indagam. Ora, vocés sabem que parte da resposta bem pode ser que estamos passando por uma fase de endurecimento judicial. Digo “Nés”. Nao me refiro aos que sdéo verdadeiramente evangélicos, mas, afinal de contas, estamos ligados 4 Igreja Crista, e bem pode ser que, nas presentes circunstancias, 0 que Deus vé que necessitamos, falando em termos gerais, & punicio, restrigdo e retirada da Sua béngao. Gragas a Deus, Ele nos dé béngaos individuais, Ele pode abengoar e abengoa igrejas individuais. Entretanto, quanto a um avivamento geral, néo o temos visto e nao esté acontecendo no presente, e me parece que esta é a explicacao. Por conseguinte, é muito errado dizer: “Faga isto, e neces- sariamente vocé tera um avivamento”. A resposta a isso é: pode nao ser da vontade de Deus dar um avivamento em certos pontos, e sim, o contrdrio, retirar as influéncias do Espirito. Nao estou dizendo isto para consolar vocé, nao estou dizendo isto para que vocé se assente e diga: bem, nao adiante orar por avivamento, se esta é a determinagao de Deus. Nés nado sabemos, meu amigo, e vocé nao tem certeza disso, e em todo caso vocé nao sabe quando o perfodo vai ser interrompido e o avivamento vem. Leia a histéria do passado ¢ a histéria dos avivamentos, e ver4 que muitas vezes ele vem no fim de um periodo de cegueira e endurecimento judicial; portanto, é nosso dever orar constantemente por avivamento. Isso esté inteiramente nas maos de Deus. Nao entendemos isto, mas eu confesso que me sinto consolado e fortalecido por esta doutrina. Se eu achasse que 0 avivamento depende de nés, bem, nao me sentiria justificado em tentar dormir esta noite. Eu acharia que deveria manter-me ativo dia e noite e exortar todo 0 mundo a manter-se assim também. Mas vocés sabem que 64 Romanos 11:7-10 podem trabalhar dia e noite e que isso nao produziré avivamento. E Deus que dé 0 avivamento. Deus endurece; Deus amolece. Deus exerce a pressdo do Espirito; Deus retira 0 Espirito. Logo, estamos sempre sujeitos a esta reali- dade. Esta é a nossa consolagao, vocés véem, que Deus esté sempre no comando. E, quer entendamos quer nao, o nosso dever € continuar pregando o evangelho, e continuar plei- teando com Ele que tenha misericérdia de nés. A nossa posigéo sempre deve ser essa. Nao dizer: faca isto, e aquilo aconteceré. Nao, nao! Podemos tao-somente clamar por misericérdia, podemos nao-somente pleitear com Deus em nome do Seu amado Filho, rogando que tenha compaix4o e piedade de nés. 6 “Pois qué? O que Israel buscava nao o alcangou; mas os eleitos o alcancaram, e os outros foram endurecidos. Como estd escrito: Deus lhes deu espirito de profundo sono; olhos para nao verem, e ouvidos para nao ouvirem, até ao dia de hoje. E Davi diz: torne-se-lhes a sua mesa em laco, e em armadilha e em tropeco, por sua retribuicgéo; escurecam-se-lhes os olhos para nao verem, e encurvem-se-lhes continuamente as costas.” - Romanos 11:7-10 JA expusemos estas palavras e indicamos que aqui temos uns quatro grandes principios e licdes que devemos con- siderar. Sao relevantes para o argumento particular que 0 apéstolo esta desdobrando, mas, além e acima disso, para 0 estado e condig&o geral da Igreja na presente hora. O que o apéstolo esté realmente mostrando é que, embora seja verdade que a maioria dos judeus estava fora da Igreja e estava rejeitando o evangelho, nado obstante Deus nao rejei- tou totalmente o Seu povo. Tendo firmado esse argumento antes, ele o resume no versiculo sete, dizendo: “Pois qué?” Qual € a situagéo? Ei-la: “O que Israel buscava nao o alcangou; mas os eleitos o alcangaram, e os outros foram endurecidos” (VA: “...mas a eleig&o o alcangou, € os restan- tes foram cegados”). Ele consubstancia tudo isso a seu modo costumeiro, oferecendo-nos estas citagdes das Escrituras. Portanto, a primeira ligaéo que aprendemos disso é a importancia de buscar o Senhor e a Sua salvacao da maneira certa. A segunda relaciona-se com a questéo da “cegueira judicial”, expressa