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CONSTANTES E LINHAS DE FORCA DA HISTORIA DIPLOMATICA PORTUGUESA ESTUDO DE GEOPOLITICA. Jorge Borges de Macedo Profestor da Universidade Cléssica de Lisboa © da. Universidede Catélica Portuguese CONSTANTES E LINHAS DE FORGA DA HISTORIA DIPLOMATICA PORTUGUESA ESTUDO DE GEOPOLITICA 7 —Europa: uma geopelitica de Nagées © conceito do equilibrio dos estados envolve um processo histérico com sentido. Implica a constituigio de hegemonias vidveis, poténcias com recursos dirigidos para a concentracdo de capacidades de coordena- fo, hierarquia dos interesses € oportunidades. Isto é, diplomacia. Esta polariza a experiéncia europeia, ajustada a cada estado; é uma das formas da acgio politica pelas quais essa mesma Europa, além de se constituir, se diversifica, © conceito de equilibrio tem sido aplicado a diferentes dimensdes ‘geogréficas. Dentro de uma pequena rea, orientou grande parte da Guerra do Peloponeso, tanto do lado dos atenienses como dos espartanos. J4 nas Guerras Pinicas, a primazia das nacGes foi substituida por uma concep- ‘eGo onde 0 equilfbrio de forcas visava a ocupacdo das éreas de incidéncia mais significativas, mas desinteressada da colaborago dos povos que as habitavam. Eram, sobretudo, tropas romanas, ou os quadros ptinicos comandantes dos mercendrios, quem actuava nos lugares necessérios. E de- pois da vit6ria, na realidade, Roma nfo se preocupou—dado o seu plano imperial —em criar poténcias compensadoras. Pelo contrério, preocupava-se muito mais em climinar quaisquer poténcias dessa natureza, substituin- do-as. As areas essenciais eram procuradas ¢ aproveitadas, dentro de um conceito de efectivos militares e ndo pelo apoio da populagio, decerto muito alterével ¢ naturalmente perigoso. Em virtude dessa perspectiva estratégica que evitava a colaboracdo de aliados dotados de meios pré- prios, depois da derrota de Anfbal (¢ os cartagineses no tinham seguido orientago muito difererte), frente aos romanos, s6 havia poténcias locais cuja capacidade de intervencdo, fora da sua rea, era demasiado restrita. A orientacéo romana, como estratégia, era perfeitamente calculada; além disso, resultava eficaz, pois ia ao encontro da tecnologia militar e das limitadas possibilidades das vias de comunicagio. u NAGAO E DEFESA Com 0 Impéric a orientagdo ndo se alterou, uma vez que 0 objectivo era, sobretudo, a integragdo das populagdes na Pax Romana ¢ no o seu desenvolvimento auténomo. A procura de apoios regionais voltou, porém, a surgir, logo que essa integracdo se revelou impossivel. E assim, ainda no Impétio € dentro das suas fronteiras, os «povos» comecaram, desde cedo, a revelar a sua importincia regional, como superior & pressfio central, © com possibilidade, portanto, de fomentar o seu proprio desen- volvimento. Foi o que se verificou no final da dinastia» dos Augustos com ‘a subida ao poder dos Flavios. E no século III 4.C. a crise jé foi mais do Império do que das regies que o constitufam. De qualquer modo, a experiéncia politica militar de Roma no era a ponderagdo dos poderes mas a posse das reas complementares por uma estrutura, em que se solientava o exército, apoiado num sistema de estradas ¢ na unidade da Ici e da lingua que sujeitava todas as regiées ao projecto de uma orien- taco central. Quando 20 Império Romano sucedeu uma Europa mais extensa, dida em Greas soberanas, a necessidade de ponderar equilfbrios tornow-se mais caracteristica no sentido de ir ao encontro e atenuar os efeitos dos confrontos hegeménicos: tinha-se tornado impossivel restabelecer uma di- recgo unitéria ¢ centralizada. Carlos Magno concebeu, de algum modo, ‘a unidade europeia e cristd, frente ao mundo maometano, mas tratava-se mais de uma afirmagio de solidariedade do que de uma organizagdo efec- tiva e interveniente para o conjunto do territério. A inevitavel divisio do seu império (843) representava a criagéo da Alemanha, da Franga e de uma zona intermédia da Suiga & Bélgica actuais (a chamada Lota: ringia). Definiram-se, assim, na Europa Central e Ocidental, as principais zonas de hegemonia coerente, Acrescentava-se-Ihe a Italia papal e a Lom- bardia, assim como a parte cristi da Espanha. As responsabilidades com- plementares europeias na Peninsula Ibérica, no Béltico © no Préximo Oriente levaram a criagio de um conceito geopolitico de complementa- ridade, nfo-militar, como a romana, mas geografica e politica, assim como religiosa, Linguistica e até tecnol6gica. A mitua compensacéo dos elemen- tos do conjunto comecava a exprimir-se através do papel dos povos que ‘ocupavam ¢ eram dotados de «vida» propria. Esta tendéncia que j@ se advinhava pela divisio do Império Romano em Ocidental ¢ Oriental ¢ pela criagio de formas regionais de responsabilidade governativa, forta- leceu-se com 0 feudalismo e 0 senhorialismo. 2 CONSTANTES E LINHAS DE FORGA DA HISTORIA DIPLOMATICA PORTUGUESA Assim, a Europa comecou por constituir uma das trés zonas do mundo ocidental. Ao lado do dominio mugulmano ¢ do dominio bizan- tino, estava a que praticava, simultaneamente, 0 governo regional ¢ a obediéncia ao Papa: a Europa, Mas mio hé divida que cada uma dessas Zonas passou a ter, no seu interior, além dos seus recursos materiais, a sua perspectiva espiritual € artistica, sistema politico, condigées de defesa, rede de comunicacées, recursos para 0 equilibrio compensador, de acordo com a natureza geogréfica ¢ a capacidade estratégica para conter inva- ses, ou ataques armados, Carlos Magno, quendo conquistou a Saxénia, realizou a unificagdo da Europa. Fé-lo segundo uma unidade eclesial, concebida dentro de um sistema complementar onde as areas especificas menores se integravam is complexas. Foram estas que prevaleceram. Num processo s econdmicas, sociais e étnicas se integravam nos recur- sos de defesa e de comunicagdes, mantinha-se a coeréncia minima para a sobrevivéncia uni , confluente nas forcas sociais, polt- ticas e religiosas que apoiavam a liga¢do responsével a um nivel de Estado ‘mais amplo. Este intervinha, em caso de perigo para 0 conjunto. Solucio com vantagens conjunturais: levou a defesa € consequente reconstituigo das diferentes reas regionais que, agrupadas, davam aos estados que as compreendiam um prircipio de unidade, através da complementaridade dos recursos acessiveis. Os feudos, no estatuto juridico que dai nasceu, eram constituidos, nos casos tipicos, quase sempre por areas com razées locais de unidade, integradas na hierarquia dos poderes, no caminho pos: vel para 0 estado, Quando essas razées regionais como as comunicagées, produgdes, etnias, ete. tendiam a permitir a auto-subsisténcia e esses recur- sos se revelavam capazts de permitir no sé uma administragao interna eficaz, como capacidade de resolver o confronto com outras reas ¢ entre os diferentes componenies do feudo ou do senhorio, podia estar & vista a independéncia politics. Foi esta situago que deu vida politica a uma série de conjuntos locais constituidos por regides (as vezes estados) que, sem viverem isoladas uma das outras, se apoiavam entre si por exigéncias 86 importantes em situagdo de guerra ou invasio. Acabaram por cons- tituir unidades estéveis com nexos militares, politicos, religiosos ¢ fami liares. A Peninsula Tbérica, 0 Mar do Norte, 0 Império alemio, 0 Reino Franco, 0 Reino Lombardo, a Italia Papal, 0 Mar Adriético consti- ‘tujam, mais ou menos, conjuntos complementares. Eram, porém, estra- 2B NAGAO E DEFESA tegicamente solidérios: a seguranga dos seus componentes tinha de ter em conta as diversas areas estratégicas internas que as outras regides inte- gravam, Logo que as diferentes grandes zonas se estabilizaram, defini- ram-se