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CAPITULO XXVI FORMAGAO E ALTERAGAO DO CONTRATO DE TRABALHO | INTRODUGAO O contrato de trabalho, como os negocios juridicos em geral, nasce em certo instante, cumpre-se parcialmente ou de modo integral, sofre alteragdes ao longo do tempo, quase que inevitavelmente, e, por fim, extingue-se. O presente capitulo centra-se, essencialmente, no estudo das altera- ges do contrato laborativo, tema de fundamental relevancia no cotidiano trabalhista. Contudo, esse exame nao pode se descurar de uma referéncia analitica 4 formag&o do contrato de trabalho, com os problemas mais impor- tantes que se apresentam no desenrolar desse momento. ll. FORMAGAO CONTRATUAL TRABALHISTA A formagao do contrato de trabalho tem relevantes pontos comuns com 0 processo genérico de formagao de pactos contratuais no Direito Civil. Algumas importantes regras relativas a esse momento inicial de vinculagao entre as partes contratuais trabalhistas sao semelhantes as que imperam no campo privado, notadamente quanto ao ajuste de vontades (que pode ser expresso ou tacito), fixagao do objeto central do pacto (tipo de prestagao de servigos), local de seu cumprimento, etc. Ebem verdade que ha pontos de diferenciagdo, dados pela especificidade da relagdo justrabalhista. llustrativamente, no ajuste do conteudo do contrato um conjunto de clausulas ja desponta predeterminado, em decorréncia das normas imperativas que incidem sobre qualquer contrato empregaticio. Por outro lado, parte significativa desse contetdo tendera a ser fixada unilateralmente por uma unica das partes, o empregador (embora, aqui, haja nova aproximagao com o Direito Civil, em vista dos diversos contratos de ades&o também nele existentes). Outros pontos diferenciadores dizem respeito a certas formalidades e titos especificos que a contratagao de empregados impde ao empregador. Trata-se, por exemplo, da assinatura da Carteira de Trabalho e Previdéncia Social, documento importante para a identificagéo socioprofissional do trabalhador (arts. 13 a 34, CLT); do langamento de dados contratuais nos correspondentes livros administrativos (art. 41, CLT), os quais cumprem o 1118 Mauricio GooinHo DetGapo papel de garantir a reuniao de informagées estatisticas esclarecedoras sobre © perfil do mercado de trabalho no pais, além de facilitarem o exercicio da fiscalizagdo trabalhista e previdenciaria pelo Estado), Neste rol ilustrativo, cite-se, ainda, a preparagaéo documental para os recolhimentos legais, sejam trabalhistas, como FGTS, sejam previdenciarios, sejam fiscais e parafiscais.2 Relembre-se que a irregularidade estritamente administrativa no tocante a contratagao de empregados (falta de assinatura de CTPS, de lancamentos informativos, de recolhimentos legais, etc.) nao torna inexistente ou nulo 0 contrato empregaticio formado. Conforme ja examinado no Capitulo XV deste Curso, tal pacto consuma-se mesmo que facitamente ajustado. Nesse diapas&o, as eventuais irregularidades administrativas apenas ensejam seu oportuno suprimento, na forma cabivel, com a aplicagéo de penalidades previstas pela CLT e legislacao previdenciaria, se for o caso. Experiéncia Prévia (art. 442-A, CLT) — A Lei n. 11.644/2008 (DOU de 11.3.08) inseriu o art. 442-A na CLT, estabelecendo que, para fins de contratagao, o empregador néo exigira do candidato a emprego comprovagao de experiéncia prévia por tempo superior a seis meses no mesmo tipo de atividade. O preceito visa a diminuir as dificuldades enfrentadas pelo trabalhador jovem ou menos experiente em sua busca de insercao no mercado de trabalho. Como regra gerai, dispée a lei, ndo se pode exigir experiéncia funcional excedente a seis meses do trabalhador concorrente a emprego. O novo dispositivo tem de ser lido, naturalmente, com iégica juridica. E que os principios constitucionais da proporcionalidade e da razoabilidade, a par da propria sensatez inerente a qualquer dinamica interpretativa do Direito, permitem inferir nao ser, porém, irregular a exigéncia de experiéncia mais (1) O ant 42 da CLT, que exigia a autenticacao administrativa desses livros de informagées, foi revogado pelo art. 4° da Lei n. 10.243, de 19.6.2001. (2) Curiosamente, a Lei n. 11.718/2008 (converséo da MP n. 410, de 28.12.2007), inserindo novo art. 14-A na Lei do Trabalho Rural (n. §.889/73), criou o contrato rural por pequeno pra- 0, por dois meses, a ser capitaneado pelo produtor rural pessoa fisica, para o exercicio de atividades de natureza temporaria — pacto que tem formalidades iniciais relativamente dife- renciadas perante o padrao geral da CLT e da Lei de Trabalho Rural. E que este novo contrato pode ser concretizado, administrativamente, de duas maneiras alternativas, a segunda sem anotago em CPS: a) incluso do trabathador na guia fundidria e previdenciaria denominada GFIP, com anotagao em CTPS e em Livro ou Ficha de Registro de Empregados (art. 14-A, § 2¥ e § 3°, |, da Lei n. 5.889/73); b) mera formalizago por contrato escrito em duas vias (uma para cada parte), em que constem, no minimo: expressa autorizagdo da convengdo ou acordo coletivos; identificagéio do produtor rural e do imével rural e respectiva matricula; identificaggo do trabalhador e seu respectivo Numero de Inscrigao do Trabalho — NIT (art. 114-A, § 3°, I, *a’, "b” e “c’), tudo sem prejuizo da fiiagdo obrigatéria do empregado & Previdéncia Social e inscrigéo no FGTS, mediante guia GFIP (§ 2? do art. 14-A). No tocante a segunda alternativa de formalizagao, houve diminuigao das exigéncias tradicionais aos pactos trabalhistas padro- nizados: a anotacdo de CTPS) Curso 0& Direiro Do TRABALHO 1119 significativa em situagdes de manifesta necessidade de elevada experiéncia para o cargo designado. O novo preceito tegal quer apenas afastar 0 exagero seletivo do empregador contratante, mas nao eliminar a validade e a forga da historia