Você está na página 1de 12
DEsENVOLVIMENTO Local E ProJeTos URBANOS. CANDIDO Matta CAMPOS Douror peta FAU / USP; Proressor D0 Proceama 0F POS-GRaDUACAO EM ARQUITETURA E URBANISMO DA Unversibane PresBiTeRiana MACKENZIE Naia SOmeKH Doutora pela FAU / USP; Coordenadora do Programa de Pés-Graduagdo em Arquitetura e Urbonismo do Universidade Presbiteriana Mackenzie. Introdugao Este trabalho objetiva analisar alcances e limites da implementagao de projetos urbanos em ‘reas industriais, com foco na geragdo de trabalho € renda e no combate & exclusdo social, dentro de uma perspectiva de desenvolvimento local. Entende-se por projetos urbanos as iniciativas de renovagdo urbana concentradas em determinados setores da cidade, combinando agentes piblicos e privados, cujos investimentos e intervengées seguem um plano urbanistico, podendo se apoiar no redesenho do espaco urbano e arquitetGnico, em normas legais especificas e em novas articulagdes institucionais e formas de gestao. Nesses projetos, 0 risco de potencializar os efeitos excludentes da urbanizagio contempo- rénea, que caracteriza os grandes projetos urbanos estratégicos das ultimas duas décadas, coloca em questo a capacidade e as limitagdes do poder lo: cal no quadro da globalizagio, Solugdes efetivas para os problemas urbanos dependem hoje do envolvimento dos atores locais, da sociedade civil e de diversas esferas governamentais, na busca de novas formas de gestio e da capacidade de governanga. Por meio da comparagio de experiéncias imternacionais, este trabalho aborda o impacto dessas iniciativas, discutindo tendéncias limitagdes dos modelos adotados na implemen- tagio de projetos urbanos até 0 momento. O esgotamento das solugdes autoritarias e/ou privatistas coloca a necessidade de envolver agentes sociais diversos na busca de uma gestio compartilhada do espago urban. Em face dos principios do desenvolvimento local, discute-se a possibilidade de beneficiar as populagées locais pela geragdo de empregos c outras formas de renda, além do atendimento as suas necessidades Liter, Alain ‘Globalizaglo, restruturagio produtivac impacto intr-urbano. habitacionais, de equipamentos ¢ infra-estrutura - evitando possfveis consequéncias excludentes do processo de renovagio urbana. No que se refere as iniciativas brasileiras, a andlise se concentra no caso do Grande ABC, na Regitio Metropolitana de Sdo Paulo - gravemente atingida pela desindustrializagao € pelo desemprego - mais especificamente, no Projeto Eixo Tamanduatehy em Santo André, envolvendo a requalificagao de uma faixa de 8 km de antigos terrenos industriais Entre as diferentes dimensdes da crise urbana provocada pelo processo global de reestruturagao econdmica que tem se intensificado ao longo dos ltimos 25 anos, destaca-se o surgimento de ‘grandes reas ociosas ou subutilizadas, particular- mente nas cidades ¢ setores urbanos, cujo crescimento havia se amparado na indistria de transformagao. Atividades manufatureiras que pautaram, por décadas, a vida dessas aglome- rages, subitamente se viram compelidas a encerrar suas atividades — ou, na melhor das hipoteses, tiveram que proceder a importantes transformagdes em seus métodos e cadeias produtivas, muitas vezes deslocando unidades de produgao para outras regides, em um processo ja conhecido em suas consequéncias econdmicas, sociais ¢ urbanisticas.' Do ponto de vista da regido deixada para tris, as perspectivas tornam-se sombrias: desemprego, perda do dinamismo econdmico, desgaste dos tecidos sociais organizados tradicionalmente em tomo da Fabrica, De certa maneira, a unidade de produce deixa de ser 0 antiga nticleo fabril € comega a ser identificada com a prépria cidade, com a regio ou com uma rede transnacional, que passa a sediar um intrincado complexo de alividades produtivas e tercidrias, organizadas de maneira flexivel e fragmentada, Nesse movimento In: Potis n° 27, agosto de 1996, piginas 11 a 16, 173 a tradicional Area fabril, com suas grandes instalagdes fixas, torna-se obsoleta, levando a0 esvaziamento do cerne econdmico de cidades inteiras, Como heranga, a inddstria deixa apenas seu legado de degradagio ambiental e baixa qualidade da ocupagao espacial urbana. Ao mesmo tempo, a queda da arrecadagdo fiscal nas cidades em que o setor tercidrio tinha pouca expressao deixou o poder local enfraquecido no momento em que deveria enfrentar a gama de velhos e novos problemas - quadro de impoténcia agravado pelo desmonte do aparetho estatal nas diversas esferas de govern, no ambito de politicas liberais justificadas pela suposta faléncia do Estado do ‘bem-estar e do planejamento integrado. Abdicando dos grandes esquemas de previso ¢ controle, 0 horizonte da intervengio urbanfstica passaria ento a se concentrar nos planos de oportunidade. € nos projetos urhanos.* Tal processo de esvaziamento das zonas industriais se acentuou no Hemisfério Norte a partir dos anos 70, verificando-se os casos mais, agudos em cidades industriais emblemdticas, como Detroit, Pittsburgh, Bilbao, Lille, 0 vale do Reno € as Midlands inglesas. As areas industriais abandonadas somaram-se areas portudrias tornadas obsoletas pelas novas tecnologias de transporte maritimo (conteneirizagao), com o agravante destas tihtimas normalmente ocuparem frentes de égua em pontos urbanos estratégicos. A reagdio das municipalidades que se viram no lado perdedor da reestruturag’io econémica assumiu diversos matizes. Em certos casos, a administragao local, mareada por uma tradigdo esquerdista e por uma historia de lutas sindicais, tentou enfrentar a situagao pelo incremento das politicas sociais compensatérias, ou ainda por meio de programas incorporando a agio sindical: de um lado, como nova forma de luta para a reinser¢do de trabalhadores; de outro, constituin- do-se em novo agente do desenvolvimento urbano. Em outras cidades 0 governo assumiu 0 ponto de vista do empreendedor, procurando dinamizar a economia urbana por meio da busca da atratividade ¢ da competitividade.’ Para » Portas, Ni * Hanvey, David: "Do gerenciamento 20 empresariamento: A transfor & Debates n® 39 (vol, XVI 1996, piginas 48 264 10: “Tendéncias do urbanismo na Europa.” tn: Oculum n° concorreu a emergéncia, naquele momento, de técnicas de planejamento desenvolvidas para auxiliar a reinsergdo de empresas (abaladas, de maneira andloga, pela reestruturacdo produtiva global) nos mercados altamente competitivos ¢ em constante transformagao da nova ordem econd- mica, A partir dos anos 1980, 0 chamado “planejamento estratégico” passou a figurar de maneira procminente entre as politicas urbanas adotadas por municipalidades européias, tornan- do-se muitas vezes nada mais que 0 sindnimo de ‘uma postura competitiva ¢ empresarial preocupada com a atragao de investimentos, eventos ¢ turismo, com a imagem urbana e a reinsergZo otimizada de cada cidade no panorama europeu e mundial.