disponibilidades estratégicas de maior solicitagio. Daf resultou, pri- meiro que tudo, um melhor «conhecimento» do conjunto, na medida em que as comunicacdes 0 permitiam. Do mesmo modo, se encadeavam os conjuntos regionais. Assim, a Europa do Mar do Norte ia ligar-se com as Itélias € a Peninsula Ibérica, a Europa Central definia-se até aos Bales, com 0 Império alem&o e até ao Béltico, com suas cidades livres. No século XIV, com o enfraquecimento do Império Bizantino, o aparecimento do Império Turco € 0s confrontos conhecidos pela designa- Go de Guerra dos 100 Anos, surgiu a proposta da formacdo de grandes estados para garantia da paz regional. O final do feudalismo no faz. mais do que exprimir 0 progressivo enfraquecimento das pequenas Areas perante esses. grandes estados. Blas deixam de poder participar, com vantagem, nas essenciais fungdes de defesa ¢ seguranga ¢ vaio, por isso, disciplinar-se em conjuntos de maior unidade politica. Tornaram-se mais eficazes para aquelas fungdes os grandes estados territoriais, dotados de estrutura admi. nistrativa © repressiva, Daf resultou, complementarmente, a constituigao de diferentes territ6rios unificados em Estado que se contrapunham aos outros ¢ eram dotados de idéntica eficdcia relativa No século XVI, as linhas de comunicagéo firmam-se melhor, ¢ a destocacdo dos exércitos ficou mais facilitada, quer por mar, quer por rio, quer por terra. A presenga da Espanha no Mar do Norte, a tenta- tiva de transferéncia do poderio turco do Mediterrdneo oriental para o ocidental, 0 aproveitamento estratégico da Suiga e das vias de comunica- so entre a Italia do Norte ¢ a Flandres apontam-nos para uma situagdo diversa da que caracterizava o século XIV. Desenhava-se, definitivamente, a Europa moderna das reas em equilibrio, Nela, as diferentes regides s6 tinham forga decisiva quando apoiadas pelos grandes estados. Estes cha- ‘mavam a si a cobertura das areas fronteirigas, impondo responsabilidades de intervengdo ou defesa, dentro dos mecanismos de transportes e das condigées técnicas dos recursos militares da época. Deste modo, inter- vinham na seguranya geral, demonstrando a sua «utilidade» e por af os seus direitos. Eram os grandes estados quem decidia da Europa ¢ quem concedia proteccdo as dreas acessorias. Foi o que se verificou com Fran- cisco I da Franga ¢ Carlos V, imperador da Alemanha e rei da Espanha: 4 CONSTANTES E LINHAS DE FORCA DA HISTORIA DIPLOMATICA PORTUGUESA 0s grandes estados apciavam as pequenas regides e nio deixavam que elas fossem ocupadas pelos seus potenciais inimigos. Mas, sozinhas, as pequenas regides pouco podiam fazer com algum significado na defesa geral. A forca do grande estado era decisiva. © 6 referido aperfeigoamento das armas individuais e 0 seu rendi- ‘mento mais clevado quando sujeito a uma disciplina de tiro (tendo, como consequéncia, a disciplina dos militares), juntamente com as facilidades de transporte (cavalaria, airelados, carros, dorso de animal, sistema fluvial, navios de longo curso, menor peso das armas, etc.) acelerou um movi- mento politico € social em sentido contrério ao que se definiu no sé- culo XVI. Félo sob dois aspectos complementares: aumento muito as pos bilidades aut6nomas das areas regionais para a estratégia da sua defesa ¢ intervengdo no conjurto, passando a dispor de forgas mais clevadas para tacar, defender e policiar. As pequenas regides estratégicas passaram poder defender-se sozinhas. O preco politico, militar, social e financeiro do seu apoio aumentou, portanto, consideravelmente, Daqui derivaram, primeiro que tudo, acertos nos equilibrios regionais, projectando-se no conjunto europeu (de que as guerras de Itélia so 0 exemplo mais fla- grante). Assim se alterou também o proprio conceito de «regio» que passou a fazer-se sobre uma hierarquia de areas de equilibrio, segundo a maior ou menor importancia dos lugares onde a sua intervengGo podia ser decisiva. E como o nivel de civilizagio das populagdes europeias apresentava boa qualidade tecnol6gica ¢ boa capacidade de aprendizagem e utilizacdo das armas individuais, nifo era fécil conceber-se na Europa do século XVI um império dominante do tipo do Império Romano. Este modelo no podia voltar a ser uma realidade. O mais provavel destino politico da Europa seria a constituigdo de um estado hegeménico, coordenando re- sibes essenciais que, postas em complemento, participavam dessa hegemo- nia alcangada, Esta titima, no entanto, néo podia eliminar os poten- ciais estados que a viriam a contestar: Carlos V péde vencer mas no eliminar Francisco 1 Esta situagio colocava a Espanha, com o seu conjunto de regiées dis- pares, na Peninsula, no largo Oceano e no Mar do Norte, em conotacdo com a Austria. Na Europa, as regides ligadas politicamente & Espanha eram a Flandres, a Itélia do Norte, Portugal ¢ a faixa que assegurava 5 NAGAO E DEFESA estrategicamente as comunicagdes entre 0 Norte da Italia ¢ a Europa do Norte. A Austria dispunha da hegemonia na Alemanha—potencial ou efectiva—da presenca na Hungria, na Boémia, até aos Balcis. Conjunto importante ¢ sugestivo de regides, tinha a desafidla a Franca, ameagada de ser subalternizaca por falta de influéncia na Frandres, na Alemanha, na Itélia ¢ no Mediterraneo. Nao era facil vencé-la, isto é, nio era fécil colocé-la na depencéncia. Tratava-se de um conjunto de territ6rios rico, com alguma experiéncia do desenvolvimento dentro da mesma unidade politica © coesa pelas ameacas externas. Ja assim se tinha defendido na Guerra dos 100 Anos, nos séculos XIV e XV ¢ fora essa experiéncia que se consolidava no centralismo de Luis XI. E se 0 conjunto francés viesse a enfraquecer, cada uma das partes seria aproveitada pelos vizinhos vidos e menos ricos, sem vantagem para os vencidos, evidentemente Daf que a resisténcia francesa A descentralizagio tinha antecedentes his- t6ricos e a sua unidade tinha fungéo piblica. Do mesmo modo, a sua resisténcia & Espanha ¢ & Austria tinha prestigio europeu: se a Franca fosse vencida quem «segurariay a Espanha? © Oceano Atlintico era uma zona politicamente nova, mesmo depois da descoberta das linhas atlanticas, da América do Sul ¢ do caminho mari- timo para a India. Como func&o de equilfbrio, até meados do século XVI, tinham papel efectivo as Areas marginais, quase s6 do Nar do Norte. Os primeiros a dar ao Mar Oceano uma funcdo no equilibrio europeu foram, como se dise atras, os portugueses, quando D. Joo If the atri- buiu um papel decisive na sua politica externa, frente & Espanha. Foi D. Jodo I quem definiu um poder maritimo criado pelo espago demar- cado pelas Ilhas, a costa de Africa e a rota da Mina: daf retirava influén- cia e capacidade de pressio internacional. No principio do século XVII, a preocupagdo de duas poténcias em criar o poder maritimo—a Gra- -Bretanha € a Holanda—continuava a trazer-lhes, por parte do Mar Oceano, pouco peso para intervir no equilibrio curopeu. O poder maritimo, em rigor, s6 decidia pela proximidade em que aquelas poténcias estavam da Franca, ou seja, pela sua influéncia possivel sobre o Reino, o Escalda, a Mancha. Nao era isso que sucedia com Portugal para quem o Atlin- tico era essencial, frente a Espanha, na Peninsula Tbérica, Contudo, mesmo aqui esta possibilidade de alterar 0 equilibrio s6 tinha viabilidade quando integrada no amplo, complexo, quadro das relagies europeias propriamente ditas, Esquecé-lo, equivaleria a nfo poder defender a independéncia. 