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o EDSON S, ZAPAONHA Referéncias bibliograficas BENT, Ian, Analysis, London: MacMillan, 1987, BOULEZ, Piette. Jalons (pour une décennie), Pais: Christian Boungois, 1989. COOK, Nicholas. guide to musical analysis. London: J, M, Desid & Sons, 1987 DUNSBY, Jonathan; WHITTAL, Amold. Musis analysis in theory and practic. Landon: Faber & Faber, 1988 JOHNSON, Peter. The legacy of recordings. In: RINK, John (Ed.). Afusical performance ~ a guide to understanding. Camsbnage: Cambndge Universit, 2002, p. 197-212. PEIRCE, Charles S. Collected papers. C. Hartshome, P. Weiss A. W. Burks (Ed) (Cambridge: Harvard University, 1931-1935. § v (A refer@neia a Peirce segte 0 modelo tradicional de referéncia por [volume] [parigrafo)). ZAMPRONHA, Edson. Notaedo, epresentasio ¢ composigio: um nova paradigna da escrieura musical. S20 Paulo: Annablume/Fapesp, 2000, 1 SEKERE Mane bt Lourdin, ZAMPRONMA, Edun, (Orgy). 4&2 Culdrie TE: snbaton trensdsccipiices. $2 Ramla: Aveta Fepep , 2004 O QUE VOCE PRECISA SABER SOBRE A MUSICA ELETROACUSTICA' Flo Menezes* Como surgiu a mtsica eletroactstica A miisica eletroactistica surge primeiramer’e em 1948 na forma da ‘musica conereta a pattt dos expetimentos de Pierre Schaeffer junto i Réidio e Televisao Francesa de Paris. O intuito principal de Schaeffer e de seus seguidores ou partidarios de seu grupo experimental, designado por Club Essai — dentre os quais destacaram-se Pierre Henry, Michel Philippot, Iannis Xenakis, Olivier Messiaen ~, erao de trazer ao universo da composigio ‘musical 0 uso de sons das mais distintas proveniéneias sem que 0 ouvinte necessariamente pudesse ver a sua origem fisica, Ouvindo os sons pelos alto: falantes, a ezcuta no teria 0 tradicional apoio da visio na deteuyaiw da proveniéncia do gesto musical e, com isso, estaria mais atenta a percepsio {da propria constituigao dos sons (tipologia sonors) e do comportamento do som no tempo (morfologia dos espectzos sonoros). Uma situagaio que ‘Schaeffer, referindo-se a Pitigoras, chamou de acusmatica: termo utilizado pelo filésofo grego para designar 0 estado de concontragio de seus discipulos que, ouvindo o mestre através de uma cortina ou um pila, nd dispersavam, sua atengdo pela intervengio do olhar. Buscando a esséncia da eseuta e das texturas Sonoras, Schaeffer faz igualmente mengdo a wm estado de escuta essencialmente fenomenolégico, e denomina a pastura aeusmitica como ia a uma escwia reduzida, focada totalmente no objeto sonore, Em 1949, experimentos na Alemanha liderados por Herbert Eimert epelo foncticista e teérico da comunicagdo Wemer Meyer-Eppler deram inicio misica efetronica. Em oposigao a conereta, a miisiea eletrdnica 1. Texto publicadp gacilment sb otulo “Um povso sore & misc eleronistie”, em Progen ta 1) Dire 2000, eae Vie Mata, 80 aN, OID GE 2M, P12 2. Livre-Docente do Departamento de Masiea da Unes. % FLD MENEZES centrava questao exclusivamente na geragdo de sons a partir dos praprios aparethos eletrOnicos, sem fazer uso de sons “concretos” captados v microfone. Em 1951, Eimert fundava junto a radio NWDR de Coldnia o Primeiro Estiidio de Misica Eletrénica, o qual contou, a partir de 1953, com a participasdo de Henri Pousseur, Karel Goeyvaerts, Gottfried Michael Koenig e sobretudo de Karlheinz Stockhausen, o maior icone ds vanguarda musical da segunda metade do séeulo XX. Stockhausen trouxe consigo para dentro do estiidio eletrdnico 0 coneeito de misica serial, realizando a primeira pega da mjisica eletroaciistica que faz uso exclusive do tomo de todos os sons exfstentes, possivel de ser gerado apenas em laboratério: 0 som senoidal, Sobrepondo sons senoidais, dav se inicio ao que chamamos de siniese sonora (mais precisamente, na