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Maria Ligia Prado O POPULISMO NA AMERICA LATINA (Argentina e México) “opyrigie © Maria Ligia Prado ipa: 123(antigo2) Aagets Griticos Revs: “oséE. Andrade ‘Nobuca Rach INDICE Introdugao ..... © Populismo Mexicano . 0 Populismo Argentino Conelusées ee. .ceveceeeee 4 editora brasiliense 01042 — rua bardo de itapetininga, 93 so paulo — brasil b Eviquantos éramos, quantos ‘estavam a meu lado, ndo.eram rninguém, eram todos os homens, nao tinham rosto, eram povo, ‘eram metal, eram caminhos. Ecaminhei com os meus passos da primavera pelo mundo. PabloNeruda, Canto Geral INTRODUCGAO (© poputismo latino-americano tem sido bas- tante estudado, a partir da década de 50, especial- mente por sociélogos e cientistas politicos. £ um tema controverso, complexo, que recebeu varias i terpretagdes e suscitou muitas polémicas. De inicio, ‘convém lembrar que hé fendmenos hist6ricos muito diversos no tempo ¢ no espago denominados pop’ listas. Assim, movimentos sociais e politicos ocorri- dos na Africa, Asia, Europa do Leste, Réssia e Es- tados Unidos receberam tal nomeacio. ‘Para se avaliar a dificuldade de antilise e inter- pretagdo teérica do populismo, tomemos rapic ‘mente, como exemplos, os casos americano € Tusso, ambos da segunda metade do século XIX. O ameri- cano se caracterizava pela entrada na cena politica ‘de um partido populista representante dos interesses de pequenos proprietirios agricolas do Oeste que Iu- tavam contra o avango do grande capital no campo. ‘Maria Ligia Prado presentavam um programa agrarista definido, valo- rizando a terra como a mais importante fonte de ri- queza, atacando aqueles que tinham nas m&os os transportes, 0 crédito, o grande comércio. Batiam-se pela intervengio do Estado na economia, propondo fque este coibisse os abusos dos donos do capital. ‘Na Rissia, 0 movimento, também conhecido como narodniki, negava 0 capitalismo ¢ valorizava também o agrarismo e os valores camponeses. Pre- tendia-se revolucionério e fazia uso, como estratégia, de ages armadas, Esses movimentos, 0 russo € 0 americano, tinham como denominador comum a va- lorizagdo do campo e uma critica mais violenta ou ‘mais branda ao capitalismo. 'No entanto, quando aceitamos 0 conceito de populismo para situagSes histérieas tto diversas, te ‘mos, na verdade, que concordar com Ernest Laclau ‘que busca um trago comum a todos os movimentos populistas para, a partir daf, elaborar um conceito. ‘Tal proposta esti embasada numa particular visio da historia inspirada na perspectiva anti-historicista de L. Althusser, segundo a qual os coneeitos tebricos nao sio historicamente determinados, podendo, pois, valer para situagbes historicas as mais diversas. Laclau encontra o trago comum a todos os fenéme- nos populistas, afirmando que “‘o populismo surge historicamente ligado a uma crise do discurso ideo- égico dominante que é, por sua vez, parte de uma crise social mais geral”. Essa crise social mais geral pode ser assim entendida: “uma crise particular mente grave no bloco de poder, que leva uma de suas (0 Populismo na América Latina fragdes a tentar estabelecer sua hegemonia através da mobilizagdo das massas, e uma crise do transtor- mismo”. (Politica e Ideologia na Teoria Marxista, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1979, pp. 182-183) Nossa concepcdo da histéria, entretanto, nos leva numa outra diregto: a produgao e a validade dos conceitos ndo podem prescindir das configuractes hist6ricas especificas e determinadas; em outros ter- ‘mos, os conceitos teéricos, como “‘abstragées reais”, sto historicamente determinados. Por isso mesmo, nos restringimos 4 discussdo do populismo latino- americano dos anos 30 a 60. ‘Também na América Latina o populismo se re- fere a situagdes historicas diferentes ocorridas em varios paises; em alguns paises, os Ifderes populistas chegaram ao poder e, em outros, jamais o alcanca~ ram. De forms geral, denominam-se populistas os governos de Getilio Vargas (1930-1945/1951-1954) €.0 de Joao Goulart (1961-1964) no Brasil, o de Juan ‘Domingo Per6n (1946-1955) na Argentina, 0 de Lar zaro Cardenas (1934-1940) no México, o de Victor Paz Estensoro (1952-1956/ 1960-1964) e Hernén Siles Zaazo (1956-1960) na Bolivia, o de José Maria Ve- asco Ibarra (1934-1935/1944-1947/1952-1956/1961 ¢ 1968-1972) no Equador, além de também serem considerados como populistas os movimentos politi- cos apristas (APRA-Peru, liderado por Victor Raul Haya de la Torre) ¢ 0 gaitanismo (Colémbia, liderado por Jorge E, Gaitén), que nunca chegaram ao poder. AAs anélises mais conhecidas sobre 0 populismo latino-americano procuram estabelecer algumas ca- Maria Ligia Prado racteristicas comuns a todos 0s movimentos em bus- ca de um conceito abrangente de todas essas reali- dades. Temos assim estudos gerais sobre 0 popu- lismo que procuram identificé-lo com uma situag4o historica, tipica da América Latina, Os socidlogos argentinos Gino Germani e Torcuato di Tella cons- truiram modelos que pretendem dar conta da expli- cacio do fendmeno. Partem do pressuposto de que o populismo ocorre numa situaco de “‘transigio”, isto é, na passagem da assim chamada sociedade tradi- cional — agraria, pré-capitalista, atrasada — para a sociedade moderna — capitalista, urbana e indus- trial. As raizes do populismo estio na assincronia entre 0s processos de transig#o