16 CONSTANTES E LINHAS DE FORCA DA HISTORIA DIPLOMATICA PORTUGUESA Portando, agora, no terceiro quartel do século XVI, a luta radical era entre a Franca (aliada & Suécia) ¢ a Espanta, aliada & Austria, Nessa luta se insere a independéncia de Portugal, tanto no seu restabelecimento como na sua manutencio. Para isso impunha-se reconquistar, ou voltar a aproveitar as potencialidades do Mar Oceano, interpretadas dentro das solicitagées europeias. A presenca portuguesa nas controvérsias da Europa Central s6 0 podia dividir ou enfraquecer. Era a ligo a tirar, em face das reunides para a paz da Westfalia. E D. Jodo IV tirow-a. 8—A Nacio, premissa essencial Quase exactamente dois anos depois da revolugdo portuguesa, morria © cardeal de Richelieu, ccorrendo, meses mais tarde, a morte de Luis XIII. Pela mesma altura, em Espanha, caia em desgraga o condeluque de Oli vares, A Gri-Bretanha, envolvida numa longa e complexa guerra civil, desinteressava-se, por algum tempo, das questées europeias, enquanto os suecos entravam na fase final da execugéo do seu plano para a hegemo- nia do Baltico, j& se comecando a desenhar as suas ambigdes sobre a propria Alemanha, Nesta confluéncia de perspectivas e “oportunidades, 0s franceses conquistam o Rossilhio ¢ as tropas espanholas sio esmagadas em Rocroi (1643). Meses depois, também, 0s portugueses alcangavam em Montijo (1644) a sua primeira vit6ria, em batalha campal, na guerra da Restaurago, Nesse mesmo ano, abrem-se as negociagées de paz nas cida- des renanas de Minster e Osnabriick, pelas narticipando todas as. potén- cias, naquele momento, em guerra, na Europa. Assim se encerra todo ‘um perfodo das lutas europeias. Pode analisar-se, sob muitas formas, esse «congresso» cujas reunises se desenvolveram nas cidades de Minster ¢ Osnabriick. Uma coisa, no entanto, é certa: ao lado dos esforgos das grandes poténcias, 0 congresso evela a nova necessidad> que estas tém dos pequenos estados e as virtua- lidades pacificadoras desces tltimos, quando Ihes é entregue 0 encargo de administrar regies controversas que ficam, assim, fora do dominio di- recto das grandes poténcias. Nao podia deixar de verificarse que s6 se chegou @ paz possivel ra Europa Central, porque foi esse o sistema af aplicado. E no se alcangou 2 paz com a Espanha porque as nagdes com forca ¢ viabilidade necesséria para fungdes semelhantes nfo as quis aceitar a Espanha: recusou concordar com a independéneia da Catalunha ‘ou com o restabelecimento do reino de Portugal. Decerto que a Franca ” NAGAO E DEFESA nfo procedia por concordincia moral com o principio, mas nisso esté, precisamente, a prova da importéncia que as Nagdes passaram a ter como arma estratégica na politica internacional: se assim nfo fosse, a Franca, essencialmente realista, em politica, decerto néo teria explorado a situa- cdo que tinha os seus riscos. Deve ainda dizer-se que a Austria aceitou © principio das nacionalidades—como mais tarde veio a ser chamado— porque na sua hiséria ele & fungdo e critério inevitével, na montagem do seu estado federal imperial. Nele se tentavam conciliar, numa coopera- gio centralizada, militar ¢ diplomética, as diferentes comunidades que constitufam o Império, onde ressaltam nacionalidades maduras como a Boémia ¢ a Hungtia e areas resistentes como o Tirol. Todas aquelas re- ‘gides se encontravam reunidas na segura consciéncia da ameaa a que todos estavam sujeitos: 0 perigo turco. Com esses antecedentes ¢ 0 exer- cicio de convivéncia das nacionalidades que daf resultava, a Austria podia, portanto, conceber a esperanca que esse principio acabasse por suscitar uma nova unidade federal, logo que surgisse uma oportunidade aproveitével pelo Império. Em qualquer caso, 0 Congresso de Miinster € Osnabriick s6 trouxe alguma seguranga enquanto o confronto pacifico das grandes poténcias funcionou dentro de uma cobertura de pequenos ‘estados com capacidade ¢ responsabilidade de compensac&o em diferentes reas estratégicas. As grandes poténcias puderam assim adiar conflitos, de outro modo nio s6 inevitivels como de incalculéveis consequéncias. Pela primeira vez, na histéria da Europa cristi ¢ depois da perda da uunidade papal que resultou dos movimentos de reforma religiosa, se vis- lumbrou a paz para uma ampla rea do mundo europeu, apelando para © principio das negées, como forma coordenadora dos espacos politicos. E nfo € por acaso que a sua aplicagio se verificou na Europa Central. B uma das glérias da civilizacdo europeia do tempo o tipo de estado constitufdo pela dinastia dos Habsburgos a que se chamou Austria, face as estruturas estaduais da Riissia, j4 dos Romanov, ¢ da Turquia. As pe- quenas civilizagées da Europa Central tinham-se mantido dentro do Impé- rio com toda a pajanga da sua lingua e da sua arte, com toda a vita- lidade das suas virtudes militares ¢ politicas. Para isso, decerto contribuiu ‘a ameaga de inimigo externo, o turco, Mas néo ha divida que, nessa ampla area europzia, o principio da responsabilidade das nagdes, como tais, nunca perdeu audiéncia, nem eficécia, 8 CONSTANTES E LINHAS DE FORCA DA HISTORIA DIPLOMATICA PORTUGUESA Caracteristica que nfo é secundéria, Numa altura em que a vida na Europa Central se encontrava depauperada, ¢ dificil, retoma forga ou audiéncia voltando a aplicar o critério essencial seguido na Europa, desde 0s Carolingios, nas relagées internacionais: as grandes poténcias so neces- sérias, quando hé uma ameaga extra-curopeia que as justifique. O vigor da Europa, porém, resulta dos estados constituidos por nagées ou pela unido voluntéria de regides comprometidas na seguranca do conjunto. Na Europa, a regra para a forca do todo, na unidade possivel, é a Nacdo ou a unio voluntéria de NagGes. Tolhe ou precariza esta regra a cons- tituigéo de Grandes Impérios, quaisquer que sejam. Sé em fungGo dela € que se pode organizar um equilibrio defensor da Europa, mesmo que conduza também a impossibilidade de hegemonia exclusiva de um qual- quer grande estado europeu, porque este nunca consegue retirar ao estado rival a capacidade de negociar as resisténcias necessérias para se manter como alternativa possivel. © Império Romano constituiu uma entidade politica sem alternativa externa imediata. Mas quando desapareceu, como Império, deixou um conjunto de estados diversos que adquiriram alguma unidade politica frente 0 perigo maometano. Ao mesmo tempo, desenvolveram e exploraram uum critério de unidade espiritual através do Cristianismo, com importantes consequéncias nos principios do Estado, com o feudalismo, na Europa Ocidental © Central © 0 senhorialismo na Peninsula Ibérica. Assim per- iu um sistema de Nagdes, dentro das condigdes tecnolégicas de trans- portes © comunicagées que favoreciam a pequena Area, No entanto, logo que se verificou a comstituigéo dos grandes estados modernos, reapare- ceram os seus grandes projectos de hegemonia que Ihe so inerentes. Em consequéncia, constituiram-se, para a enfrentar, uma série de pequenos ¢ médios estados, cuja disposigio estratégica dava viabilidade ao desenvolvi- mento particular de cada um, sem que as hegemonias projectadas os pudes- sem destruir ou substituir. Foi o poder das pequenas nacionalidades que, por um lado, impediu a existéncia de grandes impérios europeus e, por outro, se exprimiu no particularismo regional com responsabilidade poli- tica. E assim se manteve até & Revolugéo Francesa. Esta, depois de se ter exercitado em desmantelar as grandes regides da Franca, substituindo-as pelos departamentos, tentou, com Napoledo, fazer o mesmo a Europa, apoiando-se numa nova conjuntura tecnolégica ¢ politica, Mas a resisténcia francesa e europeia foi peremptéria e definitiva e afastou o perigo do » NAGAO E-DEFESA monopélio hegeménico de Napoledo até aos sonhos imperiais do século XX. Por outras palavras, na Europa, os grandes estados 36 existem quando apresentam uma justificagio pablica geral. Na Europa, o Império s6 tem sido