forma da sinrese aditiva). radicalismo dos eletrOnicos de Coldnia balangou os alicerces dos concretos franceses. Schaeffer abandona o termo “concreto” © comega @ cempregar, genericamente, a designagio miisica experimental, ja utilizada anteriormente por John Cage. A partir de 1955, a propria misica elewronica ‘comesa a aceitar, paradoxalmente pelas maos do priprio Stockhausen, sons de origem conerets, eum certo cariter hibrido toma conts das obras realizadas tanto ld quanto c4. Em 1958, Schaeffer elege como seu termo preferido o adjetivo efetroactistico, curiosamente jd presente nos primeiros escritos de Meyer-Eppler, mentor da vertente eletrdnica, Hoje tem-se que misica cletroaciistica § toda composigho especulativa, no terreno da miisica nova, radical ou simplesmente contemporiinea, realizada em estudio eletronico e difundida no teatro por alto-falantes. Em geral, tais obras sao registradas em algum suporte tecnolégico (fita analégica ou digital, harddiscs, CDs ete.). A terminologia ndo ¢ absolutamente consensual: alguns ainda preferem © termo de misica eletrénica (nao, como podemos observar, em sia falsa_acepgio, tal como empregada recentemente pela musica recno dos DJs, ignorante com relacio a aparigdo histériea do termo ha mais de 50 anos). Esse & 0 caso de alguns compositores da Alemanha, EUA © Italia. Como quer que seja, o termo mais emprogado ¢ indubitavelmente 0 de misica eleiroactistica, independentemente de se tratar de uma obra mais alinhada as origens concretas ou eletrénicas do fazer musical em estiidio, De todla forma, dois sio os pilares de toda composigio contemporines realizada em estidio, desde suas origens até hoje, ainda que ambos ox procedimentos se entrecruzem com bastante Freaiéncia: ou se tem a predominancia da sintese sonora (geragho eletrénica dos sons), ou do {tratamento sonoro (processamento especteal de sons jé existentes ~ via de rogra captados por microfone - através de recursos eletzénicos), (OQUE VOCE PRECISA SABER SOBRE A MUSICA ELETROACUSTICA a 0 som no espago Uma caracteristica tipica das poéticas eletroactisticas 6 0 acento que se da A espacialidade dos sons. Utilizando-se de alto-falantes dispostos em distintos lugares do espago dos teatros, tom-se, pela primeira vez na historia, da misica, a possibilidade de mobilizaséio do som no espago. Se 0 som ‘instrumental esté sempre citcunsenito a sua proventéneia tisiea, com 0 uso, dda amplificagdo via alto-falantes um mesmo som poder percorrer o ar, dando vazdo a concepedes musicais distintas do uso do espago, isso sem. falarmos da possibilidade de aparigao dos sons em localidades distintas do. cespago de escuta, mediante disposigdo variada dos alto-falantes. ‘As origens concreta ¢ cletrénica da milsica eletroaciistica revelam, até hoje, a bem da verdade, uma cisio no que se refere a concepsio em toro da espacialidade, A vertente pés-conereta, dita acusmatica, prefere no dar tanta atengdo especial & concepeao dos movimentos espaciais dos sons quando da realizagio da obra em estidio, deixando a elaboragao dos movimentos aflorar no momento do concerto no qual a obra ¢ difundida no espago (processo interpretative ao qual se di o nome de difuusdo eletroaciistica). O compositor assumé o papel de “intérprete espacial” de sua obra e projeta ao vivo seus sons nas “orquestras de alto-falantes”. Ja a vertente pos-serial ou pés-cletrénica, de cunho estruturalista, procura assumir toda @ responsabilidade diante da espacialidade ja na concepsa0 mesma da composigao em estiidio, considerando o espago como parimetro fundamental da elaboracio compositiva e predeterminando em detalhes ‘9s movimentos dos sons no espace. ‘Como vemos, 6 possivel um sincretismo entre ambas as corrents, come procuramos fazer