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A EPOPEIA. — 0s navegadores portugueses de Quatrocentos, impulsionados pela alma imperativa do Infante de Sagi deram novés mundos, imortalizando 0 nome de Portugal. iniciam as navegacdes que ao Mundo (Trabatho eseultérieo de Mestre Leopoldo de Almeida, na Exposigio do Mundo Portugués, em 1940) DESCOBRIMENTO NOSSA TERRA deveu um quinhdo da sua gl6ria, do seu antigo poderio, aos heréis do Oceano, que souberam desvendar os mistérios do Mar Tenebroso. Por isso convém prestar o maior culto de gra- tiddio ¢ justica a essas figuras historicas — pioneiros da grande aventura —de cruz erguida e espada flamejante, a dilatar a Fé e o Império. Entre os argonautas que arrostaram os perigos de navegaciio diff- 1 cil e tormentosa, em direcg&o ao lendario «Bergo do Sol», desprezando as fabulas do velho mundo pagiio e buscando a verdade, quase a aparecer e a reflorir, com o advento da Renascenga, destaca-se um freire militar; Gon- galo Velho — comendador do Almourol. Depois de empreender diversas viagens, ao longo da Costa de Africa, a sua caravela rumava ao Ocidente, em demanda daquelas regides onde se dizia haver vivido e reinado o Prestes Joao dos Mares. Goncalo Velho, familiarizado com a ciéncia ndutica, na célebre «escola de pilotagems, de- Iineou 0 itiner4rio da primeira navegacio cientifica — sem terra A vista e em pleno mar largo — da qual resultou o estudo das correntes mariti- mas, a descoberta da Terra-Alta e mais tarde a sua chegada a uma insula, alegre ¢ risonha, de claras fontes e de bravio mato, a que deu o nome de Santa Maria. A ilha de Gongalo Velho tinha estado na negriddo secular, como um castelo roqueiro a sentinelar os dominios da lenddria Atlantida. E, porque esta viagem quebrou o encanto do seu mistério, ela ficou sendo um odsis de ventura, no meio do vagalhar revolto do Oceano. Ou, melhor, um ninho de 4guias, daquelas 4guias rompantes, que, em abalada de quimera, em certa manha luminosa, desferiram da Ponta de Sagres. As Ilhas dos Aco- res e Gongalo Velho sao dois nomes irmaos, ladeando o mesmo portico de gléria: — a gléria da nossa terra e da nossa gente, adiantando-se pelo Atlantico, até aos limites intérminos das fndias do Ocidente. ALGUMAS DUVIDAS A ESCLARECER A descoberta das ilhas agorianas tem originado varias polémicas, entre as pessoas versadas em assuntos histéricos. A discussio principal gira em torno da data fixa da descoberta e sobre quem seria o primeiro descobridor. Formulam-se diversas hipdteses, citando-se alguns mapas antigos, no intuito de encontrar, neste «mare magnum», qualquer indicio de verdade que estabeleca a certeza sobre tao debatido problema. Como sao profusas as citagdes, todas decaleadas em velhas crénicas, daqui resulta muita confus&o e alarido, na forma da sua interpretacao. Sem outro qualquer mérito que nfo seja o de um grande amor A terra agoriana, julgo poder chegar A conclusio de que estas ilhas foram desco- bertas ou reconhecidas, mas com certeza povoadas, pelos Portugueses de Quatrocentos. Nao é 0 excessivo bairrismo, ofuscando juizo de uma andlise impar- cial, que nos traz aquela convicgdo serena e repousante... Com os mate- riais que temos ao nosso aleance, se outros ndo vierem a aparecer, a des- coberta definitiva s6 pode considerar-se efectuada por mareantes Lusita- nos. E se a diivida persistir e nfo se puder desfazer, havendo que buscar-se nova explicacio, sera mais lgico e natural atribuir 0 sucesso a algum piloto nacional e nao a qualquer estrangeiro — Genovés ou Catalao. 