destino quando exerce uma funcdo superior aos interesses particulares do estado que o articula. Mundo proprio ¢ sugestivo, equilibrado € rico, esse da Europa Cen- tral a estender-se para a zona oriental. Seria nele possivel qualquer hege- monia que nfo a austriaca? Até ao século XIX, a Alemanha vai viver dessa impossibilidade, oscilando no equilibrio dos pequenos compromissos locais. No entanto, @ Suécia, a Polonia, a Russia e a Turquia, poténcias marginais cuja vulpina colaborago ou ameaga parecia trazer novos meios para tentar alterar em seu beneficio esse equilfbrio alemio, nao lograram realizar a empresa: a Alemanha ou seria alema ou austriaca, Dotadas de vias de pressio proprias, aquelas novas zonas tinham, por sua vez, tam- bém, problemas de equilibrio na Grea béltica e oriental e néo dispunham ainda de grandes meios para chegar directamente a outras areas. A Riis- sia, no seu encaminhamento para a Sibéria, procurava compensar-se das dificuldades imediatas na Europa Continental. A Turquia circunscrevia-se aos Bales, esperendo oportunidades que nunca ‘chegaram. Uma habil ‘combinasio entre 0 comando central € a vitalidade das nacionalidades ameacadas deram 4 Polénia e & Austria condi¢des para, no essencial, se oporem a Turquia. A Austria tinha bem a consciéncia disso, ao estabe- lecer um regime de poder central para a vida diplomética e militar e de autonomia administrative, econémica ¢ cultural para as nacGes das Areas ameagadas. Por detrés dos grandes estados, quem tinha a palavra, no século XVII, eram as nagdes. 9—A particularidede atlintica Nio deixava de existir © de se viver, em tudo isto, um conceito de situagdo ¢ de cultura europeias. Sé que ndo era ponderada com as mesmas forsas a Oriente, ro Mar do Norte, no Mediterréneo ou no Altantico, as quatro zonas de equilibrio que se podiam estabelecer na Europa, Dentro desta tiltima particularidade, Portugal retomou, no século XVII, capacidade de intervenco europeia. A sua independéncia politica em relago & Espa- 20 CONSTANTES E_LINHAS DE FORGA DA HISTORIA DIPLOMATICA PORTUGUESA nnha constituia a base para o estabelecimento de uma alternativa atlan- tica diversa da que se ordenava em torno do sistema filipino. Mas € um erro propositado dizerse que essa funcdo internacional da independéncia portuguesa foi aproveitada a partir de um escasso interesse dos portugueses por um estado proprio, Sucedeu, exactamente, 0 contrario: s6 se vislumbrou viabilidade & fungio internacional de Portugal atléntico © independente porque a sua capacidade nacional de defesa era ponderavel e eficiente. Nos primeiros anos a seguir A Revolugio do 1.2 de Dezembro, o Atlantico foi sobretudo uma via de acesso para os auxilios necessérios: afinal, a primeira confirmago das suas potencialidades na nova conjuntura. Mas, com a abertura do Congresso de Miinster ¢ Osnabriick, as miudezas ddas questdes europeias revelaram-se uma preciosa adverténcia para a poli- tica externa portuguesa: esta s6 por circunstancias de ocasiio—como, naturalmente, a que decorria—podia fazer depender a independéncia na- ional de um mundo to diverso do seu, ou de forcas cujo célculo de avaliagdo Ihe apatecia to estranho ou indiferente, como era 0 caso da Europa Central ¢ do Mar do Norte. Portugal, para se defender dentro do equilfbrio europeu—e no havia outra via—tinha de encontrar a dea ‘onde, por direito ou recursos préprios, podia manter a iniciativa da sua intervencao. Em todas as Greas europeias se verificava a mesma tendéncia para 5 equilibrios regionais, o que pode considerar-se uma forma de estraté da época. Com efeito, em todas as areas se verificava a preocupagdo em ir buscar recursos a outros Iugares para se defender dos desequilibrios especificos a cada um dos conjuntos. Mas era indispensével que os recur- sos fossem reais, ou seja susceptiveis de megociagdo efectiva. Para Por- tugal, essas condigdes existiam no Atlantico, em caso algum na Europa Central, onde 0 nosso pais no passava de uma remotissima regifio. E levar Portugal para os problemas da Europa Central, sé Ihe aumentava os encargos, sem Ihe resolver problema algum. Em rigor, era ir buscar a Franga para o lugar onde estava a Espanha. A resposta portuguesa s6 podia ser, pois, a de aproveitar os antegonismos europeus, no Atlantico. Era essa a Grea onde a independéncia nacional tinha intervengio eficaz € foi essa circunstincia que interessou a Richelieu. Foi ela que, de uma forma cada vez mais clara, serviu de guia a Portugal para articular a sua politica externa: dar & Europa a noc&o da capacidade da intervencéo atlantica de Portugal e combater, na mesma Europa, a intransigéncia espa- a hola acerca dessa mesma argumentagio. Portugal era europeu, sim, mas ndo da Europa Central Portugal exerce no Atlético uma fungio europeia. Af, nessa frea dos seus interesses, se insere a defesa de um equilfbrio necessério & sua sobrevivéncia. A acco dos turcos na Europa Oriental exigia uma acgdo complementar no Mediterraneo. E a posigio espanhola na Lombardia obrigava ao apoio da Flandres. O esforgo de Richelieu para recuperar 0 Franco-Condado implicava 0 enfraquecimento da influéncia espanhola, na Itélia © na Flandres. A derrota da Espanha permitiria a vitéria dos seus inimigos no Rossilho, indispensdvel, por sua vez, para impedir que esta pudesse mandar reforgos para a Flandres ¢ a Lombardia. Neste contexto, fa independéncia de Portugal fixava forgas militares espanholas que tinham de ser retiradas dos teatros de operagGes jé existentes e dificultava a mo- bilidade dos navios espanhéis no Atléntico: a dinamica portuguesa de intervengdo na Europa s6 como atlantica podia ser eficaz. Os portugueses vieram a percebé-lo dramaticamente pois os acidentes do Congreso fize- ram dese facto a evidéncia mesma. Deste modo, a presenga portuguesa em Miinster ¢ Osrabriick era mais uma adverténcia, uma posico, um acto de resistencia do que uma participago com parceiros iguais. Na logica das compensagées de forcas ¢ de Areas, os recursos portugueses pouco peso ai tinham. Portanto, pouco se poderia esperar do Congresso em si mesmo. Deste modo, todo o Congresso se apercebeu que nio se estava perante Portugal, como uma nacionalidade em crise de afirmacio, mas de um estado vigilante ¢ teimoso que conhecia bem os seus interesses e lugar do seu papel no equilfbrio europeu. Esperava a ocasido para o realizar, dentro ou fora do Congresso, com a Franca, a Gra-Bretanha, ou a Suécia, mas no seu lugar préprio: o Atléntico. Quem mandava néo eram os diplomatas em Miinster € Osnabriick mas 0 Rei e 0 Conselho do Estado, em Lisboa Era afinal, umn simples tirar de consequéncias, depois dos primeiros anos de guerra ¢ dificuldades. Se a revolucdo tinha sido possivel porque a presenga exclusiva da Espanta no Atléntico tinha sido substituida por uma situago de acesso as rotas atldnticas por diferentes poténcias europeias, era indis- pensével continuar a explorar essa mesma situago que permanecia. No ‘conjunto europeu, as técnicas de transporte maritimo precisavam da auto- nomia das costas portuguesas ¢ a Espanha nfo estava cm condigées de realizar o controle do mar: impossivel voltar a veri 2 CONSTANTES E LINHAS DE FORCA DA HISTORIA DIPLOMATICA PORTUGUESA fronteiras portuguesas — maritima e terrestre — pela mesma poténcia. Nélo foram decerto s6 as exigéncias do equilibrio europeu, mas também ‘as condigdes tecnol6gicas navais que alteraram a situacdo. Mas ela era inreversivel. Portugal voltava a dispor, nas duas fronteiras, de diferentes vVizinhos © ndio dum sé, como sucedera em 1580. A fronteira maritima voltava a apresentar condigées alternativas. Esta situagdo associada a0 equilibrio europeu, a que se sobrepunha, sem dele derivar, tinha constituido © essencial das condigées internacionais para a revolugdo de 1640. As ma- obras diplométicas que se Ihe seguiram assentavam na mesma realidade insofismavel. Para defender a independéncia havia pois que permanccer na mesma fonte que tinha rermitido a Revolugdo urgente: o mar aberto ¢ neces- strio, diante da costa portuguesa. Mas tudo isso s6 era possivel, enquanto ppartisse da realidade essencial: a Nagdo portuguesa. 