A frente do Studio PaNaroma: de um lado, elaborando a espacialidade dos sons em estidio e promovendo o espago a ‘um dos parimetros essenciais da composigdo eletroaciistica (tal como na vvertente mais estruturalista da composigdo eletroactstiea); de outro lado, potencializando tais movimentos no teatro, conforme o arsenal tecnol6gico disponivel para a difusdo das obras ao vivo (tal como na vertente acusmitica), Para tanto, sera necessério um niimero de alto-falantes que seja, no minimo, correspondente ao nimero de pontos idealizado para a mobilidade dos sons no espaco, dispostes conforme planificado originalmente pelo compositor. Quanto mais al (excedendo o nimero minimo previsto pelo compositor), tanto maior seré ‘9 papel do compositor-intérprete, reaproximando o compositor de indole estruturalista Aquele mais ideutiicady von a posture acusuaétice. Com isso, nova luzg’ projetada sobre as possibilidades da difusio eletroacistica. © que pode parecer uma mera “improvisagio” do compositor & frente da mesa-de-som no ato de difusde de sua obra transparece como atitude de we FLO MENEZES grande responsabilidade e de dificuldades considerdveis: a difusio eletroaciistica deve enaltecer e potencializar, nunca anular a espacialidade pré-elaborada de modo engenhoso em estadio. A tal “potencializagio” da ‘espacialidade estrutural da obra eletroactistica no ato de sua difusdo eletroaciisticn damos o nome de projero espacial. 0 tempo interno dos sons Até o advento da miisica eletroacistica, o som fazia parte do tempo musical numa relagao, digamos, unilateral. O tempo era estruturado pelo compositor tendo em vista, sobretudo, 0 momento inicial ou atague dos sons, privilegiando acima de tudo @ distineia entre os sons (parimetzo esse que fora inclusive objeto de serializagao na misica instrumental do serialismo integral dos anos 50). E obvio que a duragao dos sons era também de grande importincia, porém, ela servia prineipalmente a uma organizasao temporal de tipo métrico-ritmico, em que o ritmo (valores ritmicos) assumia papel predominant ‘Com a miisica eletroaciistica, deslocou-se pouco a pouco o foc de atengao do tempo, indo-se de seu ambito externo ao interno dos sons, {enquanto elemento constitutivo dos espectros. O som, que era do tempo, da lugar ao tempo do préprio som. Comegam-se a perceber as infimas variagdes 8 fatura dos proprios espectros sonoros a partir de seu proprio tempo, de sua duragio, A percepco, antes essencialmente ritmica, assume um cariter mais durative do que meramente métrico, Por tal razio, a musica eletroaciistica é aliada fiel da misica contemporanea, na medida em que ‘nfo aceita, em principio, padres ritmicos ou métricos preestabelecidos, instituindo por si propria, em cada obra, um universo particular e peculiar de organizacao das duragées. Antigamente, percebiam-se os ritmos pelos sons. Agora, percebem-se os sons pelas suas duragdes, 0 continuum musical Coma especulagiio sonora em estidio, 0 compositor logo se apercebou de um fato inusitado e de extrema significagao na histéria da miisica: quando vocé ouve uma nofa musical, na verdade voc’ esté ouvindo um ritmo extremamente acclerado, cuja rapidez de suas vibragOes € to acentuada que a pereepgiio de cada pulso particular toma-se invidvel ¢ a sensagao resultante se traduz numa sensagdo de percepgio de fregiiéncia, de “nota musical”. Em sentido oposto, quando vocé ouve um ritmo, na verdade esti ‘ouvindo uma nota musical cuja freqiiéneia periéuica & téo desacelerada que voc’ acaba por perocber eeda oseilagdo do som na forma de pulsagio ritmica ‘oaue voce Pre SABER SOBRE AIMASICA FLETROAGSTICN 6 (como modulagao dindimica ou de amplitude). Ou seja: embora possamos falar de regides distintas da escuta, cada qual com: