Você está na página 1de 9
1. As idélas fora do jugar ia tem princfpios, de que deriva o seu sistema. principios da Economia Politica € o trabalho livre. Ora, no Brasil domiaa 0 fato “impolitico e abomingvel” da es. cravidio. Este argumento — resumo de um panfleto liberal, contem- Porineo de Machado de Assis (?) — pée fora o Brasil do sisto- ma da citacia. Estivamos aquém da realidade u quc estas efere; éramos antes um fato moral, “impolitico ¢ abomindvel”. Grande degradacio, considerando-se que a ciéncia eram as Lu. 228, 0 Progresso, a Humanidade ete. Para as ares, Nabuco ons ressa_um sentimenio comparivel quando protesta contra 0 Assunto escravo no teatro de Alencar: “Se i geiro, como nio humilba o brasileiro!” (#). Outros autores na furalmente fizeram o raciocinio inverso. Uma vez que no se referem & nossa realidade, ciéncia econdmica e demuis ideolo- gins liberais é que so, elas sim, abomingveis, impoliticas € estrangeiras, além de vulneriveis. “Antes bons negros da costa da Africa para feliciiade sua ¢ nossa, a despeito de toda a mérbida filantropia britfnica, que, esquecida de sua propria casa, deixa morrer de fome 0 pobre irmso branco, escravo sem senhor que dele se compadega, ¢ hipécrita ou estblida chora, exposta ‘20 ridiculo da verdadeira filantropia, o fado de nosso ‘escravo feliz” (3), Cada um a seu modo, estes autores refleiem a disparidade entre a sociedade brasileira, escravista, e as idéias do liberalismo curopeu. Envergonhando & uns, irritando a outros, que insis. ‘tem na sua hipocrisia, estas idéias — em que gregos ¢ indo reconhecem o Brasil — sio referencias para todos. Suma- ‘iamente est montads uma comédia ideol6gice, diferente da eu. 1B # claro que a liberdade do trabalho, « igualdade perante Te de modo feral, o universalismo eram idealogia a Europa também; mas Id correspondiam 3s aparéncias, encobrindo 0 ¢s- sencial —a exploragio do trabalho. Entre nés, as mesmas idéias seriam falsas num sentido diverso, por assim dizer, original. A Declaragdo dos Direitos do Homem, por exemplo, transcrita em parte na Constituigio Brasileira de 1824, nfo s6 nfo escon- dia ‘nada, como tornava mais abjeto o instituto da escravi- dio (*). A mesma coisa para a professada universalidade dos Principios, que transformava em escindalo a prética geral do javor. Que valiam, nestas circunstfincias, as grandes abstragbes ‘burguesas que usévamos tanto? Nao descreviam a existéocia — mas nem :6 disso vivem as idéins. Refletindo em direcio pa- ecida, Sérgio Buarque observa: “Trazendo de paises distantes nnossas formas de vide, nossas instituigdes e nossa visho do mundo e timbrando em manter tudo isso em ambiente muitas vvezes desfavordvel e hostil, somos uns desterrados em nossa terra” @), Essa impropriedade de nosso pensamento, que nfo € acaso, como se vers, foi de fato uma presence assidua, atra vessando € desequilibrando, até no vida ideol6gicn do Segundo Reinado. Freqlentemente inflada, ou rasteira, ri- dicula ou crus, ¢ 56 raramente justa no tom, a prosa literdria do tempo é uma das muitas testemuahas disso, Embora sejam jum em nossa historiografia, as raobes doses quero foram pouco estidadas em seu efeitos Como é sabido, éramos um pats agririo e independents, dividi- do em latifindios, cuja produsio dependia do trabalho escravo por um lado, ¢ por outro do mercado extemo. Mais ou menos diretamente, ‘vém dai as singularidades que expusemos. Era inevitivel, por exemplo, a presenga entre n6s do raciocinio eco- ndmico burgués — a prioridade do lucro, com seus corolirios sociais — uma vez que dominava no comércio internacional, para onde a nossa economia era voltads. A prética permancn- te das transagbes escolava, neste sentido, quando menos uma na mulldio, “Além do. que, haviamor feito, « Tndepea- déncia ha pouco, em nome de idéias francesas, inglesas ¢ ame- ricanas, variadamente liberais, que assim faziam parte de nos- $2 ideniidnde nacional. Por