10—Diplomacia de guerra Os embaixadores ¢ ministros de D. Joao IV e de D. Afonso IV contribuiram tanto como os solda- dos para a manutengdo da Independéncia nacional. (Edgar Prestage, As relapdes diplomdticas de Portugal com a Franga, Inglaterra © Holanda de 1640 a 1658, tradugto de ‘Amatleu Ferraz de Carvalho, Colmbra, 1929, pég. XV) A revolugtio vitoriosa, em Lisboa, seguiu-se a sua aceitagio em todo © territério portugués. Poucos dias depois—quinta-feira, dia seis—o rei D Jodo IV entrava na cidade ¢ a 15 ai «jurou de giolhos as nossas leis. Tinha assim aceite, frontalmente, a responsabilidade de chefe da revolta, com todas as consequéncias que 0 Conde de Olivares, risonhamente, jul- gava inevitaveis: fazer de Portugal uma provincia ¢ dar mais um ducado a coroa espanhola, Para impedir esse projecto soturno, s6 havia dois cami- thos convergentes: assegurar a unidade do Rei com a Nagdo, garantir os apoios intemacionais, Interessa menos aqui analisar 0 modo como o pri- meio objectivo foi atingido, mas 0 estudo do segundo € essencial. Ao realizar a revo'ugdo, Portugal contava com o apoio francés, nas condigdes em que o negociara. Néo era decerto uma colaborago isenta de riscos, mas os portugueses tendiam, muito naturalmente, a utilizé-la, segundo 0 seu prisma de interesses exactamente como o faziam os pr6- 2B NAGAO E DEFESA prios franceses. Dispuseram-se, portanto, antes de tudo o mais, a n&o per- der esse apoio, indispensivel como era ao langamento da Revolugio. ‘A primeira vitoria dos portugueses, no ponto de vista internacional, foi terem podido levar a efeito, com as suas proprias forgas, a expulsio do governo castelhano, rapidamente ¢ com limitadas baixas, ¢ sem que se perdesse a integridade territorial. Na execugdo prética do movimento, no houve, pois, qualquer intervencao estrangeira: 0 golpe de forca foi acolhido com entusiasmo pela imensa maioria dos portugueses. Ao faze- rem-no, com o isco que isso realmente significava, esses portugueses de entio mal poderiam imaginar que a sua atitude viria, muito mais tarde, a ser dada, por alguns, como «provay da passividade nacional. ‘A manutengio da independéncia era uma tarefa ingente © exigia esfor- 0s muito diversificados. Para os canalizar, era indispensdvel que, da parte dos portugueses, houvesse uma clara perspectiva relativamente orienta- Go espanhola ¢ as possibilidades de apoio por parte dos aliados de Por- tugal, assim como das condigées que punham para o conceder. Obrigava, igualmente, a um claro conhecimento dos recursos nacionais. A vontade da independéncia dos portugueses era geral(}). Mas nfo era menos nitido que, para ela se sustentar, se impunha que Portugal dispusesse de capa- cidade € sentido militar da defesa, E esta nfo podia averiguar-se sé no ponto de vista material, como também na capacidade dos responséveis © nna disposigo dos povos(@) para a resisténcia No ponto de vista interno, era, pois, indispensével conservar a con- vergéncia da opinio piblica para a independéncia. E no ponto de vista externo, impunha-se negociar 0s apoios mais vantajosos, isto é que fos- sem concedidos com mais autonomia para Portugal. Impossivel afastar qualquer aliado, ainda que ocasional, mas no podia haver ilusio quanto & precariedade dos auxilios provaveis. E isso era vilido tanto para a Franga como para ¢ Holanda, para a Dinamarca, a Suécia ou para a Ingla- terra. E nio podia deixar de ser posto o problema da Santa Sé, acerca da qual, na conjunture europeia, o essencial para Portugal era evitar a cen- ( «Povos © ningin portuguée hubo tan contnente que supiesedisimular el ahorrecimiento ‘que tenian al gobierno de la nacién eastellanas. Parooer de um Ministto consultado sobre Ta Fecuperation de Portugal, in A. Cénovas de Castilo Estudios del Reinado de Filipe 1V, Madi, 1927, pée. 48, apud M. Lopes de Almeida, Noticias da aclamario e de outros sucesso, Colm. bra, 1940, pas. 45. ©) Povos tem, no steulo XVI, o significado de Nagéo. m4 CONSTANTES E LINHAS DE FORCA DA HISTORIA DIPLOMATICA PORTUGUESA sura pontificia, ex cathedra. Era o maximo que, na altura, podia espe- rar-se, nfo esquecendo que os espanhéis, em contrapartida, pretendiam a excomunhdo dos arebeldes», sem que nunca o tivessem conseguido, Pouco? © suficiente, quando sfo as Nagdes que decidem. Os espanhéis no estavam dispostos a perder a cobertura que o terri- t6rio portugués Ihes dava, as suas rendas, as virtualidades estratégicas que o seu dominio thes trazia para 2 guerra do Atlintico. A via para 0 con- seguirem levantava, porém, controvérsias: podiam recorrer & guerra ime- ta, ou a manobras de cunho politico, econémico e diplomético. Podiam, ainda, estimular conspiragdes ou atentados, no sentido de derrubar a nova dinastia ou eliminar 0 rei nacional. Qualquer destas trés alternativas, sem se excluirem, tinham, ndo obstante, grandes dificuldades de execugio. Para a guerra imediata, eram necessérios exércitos, naquela altura empe- nhados na Catalunha ¢ na Flandres. Além disso, nas condigées tecnol6- gicas jé referidas, teriam de travar uma guerra altamente dispendiosa, mortifera, correndo o risco de ter, para a Espanha, o resultado que jé tivera na Flandres. Na verdade, tudo indicava que os portugueses, com Poucas excepgdes, apoiavam o seu rei natural, pelo que a campanha, a desencadear-se, viria a ser extraordinariamente dificil, A certeza de uma resisténcia decidida retiaha os espanhéis de atacar Portugal, em forma, € Jevou-os a preferirem manobras dilatérias, econdmicas ou diplomaticas a deixar para segundo plano as operacdes militares. No ponto de vista diplomético, nao esqueciam, decerto, 0 efeito da téctica seguida em 1580, sob inspiragdo de Filipe II ¢ executada pelo Cardeal de Granvelle, com vista ao isolamento de Portugal. Conseguido este, tendo logrado impor a neutrais ¢ até inimigos, em negociagdes, a tese de que o problema por- tugués era um debate interno quanto a legitima sucessio no trono, puderam, entio, proceder & sua conquista, de uma forma relativa- mente facil, Na verdade, depois da derrota de Alcantara, a permanéncia de D. Anténio Prior do Crato ndo logrou levantar o Pais, em resultado, sem duivida, das precaugdes tomadas por Filipe II, com advertir as potén- cias europeias de que 0 auxilio a Portugal significava acto de guerra para com a Espanha ¢ de que quaisquer acordos com Portugal s6 seriam vi dos depois de aprovados pelo novo rei. E embora em 1640, a situagao internacional fosse outra, a Espanha queria, a todo o custo, voltar a por em prética processo idéntico, de modo a evitar os riscos de uma guerra nacional. Supunham os espanhdis que, promovendo o isolamento interna- 25 NAGAO E DEFESA cional do nosso pafs, conseguiriam obrigé-lo & rendiglo. Nessa ordem de ideas, 0 Governo espanhol fez 0 possivel por que os agentes diplométicos portugueses fossem recusados, como portugueses, nas negociagdes em curso, © que significava que estavam sujeitos ao estatuto de rebeldes. Para prova espectacular de que assim era ¢ de que nada levaria 0 Governo espanhol a alterar a sua decisic, conseguiram os espanhéis que 0 irmao de D. Jodo IV, © principe D. Duarte que servia no-Exército Imperial ¢ era considerado um bom general, Ihes fosse entregue por ter recusado aceitar a