suas proprias caracteristicas « peculisridades, ritmo e sensagdo de altura sonora so, na verdacle, duas {aces de uma mesma coisa, de um continuum do “espace sonoro”, que, a ‘igor, nada mais & que maneiras distintas de organizagao de vibragées sonoras. Essa descoberta, preconizada por Arnold Schoenberg com seu conceito de “nidade do espago musical” (Einheit des mustkalischen Raums) ¢ levada 4s filtimas conseqiléncias mormente por Stockhausen ao final dos anos 50, revolucionou a composiao musical, tendo sido chamada pelo compositor alemao de wnidade do tempo musical (Linhett der mustkatischen Zeit). Assim sendo, enquanto que na miisica instrumental © compositor ‘opera com regides sempre nitidamente distintas, na musica eletroactstica ele pode transitar continuamente de uma regio 4 outra, explorando as zonas limitrofes da percep¢io. A relagao com os instrumentos acusticos: interagao A misica instrumental teria chegado ao fim? Ela teria sentido para um. ‘compositor de miisica eletroacistica? Cortamente a miisica instrumental teri mais chance de sobrovida se linda 35 novas tecnologias. Os principais compositores instrumentais da segunda metade do século XX, tais como Pierre Boulez, Kariheinz Stockhausen, Luciano Berio John Cage, ja enxergaram isso hi algum tempo. O instrumento musical, ainda que limitado a seus aspectos fisicos, & inesgotavel do ponto de vista sintitico, sob o prisma da idéia musical e da propria composigio, sem falarmos do notavel “peril psicolégico” (a0 qual se reporta com tanta énfase Berio) que cada instrumento adquire 80 longo dda historia pelas vias de seu repert6rio. Suas possibilidades sonoras, porém, Potencializam-se radicalmente com a intervencde de instrumentos eletrOnicos e computadores efetuando transtormagdes espectrais ao vivo (live-electronics 0 eletrdnica em tempo real) ou por sua conjungio com sons eletroacisticos _pré-elaborados em estiidio e difundidos por alto-falantes (em tempo diferido) Eo que chamamos de miisica eletroactistica mista, em que a interagdo entre escritura instrumental e elaboragio espectral eletrénica tem lugar. Em tal rocesso, © compositor depara-se tanto com a fusiio (via de regra tinico aspecto considerado pelos criticos da miisica eletroaciistica mista) quanto ‘com o contraste (aspecto igualmente importante da interagio) entre ambos ‘08 universos sonoros — 0 eletrénico e o instrumental-. sem deixar de ter ‘mio toda uma gama possivel e imprescindivel de estigios intermediirios e “transicionais! entre ambos esses pélos opostos da interacao. Por tal azo annisica eletroacastica mista utilizando-se dos dois universos (acistico celetroactsticn), despertasté mais interesse no piiblico em geral do que 0 FLO MENEZES 8 misica eletroaciistica pura, dita acusmtica, realizada exclusivamente com sons eletroactisticos, Mas nao se deve jamais deixar de atribuir legitimdade a tal ‘qual opsioestética somente tendo-se por base um pretesojulgamento pibico, via de regra sujito a tantas manipulagdes de toda ordem (social, econdmica, politica, ideolégica, © mesmo musical) Isso sem contarmes com a difculdade Imerente a propria experiéneia acusmatica para o ouvinte menos predisposto scuta experimental, pela qual ele mesmo, ¢ nla posture acusmatic, deveria a rigor, ser wsponsabilizado: depara-sc ai vou « seal presentificagao do. que podcriamos chamar de um auténtico ‘eatro para os ouvidos (ao qual mais uma vez Berio faz referencia, reportando-se ao renasentista Orazio Vecchi), ou Soja, ‘com uma situaio idealizada ha muito pelos misicos, mas que somente a mtisicn acusmitica péde levar a cabo. Uma complexa e delicada discussio, que nio ‘aranente provoca grandes dissensbes no meio musical contemporaneo., Como quer que sea, a musica insremental