profissional de cada trabalhador, consistentemente agregada em seu curriculum vitae. lil. FORMAGAO DO CONTRATO: MOMENTO E LOCAL No estudo da formagao contratual trabalhista é importante ter clareza a respeito dos exatos momento e local de celebracdo do pacto. De maneira geral, nao ha duvidas a respeito desses dois importantes aspectos da celebragao do pacto empregaticio. Porém, ha situagdes menos claras sobre uma ou outra de tais circunsténcias: em tais situagées, o conhecimento acerca de algumas regras regentes da formagao dos contratos pode ser de grande interesse. A definigao do instante preciso de celebragao do contrato pode estabelecer, por exemplo, 0 instante de inicio dos efeitos obrigacionais entre as partes, ainda que ndo se tenha dado, efetivamente, a real prestagao de servicos (se se tratar do caso de aplicacao do art. 4°, CLT). Na mesma linha, a fixagao do momento preciso de formagao do contrato permite estabelecer também 0 /ocal de celebragao do pacto, permitindo fixar, desse modo, em alguns casos, a competéncia territorial do Juiz Trabalhista para conhecer lides acerca do referido contrato. 1. Policitagdo e Formagao Contratual Aformagdo do contrato de trabalho pode efetuar-se mediante manifesta- G&o expressa ou tacita da vontade das partes (art. 442, caput, CLT). Expres- sa é a manifestagao que se exterioriza mediante declaragées inequivocas e transparentes da intengao empregaticia dos sujeitos contratuais. Tacita é a manifestagao que nao se formula de modo transparente, mas se concretiza pela pratica material de atos indicadores da existéncia de uma vontade co- mum direcionada 4 realizag&o de um vinculo trabalhista entre elas. No coti- diano das relagées laborais, é a manifestagao expressa, escrita ou verbal, a férmula mais comumente utilizada pelas partes para selar o encontro de suas vontades em direcdo ao contrato empregaticio. Esse contrato inicia-se, de maneira geral, através da apresentacao de uma proposta contratual por qualquer dos interessados (tratando-se de um contrato de ades4o, sabe-se que, na pratica, esta proposta origina- -se, essencialmente, do tomador de servigos, e n&o do trabalhador). A proposta contratual (também chamada, no Direito Civil, de policitagao) é, como se conhece, 0 ato através do qual uma parte (policitante) apresenta 1120 Mauricio Gooinro Detcaoo os parametros basicos para a formagao de um contrato de seu interesse, pedindo a manifestagdo da vontade de alguém no sentido desse pacto (oblato). A policitagdo tende a fixar o momento € 0 local de formaga&o do contrato, principalmente se feita e aceita entre presentes, como ocorre na generalidade das situag6es propiciadas pelo cotidiano trabalhista. De fato, se apresentada a proposta entre presentes, e imediatamente aceita pelo oblato, ela estabe- tece 0 focal de formagao do contrato entre as partes (art. 1.087, CCB/1916; art. 435, CCB/2002). A proposta, apresentada e aceita entre presentes, também estabelece, regra geral, o momento de formagao do contrato. Porém, neste caso, pode existir, explicita ou implicitamente na policitagao, um termo adiando 0 efetivo inicio de eficacia das clausulas contratuais (art. 123, CCB/1916; art. 131, CCB/2002). Registre-se que a presenca de um termo inicial para a eficacia do contrato afasta, em principio, 0 critério do tempo a disposigao, inerente a CLT, ao menos no periodo entre a formagao contratual e a data desse termo de inicio de seu real cumprimento. 2. Forma¢ao Contratual e Competéncia Judicial Trabathista De todo modo, ainda que ocorrendo a existéncia de um termo explicito ou implicito adiando o efetivo exercicio do contrato, o simples estabelecimento do local de formagao do pacto é importante para a pratica justrabalhista: é que esse local pode (nem sempre, é claro) ter influéncia direta no que diz respeito 4 determinagao da competéncia territorial dos Juizes Trabalhistas para conhecer e julgar agées laborais vinculadas aquete contrato. E bem verdade que a regra geral celetista estabelece que a competéncia territorial dos Juizes do Trabalho fixa-se em fungao do focal de prestagao efetiva dos servigos, independentemente do local da contratagdo (art. 651, caput, CLT). Contudo, a mesma ordem juridica esclarece que, “em se tratando de empregador que promova realiza¢ao de atividades fora do lugar do contrato de trabalho, é assegurado ao empregado apresentar reclamacao no foro da celebracao do contrato ou no da prestacado dos respectivos servicos" (§ 3° do art. 651, CLT; grifos acrescidos). Neste ultimo caso, portanto, o exame do lugar de apresentagao de uma proposta contratual feita entre presentes é de suma relevancia 4 definigao da competéncia territorial do Juiz Trabalhista. E o que se Passa, comumente, com empresas de construgdo pesada: tealizam contratagGes obreiras em grandes centros urbanos, prevendo, porém, a efetiva prestacdo laborativa para regides longinquas do pais, onde tém distintas obras. Na verdade, apenas a proposta contratual é que é apresentada ao trabalhador em tais centros urbanos, uma vez que o contrato tende a ser formalizado posteriormente, ja no efetivo local de prestacdo de servigos. A medida que 0 tocal da apresentagao da proposta — se feita entre Curso be Direrto 00 TRABALHO 1121 presentes e imediatamente aceita — 6 que estabelece o local de formagao do contrato entre as partes, considera-se, em tal situagao figurada, que o contrato formou-se, do ponto de vista juridico, no centro urbano em que a Policitagao foi apresentada e aceita. E claro que no se deve confundir a situagdo acima com a referente ao agente ou viajante comercial. Em tais casos, a competéncia sera do Juiz Trabalhista da comarca em que a “empresa tenha agéncia ou filial e a esta 0 empregado esteja subordinado” (art. 651, § 1°, CLT, desde Lei n. 9.861, de 1999); na falta desta, a competéncia sera do Juiz Trabalhista da comarca “em que o