legitimi- dade de Filipe IV, como rei de Portugal. Conservaram-nos preso até & sua morte, apesar de todos os esforcos para o libertar®). Portanto, por toda a parte onde estivessem os portugueses, quaisquer que fossem, estavam sujeitos & prisio e A morte por parte dos espanhéis, Era a ‘guerra aos «rebeldesy. Nesse sentido, atacaram o enviado portugués junto do Papa, Impunhase patentear as dificuldades internacionais no exer- jo da independéncia ¢ apresentar, reciprocamente, as vantagens da ligagdo de Portugal & Espanha. Esta queria provar que, apesar das dificuldades trazidas pelos ataques holandeses (que ndo deixaram de pros- seguir depois da independéncia), os portugueses s6 entrariam na comu- nidade internacional por intermédio do Estado Espanol: precisamente (© que os portugueses recusavam. Em compensagéo, lembravam os espa- nhdis, a anterior ligagdo Espanha nao tinha impedido 0 trafego comer- cial. Ese 0s contactos internacionais depois da independéncia se reve- lavam dificeis ¢ arriscados (além de ter ficado comprometido o transporte de escravos para as possesses espanholas), a solugdo teria de ser diplo- mética e interna, com o regresso dos portugueses & coroa tinica das Espa- has, Mas de toda esta argumentagdo, os portugueses s6 tiraram a con- clusio possivel: os espanhéis néo tinham forca para uma guerra com Portugal. No plano estratégico, tendo em conta os préprios inimigos da Espa nha, na parte relativa as operagdes militares, também se compreende, nesta perspectiva, © exiguidade dos comprometimentos de fronteira, por parte dos espanhéis. Deste modo, provavam aos préprios inimigos que a independéncia po-tuguesa em nada Ihes tinha facilitado ou facilitava a situaco militar: afinal, permanecia, sem abrandar, a pressio espanhola sobre © io obstante poderem ter tido sleance os motivos spontados por Ramos Coetho para «8 sua prisio (Histéria do Infante D. Duarte, tomo 1, Lisboa, 1889, pig. 75), a raxio Savi ‘apontada deve ter sido a decisiva. 26 PORTUGUESA CONSTANTES E LINHAS DE FORCA DA HISTORIA DIPLOMATIC fas zonas no portuguesis de combate. A Espanha, segura de que Portugal no atacaria, também nao deslocava tropas para a fronteira portuguesa: era, ainda, um modo de isolar Portugal, patenteando a inutilidade da revolugéo de 1640 para as esperangas francesas relativamente ao que dela esperavam: a chamada de tropas espanholas das zonas de confronto com franceses para a tronteira portuguesa nfo se verificou. Assim como se nfo deu o abrandamento da pressio espanhola sobre a Catalunha, Portanto, para qué apoiar Portugal? ‘A esta orientagio da Espanha respondia uma téctica portuguesa que se definiu, no ano de 1661, como especialmente enérgica © diversificada. Visava aproveitar, em seu favor, as vantagens que Ihe ofereciam todos esses processos dilatérios espanh6is, sintomas, aliés, de que os seus recur- sos eram inferiores as responsabilidades. Os portugueses tinham de apro- veitar essa tictica que mio deixava de patentear a preocupagéo que 0 possante levantamento portugués tinha langado no campo espanhol. No plano pritico, Portugal pretendia 0 reconhecimento imediato da nova situago como Estado independente e demonstrar, no campo inter- nacional, a sua viabilidade. Assim, logo em Dezembro de 1640 (carta de renga, em 19 daquele més), D. Jodo TV enviou um emissério & Cata- Tunha, comunicando que os seus direitos ao trono de Portugal tinham sido restabelecidos pelo movimento do 1.* de Dezembro. Prometia, ao mesmo tempo, aos catalaes toco 0 auxilio possivel, como a propria revolucdo jé © tinha sido, uma vez que, diziam, obrigaria os espanhéis & dispersio de forcas. Pouco depois (21 de Janeiro de 1641) sai de Portugal uma embaixada para Franca no sentido de negociar uma «liga formal» ou, na nossa Tis ‘guagem diplomética contemporanea, uma espécie de tratado de assistén- cia miitua: no mesmo dia, em que isso se verifica, D. Jodo IV concede aos holandeses as liberdades de comércio de que gozavam, antes de 1580. A 2 de Fevereiro, parte outra embaixada para a Gri-Bretanha e, a 9 de Margo, outra ainda para as Provincias Unidas, com vista a negociar um acordo e adquirir armemento. De todas estas diligencias resultaram, res- pectivamente, um tratado com a Franca, umas tréguas com a Holanda ¢ © reconhecimento oficial, por parte da Gra-Bretanha (29 de Janeiro de 1642), de que a situago politica tinha inteiramente mudado em Portugal, em termos de soberania, embora, em rigor, isso ainda nfo significasse o reconhecimento da Revolucao. 7 No entanto, estes contactos diplométicos com inimigos da Espanha ou neutrais tiveram, sobretudo, um efeito muito mais significative, Puse- ram Portugal em contacto directo com as incertezas dos apoios interna- cionais ¢ aumentaram-lhe o realismo com que jé tinham conduzido as negociazées para o apoio francés ao levantamento nacional. Com efeito, as disposigées francesas revelavam-se pouco estaveis ¢ menos ainda incon- icionais, assim como no havia qualquer possibilidade de acordo geral com a Holanda que ocupava territ6rio brasileiro e atacava os portugueses em Africa e no tndico. Por sua vez, 0 auxilio inglés era, naquele mo- mento, impraticével. A partir destas condicées, Portugal desenhou uma politica externa extremamente cautelosa e realista, no sentido de evitar, tanto o isolamento projectado pela Espanha, como compromissos que envolvessem responsa- bilidades muito prolongadas ou superiores aos efectivos recursos portu- gueses. Assim, no caso da Holanda, Portugal preferiu estabelecer uma trégua, que nao envolvesse o reconhecimento das conquistas feitas pelos holandeses no Brasil ¢ em Angola (esta ultima conquistada pelos holan- deses ja depois da chegada dos delegados portugueses a Haia). A trégua com a Holanda limitavase, pois, a negociar um apoio diplomético na Europa; conseguiu, pelo menos, que a Holanda prejudicasse menos as negociagdes portugvesas com a Franca que nada faria que pudesse vir a comprometer a sua precéria colaboragdio com a Holanda. Na verdade, a Espanha, consciente da densidade potencial dos conflitos entre a Holanda Franca, fazia diversas propostas aquele pais, no sentido de ele, pelo menos, n&o conceder apoio material a D. Jodo IV. Nas primeiras negociagdes com a Franga, depois da independéncia, Portugal condicionava a sua iniciativa militar as garantias oficiais fran- cesas que eliminassem a hipétese de uma paz entre a Espanha e a Franga sem que cla obrigasse, também, ao reconhecimento dos direitos de D. Jofio TV. Mas como a Franga no estava disposta a condicionar a paz com a Espanha a qualquer outra regra que nfo fossem os seus interesses para um equilibrio na Europa do Norte (onde a Lorena, aliada da Espanha, era fortemente cobigada), que Ihe fosse favorével, nunca aceitou a condigo da «liga formal». Portanto, Portugal no empreendia quaisquer operagées militares de vulto na fronteira terrestre e s6 aceitou fazer, com a Franga, 0 bloqueio naval de Cadiz (em que os holandeses 28 CONSTANTES E_LINHAS DE FORCA DA HISTORIA DIPLOMATICA PORTUGUESA nao participaram). Foi um mero acto de boa vontade, pois o esperado Tevantamento da Andaluzia néo se verificou. Quer dizer, Portugal perante os confrontos internacionais e apesar de se encontrar numa situagdo dificil, nfo se Jangou, para sobreviver, nos bragos do conjunto de poténcias encabegado pela Franca. Pelo contrario. Calculou, ano por ano, poténcia por poténcia, regio por regiéo, qual a melhor maneira de orientar a sua politica externa, com vista a conseguir © resultado mais seguro ou menos comprometido para a sua guerra nacio- nal. Sabia que a posicfo da Franca de auxilio a Portugal era condicio- nada, muito naturalmente, pelo interesse francés. Este, na