* Projetos de renovacio urbana: experiéncias, tendéncias ¢ limites Entre as jogadas estratégicas adotadas pelos governos locais, logo se destacaram os projetos de renovagio urbana. Grandes portos, como Bos- ton, Baltimore, Genova, Barcelona, Dunquerque e Rotterdam, que assistiram ao esvaziamento de antigas instalagdes portudrias situadas em zonas relativamente privilegiadas, estavam entre as primeiras cidades a vislumbrar o potencial urbanistico e imobilidrio dessas éreas. 0 mesmo ocorreu em metrépoles globais como Londres, Nova York ¢ Buenos Aires. A visio estatégica salientou a possibilidade de aproveitar essas oportunidades de renovacZo para a implementagao de projetos que combinassem atratividade para eventuais investidores, alta visibilidade atividades afinadas com tendéncias econémicas cemergentes, concentradas no setor tercistio e nos servigos especializados - escritérios, lazer, turismo, gastronomia, esporte, alta tecnologia e assim por diante. Como potencializar essa receita ¢, ao mesmo tempo, garantir a projecio individual de cada iniciativa na corrida pela primazia mundial? Logo um dos elementos cruciais nesse sentido passou a ser 0 projeto que orientaria a intervengdo. De um lado, a qualidade espacial e urbanistica seria um dos trunfos para garantir o sucesso das iniciativas de renovagio, redefinindo a hierarquia urbana em favor da regido antes degradada.’ De outro, a (vol. margo de 1993; paginas 613 mayo da adiministraglo urbana no capitalism tardio.” In; Espago * Varner, Carlos B.: “Patria, empresa e mereadoria: Notas sobre a esta diseusiva do planejamento estratégico urbano." In: ARANTES, oni ; Vane, Carlos & Manicaro, Ermin ‘A cidade do pensamento tnico: desmanchando vonsensos, Petrpolis, Vozes, 2000, 174 visualidade impactante, a imagem de (pés- ymodernidade, e a grife de um arquiteto conhecido garantiriam uma cartada de peso na grande arena estratégica, a midia. Na medida em que os projetos urbanos pas- saram a integrar a agenda das grandes cidades no final do século, 0 modelo foi se sofisticando. Ao mesmo tempo, a competigdo entre cidades foi se acentuando, na disputa pelos investimentos volateis no novo processo de financeirizagao mundial, Em Baltimore a renovagiio do porto nos anos 70 tornou-se mote para o “teerguimento” da cidade, esbogando © novo paradigma do projeto urbano estratégico, que seria desenvolvido em Battery Park City, Nova York. O plano original de aproveitamento para um aterro a ser criado so- bre os antigos molhes do porto, no canto Sudoeste de Manhattan, havia sido patrocinado nos ano 60 pelo governador Nelson Rockefeller como uma mistura de habitagdo, servigos sociais e indiistria eve, segundo a concepgao modernista de Wallace Harrison - a ser implementado pela Battery Park City Authority e financiado pela emissdo de bonus. Em face da crise nova-iorquina dos anos 70, a diretriz. passou a ser a abertura ao mercado. visando criar um grande complexo de torres de esctitétios ¢ condominios residenciais verticais. Aprovado em 1979, o novo plano, de Cooper & Eckstut, adotou padrées urbanisticos tradicionais: malha de ruas, arranjos simétricos e grandes lotes. Ganhando autonomia e a propriedade do solo, a BPC Authority passou a priotizar 0 aproveita- mento imobilidrio, mas adotou a assinatura arquitetOnica (no caso, de Cesar Pelli, ligado & imobilidria Olympia & York, que avalizou iniciativa ao bancar 0 World Financial Center) como marco diferencial, Ao longo dos anos 80 € 90, sucessivos empreendimentos high-profile foram preenchendo os lotes, tendo como contra- partida para a comunidade a criagio de dois parques, uma marina, uma escola € a construgdo de algumas habitagdes populares no Harlem e no Bronx com o rendimento da operacio.* O sucesso da experiéncia nova-iorquina inspirou a polémica aventura de Docklands, pautada pelo liberalismo extremado. Nos anos 70, 6 fechamento das antigas docas londrinas havia levado a discussio de varias propostas de renovagio urbana, mas os comités criados nao dispunham de poderes e recursos, ¢ a transfor- magio nao se consumara.” Em 1981, 0 governo Thatcher adotou uma nova postura, ao mesmo tempo privatista e autoritéria, eriando a London Docklands Development Corporation - entidade auténoma que passau a dispor de poderes sobre 0 planejamento da regido, em detrimento dos governos locais, de fundos substanciais cedidos pelo governo central, e de vastos terrenos (80% da drea pertencia a agentes piiblicos como 0 porto, a autoridade metropolitana, as empresas de gés, eletricidade e a British Rail). No que se refere aos terrenos privados, a LDDC passou a dispor do direito de aquisig4o compulséria. Para atrair investidores e alavancar processo, em 1982 a regidlo da Isle of Dogs foi declarada uma zona es- pecial cujos terrenos permaneceriam isentos de mpostos por dez. anos. * © resultado foi o loteamento das imensas glebas do antigo porto de Londres (22 km*) entre diversos empreendedores, abdicando de um projeto \inico, mas fazendo uso de todos os cacoetes de um urbanismo pés-moderno voltado & gentrifi- cago, Os motes da flexibilidade, da adaptabilidade aos ditames do mereado © do abandono da planificagao “rigida”, exacerbados no caso londrino, fizeram de Docklands 0 maior exemplo da sujeigao do planejamento ao idedrio neoliberal, riando “ilhas” de privilégio que tiram proveito das novas localizagbes valorizadas, relegando a tiltimo plano a provisiio de servigos sociais ¢ habitagio popular.” Como simbolo da empreitada, a torre de Canary Wharf, do mesmo Cesar Pelli, cujo fracasso comercial levaria & bancarrota a propria Olympia & York." Na segunda metade dos anos 80, algumas das cidades européias que se viram face a problemd- ticas semelhantes de esvaziamento industrial € reestruturagio econémica, ao adotar o mote do planejamento estratégico, ja tinham em vista as experiéncias liberais e socialmente excludentes de ‘ Panenal, Philippe & Mancis, David: Projet urbain. Marseille, Parenthese, 1999. * Barreey Park City AumoniTy: “History and Design,” (Monograph) New York, BPCA, 1998. Vide também Bawnany, Reyner: ‘Megastructures: urban futures ofthe re David: New York 1960, New York, Evergreen, 1996, nt past. New York, Harper & Row, 1976: reRN, Robert A.; MeLLss, Thomas & FISHMAN, * Cosussion ror Tae New Towss: “Initiating urban change: London Docklands before the LDDC.” (Monograph) London, LDCC, 1997. “Commission FoR Tht New Towns: “A strategy for regeneration." (Monograph) London, LDC. 1997. 