12 Nas fontes eseritas, dos tempos antigos e medievos, encontram-se noticias sobre a existéncia de varias ilhas atlanticas, para os lados do poente, a algumas milhas de distancia. A sua posicio, nessas cartas e ma- pas, é diferente e extravagante, como chega a observar-se, em ligeiro e rapido confronto. Decerto, alguns pilotos, em épocas mui remotas, as abordaram e conheceram, sobre elas contando as facanhas mais porten- tosas. Mas, perdeu-se depressa 0 seu achado, apenas restando a respectiva figuragio, sob forma grosseira ou empirica, em alguns documentos car- tograticos. Nio é de estranhar que 0 perfodo das nossas primeiras navegacdes esteja envolto em negrume, apesar de se haverem revolvido muitos ar- quivos, na @nsia de se encontrarem novos elementos, que refizessem a ver- dade histérica, somente baseada em insuficientes relatos dos cronistas, bem como em raros escritos, derivados de tradigdes populares. ‘A desaparicéio de algumas crénicas faz mergulhar este perfodo em trevas espessas, em grande confusio e incerteza. & que levaram sumico muitas fontes contemporneas: a Crénica de Dom Jodo I, de Fernao Lopes; a Noticia dos Descobrimentos, do Infante Dom Henrique; as Obras de Afonso Cerveira; a Parte da Créniea de Conquista da Guiné, de Gomes de Azurara, usada por Joao de Barros, para escrever A Asia (I Década) — 1552. Por este facto, certos escritores estrangeiros, querendo diminuir a importancia das nossas navegacées, com a mira de engrandecer problema- ticos conterraneos, escreveram diversos trabalhos fabulosos, conseguindo larga divulgacdo, entre o piiblico de suas nacionalidades, ignorante da ex- pansio ultramarina, levada a efeito pelas duas nagées ibéricas: Portugal e Espanha, £ fora de discussao que os arquipélagos atlanticos, incluindo os Ago- res, a Madeira e as Canérias, tenham sido visitados, desde a mais remota antiguidade, por navegantes curopeus, em geral os da orla mediterra- nea, quesse embrenharam e desapareceram nas longinquas paragens do Ocidente. Aristételes esereve sobre as viagens dos Fenicios As costas da Amé- rica. # mesmo de aceitar a hipétese de, suleando o golfo do Oceano, no rumo das Cassitéridas, tocarem em qualquer das ilhas dos nossos Arqui- pélagos Adjacentes. Sabe-se que os Vikings navegaram em latitudes muito préximas dos Acores, Humboldt sugere que estas ilhas teriam sido achadas pelos Normandos, quando andavam pelas vizinhangas da América, Amat de Sao Filipe, D’Avezac e Sophus Ruge, asseveram que este descobrimento se deve, principalmente, a alguns pilotos de Génova. Também os Acores eram conhecidos pelos viajantes magrebinos, com a denominacio de Ilhas dos Passaros, citando-se a propésito a viagem dos Almogaures de Lisboa, segundo refere, com dados curiosos, 0 cronista Arabe, Xerife Edresi. 18 Santarém, Major e Beazley afirmam que «as nossas ilhas> foram descobertas entre 1336 e 1361, devido & actividade de Manuel Pessanha, quando se encontrava ao servico de Portugal. Nordens-Kiold ¢ Jiilio Mees opinam, pelo contrério, que foram os Catalies os primeiros a desvendar 03 Acores. Igualmente ha noticias de um navegador flamengo, Van-der- -Berg, os ter avistado, por volta de 1430, informando a este respeito a Corte do Mestre de Avis. Diz-se ainda que na Ilha do Corvo existia a estétua de um cavaleiro, de destra levantada, a assinalar 0 caminho da América, E que se acha- ram, ao pé dessa estitua, algumas moedas piinieas, denotando por ali te- xem passado varios navios de Cartago. Porém, esta lenda das moedas foi pulverizada por Costa Noronha e Ernesto do Canto. (Arquivo dos Acores), A Carta de Gabriel Valsequa, de 1489, indica que . 16 rrojado Cavaleiro de Cristo, a ir pelos mares fora dilatar a Fé ¢ 0 Tm- Evocando essa gloriosa jornada, aqui estiveram, quinhentos anos depois, os seus descendentes do intemerato navegador ¢ de seus companheiros, a trazer as saudacdes dessas terras distantes, onde ole conduzira seus Avés. — Por sobre a porta de Menagem foi descerrada uma ldpide onde estavam esculpidos os se- guintes dizeres: —«Primeiro Congreso Agoriano—1938—A Frei Gongalo Velho Cabral — Homenagem dos Acorianos.» 