pura, sem recursos tecnolégicos, far lozo, :nuito provavelmente, parte do passado musical A dupla elaboragao do “material musical” Como quer que seja, preciso que se pontue que os elementos fundamentais de toda composicao musical independem, em tiltima instincia (mas somente em tiltima!), dos meios com os quais se compe uma obra: elaboragdo do material musical enquanto elementos minimos ¢ relacionais consciéncia harménica (em seu mais amplo sentido), elementos de cnner3 ene as distintas idéias musicais, elaboragao de gestos musicals, diveclonalidades entre estados distintos da escuta, conducoe transformayaa do material musical, artesanato e detalhamento dos espectros, variapbes ete. fo aspectos que estio aquém e além dos meios composicionais per se, ainda que com esses estabelecam forte relagio dialética, Em summa; uma ‘ficaz elaboracto da forma musical independe do tipo de miisica que se far ‘Mas a miisica cletroaciistica acrescenta um aspecto fundamental na histéria musical: enquanto na miisica instrumental o material musical (as idéias e estruturas elaboradas pelo compositor no ato da composigio) ¢ essencialmente abstrato, instituindo-se como elementos de relagao (material vrelacional), com a misica eletroactistica ele adquire uma nova furicio (sem perder seu aspecto abstrato), tornando-se igualmente constitutive dos spectros (material constitutive). Ou seja: xe componhho miisica instrumental claboro estruturas harménicas ¢ ritmicas a serem executadas pelos instrumentos, a partir de uma paleta mais ou menos ampla de possibitidades timbricas; se fago uma obra eletroactstica, tenho que me preocupar, antes de mais nada, com a propria constituigdo dos espectros sonoros, O compositor toma-se, assim, duplamente responsivel, tanto polo discurso formal de sua obra quanto pela prépria claborasio dos sons que a compem (0.QUE voce PRECISA SABER SOBRE A MUSIC ELETROAGESTICR ” A decomposigao do some a fecomposigao musical ‘Nese sentido, uma curiosa constatagéo tem lugar: nunca houve, de fito, composigao musical. Desde que existe a notasiio da miisica (eserita musical), os parimetros sonoros representados por simbolos especiais tendiam a uma certa decomposiedo do some: em durases, em alturas (notas), mais tarde om intensidades. O cimre, erronteamente considerado por muitos ‘como um dos atributos sonoros, mostrou-se atéo presente sintomaticamente avesso as suas formas de representagio grifica, pelo fato de constituir, isto sim, um somatdrio dos demais aspectos ou parimetros do som (Greqiiéncias, amplitudes, duragdes, envelopes dinmicos). O timbre é a igor, pois, algo composto (resultante dos demais atributos), nao componente dos sons. E justamente a partir da totalidade sonora que nos conduz.& nogao mesma de timbre & que o compositor se viu desde sempre forgado a, de alguna forma, “analisar" o som no ato da composi. Assim que o trabalho do compositor foi sempre o de recompor, no simplesmente © de “compor". 0 que chamamos de compasigdo sempre foi, na verdade, uma espécie de recomposisiio musical. Como essa decomposi¢do sonora J estava, de certa mancira, assegurada pela prdpria escrita (notacio) musical, sempre se falou instintivamente de composigdo musical, o que, hhistoricamente, faz até certo sentido. Os processos composicionais ao longo dda histéria da miisica (© que podemos chamar, em oposicio a escrita musical, de escriiuru musical) Sempre tiveram & mao 0 apoio da propria escrita (notagio), essencialmente abstrata, pela qual a decomposigao do som bbruto (até enti instrumental) tornava-se possvel compositor eletroaciistico, a0 contririo, tem trabatho dobrado: via do regra deftonta-se com o som em estado brite ¢ precisa, em primeira instineia, decompd-lo por suas préprias mios para poder