nas palavras: “Deus lhes deu espirito de profundo sono”, e nés procuramos mostrar 6 Romanos 11:7-10 como isso realmente acontece. O terceiro principio ou lig&éo que devemos considerar surge da citacgéo que Paulo faz do Salmo 69. Este é um dos Salmos imprecatérios. Imprecagdéo é um desejo expresso a Deus de que certas coisas mas acontecam com os pecadores. H4 outros Salmos dessa espécie, por exemplo, os Salmos 58, 109 e 137, e o que vamos dizer sobre 0 Salmo 69 aplica- -se a eles também. E importante examinar isso porque este elemento de imprecagio cria profunda dificuldade na mente de muitos. Ha incrédulos que firmam praticamente toda a sua argu- mentacao contra as Escrituras em declaragées como esta. Ha também muitos crentes que, embora nao rejeitem isto, sentem dificuldade a seu respeito, e o diabo usa isso para abalar a sua confianga e a sua seguranga. Agora, que é que geral e freqiientemente se diz sobre esta declaragéo? A opiniao comum é que temos aqui 0 caso de um homem zangado que esta simplesmente pedindo vinganca pessoal. Alguém foi grosseiro para com ele, e ele clama a Deus que 0 castigue desta maneira violenta. E téo-somente a manifestagéo nua e crua de preconceito, paixao e desejo de vinganga pessoal. Depois, 0 que sempre se acrescenta é: “Quao diferente é isso do ensino de Jesus!” Incidentalmente, d4 para observar que as pessoas que fazem esse tipo de critica sempre se referem ao Senhor Jesus Cristo como “Jesus”. Estas coisas véo juntas. Estes clichés vém do tipo de pessoas que obviamente tém dificuldade quanto a deidade do nosso Senhor e quanto a Sua obra expiatéria. Mas é isso que elas dizem. Elas contrastam uma declaragéo como esta com o ensino de Jesus e com o amor manifestado por Ele. Sado essas as acusagoes colocadas. Entdo, como devemos abordar 0 Salmo 69 e declaracdes semelhantes? Parece-me que a maneira de abordar tais passagens é enfrentar as questées que elas levantam. A primeira delas é a questao geral do carater do Velho Testamento. 67 Para a Gloria de Deus Logo no inicio da hist6ria da Igreja, um herege chamado Marcion rejeitou mais ou menos o Velho Testamento. Ele dizia que a Igreja cometeu um engano quando anexou os seus novos documentos a ele. Que o Velho Testamento nada tem a ver conosco é um conceito que aparece hoje em sua forma moderna. Nao ha nada novo, portanto, em dizer que no se deve crer no Velho Testamento. E uma heresia muito antiga. Isso € desenvolvido, e muitas pessoas dizem como é chocante ter que ler a histéria de um homem como Davi, ¢ assim por diante. Elas aparentam certa delicadeza e até pureza, e dizem: “Imaginem, pedir aos cristéos, e especialmente as criangas, que leiam o Velho Testamento que contém coisas como essa!” E mais: “Mas o Salmo 69 é pior ainda, dizem elas, porque vocé pode escusar uma falha natural, porém nado 0 puro espirito de vinganga”. E entaéo acrescentam: “Mas essa € a perspectiva do Velho Testamento; nao tem nada a ver com 0 cristianismo”. Por isso todo o Velho Testamento € descartado por conter declaragdes como a que estamos estudando. A préxima questéo que obviamente surge é a questao da inspiragdo das Escrituras, porque no momento em que vocé faz uma critica como essa de alguma porgdo das Escrituras vocé levanta, de forma aguda, a questo da inspiragao divina dos seus escritores, tanto do Velho Testamento como do Novo. Contudo, naturalmente, esses criticos néo se preocupam nem. um pouco com isso. Eles néo créem na inspiragao de parte alguma da Biblia. Dizem eles: “Eu acredito que a Biblia é inspirada, mas também Browning 0 é, e também Wordsworth”, S6 acreditam na inspiragdo no sentido em que um poeta, um artista, um escritor ou um cantor pode ser inspirado. E © que eles querem dizer com inspiracgéo. Nao é, porém, o que a Biblia quer dizer, e sim que todas as Escrituras séo inspiradas, sdo sopradas, por Deus (2 Timéteo 3:16), ou que aqueles que as escreveram foram movidos ou conduzidos 68 Romanos 11:7-10 e controlados pelo