empregado tenha domicilio ou a localidade mais préxima” (art. 651, § 1°, CLT). IV. FORMAGAO CONTRATUAL: PROBLEMAS DO PRE-CONTRATO O tema da formagao do contrato de trabalho enseja, ainda, o debate acerca de problemas pré-contratuais. Embora nao se trate de situagdes comuns ao cotidiano juslaboral, é inegavel que a pratica concernente a certo pacto empregaticio pode suscitar debate, por exemplo, sobre eventual indenizagéo por despesas relativas ao periodo de preparagéo de uma contratagao trabalhista (perdas e danos, por exemplo). Neste quadro, é importante recordar que a ordem juridica estabelece, como regra geral, que a proposta, uma vez formulada, obriga o proponente (art. 1.080, CCB/1916; art. 427, CCB/2002). A teferida regra, é bem verdade, acolhe inimeras excegdes. Nessa linha, nao sera tida como vinculante a proposta se o contrario resultar de seus termos, da natureza do negécio ou das circunstancias do caso (art. 1.080, CCB 1916; art. 427, CCB/2002). Estabelece ainda o Direito Civil que também néo obrigara a proposta se feita a uma pessoa presente e nao for imediatamente aceita (sabe-se que a lei considera presente a pessoa que Contrate por telefone; por coeréncia, o mesmo efeito cumprira o telex, fax e, até mesmo, conforme o caso, a prépria internet). Do mesmo modo, nao produzira vinculagao a proposta feita, com prazo, @ pessoa ausente, sem que tenha sido expedida resposta dentro do prazo dado (a lei civil, como se sabe, acolhe a teoria da agni¢aéo ou declaracao, em sua modalidade da expedi¢éo ou transmisséo). Nao seré também vinculante a proposta feita, sem prazo, a pessoa ausente, apds o decurso de lapso temporal suficiente (prazo razoavel/prazo moral) para chegar a resposta do oblato ao conhecimento do proponente. Finalmente, perdera seu carater vinculante a proposta cuja retratagdo chegue ao conhecimento do (3)A esse respeito, art. 1.081 e incisos, CCB/1916, e art. 428 e incisos, CCB/2002. 1122 Mauricio Gonino DetGaoo oblato anteriormente ou simultaneamente a propria policitagdo (art. 1.081, CCB/1916; art. 428, CCB/2002). A frustragéo concreta e culposa de um contrato claramente proposto — tratando-se de proposta néo desqualificada pelas excegdes acima mencionadas — leva, obviamente, 4 obrigagéo de indenizar a parte prejudicada (art. 159, CCB/1916; art. 186, CCB/2002). Afinal, a proposta feita e aceita, regularmente, obriga o policitante. A regra, por analogia (art. 8, CLT), também se aplica ao Direito do Trabalho. Entretanto, existem situagdes concretas menos claras no tocante a essa obrigagao indenizatéria. Trata-se de situagdes envolventes ao chamado pré- contrato, fase em que as partes trocam informagées e hipdteses propositivas, ainda sem carater conclusivo de proposta contratual. De maneira geral, é inquestionavel que descabe falar-se em indenizagao pela ocorréncia de uma fase de entendimentos pré-contratuais, que veio a mostrar-se, em seguida, frustrada em seus aparentes objetivos iniciais. Nao se formulando e apresentando, efetivamente, a policitagdo, nao ha que se inferir 0 surgimento de obrigages entre as partes. E que as negociagées prévias sao inerentes a qualquer contrato, nao traduzindo, necessariamente, proposta efetiva, com 0 que, regra geral, nao ensejam obrigagdo de indenizar. Como aponta Caio Mario da Silva Pereira, as “negociagées preliminares... sao conversas prévias, sondagens, debates em que despontam os interesses de cada um, tendo em vista o contrato futuro. Mesmo quando surge um projeto ou minuta, ainda assim nao ha vinculagéo das pessoas. Nao raro, nos negocios que envolvem interesses complexos, entabula uma pessoa conversagées com diversas outras, € somente se encaminha a contratagdo com aquela que melhores condigdes oferece. Enquanto se mantiverem tais, as conversagées preliminares nao obrigam”*), Registre-se, porém, que nao é necessariamente inviavel, do ponto de vista juridico, a possibilidade de ocorréncia — ainda que rara — de uma eventual obrigagao indenizatoria, em consequéncia de prejuizos derivados de uma fase pré-contratual que tenha se mostrado posteriormente frustrada; isto, evidentemente, desde que verificada culpa extracontratual, aquiliana, do potencial tomador de servicos (art. 159, CCB/1916; art. 186, CCB/2002). O desembolso de despesas efetuadas em decorréncia de entendimentos pré- -contratuais bastante consistentes, ou a perda da oportunidade de celebragao de outro contrato em vista do encaminhamento firme de uma negociagao pré-contratual, seriam situagdes que poderiam ensejar a discussao sobre (4) PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituigdes de Diraito Civit — contratos; declarago uni- lateral de vontade; responsabilidade civil. v. III, 10, ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997. p. 1 grifos no original. Curso De Direrto Do TRABALHO 1123 a viabilidade da incidéncia da obrigagdo de indenizar, a luz de reflexdo efetivada pelo juslaborista Délio Maranhéo®. Contudo, nado se pode exagerar a possibilidade de ocorréncia dessas situagdes de possibilidade indenizatéria envolventes ao pré-contrato. E que, afinal, um minimo de expectativa das partes naturalmente surge quando elas se aproximam para iniciar ou desenvolver concertagdes em diregéo a uma Proposta contratual. Portanto, é da propria natureza desse tipo de fase a geragao razoavel — e regular — de certo nivel de expectativas e frustragdes entre as partes, Indenizagao pela Perda de Uma Chance — No contexto dos problemas que podem surgir na fase pré-contratual, ha que se destacar, por fim, o tema telativo a indenizagao pela perda de uma chance. De fato, a nogao de perda de uma chance é compativel com a regéncia normativa do novo Céddigo Civil, conforme se percebe da regra contida em seu art. 402, in fine. O preceito menciona que “... as perdas e danos devidas ao credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu, o que