resgatar esse aspecto abstrato € necessirio a todo processo de (re)composigao musical, antes assegurado pela notacdo. Por isso, nio pense que compor em estidio mais facil do que para instrumentos, pelo simples fato de se ter & mio {ngimeros aparethos eletrnicos que, uma vez acionados, geram sons! A cilada para o compositor é cruel: tem-se, a bem da verdade, o dobro de trabalho! Tipos de musica eletroacistica Desde 0 advento da miisica eletronetstica, 20 final dos anos 40, distintos subgéncros instauraram-se em sua producdo historica: misica clotroaciistica dita “pura” ou “acusmiitica”, mésica eletroacustica “mista”, live-electronich (em que 0s instrumentos sao transformados a0 vivo, em tempo real, pelos recursos letrbnicos) etc 2 Flo MENEZES ‘Um temo dificilmente aceitivel, porém muito comum, é 0 de misica computacional (computer music). ‘Trata-se de um fetichismo quanto 203 meios teenolégicos: quando o computador surge como possibilidade inovadora na geragio eletrénica, sintética, dos sons, principalmente a partir dos anos 60, firmando-se como recurso promissor da composi¢ao, surgem ‘varias composigées realizadas exclusivamente por sintese computacional Via de regra, tratava-se de obras de certo interesse historico, porém de limitadissimas concopg%es musicais. Como quer que seja, o computador pouse a pouce ampliow seus raios de ago, aubstituindo intimoros aparelhoe periféricos, de forma que, hoje, quase toild trabalho de elaboragao em cstidio fica a cargo dos programas computacionais de sintese ou de tratamento. Se historicamente existia certo sentido em se falar de musica “computacional”, 0 termo, atualmente, ni se sustenta mais. Uma vez que tudo ou quase tudo ¢ viabilizado por computadores, para que utilizar-se do termo? A rigor, ndo ha mais diferenga ou distingdo, pois, entre musica c’letroaciistica e miisica computacional A misica eletroactstica no Brasil A histéria da miisica eletroacistica ja conta com mais de 50 anos. E, para surpresa de muitos, ela também nio € assim tio jovem entre nbs Drasileiros, pois que a primeira peca eletroacistica realizada por um de nossos ‘compositores, Reginaldo Carvalho, data de 1956 e intitula-se Sibemol. No inicio dos anos 60, o papel de Jorge Antunes no pode ser negligenciado: foi um pioneiro no uso de recursos eletrSnicos e na propagasao da misica conereta ¢ sobretudo genuinamente eletrénica. Mais tarde um pouco, ‘uruguaio radicado no Brasil, Conrado Silva, desempenha importante papel de difusio da misica eletroacistica no nosso pats. Entrotanto, apesar dos esforgos individuais dessas pessoas, as quais ‘devemos as primeiras obras de miisica eletroacistica de nosso repertério, nunca se conseguiu, de fato, um apoio institucional de nivel profissional que possibilitasse a instalagdo de um estiidio de miisica cletrosciistica de nivel intemacional, voltado & pesquisa na area ¢ atuante, sobretudo, em ambito universitirio, Conviveu-se, por vontade, por forga das circunstancias ou por ‘acaso, com 0 que Antunes definira outrora como a “estética da precariedade”. 0 Studio PANaroma Essa historia muda em julho de 1994, data em que fundo o Studio PANaroma de Misiea Bletroactstien, primeiramente através de wm com cnire a terceira maior Universidade bresileira, @ Unesp - Universidade ‘QUE VOCE PRECISA SABER SOBRE A MUSICA ELETHOACUSTICN 2 Estadual Paulista Jilio de Mesquita -, e tradicional Faculdade Santa ‘Marcelina (FASM), fundada em Sdo Paulo em 1929, e, a partir de 2001, ‘como centro de pesquisa auténomo da Unesp. A partir de entdo, a misica cletroactistica realizada no Brasil decola e diversos centros universitarios, ‘em parte espelhando-se ema nossa iniciativa, procuram instituir seus proprios cstiidios: assim o foi com a PUC-SP (que ja