de uma sociedade para a outra. Germani faz uma distinglo muito clara entre o processo histérico europeu e o latino-ameri- cano, distinguindo as especificidades préprias de uma sociedade subdesenvolvida. Assim, na Europa, passagem de uma democracia com participaclo jtada para uma democracia com participagio ampliada se faz sem grandes rupturas do ponto de vista politico, ocorrendo uma integragio através de canais politicos legalizados pelo sistema vigente. Na América Latina, a mobilizagio prematura das,mas- sas, gerando pressdes sobre o aparetho politico, nao encontrou amadurecidos os canais de participagio politica exigidos. Assim, a integracdo das massas no ocorre como no modelo europeu, surgindo a possi- bilidade da manipulacdo das massas — caracteri- zada pela coexisténcia de tracos tradicionais e mo- dernos em sua constituiclo — por intermédior das (0 Populismo na América Latina elites defensoras do status quo. Di Tella parte dos mesmos pressupostos que Germani e insiste na condisio “periférica” da Amé- rica Latina. Entende que © populismo € um movi- mento politico que conta com o apoio das massas populares urbanas e rurais e de outros grupos sociais "camadas médias e setores da burguesia — que se apéiam numa ideologia anti-status quo, motivados por uma insatisfaglo com a reversio de suas expec- tativas com relagdo ao papel que deveriam desempe- nhar na sociedade (denominada pelo autor de ineon- sruéneia destatus). Em resumo, tanto Germani quanto Di Tella claboram modelos genéricos ¢ tipolégices para efe- ‘uar a compreensio do populismo latino-americano. Nossa andlise do populismo esti proxima da perspectiva teGriea de Francisco Wetfort, que propde tum estudo de situagdes concretas, especificas, para se chegar A compreensio do populismo em suas di- versas vertentes latino-americanas. Desse modo, pa rao entendimento do fentmeno seria necessério 0 cestudo das diferentes manifestagSes populistas, aban- donando-se o estudo do populismo em geral. Welfort ‘entende que 0 populismo foi um fenémeno politico que assumiu muitas facetas e se tornou muito dificil fazer “uma referéncia de conjunto ao movimento populista que englobe toda a sua diversidade”. Para o autor, o populismo se apresenta como a expresso da emergéncia das classes populares no censrio politico, Essa emergéncia se toma possivel no momento de crise aguda do sistema liberal-oligér- 2 Maria Ligia Prado uico que explode com a crise de 1929, ¢ propicia, ‘uma ruptura da hegemonia politica oligérquica. Essa crise de hegemonia, quando nenhuma fracto de clas- se tem forea suficiente para assumir 0 poder, oferece possibilidade do surgimento dos regimes populistas nna América Latina. “Desse modo, o novo regime j& nfo é oligér- guico, nio obstante as oligarquias nfo tenham sido fundamentalmente afetadas em suas fungdes de he- ‘gemonia social e politica aos niveis local ¢ regional e Seencontrem, de algum modo, representadas no Es- tado. Se fosse necessério designar de algum modo a essa forma particular de estrutura politica, dirfamos que se trata de um Estado de Compromisso que € a0 mesmo tempo um Estado de Massas, expressto da prolongada crise agréria, da dependéncia social dos erupos de classe média, da dependéncia social e eco- nomica da burguesia industrial e da crescente pres- sio popular.” (O Populismo na Polttica Brasileira, Rio, Paze Terra, 1978, p.70). Nosso procedimento, neste trabalho, consiste, assim, na andlise das experitncias do populismo no México e Argentina, onde procuramos compreender © significado desses fendmenos, a partir do exame do processo histérico desses paises. A opco de anilise se fez em virtude de termos, no México e Argentina, governos populistas — Cardenas e Perén — onde podem ser melhor avaliadas as possibilidades e os limites da politica populista em paises capitalistas da ‘América Latina, O POPULISMO MEXICANO Lizaro Cirdenas chegou ao poder no México através de eleigdes, como candidato do Partido Na- cional Revolucionério, em 1934 e lé permaneceu até 1940. Seu periodo governamental é considerado co- ‘mo a expressio mais clara e limpida do populismo mexicano, Para que se compreenda 0 populismo carde- nista, na sua especificidade, torna-se imprescindivel que, ‘pelo menos, se conhega 0 processo histérico mexicano a partir da Revolugto Mexicana de 1910- 1920, Nao é possivel, neste volume, realizar uma anélise mais extensa da Revolugio Mexicana; res- trinjamo-nos, assim, a algumas répidas considera- ‘des sobre a mesma. Ressalte-se, a principio, que durante 0 processo de independéncia politica (1810-1821), as lutas no México foram marcadas pela presenca camponest, organizada num peculiar exército de “esfarrapados” nb “4 Maria Ligia Prado 0 Populismo na América Latina liderados pelos padres Hidalgo ¢ Morelos. Carre- gando o estandarte da Virgem de Guadalupe, esses ‘camponeses exigiam terras ¢ Morelos chegou mesmo ‘a.esborar um programa no qual preconizava a dis buicdo — para os camponeses — de terras da Ire} © maior proprietério rural mexicano. A presenga ‘camponesa nas lutas pela independéncia aponta uma situagio nada comum ao processo dle independéncia de outros paises da América Latina. Na segunda metade do século XIX, em parti cular sob Porfirio Diaz (1876-1880/1884-1911), as- sistiu-se, em territ6rio mexicano, a um notével pro-

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