Espirito Santo (2 Pedro 1:20,21). Depois, em terceiro lugar, e este ponto é mais sério ainda, vocé nao pode dizer uma coisa dessas sobre o Velho Testa- mento ou sobre qualquer porgdo dele, sem levantar imedia- tamente toda a questo da Pessoa do Senhor Jesus Cristo e Sua autoridade. Ele esta envolvido porque Ele acreditava no Velho Testamento. Isto se aplica até mesmo aos primeiros capitulos de Génesis. Talvez vocés digam: “Ah, isso é pura matéria de ciéncia”. Nao é, vocés sabem. Até ali o nosso Senhor est envolvido. Ele esté envolvido em toda parte no que se refere as Escrituras. Portanto, devemos falar com grande cautela quando nos depararmos com uma passagem das Escrituras que nos parece errada. A quarta questao relaciona-se com 0 caréter de Deus, porque nada de toda a questo de punicao pode ser separado dEle. Claro estd que esses criticos declaram ruidosamente que nao créem no Deus do Velho Testamento. Um deles, que foi bispo de certa igreja dos Estados Unidos da América, publicou que considerava o Deus do Velho Testamento como nada mais que um “tirano fanfarrao”. E entéo? Que dizer disso tudo? Bem, principiemos partindo do nivel mais baixo, comecemos com o préprio Davi. Ele escreveu 0 Salmo 69 e, portanto, é ele que é denun- ciado como uma pessoa preconceituosa e vingativa e que praticamente diz: “Eles me fizeram sofrer, que sofram!”, e ora rogando sobre eles esta maldicao da parte de Deus. E muito interessante comoa resposta a muitas dificuldades realmente consiste em simplesmente conhecer as Escrituras. Que tipo de homem era Davi, 0 homem que escreveu estas palavras? Qual era a sua atitude para com as pessoas que 0 tratavam téo duramente? Ha somente uma resposta, e é que Davi foi um dos homens menos vingativos que j4 viveram. Como provo isso? Bem, temos alguns incidentes da sua vida registrados na Biblia. O rei Saul tratou Davi de maneira a mais abominavel, mas vejam como Davi 0 tratou. Facilmente 69 Para a Gloria de Deus Davi poderia té-lo matado diversas vezes, porém nao o fez. Suportou tudo com extraordindria paciéncia. Ele foi insul- tado, foi enganado por Saul, muitas vezes Saul até procurou matd-lo, mas Davi nunca mostrou o menor espirito vingativo, nunca mostrou o menor desejo de vinganga. Uma vez, quando aquele infeliz sujeito veio contar-lhe que tinha enfiado uma espada em Saul, Davi o puniu e lhe disse: “Pensas que me das boa noticia, mas nao das”. Ele ficou aflito e triste; nunca houve ninguém mais magnanimo do que Davi. Isso real- mente basta para reprovar a acusagao. Mas depois vocés se lembram de que ele tinha um filho, Absalao, que o ameagou abominavelmente. Absaldo tentou mata-lo e usurpar-lhe o trono. Todavia, qual foi a sua atitude para com Absalao? Ele nao sé se mostrou paciente e in- teiramente despreocupado com vinganga, mas também, quando enviou os seus peritos generais para dar o devido trato a rebeliao instigada por Absalao, disse: “Brandamente tratai por amor de mim ao mancebo, a Absalao”. Deu-lhes ordens especificas. E quando Joabe, um dos seus generais, veio dizer-Ihe o que tinha feito, Davi foi dominado pela dor por terem dado cabo da vida de Absalao daquela maneira. Bem, essa é a historia de Davi. Se alguma vez houve um homem com direito de sentir um forte impulso retaliativo e um espirito de vinganga, certamente Davi foi esse homem, no que se refere a Absaldo, porém a narrativa toda mostra exatamente 0 contrario. Verdadeiramente, a fim de resumir tudo, para mim nao ha nada mais maravilhoso, quanto a Davi, do que o modo como ele ficou tao profundamente entristecido por causa daqueles homens vingativos, Joabe e seus irmaos. Diz ele: “Os filhos de Zeruia sao duros demais para mim” (2 Samuel 3:39, VA). Eles mataram Amasa, que tinha lutado contra Davi, contudo este néo somente perdoou quando ele confessou 0 que fizera mas também o promoveu. Entretanto, Joabe e seus irmaos o mataram, como também a outros, achando que 70 Romanos 11:7-10 com isso agradavam a