razoavel- mente deixou de lucrar’, Naturalmente que 0 dispositivo refere-se a chance real, consistente, significativa, com razoavel plausibilidade de concretizagao (“...0 que razoavelmente deixou de lucrar’, diz a regra), e nao mero sonho ou expectativa otimista da pessoa envolvida. No plano trabalhista, a perda de uma chance consistente e plausivel, em decorréncia do envolvimento necessario e absorvente do profissional com a dinamica da contratagao, que subsequentemente se frustra, pode, conforme as circunstancias da situagao concreta, propiciar a obrigacdo reparatoria. Naturalmente que também aqui se aplicam os mesmos critérios de juizo de razoabilidade, proporcionalidade, prudéncia e realismo para o intérprete conclusivo do Direito no exame do caso concreto posto a sua analise. V. ALTERAGOES CONTRATUAIS TRABALHISTAS: SUBJETIVAS E OBJETIVAS A formagao do contrato leva ao estabelecimento de um diversificado nu- mero de clausulas contratuais aplicaveis as partes. E verdade que grande parte dessas clausulas consiste em mera incorporagao de preceitos normati- vos obrigatérios oriundos da normatividade heterénoma estatal ou auténoma negociada, como caracteristico ao Direito do Trabalho (contetido imperativo () MARANHAO, Délio, in SUSSEKIND, Arnaldo et alii. Instituig6es de Direito do Trabalho. v. |, 8. ed. Freitas Bastos, Rio de Janeiro, 1981. p. 221-222. (8) Nesta ultima diregao, PEREIRA, Caio Mario da Silva, ob. cit., p. 19-20. 1124 Mauricio GooinHo Decco minimo do contrato). Mas ha também, em contrapartida, uma larga dimensdo de clausulas que se estabelecem a partir do simples exercicio da vontade privada, em especial do empregador. Entre estas ultimas, citam- -se, ilustrativamente, clausulas referentes a fungao contratual, @ modalidade de pagamento de salarios e ao montante salarial (respeitado, neste caso, 0 minimo obrigatorio), ao montante da jornada (respeitado o parametro obri- gatorio), a distribuigao do hordario de trabalho, 4 ambientagao de realizagao. dos servicos, e inumeras outras clausulas cotidianamente criadas no ambito empregaticio. Esse contetido originalmente formulado ao contrato pode, entretanto, alterar-se ao longo do cumprimento do pacto empregaticio. A dinamica de tais alteragdes contratuais da ensejo a uma das dimensdes mais importantes — e polémicas — do cotidiano empregaticio; da origem, correspondentemente, auma das areas tematicas mais intrincadas de todo 0 Direito do Trabalho: a dimensdo e area das alteragées contratuais trabalhistas. 1. Alteragées Contratuais Subjetivas Os contratos, de maneira geral, podem alterar-se subjetiva ou objetiva- mente, Alterag6es contratuais subjetivas sio aquelas que atingem os sujeitos contratuais, substituindo-os ao longo do desenrolar do contrato. Alteragdes contratuais objetivas sao aquelas que atingem as clausulas do contrato (o contetido contratual), alterando tais clausulas ao longo do desenvolvimento do pacto. Essa dualidade de alteragdes (subjetivas e objetivas) também mostra- -se presente no contrato de trabalho. Contudo, ha importante particularidade no contexto empregaticio, relacionada a dimens&o subjetiva das alteragdes contratuais: na verdade, 0 contrato de trabalho nao se sujeita a um gru- po diferenciado de alteragdes subjetivas, mas, essencialmente, a uma unica alteragdo de seus sujeitos contratuais — a modificagdo da figura do empregador. De fato, as aiteragdes subjetivas (atingindo, pois, as partes contratuais) restringem-se, no contrato de trabalho, apenas ao polo passivo da relagaéo de emprego — o empregador —, através da chamada sucesséo trabalhista. E que se sabe que, no tocante a figura do empregado, incide a regra da infungibilidade, inviabilizando alteragao subjetiva contratual; afinal, o contrato é intuitu personae com respeito ao empregado. Essa particularidade justrabalhista — reduzindo a alteragao subjetiva do contrato apenas a figura empresarial —, associada a circunstancia de que 0 Direito do Trabalho cria regras notavelmente especiais no que concerne a sucesso trabalhista (isto é, a alteragao subjetiva do contrato no plano ‘Curso oF Dinero Do TRABALHO 125 empregaticio), tudo leva a que a doutrina separe, claramente, o estudo dos dois tipos de modificagées contratuais. Nessa linha, a alteragdo subjetiva do contrato empregaticio tende a ser estudada, minuciosamente, nos manuais universitarios justrabalhistas, no quadro de andlise dedicada a figura juridica do empregador, no topico da sucesséo trabalhista — resguardando-se, pois, © temario das chamadas alteragdes contratuais trabalhistas para 0 exclusivo estudo das alteragdes objetivas do contrato. E o que se fez no presente Curso, examinando-se a alteragao subjetiva do contrato de emprego no Capitulo Xi, sobre o empregador, em seu item IV, sucessdo de empregadores — para onde remetemos 0 leitor. Nao é sem raz4o que essa mesma particularidade faz com que se identifique também a figura da sucessdo trabalhista ou sucessdo de em- pregadores pela simples expressao singular alteragdo subjetiva do contrato de trabalho. 2. Alteragées Contratuais Objetivas Alteragdes objetivas, como visto, so aquelas que abrangem cléusulas contratuais ou circunsténcias envolventes a efetiva execugdo do contrato. Afetam, pois, 0 conteddo do contrato de trabalho. Serao estas modificag6es do contrato de trabalho anatisadas no restante do presente Capitulo. VI. ALTERAGOES CONTRATUAIS OBJETIVAS: CLASSIFICACAO As alteragdes contratuais objetivas sao aquelas que atingem o contetido do contrato de trabalho. Caracterizam-se por afetar, modificando, clausulas integrantes desse contrato. Classificam-se tais alteragdes objetivas segundo distintos parametros de comparacao. Os mais significativos parametros eleitos pela doutrina sao a origem, a obrigatoriedade, o objeto e os efeitos das alteragdes examinadas, Possibilitando a construc¢ao de distintas tipologias de alteragdes objetivas do contrato empregaticio. 