175 Nova York e Londres. No outro extremo, 0 elenco dos grands projets parisienses, integralmente bancados pelo Estado (Orsay, Louvre, La Villette, IMA, etc.). Mas a Franga também trazia o exemplo dos projetos coordenados por sociedades de economia mista nas ZACs (La Défense, Rive Gauche) que estruturaram a passagem do modelo de planejamento hierérquico para o “modelo negociado”, quase sempre dentro de diretrizes definidas por planos urbanos gerais."" ‘A partir do Beaubourg de Renzo Piano Rogers, a repercussio das contribuigdes arquitet6- nicas passou a destacar a importancia da ousadia arquiteténica e do desenho para definir a atratividade das cidades no final de século. Nesse sentido, a participagaio de nomes importantes da arquitetura comegou a ser encarada como um. requisito para o sucesso dos projetos estratégicos."? Em Rotterdam, os planos de reconversao da drea portudria passaram a prever convites as maiores, estrelas do mundo arquitet6nico, cujos projetos seriam encaixados no bairro desenhado por Jo Coenen. Em Lille, a estratégia adotada passou pela contratagao do polémico teérico Rem Koolhas. En Bilbao, a transformago das margens do Rio Ebro adquiriu projegdo internacional no momento em que se construiu ali o Guggenheim de Frank Gehry. Génova chamou Renzo Piano para desenhar a reconversao do porto; em Dunquerque, © ambicioso Projeto Netuno, abrangendo a tansformagao de 180 hectares das antigas docas ¢ estaleiros em um novo centro para a aglomera- ¢4o, contou com a assinatura de Richard Rogers. Outras cidades recorreram 0 outros profissionais, na medida de suas possibilidades."* Ao mesmo tempo, esbogava-se uma unio en- tre arquitetura contempordnea e grande capital, ‘emblematizada pelo caso de Berlim, A unificagaio da Alemanha a partir de 1990 acarretou a transferéncia do governo para a cidade antes dividida, com novos e macigos investimentos, ° GrueaRoo, Diane: "London’s Docklands publicos e privados, na requalificagao da cidade e das extensdes antes ocupadas pelo muro. Acirrados debates a respeito da destinagao desses espagos, no inicio dos anos 90, nao evitaram a concessio dos pontos de maior prestigio - PotsdamerPlatz, Pariser Platz, AlexanderPlatz - a grandes corporagdes multinacionais, que adotaram arquiteturas de impacto como instrumentos de redefinigao do espaco urbano central, buscando uma nova visualidade metropolitana, espetacular ¢ sofisticada em seu comercialismo. Ambiciosos projetos governamentais também fizeram uso de projetistas de renome: Norman Foster, Dominique Perrault, Aldo Rossi, Santiago Calatrava." Novamente prevaleceu 0 modelo liberal, pelo qual o governo democrata-cristio concedeu, a partir de 1991, incentivos fiscais as empresas e construtoras que se transferissem para Berlim - resultando, alguns anos depois, no excesso de oferta de dreas para escritérios ¢ em uma crise imobiliéria que ecoou aquela ocorrida em Docklands. Mesmo as obras do governo tiveram que ser revistas em bases mais modestas. Consequentemente, oexcesso de (neo)liberalismo passaria a ser visto com mais desconfianga, na medida em que a abertura stibita ao mercado, com seus building booms e crises de retragio, poderia ameagar a estabilidade econdmica geral. Por outro lado 0 gigantismo dos empreendimentos ameagava a propria qualidade urbana que se pretendia erigir em fator de atragZo. Nesse sentido, a Iégica mobilidria tornava-se o calcanhar de Aquiles dos planos estratégicos. Para evitar (ais riscos, os elementos estabilizadores da regulagio urbanistica no poderiam ser deixados de lado Com sua tradigao vanguardista ¢ seu empreen- dedorismo, Barcelona parecia ser 0 terreno mais propicio para combinar ambas as perspectivas, estratégica € arquitet6nica, em um projeto paradigmédtico de renovacao urbana com grande impacto econdmico, sem abdicar do controle In: Architecture after modemism. London, Thames & hudson, 1996, piginas 1760 194, Aos ‘poucos, na medida em que os sueessivos lotes da operago eram desenvolvidos, a DDC fo sendo desatvada,extinguindo-se em 1998. "© § torre, denominada One Canada Place, ¢ 0 elemento mais visivel do complexo de Canary Wharf, que segue um plano geral do escritirio norte-americano Skidinore, Owings & Meri ™ CALLON, Michel (ong): “Concevoir: Mode higrarchique et modele negocie In: Boxver, Michel (org): "L'élaboration des projets, architecturaux ecurbains en Europe (vol 1): Les acteurs du projet architectural turban" Dossier du Ministre de | Equipement, Pas, 1996, ® Guunanoo, Diane: "Megaprojecs.” In: Op. cit, psiginas 41 a42, © PictcRAL, Jean-Blaise & Bacoren, Charles: “Dunkerque: Transformation des dacks en coeur de vill."; Coars, Catherine; Goowex, Patrice & Tara, Guy: "Bilbao: Entre volontarisme et pragmatisme.” In: Bower, Michel (org.): Op. i projelset strategies urbaines.” sapftulo I, “Experiences de 176 urbanistico. Assim como na Franga, a insergio de grandes projetos estratégicos em um quadro bastante consolidado de planejamento urban permitiria superar a suposta dicotomia entre plano € projeto, que viciava o debate urbanistico dos anos 1980." A renovagiio da regidio portuaria estava prevista como parte do reequipamento da cidade para sediar as Olimpiadas de 1992. Dispondo de amplos fundos disponibilizados pelo governo em virtude do evento, a construgao da Vila Olimpica tornou- se oportunidade para colocar em pritica um projeto urbano ambicioso, ao longo de uma face de agua antes obstruida pelo porto. O plano comportava duas altas torres, uma delas sendo um hotel projetado por Frank Gehry, conjuntos de escritérios (como a Eurocity de Pifion y Vilaplana), habitages e Enfase no lazer, do Porto Olimpico na antiga Barceloneta as praias criadas ao longo de um parque linear até Poble Nou, Apés os jogos de 1992, o projeto custou um pouco a destanchar por conta propria, tendo em vista o perfil clitista definido pela ocupagao habitacional e de servigos, mas a atratividade ligada & recreagiio ao ar livre acabou prevalecendo, configurando um pélo de referéncia para a populagio em geral.!* E preciso salientar que 0 projeto em quest se insere no ambito de uma vasta gama de projetos e intervengées, contemplados pela revisio do planejamento de Barcelona a partir de 1980, incluindo iniciativas que cobrem prat todas as zonas da cidade. Ao mesmo tempo, inte~ gra politicas urbanas em nivel regional, nacional © curopen - as quais nfo deixam de dar continui- dade, em seus objetivos, dimensfo e aleance, & tradig&0 do planejamento regulador ¢ abran- gente."” Nesse panorama, a questio social, assim como os problemas ambiemtais e de infra-estrutura, no sfo preteridos pelos projetos de impacto, mas recebem atengio pelo menos equivalente. Se estes assumem o primeiro plano, € no sentido de catalisar as intengdes de recuperagio, focadas na imagem e na auto-imagem da cidade. Mas tal “patriotismo” urbano, assim como o city market- ilo mente “Paut.ies, Duane: Berlin: A guide to recent architecture, London, Ellips ing, s6 se justificaria dentro de um quadro de alendimento pleno as demandas sociais urbanas."