outro lado, com igual faalidade, este conjunto ideol6gico i ar-se contta & esci seus defensores, ¢ 0 que & amas, viver com 0, Ne plano das convicgSes, a incompatl lara, ¢ j& vimos exem- los. Mas também no plano pritico ela se fazia sentir. Sendo tuma propriedade, um escravo pode ser vendido, mas no des. pedido. © trabathador livre, nesse ponto, dé mais liberdade a seu patrio, além de imobilizar menos capital. Este aspecto — uum entre muitos — indica o limite que @ escravatura opunha 14 Comentando o que vira numa fa- ializagdo do trabalho, Porque se procura economizar a mio-de-obra”. Ao citar passagem, F. H. Cardoso observa que “economia” nio se destina aqui, pelo contexto, a fazer o trabalho num minimo de tempo, mas num maximo. 'E preciso espiché-lo, a fim de en- cher ¢ disciplinar 0 dia do escravo. O oposto exato do que era modemo fazer. Fundada na vioiéncia e na disciplina mili- tar, a produgio escravista dependia da autoridade, mais que da eficicia (), © estudo racional do processo produtivo, assim ‘como a sua modemizagio continuada, com todo o prestigio que thes advinha da revolugao que ocasionavam na Europa, cram sem propésito no Brasil: Para complicar ainda o quadro, con- sidere-se que o latifGndio escravista havia sido na origem um empreendimento do capital comercial, ¢ que portanto © lucro fora desde sempre 0 seu pivd. Ora, 0 lucto como prioridade subjetiva € comum as formas antiquadas do capital ¢ as mais modernas. De sorte que os incultos e abomindveis escravistas até serta data — quando esta forma de producio veio a ser ‘menos rentivel que 0 trabatho assalariado — foram no essen- cial capitalistas mais conseqilentes do que nossos defensores de Adam Smith, que no capitalismo achavam antes que tudo a liberdade. Esté-se vendo que para a vida intelectual o né es- tava armado, Em matéria de racionalidade, os paptis se em- barathavam e trocavam normalmente: a ciéncia era fantasi ‘moral, 0 obscurantismo era realismo responsal nica ndo era prética, o altruismo implantava a mais-valia etc. E, de maneira geral, na auséncia do interesse organizado da escravaria, 0 confronto entre humanidade ¢ inumanidade, por justo que fosse, acabava encontrando uma tradugio. m {eira no conflito entre dois modos de empreger os capita do qual era a imagem que convinha a uma das partes (*) Impugnada a todo instante pela escravidio a ideologia li- beral, que era a das jovens nagbes emancipadas da América, descartihava,. Serie és dedua 0 stema de seus contracton: 05, todos verdadeiros, muitos dos quais agitaram a consciéa- ceia te6rica € moral de nosso século XIX. J4 vimos uma cole- so deles. No entanto, estas dificuldades permaneciam curiosamente inessenciais.' © teste da realidade nio parecia importante. como se coeréncia e generalidade nfo pesassem muito, ou como se a esfera da cultura ocupasse uma posicio alterada, cujos critérios fossem outros — mas outros em rela- glo qué? Por sua, mera. presenga, a escavidéo indicava ppropriedade das idéias liberais; 0 que entretanto € menos qs, orientarIhes o movimento, Sendo embora a relagdo pro- lutiva fundamental, a escravidio nfo era 0 nexo efetivo da 15 a diverss. Para descrevé-la é oon, eer oh Sera dizer que a col roduziu, com base 1 terra, tts classes de populagio: 0 latifundiério, o escravo t 0 “homem livre”, na verdade dependente. Entre os primeiros dois a relegao & clara, é a multidéo dos terceitos que nos ii teresse. Nem proprietérios nem proletérios, seu acesso a vida social ¢ @ seus bens depende materialmente do favor, indireto fu direto, de um grande (*). © agregado € a sua caricatura. O favor 6 portanto, o mecanismo através do qual se reproduz ‘uma das grandes classes da sociedade, envolvendo também ou- tua, a dos que tém. Note-se ainda que entre estas duas classes 4 que iri acontecer a vida ideol6gica, regida, em conseqiiéncia, por este mesmo mecanismo(*). Assim, com mil formas € no- mes, 0 favor