1. Classificagaéo Segundo a Origem O parametro da origem da alteracdo contratual conduz ao encontro de dois tipos centrais de modificagées objetivas do contrato: as oriundas de Norma juridica (alteragdes normativas) e as oriundas da vontade unilateral ou bilateral das partes contratuais (alteragées meramente contratuais). As primeiras (alteragdes normativas) decorrem de diplomas normativos do Estado (Constituigao, leis, medidas provisérias, por exemplo). Neste grupo inclui-se a sentenga normativa (alteragées normativas heterénomas). Decorrem ainda as alteragdes normativas de instrumentos normativos 1126 Mauricio GopinHo DeLGapo coletivamente negociados, como a convenc¢do, 0 acordo é 0 contrato coletivos de trabalho (alteragdes normativas auténomas). Ja as alteragdes meramente contratuais sao aquelas que resultam do exercicio unilateral da vontade das partes — em geral, exclusivamente do empregador —, como se passa, em regra, com os dispositivos do regulamento empresarial (alteragdes unilaterais). Também podem resultar da conjugagao de ambas vontades contratuais (alteragGes bilaterais). 2. Classificagao Segundo a Obrigatoriedade © parametro da obrigatoriedade da alteragao contratual conduz ao encontro de dois tipos centrais de modificag6es objetivas do contrato: as imperativas (ou obrigatérias) e as voluntarias. Imperativas (ou obrigatérias) sao alteragdes que se impdem as partes contratuais, independentemente de sua vontade e de as alteragdes produzi- rem efeitos favoraveis ou desfavoraveis a qualquer das partes. De maneira geral, sdo imperativas as alteragdes decorrentes de norma juridica —- como as derivadas de lei (chamadas também alteragdes legais). Também sao imperativas, em geral, as mudangas resultantes de instrumento normativo negocial coletivo ou de instrumento normativo judicial (estas duas ultimas chamadas também alteragées normativas). Voluntarias so as alteragées decorrentes do exercicio licito da vontade pelas partes contratuais, nao se impondo necessariamente a ambas. E claro que as alteragdes unilaterais do contrato incidem impositivamente sobre a vontade da contraparte contratual, uma vez que foram formuladas por um Unico dos sujeitos do contrato. Neste quadro, sendo o contrato empregaticio um pacto de adesao, o habitual é que as alteragdes contratuais voluntarias unilaterais tenham origem na figura do empregador, impondo-se sobre a parte contratual obreira. De todo modo, tecnicamente, as alteragées voluntarias distinguem-se em alteragdes bilaterais (provindas da vontade consensual das partes) ou unilaterais (provindas da vontade unilateral de um dos sujeitos do contrato, em geral o empregador). 3. Classificagao Segundo o Objeto O parametro do objeto das alteragdes contratuais em exame conduz ao encontro de trés tipos basicos de modificagdes do contrato: as qualitativas, as quantitativas e as circunstanciais. Alteragées qualitativas séo aquelas que dizem respeito a natureza das prestagdes. Sao modificagdes que envolvem, pois, o proprio carater da prestacdo ou situagdo contratual enfocada. llustram tal modalidade as alteracgdes que atingem o tipo de trabalho, de fungao, etc. Curso 0 DiretTo 00 TRABALHO 1127 Alteragées quantitativas sao aquelas que dizem respeito ao montante das prestagdes. Sao modificagdes que envolvem, pois, a expressao numérica tradutora da extensao da prestacdo enfocada. llustram esta modalidade as alteragdes que atingem a intensidade do trabalho ou da jornada ou, ainda, o montante do salario, etc. Alterag6es circunstanciais sao aquelas que dizem respeito a situagao ambiental ou organizativa referente as prestagdes contratuais. !lustram esta modalidade as modificagdes que atingem o local de trabalho, a forma de contraprestagao salarial (salario-utilidade versus salario em moeda, por exemplo). 4. Classificagao Segundo os Efeitos O parametro dos efeitos das alteragées contratuais em exame conduz ao encontro de dois tipos basicos de modificagées do contrato: as favoraveis ao empregado e as desfavoraveis ao empregado. As alteragées favoraveis, por traduzirerm um patamar de direitos superior ao padrao normativamente fixado, tendem a ser sempre validas. Apenas nao 0 serao caso agridam a norma proibitiva insuplantavel do Estado — ainda que trazendo uma aparente vantagem tdopica para o trabalhador isoladamente considerado. As alteragées desfavoraveis ao empregado tendem, em geral, a ser tidas como ilicitas (principio da inalterabilidade contratual lesiva; art. 468, CLT). Apenas nao o serao quando estiverem autorizadas pela ordem juridica heterénoma ou auténoma trabalhista. As cinco situagées-tipo permissivas do exercicio licito do jus variandi pelo empregador, a serem examinadas a seguir, no item VII deste Capitulo, ilustram, de modo significativo, as hipdteses de modificagées desfavoraveis validas existentes no Direito brasileiro. No tocante as tipologias acima, merece uma analise pormenorizada a classificagdo construida em torno do objeto das alteragdes perpetradas. Nesta linha, sera feito o estudo anatitico das alteragées qualitativas, quantitativas e circunstanciais do contrato de trabalho, mais a frente, neste Capitulo (itens VIII, IX eX). VIL ALTERAGOES CONTRATUAIS OBJETIVAS: PRINCIPIOS APLICAVEIS Adinamica das alteragdes objetivas dos contratos empregaticios sub- mete-se a regéncia de alguns principios informativos do Direito do Trabalho. A medida que cumprem os principios o central papel de fachos ilumi- nadores a compreensao da ordem juridica, comandos juridicos instigadores, 1128 Mauricio GoninHo Detcano sua andlise propiciaré que melhor se compreendam as possibilidades e limites abertos pelo Direito as modificagées nas clausulas integrantes dos contratos de emprego. 