possuia um centro de pesquisas sonoras, porém sem aplicagio compasicional), com a Unicamp, USP, UFRJ, ‘Universidade Estadnal de Londeina, UFMG etc. A frente do Studio PANaroma, puclemos dar infcio e prusseguimienlo & wiganizagso das edicées do Cimesp (Concurso Intemacional de Miisica Eletroactistica de So Paulo), da Bimesp (Bicnal Internacional de Massica Eletroaciistica de Sdo Paulo) - eventos que ji fazem parte do calendério obrigatério de grande parte da comunidade eletroacistica intemacional -, dos CDs Miisica Maximalista, além de muitas ‘outras atividades (concertos, masterclasses, visitas de Picsre Boulez.c outros, ‘publicagio de livres ete.) Por fim, em julho de 2002 foi entdo possivel fiundarmos, com expressivo apoio da Papesp Fundagao de Amparo a Pesquisa do Estado de Sio Paulo), a primeira orquestra de ato-falantes do Brasil. Trata- se do PUTS: PANaroma/Unesp ~ Teatro Sonoro. Seri a primeira vez que se dlispe, no Brasil, de um arsenal tecnolégico concebido para ¢ destinado exclusivamente a difusio eletroactstica, acusmitica ou mista, £ mais uma contribuigao para que se abrarm defintivamenteas vias, sem qualquer concessio técnica ou estética, para a experimentago de uma nova eseuta, Esperemos ‘que esse caminho seja ireversivel! Referéncias bibliograficas MENEZES, FLO, Misica eletoaciistica: histéria ¢ estéticas. $i0 Paulo: Edusp, ‘agosto de 1996, 288 p., em grande formato. Antologia de textos sobre a misica eletroactstca, taduzidos do alemo, fiancé, inglés e italiano (com notas eritieas), apresentadas ¢ selecionades por Flo ‘Menezes. Textasde: F. Menezes, Russolo,E. Varése, K. Stockhausen, P. Boulez, |W. Meyer-Eppler, H. Pousseut, E. Krenek, H. Eimert, B, Madema, L. Berio, GM. Koenig, P. Schaefer, J.-C. Risse, J. Chowning, C. Dabihaus, P. Manoury. ‘Volume acompantado de CD com obras de: Koenig, Ligeti, Schaeffer, Berio, Pousseus, Risset, Mannis © Menezes, e com libreto bilingle (portuguéstinglés) ‘escrito por Flo Menezes, (Trabalho realizado em 1993-1994). Encomenda via Internet: hup:/wuw.usp beiedusp/livos/ivro127-htm, “Atualidade esttica da misica eletroacistica, Sto Paulo: FEU - Fusdagio Falitora da Unesp, 1998, 119 p., em grande formato. Acompanhado de CD © suas pariras. A obra (tese de livre-docéneia defendida em 1995) discute os principais aspectos estéticos da riage eletroucistca. % FLO MENEZES MENEZES, FLO. 4 actstica musical em palavrase sons, So Paulo: Atelié Editorial Fapesp, 2004. Livro acompanhado de GD sobre os prinelpivs da setstica, suas aplicagdes na composiso musieal e sobre canccitos da miisicacletroaciistica. Discografia Série de CDs do Studio PANaroma - Miisica Maximalista Todlos 0s CDs do Studio PANaroma podem ser adquiridos diretamente no estidio ou via Intemet através do site dalectronic Music Foundation de Nova York: wwwemf.org. + Vol. 1: Flo Menezes — Electroacoustic Music Realized in Germam aly and Brazil 1986-1995, Obras/Works: Parcours de I" Entité Contextures I (Hommage a Berio), Contesture II - tempi reali, tempo virmale; PAN: laceramento della parola (Omaggio a Trotskji); Projils écartelés; Words in transgress. Ano: 1996. + Vol.2: 1 Cimesp 1995 (Concurso Internacional de Miisica Eletroaciistica de Sao Paulo) Works by P. Koonce, H. Tutschku, E. Anderson, [. Dusman, L. Nazirio, and C. Aguiar. Ano: 1996, + Vol. 3: Studio PANaroma ~ Works 1994/97, Works by F. Menezes, F Zampronha, F. Gorodski, 1. de Campos, S. Kafejian ete. Ano: 1998, + Vol. 4: 11 Cimesp 1997 ~ Works by G. Gobeil, P. Stollery, C. Aguiat, P- Batchelor, I. Kalantzis and R. Ollertz. Ano: 1998. + Vol. 5: Fio Menezes — InteragSes/Interactions. Obras / Works: Atlas Folisipelis; A dialética da praia; Contesture IV ~ Monterverdi

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