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Ficha de Actividades - Textualidade 2017-2
Ficha de Actividades - Textualidade 2017-2
A histria de Nojood desmonta, com uma nitidez absoluta, o discurso da boa conscincia
paternalista praticado no Ocidente: no, no h "uma cultura outra" difcil de "descodificar" aos
nossos olhos que justifique o atropelamento dos direitos humanos. O casamento forado pode
ser uma tradio cultural, como o foram os autos-de-f no Portugal de h quinhentos anos
mas so, antes de mais e acima de tudo, um crime contra a autodeterminao individual e o
respeito a que todos os seres humanos tm direito. E no h "mas" a interpor a esses direitos.
Nojood no , evidentemente, uma menina normal demonstrou ter doses de inteligncia,
lucidez e valentia muito superiores norma. Quantas Nojoods no existiro por esse mundo
que lutam e soobram, porque no encontram sequer um juiz compassivo? E quantas
mulheres supostamente "diferenciadas" aguentam maus-tratos inimaginveis, por medo de
afrontar o rebanho (social ou familiar) em que esto inseridas? Quantas jovens mais velhas do
que Nojood no se deixam espancar pelos namorados, culpando-se a si mesmas dessa
violncia ou distorcendo-a como sintoma de "cimes" e, portanto, prova de "amor"? Mas
podemos e devemos fazer ainda outras perguntas: quantos portugueses, se nascidos e criados
no Imen, teriam coragem para afrontar a poltica dos casamentos infantis forados? Estes
casamentos so prtica corrente, entre ns, na comunidade cigana, e, no vasto rol de
manifestaes e movimentos cvicos, ainda no dei por nenhum que defendesse o direito das
meninas ciganas aos estudos, emancipao e liberdade aparecem sempre as "razes
culturais" a justificar o injustificvel. Ora eu tenho dificuldade em respeitar uma cultura q ue
escraviza uma parte de si mesma, e que sobrevive dessa escravido.
Ins Pedrosa, in Expresso, 24.11.2008
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Maro de 2012