1. Principios Aplicaveis Trés diretrizes justrabalhistas aplicam-se a dindmica das alteragdes objetivas do contrato de trabalho: trata-se do principio da inalterabilidade contratual lesiva; também o principio do direito de resisténcia obreiro (jus resistentiae); finalmente, 0 principio do jus variandi empresarial. Os trés principios — dotados de aparente assincronia entre si— harmo- nizam-se para estabelecer parametros orientadores do potencial de rigidez e de mutabilidade deferido peta ordem juridica ao contrato de trabalho. O primeiro é principio basilar do ramo taboral especializado, oriundo da velha matriz civilista e adequado as especificidades do Direito do Trabalho, onde adquiriu forga e dimensao prdprias: o principio da inalterabilidade contratuat lesiva. O segundo principio — conexo ao anterior — é o que assegura a prerro- gativa de resisténcia do empregado perante ordens ilicitas ou irregulares do empregador (jus resistentiae). A terceira diretriz, finalmente, 6 a que informa sobre a prerrogativa (juridicamente limitada, é bem verdade) de adequagao e redirecionamento da prestac&o laboral contratada, que a ordem juridica assegura ao empregador no transcorrer do contrato, conforme art. 2°, caput, da CLT, e art. 19, IV, in fine, da CF/88. Trata-se do jus variandi empresarial. Examine-se, em destaque, cada uma dessas diretrizes convergentes ao tema das modificagdes objetivas do contrato de trabalho. A) Principio da Inalterabilidade Contratual Lesiva — O principio da inalterabilidade contratual lesiva deve ser tratado como diretriz especial do Direito do Trabalho. Contudo, sua origem é claramente exterior ao ramo justrabalhista, inspirado no principio geral do Direito Civil da inalterabilidade dos contratos. Tanto que normatmente é estudado como exemplo de principio geral do Direito (ou de seu ramo civilista) aplicavel ao segmento juslaboral”. O que justifica, entao, passar a trata-lo como principio especial jus- trabalhista? O fato fundamental de ter sido tao acentuada a adequacdo e adaptagao sofrida pelo principio geral civilista a partir de seu ingresso no Direito do Trabalho, sofrendo modificagées substantivas, que se torna, hoje, (7) Até mesmo este autor assim o fez, nas duas primeiras edigdes de sua obra Introdugao ao Direito do Trabaiho (capitulo sobre principios). Curso be DirEITo D0 TRABALHO 1129 apos cristalizadas tais mudangas, mais correto (e mais conveniente) enfatizar-se a especificidade trabalhista do que a propria matriz primitiva do principio. De fato, um dos mais importantes principios gerais do Direito que foi importado pelo ramo justrabalhista é 0 da inalterabilidade dos contratos, que se expressa, no estuario civilista originario, pelo conhecido aforismo pacta sunt servanda (“os pactos devem ser cumpridos”). Informa tal principio, em sua matriz civilista, que as convengées firmadas pelas partes nao podem ser unifateralmente modificadas no curso do prazo de sua vigéncia, impondo-se ao cumprimento fiel pelos pactuantes. Sabe-se, porém, que esse principio juridico geral (pacta sunt servanda) ja sofreu claras atenuacgées no prdprio ambito do Direito Civil, através da formula rebus sic stantibus. Por essa formula atenuadora, a inalterabilidade unilateral deixou de ser absoluta, podendo ser suplantada por uma compativel retificagéo das clausulas do contrato ao longo de seu andamento. Essa possibilidade retificadora surgiria caso fosse evidenciado que as condigdes objetivas despontadas durante o prazo contratual — condi¢des criadas sem o concurso das partes — provocaram grave desequilibrio contratual, inexistente @ impensavel no instante de formula¢ao do contrato e fixagao dos respectivos direitos e obrigagées. Tais circunstancias novas e involuntarias propiciariam a parte prejudicada, desse modo, a licita pretensao de modificagao do contrato. O principio geral da inalterabilidade dos contratos sofreu forte e comple- xa adequagao ao ingressar no Direito do Trabalho — tanto que passou a se melhor enunciar, aqui, através de uma diretriz especifica, a da inalterabilida- de contratual lesiva. Em primeiro lugar, a nogao genérica de inalterabilidade perde-se no tamo justrabalhista. E que o Direito do Trabalho nao contingencia — ao contrario, incentiva — as alteragdes contratuais favoraveis ao empregado; estas tendem a ser naturalmente permitidas (art. 468, CLT). Em segundo lugar, a nogao de inalterabilidade torna-se sumamente rigorosa caso contraposta a alteragées desfavoraveis ao trabalhador — que tendem a ser vedadas pela normatividade justrabalhista (arts. 444 e 468, CLT). Em terceiro lugar, a atenuagao civilista da formula rebus sic stantibus (atenuagao muito importante no Direito Civil) tende a ser genericamente rejeitada pelo Direito do Trabalho. E que este ramo juridico especializado coloca sob énus do empregador os riscos do empreendimento (art. 2°, caput, CLT), independentemente do insucesso que possa se abater sobre este. As obrigacGes trabalhistas empresariais preservam-se intocadas ainda que a atividade econémica tenha sofrido revezes efetivos em virtude de fatos externos a atuagdo do empregador. Fatores relevantes como a crise econémica geral ou a crise especifica de certo segmento, mudangas drasticas na politica industrial do 1130 Mauricio GoninHo DetGapo Estado ou em sua politica cambial — que sdo fatores que, obviamente, afetam a atividade da empresa — nao sao acothidos como excludentes ou atenuantes da responsabilidade trabalhista do empregador. A esse propésito, alias, a jurisprudéncia tem reiteradamente esclarecido que no conceito de riscos assumidos pelo empregador inscreve-se, sim, a profusdo legislativa que sempre caracterizou a tradigao juridica e administrativa brasileira, com as modificagdes econdémicas e monetdérias dai advindas (“Plano Bresser’, “Plano Verao", “Plano Collor’, “Plano Real’, etc.). Portanto, prejuizos derivados de tais planos econémicos oficiais nado eliminam ou restringem a responsabilidade do empregador por suas