* Nao foi apenas na Europa que 0 exemplo barcelonés deu frutos. Em Buenos Aires, a érea de Puerto Madero, conjunto de diques e armazéns criado na virada do século entre 0 coragdo da idade e o Rio da Prata, representava um potencial inestimavel para renovagio, tendo em vista sua proximidade do centro histérico. Em seguida a um conyénio firmado entre as municipalidades de Buenos Aires e Barcelona, os urbanistas catalies Busquets e Alemany elaboraram, em 1989, 0 Plano stratégico para o antigo Puerto Madero. No mesmo ano, por convénio entre 0 governo central (Ministério de Obras e Servigos, responsével pelo porto) eo municipio, era criada a Corporacién ‘Antiguo Puerto Madero S. A., entidade autOnoma de dircito privado.” Previu-se a reconverso dos velhos galpdes como escritérios de alto padrao, ‘mantendo sua volumetria original; do outro lado dos diques, junto A Costanera Sur, 0 projeto adquiriu maior liberdade, com parques, torres de escritérios e prédios de habitagio. A primeira porgdo a ser viabilizada, a dos antigos armazéns, foi ocupada por uma elite de empresas que tirou proveito da qualidade arquitet6nica e imagem européia dos edificios convertidos, cujos térreos foram tomados por bares € restaurantes caros. Esse centro executivo © gastrondmico, bastante exclusiva, contrasta com © aproveitamento dos espagos coletivos ao longo dos diques como passeio piiblico, turistico € mais popular. Os terrenos vagos da porgio Leste do porto foram divididos em lotes e vendidos a empreendedores, a exemplo de Battery Park City. Foram implantados edificios com arquitetura personalizada, mas sujeita a limitagdes em termos de ocupagiio ¢ volumetria. Encontramos af nomes como Telecom ¢ Hilton, além de condominios residenciais de alto padrio Assim, a 1égica empresarial inerente & operagiio tende a trazer Puerto Madero para 0 campo dos privilegiados, conformando espagos de alta qualidade que, embora possam ser parcial- loor. "Los planes." In: Conclusiones del VI Congreso theroainericano de Urbanism, Montevideo, outubro de 1994, sn p renovadios, permanecem subutlizados. Gomuer, Carlos: “Archi ‘© mesino no ocorteu ei Sevilhae Lisboa, onde os complexos das exposigdes de 1992 e 1998, també ceture et projet urbain en Espagne.” Doss em antigos setores porturios «du Ministere de Equipement, Paris, 1998. Born, Jordi & Fors, Manuel de: *Poiticas da Europa e dos Estados para as cidades,” In: Espago & Dehates a? 39 (vol. XVI) 1996, ad7, 177 mente desfrutados por todos, tém sua fruigio in- {egral limitada aos grupos dominantes. Embora a cidade tenha ganho, sem desembolsos pecunirios, uma drea de grande vitalidade e expresso, a marca da gentrificagao continua presente. Nao obstante, a experiéncia de Puerto Madero tornou-se paradigmdtica na América Latina, por combinar com sucesso a requalificagao urbana, a revitali zago econdmica ¢ a reconversiio arquiteténica, Ressonfncias de diversos matizes podem ser encontradas em projetos latino-americanos € brasileiros, de Ribera Norte / Biobio /Concepcién no Chile® & Praga XV no Rio, do Bairro do Recife &s Docas de Belém. No entanto, apés duas décadas de grandes projetos de renovagao urbana inseridos nos cenairios do planejamento estratégico, evidenciam- se os limites desse modelo no que se refere a algumas da questdes cruciais que haviam motivado o recurso as novas abordagens urbanfsticas. Além de passar ao largo das caréncias habitacionais, de infra-estrutura e de servigos sociais que continuam. comprometendo as regides metroplitanas, particularmente no Terceiro Mundo, os projeto: estratégicos parecem constituir uma faca de dois gumes no que se refere aos problemas da integragdo econdmica, do desemprego ¢ do combate exclusio social. Assumindo 0 ponto de vista dos possiveis “jnvestidores” - nebulosa entidade cujos caprichos se tornaram a grande referéncia dos cendtios econémicos - e tomando o grande capital financeiro ou imobilidrio como principal agente capaz de alavancar as iniciativas, os projetos tendem a incorporar e reproduzir a légica econémica dominante. Na medida em que a recuperacdo da valorizagao imobilidria (por meio das entidades autdnomas que implementam os projetos) financia melhorias urbanisticas, de in- fra-estrutura e atratividade na area de intervengiio, tais qualidades acabam sendo usufrufdas primordi almente pelos préprios “investidor clientes. Na melhor das hipsteses, uma parte dessa valorizagao pode ser empregada pelo poder local para financiar algumas obras mais abrangentes © seus de infra-estrutura, habitagdo € equipamentos sociais. Areas de lazer e espagos livres podem ser disponibilizados para a populagao em geral, democratizando 0 acesso ao incremento da qualidade urbana - talvez 0 maior ganho efetivo proporcionado pela implementagio de tais projetos. E na esfera propriamente econémica, porém, que comparecem algumas das principais limi gies desse modelo. A criagiio de empregos, quando ocorre, se concentra nos extremos da escala so- cial (postos altamente qualificados, de um tado, € menial services, de outro). Vantagens ¢ lucros encaixados nos fluxos financeiros internacionais no revertem necessariamente em beneficio da m significar um beneficio a longo prazo, muitas vezes sido objeto de rentincia como parte da estratégia para atrair investimentos. Sem arrecadagao suliciente, a municipalidade deve arcar com os nus referentes & reprodugiio da forga de trabalho niio-qualificada, cujos servigos apdiam as atividades high-profile ostentadas pelos novos palos tercidrios. Exclusivas ¢ diferenciadas, as Areas centrais requalificadas acentuam o contraste centro-periferia, seja no Ambito intra-urbano, seja, na distingdo entre as cidades “reprojetadas” na vanguarda do capitalismo e suas congéneres “atrasadas”, exclufdas até mesmo do possibilidade de bancar um dos projetos em questo. Podemos dizer que os grandes projetos de renovagio urbana acabam exacerbando tendéncias vigentes na urbanizagao contemporanea, em que 0 principios que caracterizam a produgao privada do espago - aproveitamento imobiliario, enfoques pontuais, agilidade, flexibilidade, afinagdo com as demandas do mercado - so assumidos como direttizes no desenho das intervengdes urbanas.