Davi. Mas Davi se entristeceu. A prova acima dada é mais que suficiente para mostrar que Davi manifesta de maneira deveras assombrosa total auséncia de qualquer espfrito de vinganca. Portanto, nao se pode explicar o Salmo 69 em termos de um carater vingativo, mau, cruel de Davi. Ele nao era esse tipo de pessoa. Mas, em segundo lugar, no que concerne 4 inspiracao, temos uma resposta completa na citagéo de Pedro em Atos 1:16, que ele introduz com as palavras: “o Espirito Santo predisse pela boca de Davi”. Assim, como vocés véem, nao podemos descartar-nos desta declaragéo como se fossem apenas palavras de Davi, porque eram do Espirito Santo. Davi era um escritor inspirado. Quando escrevia os seus Salmos, ndo 0 fazia apenas pelo seu dom poético, era pelo Espirito Santo. Temos ai uma declaragao especifica com respeito a isso. E, naturalmente, é disso que as Escrituras nos falam em toda parte. De modo que o problema nfo é tao simples e facil como parece. Ha declaragées cuja explicagéo deve incluir o fato de que foram compostas e inspiradas pelo proprio Espirito Santo. Em terceiro lugar, passamos a considerar a atitude do nosso Senhor para com o Velho Testamento, que Ele aceitava inteiramente. Ele o citava farta e claramente. Tendo crescido recebendo instrugao dele, Ele 0 conhecia e podia cité-lo para os fariseus e outros. Em Joao 10:35 o nosso Senhor se refere a um Salmo e 0 descreve como parte da lei, e diz: “A Escritura nao pode ser anulada”. Ao se referir a um Salmo como “lei”, Ele o descreveu como uma manifestagéo do cardter de Deus e do Seu propésito. Diferentes termos so aplicados a diferentes partes do Velho Testamento e as vezes todo ele é resumido pela palavra “lei”. Portanto, é perfeitamente dbvio que o nosso Senhor accitou a totalidade do Velho Testamento como a Palavra de Deus — divinamente inspirada. Isto inclui, como pouco atras eu disse, os primeiros capftulos de Génesis. Esses criticos modernos dizem: “Ah, 7 Para a Gl6ria de Deus naturalmente nisso nao hd dificuldade nenhuma. Jesus era um homem do seu tempo e da sua época; era ignorante e nao sabia certas coisas que agora sabemos”. Tudo bem: entao vocés vo dizer que Ele era falivel, cometia enganos, dizia coisas erradas? Se Ele errou nalgumas coisas, como saber que esta certo nalguma? Vejam vocés, ndo se pode destacar e escolher coisas nestas quest6es. Vocés devem considerar a Pessoa do nosso Senhor como Ele 6, e considerar a Sua atitude para com o Velho Testamento quando estiverem discutindo uma questéo como esta. Ele descreve um Salmo como a “lei” e como a “Escritura”, e diz: ela “nao pode ser anulada”. Como vocés podem ver, o nosso Senhor esta pessoalmente envolvido nesta questéo. Portanto, a explicagaéo destes Salmos imprecatérios é que estas declarag6es nao sao de cunho pessoal. Davi nao esté falando de um Angulo pessoal, nfo est4 preocupado com vinganga pessoal: algo mais est4 envolvido aqui. Davi esta falando, nao sobre os seus sofrimentos pessoais, mas sobre © que os inimigos de Deus estao fazendo com ele simples- mente porque ele é representante de Deus. Noutras palavras, ele esté vendo o que os inimigos de Deus estavam fazendo a Deus. Ele tem zelo por Deus e Sua gléria, e pela casa e pela causa de Deus. Logo, ele nao esté falando pessoal, mas judicialmente. Esta é uma distingdo vital e muito importante que temos que fazer muitas vezes. Na pregacdo freqiiente- mente é preciso fazer isso. O que as Escrituras dizem e 0 que um homem piedoso sente sobre os inimigos de Deus nao é nada pessoal. Isto se relaciona com a gléria de Deus e com a identificagao do homem com Ele. Ha infindos exemplos disto. Um que sempre me causa forte impacto como um exemplo impressionante vem no fim do Salmo 104. O salmista vinha fazendo uma admiravel descrigéo da natureza e da criagao, mostrando a sua harmonia maravilhosa, como todas as coisas funcionam e se coordenam intrincadamente, e depois, no ultimo versiculo, ele de repente Pa Romanos 11:7-10 irrompe