atravessou e afetou no conjunto 2 existéncia na- clonal, ressalvada sempre a relagdo produtiva de base, esta assegurada pela forga. Esteve presente por toda parte, combi- nando-se As mais variadas atividades, mais e menos afins dele, ‘como administragio, politica, indstrie, vida urbana, Corte efc, Mesmo’profissdes liberais, como s|medicina, ou qualificagées operdrias, como a tipografia, que, aa acepgio eu- opéia, nfo deviam nada a ninguém, entre ns eram governa- das por ele. E assim como 0 profissional dependia do favor para 0 exercicio de sua profissio, 0 pequeno proprietétio de- pende dele para a seguranca de sua propriedade, «0 funciondrio para o seu posto. O favor é a nossa mediagao quase universal — € sendo mais simpético do que 0 nexo escravista, a outra relacéo que a coldnia nos legara, € compreensivel que os escritores tenham baseado nele @ sua interpretagio do Brasil, involunts- Tiameate disfargando a violéncia, que sempre reinou na esfera da produsio. © excravismo desmente as idéias liberais; mais insidiosa- ‘mente o favor, tq incompativel com elas quanto 0 primeiro, as absorve € ‘desloca, originando -um: padrio particular.” -O elemento de arbitrio, 0 jogo fluido de. estima e auto-est que 0 favor submete o interesse material, nfo podem ser inte- gralmente racionalizados. Na Europa, a0 atacéslos, 0 uni salismo visara 0 privilégio feudal. No’ processo de sua al do histérica, a civilizago burguesa postulara a autonomia da pessoa, « universalidade da lei, a cultura desinteressada, a re- muneracio objetiva, a ética do trabalho etc. — contra as prer- rogativas do Ancien Régime. O favor, ponto por ponto, pratica 8 dependéncia da pessoa, a excecio A regra, a cultura interes- sada, remuneragio e servigos pessoais. Entretaato, no esté- ‘vamos para a Europa como o feudalismo para o capitalismo, pelo contrério, éramos seus tributérios em toda linhs, além de ‘vida ideol6gica. A chave desta 16 no termos sido propriamente feudais — a colonizagdo é um do capital comercial. No fastfgio em que estava ela, Europa, ‘¢ na posigio relativa em que estivamos nés, ninguém no Brasil teria a idéia e principalmente a forga de ser, digamos, um Kant do favor, para bater-se contra 0 outro (%). De modo que 0 confronto entre esses principios tio antagSnicos resultava de- sigual: no campo dos argumentos prevaleciam com facilidade, ‘ou melhor, adotévamos sofregamente os que a burguesia eu- ropéia tinha elaborado contra arbitrio © escravidao; enquanto na prética, geralmente dos. préprios debatedores, ‘sustentado pelo latifindio, o favor reafirmava sem descanso os sentimen- tos € as nogdes em que implica. © mesmo se passa no plano das instituigoes, por exemplo com burocracia ¢ justica, que embora tegides pelo clientelismo, proclamavam as formas ¢ teorias do estado burgués modemo. Além dos naturais deba- tes, este antagonismo produziu, portanto, uma coexisténcia es- tabilizada — que interessa estudar. Af/a novidade: adotadas as idéias e razdes européias, elas podiam servir e muitas vezes serviram de justificagdo, nominalmente “objetiva”, para 0 mo- mento de arbitrio que é da natureza do favor. Sem prejuizo de existir, 0 antagonismo se desfaz em fumaga ¢ 0s incompativels saem de mios dadas. Esta recomposicao é capital. Seus efeitos so muitos, ¢ levam longe em nossa literatura. De ideologia que havia sido — isto é engano involuntirio bem fundado fas aparéneias — 0 liberalismo passe, na falta de outro termo, 8 penhor intencional duma variedade de prestigios com que nada tem a ver. Ao legitimar o arbitrio por meio de alguma azo “racional”, 0 favorecido conscientemente engrandece a sic ao seu benfeitor, que por sua vez nao vé, nessa era de hhegemonia das razGes, motivo para desmenti-lo, Nestas con- ddigdes, quem acreditava na justificagdo? A que aparéncia cot- respondia? Mas justamente, nfo era este 0 problems, pois todos reconheciam — ¢ isto sim era importante — a intencao