™! Nos paises periféricos, contudo, em que tais princfpios jd prevalecem normalmente na transformagio ¢ construgio da cidade, torna-se mais dificil canalizar tais forgas para um projeto especifico. Tendo a metrépole toda como campo de ago, nada impete o capital a enfrentar 0 desafio de investir em uma regitio deteriorada, Para isso esfera local. Ganhos fiscais, que poderi; A corporago foi concedido, alm do dominio sobre as terrenos e prédios, o poder de desenvolver e impor projetos paraa dea, sendo ‘encarregada de implementara operagoe viabiliz-la por meio da comereializagio de Seu potencial imobilirio. Nao se previam recursos orgamentiios: as empresas interessadas adquirriam os galpdieseexecutariam is suas eustas o projeto pré-estabelecido de reconversio, Em 1991, um concurso nacional defini ts propostas vencedoras no que se refere arquitetura.e ao detalhamento do conjunto, ® Viutaxovco, Fernanda M. O. etal: “Programa de recupers Estudio de caso,” In: Anais do IX Congresso Ibero-Ameri n urbana Ribera Norte - Rio Biobio -Concepcién, VIII Region, Chile: ino de Urbanism, Recife ovembeo de 2000, 178 os beneficios fiscais ¢ de desregulamentagao precisam ser realgados, assim como os investimen- (os pitblicos em infra-estrutura, aumentando, do ponto de vista da cidade, 0 Gnus da iniciativa. De qualquer maneira, permanece sem resposta a questo primordial que motivou tais empreendi- mentos: a geraco de opgdes sustentaveis para a recuperagio do emprego, da atividade e da io em cidades e regides industriais que arrecadag sofrem os efeitos da reestruturagdo econdmica, Se © modelo dos grandes projetos urbanos estratégicos mostra sinais de esgotamento nesse sentido, qual seria a alternativa? Entre os muitos caminhos em discussio, € posstvel identifiear, a0 longo da dltima década, a emergéncia de iniciativas menos ambiciosas de renovagdo urbana, voltadas ‘0s interesses e as perspectivas de cada localidade, que podemos denominar projetos urbanos de desenvolvimento local. Desenvolvimento Local Enquanto prioridade nas novas polf urbanas, 0 desenvolvimento local pode ser compreendido de diversas maneiras. De um lado, liga-se a esfera econdmica, sendo medido pela evolugio do quadro produtivo local, pela geragio de emprego e renda no seio das comunidades, pelo acréscimo da autonomia fiscal dos governos locais, ¢ pela diversificagao e dinamizagio de atividades econémicas que tenham impacto em termos de 10 das populagdes marginalizadas. Em termos sociais, liga-se & busca da inclusao de diferentes setores populares, em um quadro de crescimento evolugao econdmica. Combatem-se os efeitos excludentes da nova ordem mundial com linhas de ago, programas ¢ projetos que tirem proveito das especificidades e potencialidades de cada regio, sempre partindo dos interesses da populagao local. No que se refere as articulagdes administrativase institucionais, o desenvolvimento local esta ligado ao conceito de governanga, como medida da capacidade de gestio compartilhada entre diversos agentes, permitindo que 0 processo de omada e implementacZo de decisdes seja as- sumido, de maneira demoeritica, participativa, negociada e transparente, pelas forgas locais.”> Podemos destacar nesse sentido a experiéneia integr: curopéia, com o funcionamento de agéncias e fundos visando apoiar projetos de desen- volvimento local nas dreas mais desprovidas de recursos préprios, sejam elas regides, cidades, bairros ou populagdes abaladas pela reestruturacdo econdmica. A partir de 1990, a Unido Européia, por meio do Fundo Europeu de Desenvolvimento Re- gional, passou a financiar projetos-piloto de renovagaio em diversas cidades, envolvendo uma gama de setores de atuagiio, como meio ambiente, habitagZo, saneamento, cultura, etc., incluindo projetos de regeneragdo urbana e conversio in- dustrial Nao mais se limitando, como nos anos 80, a0 financiamento de obras de infra-estrutura, a énfase da atuagdo do Fundo foi concedida & rege- neragdo estratégica de reas urbanas. No caso de antigas regides manufatureiras ou portudrias afetadas pela decadéncia econdmica, o programa comegou a buscar solugdes inovadoras para diversos problemas de esvaziamento funcional, comprometimento ambiental e exclusdo social 2° Tratam-se de projetos em pequena escala, financiados com aportes da Unidio Européia ¢ dos governos locais, com o objetivo de alavancar, por meio de intervengdes especificas, um processo mais amplo de revitalizagao econdmica - enfatizando a xgeragio de emprego ¢ renda, o apoio as pequenas € médias empresas, a qualificagio profissional, passando por iniciativas comunitérias e pela participago dos agentes locais (govern munici: pal, organizagdes sociais, entidades e empresas ja existentes) no processo de decisio e implementagao da iniciativa."* ‘Sdomuitos osexemplos. Em Volklingen, na regio do Saar (Alemanha) abandonada pela inddstria siderirgica, foi criado um centro comercial € teenolégico para sediar pequenas e médias empresas, concentradas nas reas de informatica, design € propaganda, Uma usina foi transformada em centro cultural e pélo de convengoes, € 0 edificio das fornalhas, declarado Patrim@nio da Humanidade pela Unesco, aproveitado como atragao turistica, Em Wol- verhampton, na Inglaterra, também um antigo centro sideningico, estabelecet-se um “baitro cultural” que entre 1993 e 1998 atraiu'75 empresas, muitas delasna rea de midia e produgo cultural, gerando mais de 1500 empregos. 2" A essa.insttucionalizagao das priticas antes “espontineas do mercado correspond, no caso das netripoles do Terceiro Mundo, a insttucionafizago das alternativas informais que pautaram, historicarnente, o aeesso da popula -construgio, comércio ambulanie, transporte em lotagbes ‘ocupagées iregulares, 10 de baixa renda 20 espago urbano: Sobre isso vide Makicaro, Erminia: Metr6pole ‘na periferia do capitalismo: Hegalidade, desigualdadee violéncia. Sa0 Paulo, Hucitec, 1996, paginas 101 a 102, 179 Em Mulhouse, na Alsécia, abalada pelo fechamento das minas de potassa, foi criada uma incubadora para novos negécios ¢ atividades industriais, gerida por empresa privada, com 0 fornecimento de empréstimos a juros baixos, bancados pelo Fundo, treinamento ¢ assessoria para pequenos empreendedores. Em Stoke-on- Trent, a inddstria cerémica ganhou novas perspectivas a partir da instalagzio de um centro de design. No bairro de Kop van Zuid, em Rotterdam, © programa financiou um centro de referéncia profissional com foco na questio do desemprego. Também na Holanda, em Groningen, foi montada, uma Rede de Desenvolvimento Sécio-Econémico baseada na cooperagdo entre empresas, associagbes comunitérias, ONGs € 0 governo lo- cal, buscando solugdes conjuntas para a geragiio de empregos ea revitalizagao econdmica. ‘Um segunda fase do programa foi iniciada na segunda metade dos anos 90, com maior énfase nos aspectos comunitérios e participativos dos projetos.