7 Ainda existem alguns documentos que auxiliam a esclarecer 0 pro- blema, figurando na Chancelaria de D, Afonso V: a Carta Régia, de 5 de Abril de 1443, isenta por cinco anos de dizima e portagem os moradores que vivem nas ditas ilhas dos Acores, «a fim de fazer graca e mercé ao seu comendador, Gongalo Velho>; a Carta Régia, de 22 de Maio de 1445, que concede perdio a Joao de Lisboa, por quinze anos deportado, para as ilhas de que «Goncalo Velho tem o Cargo; a Carta de 1527, do Brasio de Armas, concedido a Jofio Soares de Sousa, 3,° capitéo de Santa Maria, mostra que esta capitania foi herdada de seu pai, Joao Soares Velho, por sua vex obtida de seu tio, Gonealo Velho, 1.” capitio da mesma Santa Maria. Por aqui se nota, de maneira indiscutivel, a grande interferéncia que teve na colonizagio, e também na descoberta, como é de conjecturar, © cavaleiro e navegante Gonealo Velho. N&éo é de admirar que as crénicas da época henriquina omitam certos pormenores, referentes as empresas maritimas, visto haver toda a vantagem politica em manter 0 maior sigilo, sobretudo no tocante ac hemisfério ocidental, para evitar a concorréncia das nagées vizinhas. Ao menos é a opiniio de dois mestres na matéria: Joaquim Bensatide, no seu trabalho magistral A Astronomia Néutica em Portugal, e Jaime Cortesio, no seu estudo notavel Do Sigilo sobre os Descobrimentos. 0 Almirante Gago Coutinho também corrobora 0 velho conceito «dos ventos contrarioss, de Diogo Gomes e de Gaspar Frutuoso, explicando de forma interessante e persuasiva a descoberta dos Acores. Assim, esta des- coberta seria fortuita, tendo ocorrido quando as caravelas regressavam das expedigées da Costa de Africa. & que os ventos dominantes ¢ as cor- rentes maritimas eram favoraveis A iargada das caravelas, mas na viagem de retorno essas embarcacées nio podiam navegar contra os ventos pon teiros. Neste caso, teriam de aproveitar os ventos aliseos, dando uma grande volta para o largo das costas, até cairem na regido das brisas Propicias, atingindo pelo astrolébio a latitude da Peninsula. Talvez nessas voltas, algum piloto henriquino fizesse a descoberta acidental das ilhas dos Acores e, como havia tomado barlavento, em rumo directo chegou de- pressa, sotaventado a Portugal. A DATA DO DESCOBRIMENTO Sobre a data certa do descobrimento do arquipélago chovem as opinides e os desacordos! As datas de varios cronistas nao se podem acei- tar como verosimeis, porque algumas sio discordantes, como é facil de examinar. A Carta Régia, de 2 de Julho de 1439, na regéncia do Infante D. Pe- dro e de D. Leonor, mie de D. Afonso V, . Ernesto do Canto, na Carta de Valsequa, pretende identificar Gon- ¢alo Velho com Diogo de Sevilha (Senil ou Sunis). Como o nome do piloto est4 borrado e 0 primeiro escrito em abreviatura, parece-Ihe que Do (Diogo) pode confundir-se com Go (Goncalo) ; e o Senil ou Sunis tradu- zir-se por Velho. Aires de S4 (S4 da Bandeira), em varios trabalhos de paciente in- vestigacio, defende os assertos de Diogo Gomes e Joao de Barros: em 1431 — a Descoberta; e Gongalo Velho — o Descobridor. & o seu melhor panegirista, apontando-lhe varios actos herdicos , segundo a versio auto- rizada de Gomes de Azurara. (Crénica do Conde Dom Pedro de Menezes). Manuel Velho Arruda, 0 erudito historiador mariense, dando ba- lango a todas as fontes documentais, continua a considerar digna do maior respeito a tradiedo frutuosiana, a de que s6 depois da descoberta henri- quina as ilhas acorianas ficaram bem debuxadas nas Cartas de Valsequa (1439) © de Soligo (1455), como ressalta do seu profundo estudo critico: V Centendrio do Descobrimento dos Acores. Também, no século quinze, oito pontifices reconheceram, antes e de- pois dos seus pontificados, a prioridade portuguesa no descobrimento das ilhas atlanticas, e da costa ocidental africana, marcada nos mapas italianos © espanhéis, Séo eles: Martinho V (Roma), Eugénio IV (Veneza), Ni- colau V (Pisa), Pio II (Cérsega), Sixto 1V (Sabdia), Inocéncio VIII (Gé- nova), Calixto III e Alexandre VI (Catalunha). Evidentemente tinham a certeza de que essa prioridade pertencia aos navegadores Portugueses, legislando