Touvavel, seja do agradecimento, seja do favor. A compensagio simbélica podia set um pouco desafinada, mas néo cra mal- agradecida. Ou por outra, seria desafinada em relagio a0 Liberalismo, que era secundario, ¢ justa em rela¢do 20 favor, que era princpal. E nada melhor, para dar lustre as. pessoas © & sociedade que formam, do que as idéias mais ilustres do tempo, no caso as européias. Neste contexto, portanto, as jideologias nic descrevem sequer falsamente a realidade, endo -gravitam segundo uma lei que lhes seja propria isso. as ‘chamamos de segundo grau. Sua regra & outre, diversa da jue denominam; é da ordem do relevo social, em detrimento ‘Te'san intengio copnitiva e de sistema, Deriva sossegadamen- te do ébvio, sabido de todos — da inevitével “superioridade” W ex nares a0 momento expressive, de auto-estima Crrmtuse: que erftc na favor, Neste sentido diiamos que 0 teste da fe da coerencia nfo parecie, aqui, decisivo, sem prejulzo de estar sempre presente como exigéncia reconhe- ida, evoceda ou suspensa conforme a circunstincia. Assim, com método, atribui-se is cia 8 dependéncia, utilidade 420 capricho, universalidade As excegdes, mérito a0 parentesco, jfuidhde a9 privlégio ete. Combinando-se pratica de que; ‘em prinefpio, seria a critica, o Liberalismo fazia com que o pensamento perdesse 0 pé. Retenha-se no entanto, para anali- sarmos depois, a com desse_passo: a0 tomarem-se despropésito, estas idéias deixam também de enganar. claio que esta combinago foi uma entre outras. Para © nosso clima ideol6gico, entretanto, foi decisive, além de ser aguela em que os problemas se configuram da mancira mais completa e diferente. Por agora bastem alguns aspectos. Vimos que nela as idéias da burgu ‘grandeza s6bria re- onta ao espirite pablico e racionalisa da lustragao — tomam fungio de... omato e marca de fidalguia: atestam e festejam serreindstahen © qleos alas ato pote rate ee 2. 0 qu as idéias nfo podia ser maior. A novidade no caso nilo esté no cariter omamental de saber cultura, que € da tradigfo colonial e ibérica; esté na dissondn- cia propriamente incrivel que ocasionam o saber e a cultura de tipo “modemo” quando ‘postos neste contexto. So indteis como um berloque? Sio brilhantes como uma comenda? Serio 4 nossa panacéia? Envergonham-nos diante do mundo? © mais certo € que nas idas e vindas de argumento e interesse todos estes aspectos tivessem ocasifo de se manifestar, de maneira que na consciéncia dos mais atentos deviam esiar ligados ¢ misturados, Inextricavelmente, a vida ideol6gica degradava © condecorava os seus participantes, entre os quais muitas vezes hhaveria clareza disso. Tratava-se, portanto, de uma combina- io instével, que facilmente degenerava em hostlidade ¢ crit as mais acerbas, Para manter-se precisa de cumplicidade pe manente, cumplicidade que a pritica do favor tende a garanti No momento da prestaglo e da contraprestagio — particular- mente no instanie-chave do reconhecimento reeiproco — a ‘nenhuma das partes interessa denunciar a outra, tendo embo- Ta a todo instante os elementos necessérios para fazé-lo, Es cumplicidade sempre renovada tem continuidades sociais mais profandas, que Ihe dio peso de classe: no contexto brasileiro, 0 Wor assegurava as duas partes, em especial 4 mais fraca, ‘de que nenhuma é escrava, Mesmo o mais miserével dos favore- idos via reconhecida nele, no favor, a sua livre pessos, 0 que transformava prestagfo e’ contraprestagio, por modestas que fossem, numa ceriménia de superioridade social, valiosa em si mesma. Lasteado pelo infnito de dureza ¢ degraiagdo. que esconjurava — ou seja a escravidio, de que as duas partes neficiam e timbram em se diferencar — este recoabecimento € de uma conivéncia sem fundo, multiplicada, ainda, pela ado- ‘glo do vocabulirio burgués da igualdade, do mérito, do traba- tho, da razio. Machado de Assis seré mestre nestes meandros. Contudo veje-se também outro