** Em Bremerhaven, na Alemanha, em face do desemprego provocado pelo fechamento da industria naval, atingindo principalmente imigrantes, foram criados, a partir do envolvimen- to da populagdo, um pélo multifuncional de servigos ¢ um centro cultural e comunitirio, visando reintegrar os excluidos do mercado de trabalho, promover qualificagao profissional, educagao ambiental e consultoria para pequenas empresas. Em Friedichshain, bairro da periferia de Berlim que perdeu 20,000 empregos industriais, foi concebido um projeto de qualificagao para formar operdrios especializados na construgo civil, tendo em vista 0 boom de obras na nova capital alema. Adotando os principios da construgao sustentavel ou ecobuilding, permite a insergio dos trabalhadores na vanguarda do setor. Em Huddersfield, cidade média periférica da Gra-Bretanha, buscou-se adotar 6 lema da “cidade criativa” para atrair a indistria fonogrdfica, particularmente os estudios independentes Nem sempre, porém, essas novidades constitu- em uma solugio, Em muitos casos é flagrante 0 contraste entre a pujanga das antigas atividades io das micro iniciativas tercidrias que pretendem ocupar seu lugar. Outros programas da Unio Européia destinam-se especificamente a regides industriais importantes cujo papel na economia deve ser reiterado, como o RESIDER, voltado ao reergui- ‘mento econdmico e industrial das bacias siderdr- gicas. O exemplo de Charleroi, na Bélgica, revela esses prinefpios de diversificagao e dinamizagao do tecido econdmico a partir da base existente, reunindo iniciativas de descontamina recuperacdo ambiental a programas de inovagdo tecnolégica, com a criagio de um centro de pesquisas que pretende reconduzir a cidade & ponta-de-langa do desenvolvimento industrial.” Menos atraentes do ponto de vista urbanistico, para nao dizer imobilidrio, tais enfoques talvez sejam ‘os mais eficazes para solucionar os problemas softidos por cidades tradicionalmente dependentes do setor secunddério. De um lado, a énfase na perspectiva local, nas solugdes inovadoras ¢ na participagio dos diferentes agentes da comunidade; de outro, a consciéncia da necessidade de um planejamento macroeconémico que recupere 0 potencial produtivo das regides urbanas. Nas cidades do Tereeiro Mundo, as agéncias multilaterais de financiamento também tém enfatizado as iniciativas de desenvolvimento lo- cal, na medida em que correspondem a seus ideais de participagao coniunitéria, simplicidade de solugGes € recurso ao potencial de cada regio. Mas poucas vezes essa perspectiva tem levado em conta os problemas relacionados ao esvaziamento de dreas industriais, situagao normalmente identificada com os centros desenvolvidos. Assim, torna-se mais espinhoso 0 enfrentamento da questio nos _pélos manufatureiros do mundo subdesenvolvido, como Santo André BreDa-VAzque7, Isabel; Concricio, Paulo; Bansta, Luisa Mendes & Bravco-Terxsits, Miguel: "Governdincia e programas de regeneragio urbana: Novos desafios.” In: Anais do IX Congresso Ihero-Americano de Urbani mo, Recife, novemiro de 2000. ® Conastw Evrore:"Hacia una politica urbana para la Unién Europea.” CE, 1997 0 Fundo de Desenvolvimento Regional, que tem entre seus principals objetivos aregeneragao de dreasindustriaise urbana, é um dos quatro Fundos Estruturais da Unio Européia, destinados a compensar desequilibrios entre membros eregides da comunidade. Para 0 programa URBAN, no petfodo 2000-2006, o Fundo prevé a destinagao de aproximadamente 700 milhdes de euros. ® sina.:"An inital report on the Urban Community initiative, 1994-1999.” European Regional Development Fund & Cohesion Fund, 1999, sna. "Vademecum for URBAN II Programme.” European Regional Development Fund & Cohesion Fund, 1999, 180 © Grande ABC, Santo André e 0 Projeto (0 Eixo Tamanduatehy © caso da regio do Grande ABC, no setor Sudeste da Regidio Metropolitana de Sao Paulo, é emblematico no que se refere aos dilemas enfrentados pelos municfpios industriais, aos desafios colocados pela reestruturagiio econdmic: © ao papel a ser exercido, nesse quadro, pelos projetos de renovagdo urbana, Ha mais de dez anos administragdes locais procuram enfrentar um quadro de desindustrializagio, desemprego queda na arrecadagao, por meio de politicas sociais urbanas ¢ iniciativas diversas, entre as quais, podemos destacar a cooperagio entre as sete cidades da regio, por meio de um consércio intermunicipal, e, no caso especifico de Santo André, a proposta de um grande projeto de renovagao urbana ao longo do Rio Tamanduates Na regiao do Grande ABC, 0 debate em torno do desenvolvimento social j4 resultou na criagio de um programa visando a erradicagao do analfabetismo, de um plano de integragio e complementagio dos equipamentos piblicos de satide e de um projeto voltado a reintegra cial de meninas e meninos de rua. No que se refere ao desenvolvimento econdmico, decidiu-se pela criagao de um pélo tecnolégico, de um programa de requalificagao profissional e de outras iniciativas no sentido de aumentar a competitivi- dade das cadeias produtivas da regi ‘Uma Agéncia de Desenvolvimento Econdmico foi criada em 1998, reunindo associagdes comerciais, centros de industria, Sebrae (Servigo de Apoio As Micro e Pequenas Empresas), empresas do setor petroquimico e sindicatos. Sua misao é estabelecer agdes de marketing regional pata atrair investimentos, produzir conhecimento sobre os processos econdmicos na regio incentivar pequenas ¢ médias empresas. Pelo Programa Habitat, 0 Banco Mundial e 0 BID forneceram recursos da ordem de USS 300 mil para amparar iativas. Grupos de Trabalho foram organizados em torno de sete cixos estruturantes: educagio e tecnologia; sustentabi- lidade das dreas de mananciais; acessibilidade & infra-estrutura; fortalecimento ¢ diversificagiio das cadeias produtivas; ambiente urbano de qualidade; identidade regional; inclusdo social."* Integrando o Plano Estratégico Regional, esses ‘La Wallonie au fut cixos levaram a Planos de Agies, entre os quais aquele voltado para a obtengio de um Ambiente Urbano de Qualidade. Esse eixo foi concebido nao apenas como uma série de projetos de infra- estrutura, mas também como um conjunto de programas, agdes ¢ decisdes politicas, tendo como principal meta o desenvolvimento integral do ambiente urbano, além da melhoria continua da qualidade de vida da populagio da regido do Grande ABC. Visando a redugao das disparidades de desenvolvimento econdmico e social do Grande ABC, pretende-se caminhar rumo a caracterizagio da Regidio Metropolitana de So Paulo como um espago policéntrico e sede de uma nova cultura vivencial, prevendo-se area de projetos em reas centrais das sete cidades (parques, areas verdes e vegetacio urbana), implantagio de marcos referenciais regionais, recuperagao ambiental e preservagio do patrimdnio cultural.” 