em virtude da exactidio desse conhe- cimento, sem lhes importar os direitos e interesses dos seus compatriotas, © que no aconteceria se restassem diividas sobre quem «primeiro tivesse realizado esses descobrimentos>. Nesta ordem de ideias, nao ser descabido considerar os pilotos do perfodo henriquino os que descobriram ou reconheceram 0 arquipélago agoriano, dando-the entrada na civilizagio europeia, e depois fazendo o trabalho do seu povoamento, nos moldes das leis das sesmarias, com a melhor grei portuguesa. No dizer unanime dos cronistas, um destes navegadores que coman- 20 dou as caravelas que foram langar animais domésticos naquele arquipe lago, teve o seu nome dado a primeira ilha descoberta, da qual recebeu a capitania, e mais tarde a comenda de todas as outras dos Acores. Parece que o comando de uma expedi¢io desta importancia, mar- cando 0 inicio da colonizacéo acoriana, 86 podia confiar-se ao navegante que fosse 0 auténtico descobridor e, por consequéncia, conhecesse a rigo~ rosa posi¢aio do arquipélago. No entanto, hi omissées substanciais — as crénicas apresentam-se truncadas — talvez no receio legitimo de se tornarem conhecidas ¢ divul- gadas as nossas primeiras exploragdes maritimas. Por isso, 0 nome de Gongalo Velho ndo atingiu mais brilho e fulgor, apesar de 1." capi- t&o dos Agores, ao pé da falange marinheira, que fez a grandeza e o impé- rio da pequena Casa Lusitana! AS CONCLUSOES MAIS LEGITIMAS Compulsando os roteiros e portulanos medievais, os mapas de Ange- lino Dulcert (1339), 0 Livro do Frade Mendicante (1845), 0 Atlas Mediceu (1851), a Carta Catal (1375), os Atlas Pinelli Walkenaer (1884) e a Carta Valeri de Veneza (1385), fiea-se com a impressio de que 0s Agores e a Madeira eram conhecidos desde o século XIV, sendo as viagens posteriores, do século XV, apenas viagens de Redescoberta e de Povoamento, Também se aventa, como hipétese aceitavel, que 0s Acores, a Madeira © as Canarias seriam descobertas por pilotos genoveses, embarcados em navios portugueses, As ordens de Manuel Pessanha, quando comegou a nossa expansio maritima, em meados do século XIV (1336 a 1361), no tempo de Dom Afonso IV, de Portugal. Por outro lado, compulsando os cronistas e cartégrafos Gabriel de Valsequa (1439), Gomes de Azurara (1448), Diogo Gomes (1460), Mar- tinho da Boémia (1492), Valentim Fernandes (1508) e Joo de Barros (1552), chega-se & conclusdio de que foram os pilotos portugueses, da época do Infante Dom Henrique, os que primeiro aportaram aos Acores. Mas ao Infante de Sagres sé The importava o caminho do Oriente, a-fim de poder atingir o reino famoso do Prestes Joao das indias. Mesmo que soubesse da existéncia das ilhas atlanticas, estas ndo eram a sua constante preocupacéo, nem armava caravelas e adestrava pilotos para navegar até As iJhas perdidas ou encantadas: da Fortuna, Sio Brandao e Sete Cidades. O seu desejo veemente era chegar ao reino do ouro, das pedras preciosas ¢ das especiarias, e s6 0 poderia efectivar com o periplo da Africa, como outrora o célebre Hanon, no tempo do Velho Egipto. Em 1416 0 generoso Gongalo Velho 6 mandado estudar as correntes maritimas, ao longo da costa da Libia, e, nesta viagem, descobre a Terra- -Alta, ao norte do Cabo Bojador. Naturalmente faz a derrota do regresso, mais ao largo da terra, pelo mar dentro, de modo a apanhar os contra-ali- at seos e assim poder chegar 4 Peninsula. Talvez, numa destas viagens de retorno, teriam sido descobertos os Agores, como se depreende da opiniaio do préprio Gaspar Frutuoso, em nosso tempo defendida pelo Almirante Gago Coutinho, Mas, por se tratar de ilhas desabitadas, ficaram largo tempo no esquecimento; s6 com o avango das viagens, ao longo da costa africana, 6 que se reconheceu a bela situacio dos Acores — magni- fica base de operacdes, para aguadas ¢ refrescos, de todas as caravelas ¢ varinéis que andavam nos

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