sua estratégi via, em Portugal, um elemento de pressio sobre a Espanha ¢ s6 por af uma entidade utilizavel dentro do seu esquema das relagées internacio- nais. Como tal, D. Jogo IV no estava disposto a tomar posigées que ultrapassassem, em responsabilidade, aquilo que a Franca podia assegurar. esses termos, nunca se empreenderam campanhas militares superiores 0s recursos efectivos do Pais, nesse dominio, ¢ D. Joo IV nunca acei tou tropas estrangeiras para além da capacidade portuguesa de as con- trolar, nem tomou quaisquer compromissos que no tivessem uma contra- partida vantajosa. Assim como nio esquecia a precariedade dos interesses imediatos da Franca ¢ a natureza dos compromissos desta, muito mais amplos © exigentes na Europa Central e como tais estranhos a esfera Portuguesa, Na hierarquia dos interesses franceses, os que se definiam relativamente & Holands eram, sem divida, muito mais urgentes do que 9s que pudessem envolver Portugal. As consequéncias, em Franca, da posigdo holandesa cram, para a Europa, mais importantes do que a posi- lo portuguesa, esta s6 essencial no Atliintico. Se as hostilidades da Espanha com Portugal se no desenhavam, como se disse, s6 no plano militar, a luta diplomética nfo se desenrolava 6 nas chancelarias. A posicdo diplomética portuguesa depois de 1640 enfren- tava igualmente 0 dominio ideolégico-politico. Parte importante do esforco do isolamento de Portugal (orientagéo basica na luta espanhola contra Portugal) era a apresentagdo da Revolugo de 1640 como uma insurrei- eo de stibditos contra 0 rei legitimo. Nesse sentido, a Espanha publicava muitos panfletos onde a Revolugio portuguesa era apresentada como um acto que, a ser apoiado, ou tdo-s6 tolerado, ameagava todos os reis legi- timos da Europa, A esse respeito, Portugal desenvolvia a sua defesa de duas formas diversas. Uma primeira consistia, primordialmente, em apre- 2 NAGAO E DEFESA sentar a Revolugo de 1640 como o restabelecimento (restaura¢do) dos direitos legitimos da Casa de Braganca ao trono portugués, postergados em 1580, pela forca das armas de Filipe II: este era um rei imposto; 0 legitimo direito pertencera sempre a Casa de Braganca; a desisténcia dos direitos por D. Catarina s6 podia ter sido pessoal. Uma segunda consistia em apresentar a Revolugdo portuguesa como a expressio do direito que assiste ‘a0s povos de resistirem quando so desrespeitados os seus privilégios ¢ 0 contrato deles decorrente entre governante € governados. Colocando-se na senda da doutrinago de Mariana, os portugueses alegavam que 03 espa- rnhéis tinham desrespeitado 0 acordo estabelecido nas Cortes de Tomar em 1581; em consequéncia disso, pertencia-Ihes o direito de entregarem © trono a quem, legitimamente, respeitasse os foros e privilégios do povo portugués. Decerto que esta argumentagio € incompreensivel quando 0 absolutismo é visto meramente como poder arbitrério. Mas, no modo de se entender 0 direito das gentes, nos séculos XVI ¢ XVII, no suce- dia assim. Por outro lado, depois da expulsiio de Portugal do governo espankol © da subida a0 trono de D. Jodo TV (talvez em relagio com projectos imperiais franceses), ainda que sem possibilidade de aplicacdo imediata, podia constituir-se para D. Joao IV uma alternativa perigosa, na can- didatura ao trono portugués por parte do Duque de Parma, igualmente, descendente de D, Manuel ( No campo da opinido publica europeia, o rei de Portugal tinha pois de defender os seus direitos de trés modos distintos e contra potenciais antagonistas, utilizendo diferentes argumentos. O primeiro conjunto assen tava na defesa da legitimidade dos seus direitos ao trono; o segundo dir gia-se & legitimidade do movimento nacional, como exprimindo o dircito de 08 povos, nos seus institutos e hierarquias, reporem o contrato social quando 0 governante 0 no respeita. Finalmente, o terceiro assentava no dircito pertencente as Cortes livremente reunidas de examinarem as con- digdes da heranga de um trono quando surge qualquer dificuldade suces- soria e decidirem dentre os candidatos, de acordo com o bem comum. ( Como trineto daquele rei ¢ bimeto de D. Duarte, Duque de Guimaries, tal como fo ea D, Joto IV. Alsgevase, porém, que a filha de D. Duarte que casara com Alexandre Famésio, 3° Dugue de Parma, era ainda mais yelho do. que Catarina, avo de D. Joao IV. Apesar desse alegado seperior dreito do Duque de Perma, o documento. de origem francesa, ‘onde tudo isto se refer, aconselhava o reconhecimento de D. Joo IV, «por jd estar na posse do tronos. 30 CONSTANTES E LINHAS DE FORCA DA HISTORIA DIPLOMATICA PORTUGUESA E bem claro que estas posi¢Ges envolviam consequéncias préticas no campo das relagdes internacionais. Na verdade, como o rei Carlos I da Grf-Bretanha estava em luta contra o Parlamento, a corte de Espanha, as suas manobras para o isolamento de Portugal, apresentava, na corte inglesa, a posigéo de D. Jodo IV, como um desafio ao poder real, seme- Ihante ao que era levado a cabo pelo Parlamento. Por isso, D. Joao IV © 08 seus diplomatas, a0 tornarem piblico o apoio que concediam a Carlos I da Gri-Bretanha, no o faziam por uma precéria ¢ injusta inter- vengdo politica nos negécios internos do seu antigo aliado. A finalidade da sua tomada de posigo continuava a ser a luta contra o isolamento que a Espanha queria impor a Portugal. E nesses termos, Portugal declarava claramente que considerava os direitos de Carlos I como indiscutiveis: ‘@ haver uma revolucéo em Inglaterra semelhante portuguesa, deveri ser para repor os direitos do trono. Jé o desenvolvimento interno de guerra civil entre as duas correntes Ihe nfo dizia respeito, Afinal, a posigdo que D. Joo IV tomava acerca dos seus direitos ao trono portugués tinha a mesma base juridica da sua atitude relativamente a0 trono inglés. Daf se partiria, também, para o estabelecimento das relages diplométicas entre Portugal ¢ a Inglaterra. Uma coisa era reconhecer os direitos da coroa, como fez 0 rei D. Joi IV, outra coisa era a intervengio pratica no conflito entre os ingleses. ‘A este complexo de exigéncias europeias, acrescentava-se a situagéo do Brasil, em parte, ocupado por holandeses, que, igualmente, atacavam os ortugueses, no mar, no Oceano Indico e em Africa. Ai, foram ocupar apressadamente Luanda, apesar do reconhecimento feito pelo governador Portugués ao rei D. Jodo TV ser j& do conhecimento tanto de invasores como de invadidos. Nada disto era secundario no ponto de vista econd- mico ou politico, mas néio era decisivo no ponto de vista militar. No entanto, mais uma vez, a politica portuguesa tinha de desdobrar os inte- esses metropolitanos ¢ os ultramarinos, Em consequéncia, definia duas séries de razSes que no coincidiam: a metropolitana, calculando apoios em relagdo com o equiliorio curopeu, ¢ a ultramarina, indo buscar forsas de raiz local, com ponderagées completamente diversas, ja que a metr6- pole no podia garantir quando enviaria auxilio. Estas duas ordens de razdes iam, no entanto, coincidir na seguranga das suas rotas maritimas; af Portugal tinha de considerar a concorréncia das frotas inglesas, holandesas, francesas e espanholas e no s6 destas 3 NAGAO E DEFESA “ltimas. E nfio foi decerto das atitudes menos dificeis ¢ mais Iicidas, ter © rei D. Jodo IV ¢ o seu governo sabido distinguir cuidadosamente as forgas que comandavam cada uma das areas ¢ té-las trabalhado de modo diverso, procurande para o objectivo geral da independéncia solugdes espe- cfficas a cada uma delas, Atlantico Sul, Indico e Metropole, sem misturar as forgas que cada um desses dominios envolvia. Estabelecida e garantida pelo rei a unidade de todo o mundo portugués, seguia-se, para cada uma das partes, a necessidade