0 Projeto Bixo Tamanduatehy nasceu em Santo André, fruto de varios processos em andamento: em primeiro lugar, do processo de articulago regional, mobilizando as sete cidades que compdem o Grande ABC, procurando reenfocar o planejamento urbano de forma integrada, envolvendo os agentes sociais e questdes de desenvolvimento sustentavel, uma vez que a regido tem 56% de sua superficie em rea de prote¢iio aos mananciais. Em segundo lugar, o projeto Cidade Futura, proposto para Santo André, prevé a construgio coletiva de agdes de desenvolvi- mento local e urbano envolvendo a sociedade civil. E, finalmente, a preocupagiio da administrag: municipal com 0 processo de reconversio produtiva em Santo André. Com a adogio das diretrizes do planejamento estratégico, emergiu a oportunidade de se estudar um grande projeto de renovagio urbana para os terrenos industriais ¢ ferrovistios situados ao longo do Rio Tamanduatef, em uma faixa de 8 km entre 0 tio ( ido e ladeado por uma importante via marginal, a Avenida dos Estados) e a estrada de ferro. Ocupada originalmente por grandes complexos fabris, dos quais restam alguns em plena atividade (Rhodia, Pirelli) enquanto muitos foram abandonados, a faixa conta com excepcio- nais condigdes de acessibilidade, mas sua ocupac: é limitada pelo zoneamento industrial. Integra um eixo maior que, prosseguindo ao longo do rio e da 110ans de construction d'un projet de société." 1V Congrés La Wallonie au futur, Chasteroi, 1997 181 ferrovia, atravessa 0 municipio de So Cactano ¢ chega aos bairros do Ipiranga e da Mooca em So Paulo, Essa enorme extensio de dreas aproveita- veis, hoje um panorama desolador de armazéns € fébricas decadentes ou em rufnas, constitui uma oportunidade inestimavel para a renovagio urbana na maior metrdpole brasileira. Para a concepgao do Projeto Bixo Tamandua- tehy concorreram os exemplos norte-americanos, europeus € argentino de projetos urbanos estratégicos. Comparecem portanto os elementos caracterfsticos desse modelo: a visio dos pélos terciérios avangados como solugéo para a reestruturagao do setor produtivo; o destaque para os empreendimentos culturais, as dreas livres € de lazer; a busca do aproveitamento da dindmica imobilidria; € a valorizagZo do espago piiblico € da qualidade espacial urbana, com vistas & qual se deveria contar com a contribuigiio de arquitetos conhecidos para o redesenho do eixo. Foram colocados como objetivos especificos a criagdo de uma nova centralidade metropolitana, revertendo a posi¢ao de “fundos” das zonas industriais ¢ do ABC, a costura entre as duas metades de Santo André, historicamente divididas pelo eixo, a afirmagdo de uma nova identidade para a cidade € para a regidio como um todo." A construgio de um novo centro regional passaria por componentes como prédios de escritdrios, hotéis, centro de convengées, espago para feiras € exposigdes, restaurantes, cinemas, grandes equipamentos culturais e outros elementos hoje ausentes na regido, superando a atual dependéncia em relagao ao pélo cultural e de servigos localizado no centro metropolitano de So Paulo. Além disso, prevéem-se areas residenciais, que deverao conviver com favelas urbanizadas em alguns pontos do eixo Iniciada em 1997 e ainda em andamento, a elaboragao do Projeto Eixo Tamanduatehy j4 envolveu propostas elaboradas por quatro escritérios de arquitetura e urbanismo (Joan Busquets, Christian de Portzampare, Eduardo Leira e Candido Malta), ampliando a idéia da construgdo coletiva do espago urbano, apro- veitando nesse sentido a propria diversidade de % Soman, Nadia & Dante, Celso: "Gestio compartithada, limites e possibilidades: A experi CEPAM, no peo. » Soweks, Nadia: "Mundo Urbano / Novas Utopias: Combate & pobreza e proteg3o i natureza. Andté,Editora Livre Mercado, no prelo posturas urbanisticas. De certa maneira as propostas adotaram enfoques complementares. Enquanto 0 projeto Busquets esté voltado a criagio de dreas verdes, Leira se preocupou com as questdes regional e metropolitana e com a insergao do projeto do ponto de vista da acessibilidade. Candido Malta priorizou a busca do redesenho espacial e a criagio de equipamentos geradores de uma nova centralidade para a metrépole. Finalmente, Portzampare concentrou-se na exploragdo do desenho das quadras e suas volumetrias de ocupagao.” Até 0 momento, a implementagao do projeto esbarra em dificuldades oriundas da caréncia de recursos, da propriedade privada dos terrenos e da previsdo de alguns empreendimentos ja aprovados para implantago no local. Adiantando- se a intervengio publica, o mercado ja havia se dado conta do potencial da drea e definido projetos para shopping centers, um centro empresarial € uma universidade. O resultado é que as realizagdes efetivas se concentraram até agora na obtengio de algumas contrapartidas por parte desses empreendedores, no sentido de promover melhorias no espago ptiblico (melhoramentos vidrios, recuperagao paisagfstica, calgaddes cobertos, criagio de dreas verdes). processo de implementagao se ressente da auséncia de uma entidade com autonomia financeira e dominio sobre os terrenos a serem renovados, a exemplo das que foram ctiadas em Battery Park City, Docklands, Barcelona, Puerto Madero e nas ZACs francesas. Dessa maneira, 0 principal trunfo do governo local em Santo André € 0 poder de regulacio que permite negociar mudangas de legislagao, possibilidades de reparcelamento do solo e mecanismos de captura io imobilidria, entre outros instrumen- tos que poderiam viabilizar uma intervengao de maior porte, atualmente em estudo. O projeto Eixo Tamanduatehy prevé a criagao de espagos piiblicos, apostando na idéia de que a democratizagao desses espagos constitui um processo de redistribuigdao e de de renda e de inclusao social. Esta poderé ocorrer n&o apenas por meio da ampliagao do convivio social do Grande ABC.” S20 Paulo, In: Grande ABC no século XXI, Santo 182 democritico nas novas reas a serem criadas, mas também através da criagdo de programas de geragdo de trabalho ¢ renda, nos moldes construi dos pelo processo de articulagao regional. As questdes que podem ser colocadas para 0 projeto se aproximam daquelas levantadas pelaexpe- rigncia de cooperacdo intermunicipal: € possivel construir efetivamente um novo tecido produtivo que supra as necessidades de insergiio dos trabalhadores: atingidos pela reestruturagdo econdmica e pelo desemprego? Quais seriam os mecanismos que evitariam uma possfvel