neste pronunciamento: “Desaparecam da terra os pecadores, e os impios nao sejam mais”. Depois, volta e diz: “Bendize, 6 minha alma, ao Senhor. Louvai ao Senhor”. Por que ele diz isso sobre os impios? Por esta razao: ele estivera celebrando a gloria da criagéo com toda a sua varie- dade e harmonia — os rios, as fontes, os animais etc. — e entéo vé o homem pecador e diz: “Oh, que vergonha, que homem dentre todas as criaturas haveria de trazer este elemento de desarmonia, de miséria e de infelicidade?! Até a criagéo sofreu as conseqiiéncias disso —“Desaparecam da terra”!” Ora, isso nao é pessoal. E um homem cheio do Espirito, guiado pelo Espirito, com esta visio da gloria de Deus e da Sua perfeigaéo na criagéo. Depois, vendo este lado sombrio, ele diz: “Oh, que isto seja eliminado totalmente, para que nio haja nada sendo a harmonia, a perfeicdo e a gloria de Deus”. Pois bem, é exatamente a mesma coisa no Salmo 69 e nos outros Salmos semelhantes. Isso me leva ao quinto ponto, que é extremamente importante. E o elemento profético presente nisso tudo. Citando 0 que Davi disse, 0 apéstolo ndo somente ensina que Davi nao estava escrevendo sobre si préprio, nem também sobre os seus préprios tempos. Sob inspiragdo divina, foi dada a Davi uma previsio do que havia de vir. Noutras palavras, como todos nés devemos ter notado quando lemos os Salmos, é 6bvio que este Salmo é sobre o Senhor Jesus Cristo, e Davi esta realmente vendo o futuro, o mundo O rejeitando, € principalmente os judeus quando gritaram: “Fora com Ele; crucifica-o”, e quando zombaram e escarneceram dEle, mesmo quando Ele estava padecendo agonia na cruz. Na verdade, algumas das autoridades dizem que estas declaragées deveriam de fato ser traduzidas com os verbos no futuro, e nao no modo imperativo. Em vez de, “Torne-se-lhes asua mesa... Escurecam-se-lhes os olhos...”, deveria ser: “Sua mesa se lhes faré um lago... seus olhos serao escurecidos...”. Noutras palavras, Davi esté vendo o futuro e esta dizendo 73 Para a Gloria de Deus profeticamente: “Quando a nacfio, em sua maldade, chegar a fazer isso, eis o que lhe iré acontecer”. E, naturalmente, é 0 que Paulo preocupa-se em dizer que aconteceu com ela. Ele nos dissera isso no versiculo 8, e aqui nos esté mostrando como Davi viu isso, consumido que estava pela percep- gdo da gléria de Deus. Portanto, 0 elemento profético é tremendamente importante. Ele desmoraliza toda esta idéia de que Davi esté apenas falando sobre si e sobre o seu desejo de vinganga. Mas, por ultimo, a sexta resposta levanta toda a questao da punicao, e, naturalmente, essa é a dificuldade maxima. Digo “dificuldade” quanto as pessoas que nao aceitam a inspiragio das Escrituras e que colocam a sua opiniao contra a revelacao. Essas pessoas nado seguem nenhuma autoridade, exceto 0 que elas pensam a respeito de Deus. Dizem elas: “Esse tipo de coisa é compativel com o amor de Deus?” Elas nao créem na ira de Deus contra 0 pecado; rejeitam-na. Assim, nao ha punigao. E inconcebfvel que Deus aplique punigao, dizem elas. Isso porque muitas delas séo “universalistas”, assim chamadas, e créem que no fim todo 0 mundo sera salvo, até o diabo. Bem, que € que vamos dizer sobre isso? A punicdo é ensinada na Biblia toda, do princfpio ao fim. Vocé nao poder tirar este ensino da Biblia e ainda ficar com a Biblia. E parte integrante de toda a sua mensagem, desde o inicio. Possibilidades foram colocadas diante do homem, e lhe foi dito que seria punido se desobedecesse; isso vem aconte- cendo o tempo todo desde o principio, e é repetido na Biblia, de Génesis a Apocalipse. Em acréscimo, a forma particular que a punigéo assume nao deveria inquietar-nos. Muitos ficam grandemente perturbados, as vezes, por lerem nao sé sobre o desejo de que seja dada morte aos impios, mas também 4s criancas (Salmo 137:9). Pois bem, é claro que para nés parece terrivel, porém no momento em que vocé examinar isso em termos 14 Romanos 11:7-10 da eternidade, o elemento