obrigagées laborativas. N&o obstante o critério geral do art. 2° da CLT e a interpretagao jurispru- dencial referida (em favor da assungao empresarial dos riscos econémicos), inquestionavel que a legislacao trabalhista tendeu, em certo momento his- torico, a incorporar certos aspectos da férmula rebus sic stantibus, reduzindo, assim, Os riscos trabalhistas do empregador. De fato, 0 art. 503 da CLT autorizava a “redugdo geral dos salarios dos empregados da empresa” em casos de “prejuizos devidamente comprovados”. A Lei n. 4.923, de 1965, por sua vez — nao por coincidéncia, oriunda de periodo autocratico da vida politica e juridica do pais —, também veio permitir a redug&o salarial obreira em situagdes objetivas adversas do mercado para © empregador, deferindo, inclusive, a este meios judiciais para alcance de sua pretensdo reducionista. A Constituigaéo de 1988, entretanto, ao fixar a regra geral da “irredutibilidade do salario, salvo o disposto em convencdo ou acordo coletivo” (art. 7°, VI, CF/88), derrogou tais normas permissivas (fenémeno da nao recep¢ao), condicionando quaisquer condutas de redugao salarial 4 negociagdo coletiva sindical (arts. 7%, VI, e 8°, VI, CF/88). Recente diploma normativo despontou nessa area tematica: a MPr. n. 680, de 6.7.15, convertida na Lei n. 13.189, de 19.11.2015. Pelos novos diptomas juridicos, foi permitido a empresas em situacdo de dificuldade econémico-financeira, nas condicGes e forma estabelecidas em ato do Poder Executivo federal, aderirem ao Programa de Protegdo ao Emprego, de modo a reduzirem, temporariamente, em até trinta por cento, a jornada de trabalho de seus empregados, com a redu¢do proporcional dos salarios, desde que autorizada esta redugao por acordo coletivo de trabalho especifico celebrado “com o sindicato de trabalhadores representativo da categoria da atividade econémica preponderante” (art. 3°, caput e § 1°, MPr. n. 680/2015; art. 52 e §§, Lei n. 13.189/2015). Trata-se de hipdtese de alteragdo contratual lesiva, mas autorizada por negociagao coletiva trabalhista, situada em contexto de dificuldade econémico-financeira da empresa empregadora € restrita a duragao realmente proviséria.©) (8} No texto primitivo do § 3° do art. 3° da MPr. n. 680/2015 estava previsto que a “... redugdo. temporéria da jomada de trabalho poderd ter duracao de alé seis meses e poder ser prorro- gada, desde que o periodo total nao ullrapasse doze meses”. Entretanto a Lei n. 13.189/2015, Curso 0& Diretto 00 TRABALHO 1131 N&o obstante essas excepcionais ressalvas (que, de todo modo, en- fatizam a necessidade de documento coletivo negociado autorizador), fica bastante claro que, hoje, em vista dessas trés importantes especificidades, pode-se falar na existéncia de um efetivo principio especial trabalhista, o da inalterabilidade contratual lesiva. Ressalte-se, a propdsito, nao ser absoluta, é claro, a vedacao as alteragGes lesivas do contrato de trabalho. Afora as situag6es inerentes ao chamado jus variandi ordinério empresarial (que, segundo a doutrina, englobariam mu- dangas de menor importancia, nao chegando a atingir efetivas clausulas do pacto entre as partes)®, haveria certo leque de modificagées tesivas autori- zadas implicita ou explicitamente por lei (como a reversdo: paragrafo unico do art. 468 da CLT) ou franqueadas pela ordem juridica 4 propria norma coletiva negociada (art. 7°, VI, CF/88)"""). B) Principio do fo de Resisténcia Obreiro — O principio do jus resistentiae obreiro informa a prerrogativa de o empregado opor-se, validamente, a determinagées ilicitas oriundas do empregador no contexto da prestagao laborativa. E principio especifico ao contrato de trabalho, “derivando diretamente do uso irregular do poder diretivo patronal”"), Em ordens juridicas, como a brasileira, em que 0 empregado nao tem assegurada garantia geral de emprego (ha apenas garantias especiais, como a do dirigente sindical, da gestante, etc.),"?) 0 jus resistentiae torna- se, na pratica, mitigado, uma vez que o risco do rompimento do contrato pelo empregador inibe eventual posi¢ao defensiva do empregado em face de determinacées abusivas recebidas. De todo modo, ainda assim o principio desponta como um segundo fator — ao lado da diretriz de inalterabilidade contratual lesiva — a privilegiar a perspectiva protetiva dos interesses obreiros na dinamica das alteragées contratuais objetivas no Direito do Trabalho. em seu art, 5°, § 1%, IV, dilatou esse prazo, ao ser referir a possibilidade de prorrogagao de periodes sucessivos de seis meses de reducdo, “desde que o periodo total ndo ultrapasse vinte e quatro meses”. {9) A diferenciagao entre jus variandi ordinério e extraordinario esta em VIANA, Marcio Tillio. Direito de Resisténcia. Sao Paulo: LTr, 1996. p. 226-7 e 247-9. Evidentemente que ela sera também examinada logo a seguir, ainda neste item Vil do presente Capitulo. (10) O subitem 3 deste item Vil, logo a seguir, sintetizara os critérios autorizativos de modifi- cagées do contrato de trabalho. (11) VIANA, Marcio Tullo, Direito de Resisténcia. SAo Pauto: LTr, 1996. p. 421. (12}0 art. 72, |, da Constituigao, que menciona essa garantia geral, tem sido interpretado pela jurisprudéncia do pais (inclusive STF) como norma ndo autoexecutével, inabil, portanto, a pro- uzir eficdcia imediata enquanto no surgir a lef complementar referida no mesmo dispositivo constitucional. A respeito do curto periodo de vigéncia e eficdcia juridicas da Convengao n. 158 da OIT, na década de 1990, que estipulava restrigdes a dispensa meramente arbitraria na ordem juridica brasileira, consultar, neste Curso, no Capitulo XXVIII, 0 item tl1.4.A, sob 0 titulo “4, Motivagao da Dispensa pelo Empregador — A) Convengdo 158 da OIT”. 