lado. Imersos que estamos, ‘ainda hoje, no universo do Capital, que nao chegou a tomar forma clasica no Brasil, endemos a ver esta combinagfo como inteiramente desvantajosa para nés, composta s6 de defeitos. ‘Vantagens nfo hé de ter tido; mas para apreciar devidamente a sua complexidade considere-se que as idéias da burguesis, @ Principio vlladas cootra o pivilgio, » partir de 1848 se ha- ‘viam tomado apologética: 2 vaga das lutas sociais na Europa mostrara que a universalidade distarca antagonismos de clas- se(¥), Portanto, para bem the reter o timbre ideolbgico & preciso considerar que 0 nosso discurso impréprio era oco fambém quando usado propriamente. Note-se, de passagem, {que este padrio iria repetir-se no sé. XX, quando por varias ‘vezes juramos, crentes de nossa modernidade, segundo as ideo- logias mais rotas da cena mundial. Para a literatura, como ve- remos, resulta daf um labirinto singular, uma espécie de oco dentro do oco. Ainda aqui, Machado seré o mestre. Em suma, se insistimos no viés que escravismo ¢ favor introduziram nas idéias do tempo, nfo foi para as descartar, ‘mas para descrevé-las enquanto enviesedas, — fora de centro ‘em relagéo A exiggncia que elas mesmas propunham, ¢ reco- nbecivelmente nossas, nessa mesma qualidade. Assim, posto de parte © raciocinio sobre as causas, resta na experiéncia aquele “desconcerto” que foi o nosso ponto de partida: a sen- sagdo que 0 Brasil di de dualismo e facticio — contrastes rebarbativos, desproporsies, di i digdes, conciliagdes ¢ 0 que for — combinagdes que 0 Moder- aismo, 0 Tropicalismo e a Economie Politica nos ensinaram a considerar (#), Nao faltam,exemplos. Vejam-se alguns, menos ara analislos, que pare indicr » ubigildede do guadro ¢ 2 varingdo de que é capaz. Nas revistas do tempo, sendo grave ou risonba, a apresentagdo do numero inicial € composta para baixo e falsete: primeira parte, afirma-se 0 propésito redentor da imprensa, na tradicio de combate da Tlustragio; a grande seita fundada por Guthenberg afronta a indiferenga geral, nas alturas o condor ¢ a mocidade entrevéem o futuro, ao mesmo ‘tempo que repelem o pasado e os preconceitos, enquanto @ tocha regeneradora do Jornal desfaz as trevas da corrupsio. Na segunda parte, conformando-se as circunstincias, as revis- 19 {as declaram a sua disposigto cordate, de “ Ses em geral particularmente 3 honsstidade des Meee meio de deleitavel instrugdo e de ameno emancipadora easa-se com charadas, unio secon conhecimentos gerais e folhetins("), Carcotack Gia slo os vewinhos que servem de ep ‘orte: “Eis a Marmoia/ Bem vatiade/ Py Sempre estimada,//'Fala a verdade/ bee que see Ans g_reipela/ A toda genie.” Se, oitro came ret Perey os anes tn fresno clita de col *compésita: “A 3 nica era superficial. Sobre. as pavedee et to teat, Sef peus ou aplicavam-se pintutas, de forma cs icteric oem ca Fingn o andtstilizato, Em certos exemplos, 0 fnginens absurdo: pintavam-se moti sitet omanos — pilastas, arqutraves, colunatas thse nae Pose, Em outros, pintavam-se janelas ambienies do: Rio 4 Ge ror, sugerindo um exterior longinguo, Sameera 0 racks, Cah, das senzalas, escravos ¢ tereiros de servgu’ (9) Segunda mnee-se 8 0585 rurais na Provincia de. $30" Pasic, seers melade do séc. XIX. Quanto a corte: “A transforms gio atendia & mudanga dos costumes, que inclulacs objetos mais refinados, de eristais; lougas © peccknes formas de comportamento. cerimoni - escravidio e destinado ex: ‘lusivar Sanat conte mad ras eta A ods el po is solene, € a letra de nosso hino & ota decadente Medeiros e 8 que faltava 0 natural: “'Nés nem cremos que escravos outrora /Tenha havido em t8o nobre pafs!” (outrora € dois anos antes, uma vez que a Aboli- do é de 88), Em 1817, numa declaragéo do governo revolu- ciondrio de Pemambuco, mesmo timbre, com intengées opostas: “Patriatas, voscas propriedades inda ax mais opngnantes. 