idade nao tem a minima im- portancia. Alguém morrer na infancia em vez de chegar a ser um octogendrio parece-nos uma coisa tremendamente importante, mas na eternidade n§o é nada — absolutamente nada. A nossa vida é apenas “um vapor”, diz a Biblia (Tiago 4:14). “Oh”, dizemos, “imaginem morrer na juventude ou na infancia!” Mas, vejamos isso em termos da eternidade! Tampouco deveria embaragar-nos a forma particular assumida pela punigdo, porque aqui hé também um importante principio. Deus, em Sua infinita sabedoria, da a Sua revelagio em formas planejadas para adequar-se sempre a particular época e geracéo em que Ele a da. Agora, isso nao muda o principio; o que muda é simplesmente a forma. E assim vocés poderéo ver © mesmo pensamento exposto em diferente forma no Velho e no Novo Testamentos. No Velho Testamento, o homem abengoado é o que geralmente tem milhares de ovelhas, reses bovinas etc. Nao é assim no Novo Testamento, é mais espiritual; mas em ambos os casos é bén¢ao de Deus. E assim que pensavam naqueles tempos, e Deus, condescendendo ao homem para que ele pudesse entender, expressa o Seu pensamento na forma idealizada para que ele possa entendé-lo. Portanto, as formas variam. E a vida era mais mais violenta do que hoje.” Nao quer dizer que somos melho- res agora; ndo somos. Fazemos parecer que somos, mas nao somos. A era da bomba atémica nao tem fundamento para criticar Davi nem ninguém. Se vocés falarem em brutalidade, seria melhor pararem e pensarem bem antes de cometerem exagero, vivendo como vivemos neste século vinte! No entan- to, de qualquer forma, esse é 0 principio geral, que a forma de expressao varia para ajudar as pessoas a entenderem. Mas, finalmente, quanto a toda a questo geral de punicgdo, eu uso O mesmo argumento que ja usei. E que o nosso * Ah, se Lloyd-Jones vivesse hoje! O presente sermao foi pregado entre 1964 e 1965. Nota do tradutor. 15 Para a Gloria de Deus bendito Senhor ndo somente aceitou o ensino do Velho Testamento com relacao a este assunto, mas também em muitas passagens ensinou a verdade da punicao eterna. Disse Ele: “Onde o seu bicho nao morre, e o fogo nunca se apaga” (Marcos 9:44; Isafas 66:24). Também é ensinada claramente nas Epistolas — “...por castigo padeceréo eterna perdido, ante a face do Senhor...” (2 Tessalonicenses 1:9) —e também no livro do Apocalipse. Nenhum destes homens era inspirado? Portanto, estamos nao somente preocupados com a inspiracdo do Velho Testamento, mas também do Novo. No fim, nada é inspirado e vocé fica sem saber coisa alguma. Vocé cré no que escolheu para crer ea sua idéia de Deus é 0 que vocé acha que Deus deveria ser. Oh, a tragédia de homens que falam de maneira tao solta, leviana e superficial! Noutras palavras, vejam isto da seguinte maneira: é uma coisa muito precdria ficar sempre falando de Deus. Que € que sabemos acerca de Deus? Ele esté no céu, e nds na terra. Sejam poucas as nossas palavras. Sejamos cautelosos. Pobre velho Jé! No fim ele enxergou isso. Ele tinha falado muito, tinha se aventurado a criticar a Deus. Disse entao: “Com o ouvir dos meus ouvidos ouvi, mas agora” — ele tapa sua boca com a mao. E quanto mais vocés pensarem nestas coisas, mais compreenderao que estéo realmente discutindo o carater e o Ser de Deus. Sejamos cautelosos, para que nao se dé o caso de nos intrometermos em questdes que sao altas demais para nds. Eis aqui, porém, a palavra final sobre toda esta questao de punig¢do, sobre a ira de Deus. Como vocés explicam o Calvario? Por que o Filho de Deus teve que suportar 0 Calvario e sofrer? Por que teve que suportar aqueles sopapos, aquele cruel escdrnio, aquela agonia, aquela sede? Por que Ele teve que sol- tar aquele brado de desamparo? Nunca ninguém sofreu como Ele. Nunca! Nunca houve tal sofrimento. Mas, por qué? Por que é que Ele foi tratado assim, da maneira descrita pelo Salmo sessenta e nove, e que 0 Salmo vinte e dois descreve 16

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