1132 Mauricio GoniwHo De.cano: C) Diretriz do Jus Variandi Empresarial — A diretriz do jus variandi informa o conjunto de prerrogativas empresariais de, ordinariamente, ajustar, adequar e até mesmo alterar as circunstancias e critérios de prestagao laborativa pelo obreiro, desde que sem afronta a ordem normativa ou contratual, ou, extraordinariamente, em face de permissdo normativa, modificar clausula do préprio contrato de trabalho. O jus variandi é corolario do poder diretivo, concentrado no empregador no contexto da rela¢ao de emprego, configurando-se, ao mesmo tempo, como concretizagao desse poder diretivo (caput do art. 2° da CLT: o empregador dirige a prestacao de servigos). Classifica-se 0 jus variandi em ordinario e extraordinadrio, conforme o objeto de sua atuagaol"), O jus variandi ordinario concerne a alteragao unilateral de aspectos da prestacao laborativa nao regulados quer por norma juridica heterénoma ou auténoma, quer pelas clausulas do respectivo contrato de trabalho. Traduz a dimens&o mais comum e diversificada do jus variandi empresarial, tendo como “campo prdéprio, especifico ... exatamente o da prestagao de servicos""). Essencialmente, é “instrumento de modulagao da prestagao de servigos), atuando em campo e matérias nao previamente reguiadas pelo contrato ou por norma juridica‘®. Como bem exposto por Marcio Tulio Viana, “Campo do jus variandi 6 0 espago em branco entre as clausulas, onde nada se previu especificamente. Ali o empregador se movimenta, preenchendo os vazios de acordo com a sua propria vontade.(...). E por ser assim, talvez se possa dizer — por paradoxal que pareca — que a originalidade do contrato de trabalho esta um pouco ‘fora’ dele, no poder de se exigir 0 que nao se ajustou. (...) Entenda-se: como ocorre com 0 poder diretivo em geral, o jus variandi tem fonte no contrato: & contratado. Mas se realiza através da vontade de um s6, exatamente por se situar num campo em que a outra vontade nao se expressou de antemao"(), (13) A distingao foi feita com maestria por VIANA, Marcio Tullio. Direito de Resisténcia. Sao Paulo: LTr, 1996. p. 226-227 e 247-249. Ver também anterior referéncia a essa distingao pelo mesmo autor em seu artigo “Fundamentos e Tendéncias do Jus Variandi", Revista do Tribunal Regional do Trabaiho da 3 Regio, ano 26, v. 47/50, TRT-MG, Belo Horizonte, p. 41-49. A doutrina, porém, normatmente distingue entre o jus variandi normal e o excepcional. Arespeito consultar GONCALVES, Simone Cruxén. Limites do Jus Variandi do Empregador’. Sao Paulo: LTr, 1997. p. 60-62. (14) VIANA, Marcio Tulio. Direito de Resisténcia, cit., p. 249. (15) VIANA, Marcio Tutio. Direito de Resisténcia, cit., p. 217. (16) VIANA, Marcio Tulio. Direito de Resisténcia, cit., p. 214-215. (17) VIANA, Marcio Tulio, Fundamentos e Tendéncias do Jus Variandi. Belo Horizonte: TRT- -MG, Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 3° Regiao, ano 26, v. 47/50, 1988 a jun. de 1991, p. 42. Grifos no original. Curso ve DireiTo 00 TRABALHO. 1133, Peio jus variandi ordinario, de maneira geral, ajustam-se, modulam- se Ou se alteram aspectos nao essenciais da relagao entre as partes). Contudo, tais aspectos seguramente tém importancia instrumental a dinamica @ evolugao empresariais"). O jus variandi extraordinario, por sua vez, concerne a alteragao unilateral de clausulas do contrato de trabalho, provisoriamente ou nao, em situagées genérica ou especificamente autorizadas pela ordem juridica heter6noma ou aut6noma trabalhista. Traduz dimensdo excepcional e pouco diversificada do jus variandi do empregador atingindo de modo permanente ou provisério © contrato de trabalho ajustado. Atua, portanto, em campo e matérias previamente reguladas peto contrato ou por norma juridica. Como se percebe, 0 principio do jus variandi empresarial também desponta como fator atuante no contexto das alteragdes objetivas do contrato de trabalho — embora com sentido inverso aos dois principios precedentes. (que visam a tutela de interesses obreiros na relagdéo de emprego). Aqui © enfoque favorece a perspectiva empresarial no comando da relacdo laborativa e contratual. 2. Principios Informativos: contradi¢ao aparente e compatibilizagao A identificagao desses trés principios traz consigo um evidente problema: € que parece clara a ocorréncia de certo paradoxo — ou, pelo menos, certa tenséo — entre o principio da inalterabilidade contratual lesiva ao trabalhador (com o principio informador do jus resistentiae obreiro) e a garantia juridica do jus variandi ao empresario (em especial o jus variandi denominado extraordinario). inquestionavelmente, enquanto os dois primeiros principios apontam na di- regao da inviabilidade de alteragdes contratuais lesivas ao empregado, a terceira diretriz indica a possibilidade de ocorréncia de algumas variagdes contratuais desfavoraveis, a serem validamente implementadas pelo empregador. Como enfrentar-se essa aparente assincronia de principios? CO Direito, como se sabe, afirma-se como um todo légico, um conjunto sistematico € coordenado de institutos, principios e normas; a ideia de (18) "El ejercicio recae siempre sobre aspectos secundarios 0 accidentales de la relacién” (POSE, Carlos. Manual Practico del lus Variandi. Buenos Aires: David Grinberg Libros Ju- ridicos, 1995, p. 15). Ou ainda GONCALVES, Simone Cruxén: “As variagdes impostas pelo empregador nao podem atingir as cldusulas legais ou contratuais (individual ou coletiva) que regem 0 pacto laboral, apenas os aspectos superficiais que o envolvem. Tais aspectos podem referir-se a tempo, mado e lugar da prestagao de servigo" (in “Limites do Jus Variandi do Em- pregador”. Sao Paulo: LTr, 1997. p. 49-50; observagdo em parénteses no original). (19) O jus variandi deve ser utiizado “na medida das necessidades da empresa’, sendo invali- do seu uso “arbitrdrio, caprichoso, imotivado, discriminatério ou persecutério" (VIANA, Marcio Tullo. Direito de Resisténcia, cit., p. 226 e 223, respectivamente).

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