20, ideal de justica serdo sagradas” (1%), Refere-se aos rumores de edo, que era preciso desfazer, para acalmar 0s pro- prietérios. Também a vida de Machado de Assis € um exem- plo, na qual se sucedem rapidamente jomalista combativo, entusiasta das “inteligéncias proletérias, clas classes infimas”, autor de crénicas e quadrinhas comemorativas, por ocasiao do casamento das princesas imperiais, e finalmente 0 Cavaleiro ¢ mais tarde Oficial da Ordem da Rosa (##*).. Contra isso tudo vai sair a campo Syivio Romero. “£ mister funder uma na- cionalidade consciente de seus méritos ¢ defeitos, de sua forea € de seus deliquios, e ndo arrumar um. pastiche, um arremedo de judas das festas populares que s6 serve para vergonha nossa ‘0s olhos do estrangeiro, (...) S6 um remédio existe para ta- manho desideratum: — mergulharmo-nos na correntevivifi- listas © monisticas, que vio transforman- . A distancia é tio clara que tem graca a substituigio de um arremedo por outro. Mas é também dra- ‘mética, pois assinala quanto era alheia a linguagem na qual se evitavelmente, 0 nosso desejo de autenticidade. ‘Ao pastiche romintico iria suceder o naturalista. Enfim, nas revistas, nos costumes, nas casas, nos simbolos nacionais, nos pronunciamentos de revolugdo, na teoria e onde mais for, sem- pre a mesma composigdo “arlequinal”, para falar com Mério de Andrade: desacordo entre a representagio © 0 que, peo sando bem, sabemos ser 0 seu contexto. — Consolidada por seu_grande papel no mercado internacional, e mais tarde na politica iniemma, a combinagio de latifindio e trabalho com- pulssrio atravessou impavida a Colénia, Reinados e Regéncias, Aboligio, a Primeira Repiiblica, ¢ hoje mesmo € matéria de controvérsia ¢ tiros(""). O ritmo de nossa vida ideolégica, no entanto, foi outro, também ele determinado pela dependéncia do pais: & distincia acompanhava os passos da Europa. Note- se, de passagem, que é a idcologia da independéncia que vai transformar em ‘defeito esta combinagao; bobamente, quando insiste_na_impossfvel autonomia cultural, © profundamente, quando reflete sobre o problema. Tanto a eternidade das rela- (ges sociais de‘ base quanto a lepidez ideolégica das “elites” cram parte — a parte que nos toca — da gravitacio deste sis- tema por assim dizer solar, € certamente internacional, que é © capitalismo, Em conseqiigncia, um latifndio pouco ‘modifi cado viv passarem as maneiras barroca, neocléssica, romanti- a naturalista, modemnista ¢ outras, que na Europa acompa- Seem’ e|refleiram transformacées’intensas. na ordem social. Seria de supor que aqui perdessem a justeza, o que etn parte se deu, No entanto, vimos que é inevitével este Uesajuste, 20 qual estévamos condenados pela méquina do colonialism, © 20 qual, para que jf fique indicado o seu alcance mais que sional, estava condenada a mesma méquina quando nos produ. ia. Trata-se enfim de segredo mui conhecido, embora preca riamente teorizado. Para as artes, no caso, a solueo parece mais facil, pois sempre houve modo de adorar, citar, macaquear, sa. quear, adaptar ou devorar, estas manciras e modas todas, de modo que refletissem, na sua falha, a espécie de torcicolo cul. fural em que nos reconhecemos. Mas, voltemos atrés. Em re~ sumo, as idéias liberais nao se podiam praticar, sendo a0 mes ‘mo tempo indescartiveis. Foram postas numa’ constelagio es. Pecial, uma constelacio prética, a qual formou sistema ¢ no Geixaria de sfeté-las. Por isso, pouco ajuda insistir na sua clara falsidade, Mais interessante € acompanhar-Ihes 0 movi. mento, de que ela, a falsidade, € parte verdadeira. “Vimos 0 Brasil, bastiéo da ‘escravatura, ‘envergonhado diante delas — as idéias mais adiantadas do planeta, ou quase, pois 0 socia- lismo jé vinha 4 ordem do dia — e rancoroso, pois no ser- yiam para nada. Mas eram adotadas também com orgulho, de forma omamentel, como prova de modernidade ¢ distingio. E naturalmente foram revolucionérias quando peseram no ‘Abo!

Você também pode gostar