gentrificagio da drea, uma ver que muitas experiéncias do género, até 0 momento, apontam para as tendéncias excludentes do processo de atragdo de investimentos © de renovagio urbana? E nesse sentido que se faz necesséria uma reflexdio continua sobre tais questées, com a verificagio critica das potencialidades reais do desenvolvimento local, do aleance ¢ dos limites colocados para os projetos urbanos. Consideragées finais Em face da crise econémica, da reestruturagaio produtiva e da redefini¢Zio do papel do Estado, destaca-se cada vez mais a necessidade de formas de ago formuladas ¢ implementadas em nivel local, com 0 objetivo de promover o desenvolvi- mento econdmico. Os elementos basicos do que Harvey denomina “empreendedorismo local” envolvem nio apenas o desenvolvimento de parcerias entre o poder piiblico e o setor privado, mas a capacidade mais geral de articulago, por parte dos atores e forgas sociais. Partindo do princfpio de que o poder de ordenar 0 espago deriva de um complexo conjunto de forgas, mobilizadas por diversos agentes, 0 governo local deve coordenar uma ampla gama de forgas sociais, exercitando a governanca urbana." Lipietz aborda a mesma questio, enfocando formas intermediarias de regulagdo entre a dimensao material da aglomeragao urbana, 0 © Vide as deetaragses do eoordenador do projeto, Mauricio Faria, ems... revista Livee Mereado, Santo André, 1999, pga 5 “Wid, piginas 10a 17 ®sna"Bixo Tamanduathy.” Santo André, PMSA, 2000 “Hasvey, David: Op cit “Liner, Alain E preciso, no entanto,dstinguirasinickativas de desenvolvie icionais de dese to urbano,ligadassintervengtes dinetas do Estado nas es governo local, a legislagdo e a ago do Estado. Define o conceito de governanga como abrangendo todas as formas de regulagio que nao so mercantis nem especificas do Estado. Governanga seria a sociedade civil menos o mercado, mais a sociedade politica local, os notdveis e as prefeituras.™ Muitas experiéncias recentes de articulagao entre os setores piiblico ¢ privado apontam para uma possivel reorientagdo do poder local, com vistas & insergdo de questdes relacionadas ao desenvolvimento econdmico e social na agenda politica. Todavia, 0 recurso A agdo pontual dos governos locais coloca 0 risco do acitramento dos desequilibrios regionais ¢ internacionais, da mesma forma que a disputa pelos investimentos ‘no quadro do planejamento estratégico - na medida em que algumas localidades estio melhor equipadas do que. outras na tuta auténoma pelo desenvolvimento. Para evitar os efeitos deletérios dessa disputa, das guerras fiscais suicidas & exacetbagao das diferengas, aumentando 0 abismo entre regides privilegiadas e esquecidas, € preciso contar com instincias regulat6rias nas diversas esferas - lo- cal, regional, nacional e mesmo internacional. O exemplo curopeu, em que a perspectiva estratégica convive com um alto grau de intervencionismo com a multiplicagao de iniciativas estatais estruturadoras, compensat6rias e reguladoras, merece atenco especial nesse sentido. Embora somente o futuro poderd dizer se as iniciativas de desenvolvimento local terao folego suficiente para superar problemas existentes consolidar a reconversdo industrial num processo de desenvolvimento sustentavel, alguns limites ja podem ser assinalados Em primeiro lugar, trata- se de um esforgo que apresenta autonomia relativa € que, consequentemente, ndo pode prescindir de politicas nacionais, estaduais ¢ regionais de desenvolvimento. Outros limites podem resultar do individualismo das tradicionais culturas ‘Eixo Tamanduatehy: O futuro i chegou.” Separata da ‘0 local eo global: Personalidade regional ou inter-regionalidade?” In: Espago & Debates n° 38 (vol. XIV) 1994. (o local das propostas de politica urbana abareadas pelas nogGes de infra-estratura,habitagio e saneamento, ‘bem como do conceito de desenvolvimento sustentdvel. Enquanto toda iniiativa de desenvolvimento local deve, em stim instincia, visaro desenvolvimento sustentavel, este pode te objetivose abrangéncia diversos,transcendendo a esfera local 183 municipalista e empresarial, da prevaléncia de interesses pontuais e casufsticos na esfera local, ¢ da descontinuidade politico-administrativa, que acarretam o risco de desestruturar esforgos coletivos de longo prazo. Quando se discutem formas de estimular a geragfo de trabalho e renda, também devemos levar em conta que a maneira pela qual se dé 0 cardter da participagao dos agentes na esfera lo- cal, assim como a distribuigao da renda gerada. A reestruturagio produtiva, os efeitos da crise econdmica e as novas desigualdades sociais colocam em pauta a necessidade de elaboragio de estratégias que articulem os agentes sociais no sentido de enfrentar problemas urbanos e regionais, sem negar os conflitos existentes e a necessidade desenvolvimento econdmico, muitas vezes de politicas efetivas de inclusdo social na escala determinada em Ambito nacional, condiciona 0 do pais. Bibliografia Livierz, Alain: “Globalizagao, reestruturacio produtiva e impacto intra-urbano.” In: Pélis n° 27, agosto de 1996, paginas 11 a 16. Portas, Nuno: “Tendéncias do urbanismo na Europa.” In: Oculum n° 3 (vol. 1) margo de 1993, paginas 6 a 13. Harvey, David: “Do gerenciamento ao empresa- riamento: A transformagao da administragao urbana no capitalismo tardio.” In: Espago & Debates n° 39 (vol. XVI) 1996, paginas 48 a 64, Vainer, Carlos B.: “Patria, empresa e mercadoria: Notas sobre a estratégia discursiva do planeja- mento estratégico urbano.” In: ARawtes, Otflia; ‘Vainer, Carlos & Maricaro, Erminia: A cidade do pensamento tinico: desmanchando consen- sos. Petrpolis, Vozes, 2000. Paneral, Philippe & MANGIN, David: Projet urbain, Marseille, Parenthése, 1999. Bartery Park Crry AutHority: “History and De- sign.” (Monograph) New York, BPCA, 1998. ‘Vide também Banta, Reyner: Megastructures: urban futures of the recent past. New York, Harper & Row, 1976; Stern, Robert Aj; Mautins, Thomas & Fishman, David: New York 1960. New York, Evergreen, 1996 Comission FoR THE New Towns: “Initiating ur- ban change: London Docklands before the LDDC.” (Monograph) London, LDC, 1997. ‘Comission For THE New Towns: “A strategy for re- ‘generation.” (Monograph) London, LDCC, 1997. GuiraRbo, Diane: “London’s Docklands.” In: Architecture after modernism. London, Thames & hudson, 1996, paginas 176 a 194. ‘Aos poucos, na medida em que os sucessivos Totes da operagao eram desenvolvidos, a LDDC foi sendo desativada, extinguindo-se em 1998. A torre, denominada One Canada Place, € 0 elemento mais visivel do complexo de Canary Wharf, que segue um plano geral do escrit norte-americano Skidmore, Owings & Merril 184

Você também pode gostar