da defesa prépria, necessariamente local: a uni dade do mundo portugués era politica e espiritual, mas ndo tinha o mesmo contexto de aliancas, nem a mesma situago militar. Assim, para o Brasil, D. Jodo IV teve a prudéncia de 0 considerar uma érea militar € social- mente adulta, capez de solugSes proprias e capacidade consequente para criar, como criou, 0 seu campo de deciséo. Toda a politica externa por- tuguesa relativamente ao Brasil partia dos préprios interesses deste, coin- cidentes, na sua raiz social, econémica e espiritual com a metrépole. Isto é, Portugal néo se aproveitou do Brasil para resolver a situagdo da metrépole, ou para negociar com os holandeses formas de compensacao (°). Aqueles, aliés, s6 as entenderiam pelo que clas realmente significavam: sinais de incompeténcia ¢ de fraqueza. Assim, a deslealdade holandesa, a0 conquistar Luanda, por meio de dolo (comportamento, em verdade, comum, na época}, foi compreendida na sua finalidade atldntica © nao quebrou as confluéncias europeias. Mas a resposta foi a guerra irredutivel naquelas paragens ¢ a libertagdo de Luanda, primeiro, e do Brasil, depois. Podemos, pois, dizer que a libertago do Brasil do domfnio holandés cons- titui o primeiro sinal da sua maturidade politica, obra como foi dos pré- prios locais, apoiados, evidentemente, em Portugal, cujos interesses, na- quela 4rea, foram vistos na sua dimensio brasileira. A resistencia ¢ a vitéria dos luso-brasileiros coincidia, alids, com as forgas profundas que definiam a época no sentido das potencialidades nacionais locais que as circunstincias da luta permitiram que tomasse, desde logo, a indispensivel dimensio militar. Tudo assente numa ligaglo que se articulava em con- vvigdes profundas de natureza social, religiosa, politica ¢ econémica, estas condigSes, 0 ano de 1641 foi decisivo para diplomacia por- tuguesa e para os seus objectivos fundamentais. Como se disse atras, a estratégia espanhola visava o isolamento de Portugal, para além da Guerra (Ao contritio, portato, do que queria o Padre Anténio Vicia cuja perspcécla na defesa oo intereses portuguese, nfo obstante @ sua eloguéacia, foi mais do que problemdtica 32 CONSTANTES E LINHAS DE FORGA DA HISTORIA DIPLOMATICA PORTUGUESA dos 30 Anos e das operacdes diplométicas em curso. A Espanha partia do principio que ndo poderia conduzir a guerra com Portugal, enquanto no fosse feita @ paz no continente; preparava a sua estratégia a esse respeito no sentido de impedir que Portugal, nesse «intervalo», se forta- lecesse demasiado. Nessa intengdo, a sua diplomacia mantinha-se intran- sigente em nfo ceder quanto ao estatuto de rebelde que aplicava aos ortugueses. Assim impediam-no de alcangar aliados seguros para depois de assinada a paz curopeia; tornavam eles mais pesadas as condigdes do auxilio € dificultavam extraordinariamente a sua expansio comercial, su- jeitando os navios portugueses ao regime de boa presa. Noutro plano, mas na mesma ordem de esforcos, a Espanha fazia 0 possfvel para que a confianga nesses mesmos aliados, por parte de Portugal, fosse diminuta. Em consequéncia, a estratégia de D. Jodo IV tinha 0 objectivo contréio: procurava obter garantias prOprias que ultrapassassem as contingéncias em que se encontrava a luta, de modo a aproveitar ao maximo esse tempo de tranquilidade relativa das suas fronteiras, enquanto a Espanha estava ocupada com outras frentes, Nos seus esforgos diplomiticos (no cabe aqui a indicagdo dos militares) 0 essencial era estabelecer compromissos que the pudessem valer quando chegasse 0 inevitével momento em que a Espanha se voltasse contra Portugal, com vista a realizar a «recupera- so» da sua autoridade. Portanto, a estratégia portuguesa apresentava duas exigéncias de certo modo contradit6rias: a primeira visava combater ao lado das poténcias inimigas da Espanha, assegurando-lhes 0 apoio naquele preciso momento, em que a Espanha estava a ser atacada por outros ¢ os atacava, Pela segunda, preparava o momento em que estaria frente a frente com a Espa nha, sem que fosse certo o apoio de qualquer das poténcias que com ela tinham feito a paz. Com efeito, nesta orientagéo, a Espanha punha sem- re, como exigéncia pricritéria, para as negociagées le paz que o auxilio Portugal fosse suspenso, sem o que a Espanha nfo assinaria tratado algum. Assim, pode dizer-s: que no ano de 1641 0 nosso pais conseguiu estabelecer relagées diplomaticas normais ou quase normais com os ini- migos da Espanha, obterdo um minimo de representatividade internacio- nal. E a rapidez com que 0 governo de D. Joao IV agiu, nesse ano, prova quanto o rei de Portugal estava preparado para apreender as suas possi- bilidades © agir dentro do seu estrito campo de manobra. 33 NAGAO E DEFESA Nesse_ mesmo ano de 1641, comesavam a tomar corpo as noticias, mais ou menos vagas, acerca da paz geral. E embora as negociagdes fos- sem demoradas, era manifesto estarem em curso diferentes contactos para esse efeito, Por isco, impunha-se dispor de audiéncia junto dos inimigos a Espanha e negociar, incansavelmente, 0 seu apoio para quando a paz fosse um facto. Neste tiltimo aspecto, porém, como era de esperar, os portugueses nada mais alcancariam do que promessas. Nem a proposta da liga formal», com a Franca, nem a da jungGo dos interesses das duas casas reais pelo casamento do principe D. Teod6sio com uma princesa francesa tiveram qualquer resultado. Voltavam a vislumbrar-se perspectivas fem que os espanhdis insistiram, tal como tinha acontecido em 1580, de se negociar uma independéncia arrancada com largas cedéncias territo- riais, mas desonrosis, portanto, do que @ dependéncia negociada © espec- tante com a Espanta. Para o impedir impunha-se manobrar as forcas dis- poniveis (valorizando-as) no entrechoque dos interesses europeus, de modo a conservar a plenitude da independéncia. ‘© sucesso da alternativa nacional dependia da competéncia dos res- ponsveis. E, ainda aqui, Portugal conseguiu, em 1641, considerdveis triun- fos diplométicos. Assim, evitou o reconhecimento das conquistas feitas pelos holandeses; concedeu garantias de comércio aos ingleses com vista a quebrar a tentativa do bloqueio espanhol; aceitou as restrigdes dos suecos, relativamente & Liga formal, sem perder as facilidades concedidas quanto & compra de armamento, Ete. Em suma, no prinefpio do ano 1642, Portugal estava apto a prosseguir 0 seu caminho, na nova fase que jf, claramente, se desenhava, das negociagées com o Império Austriaco € a Espanha, por parte da Franca, Holanda ¢ Suécia. Até A abertura dos congressos de Miinster ¢ Osnabriick, a guerra europeia, como se referiu atrés, tinha decorrido com violéncia. E com fa renovagéo da Fronda contra o poder central francés (sinal, aliés, do 6 referido poder das reas regionais que a Guerra dos 30 Anos, de uma maneira geral, tinha explorado ¢ que, desta vez, «jogava» contra os fran- ceses), a situago nfo era favorével a que a Franca obtivesse da paz 0 méximo de vantagens possiveis com a Espanha. Nesta érea havia ainda muito que esperar, 0 que favorecia Portugal. Assim, logo depois da morte de Richelieu, as disposigées da Franca, sob a direcgo do Cardeal Mazarino, nfo se alteraram muito. Foi, mesmo nesse sentido, que Luis XII comegou por se manifestar: se acaso se veri- ey CONSTANTES E LINHAS DE FORCA DA HISTORIA DIPLOMATICA PORTUGUESA ficassem perspectivas de paz com a Espanha, esse facto no obrigava a que a Franca deixasse de auxiliar Portugal. Mais tarde, porém, no decor- rer das sessdes, esta disposigdo foi-se modificando. Acabou por parecer certo, a todos, que Portugal nao poderia figurar no tratado de paz, assim como nio tinha entrado, como poténcia soberana, reconhecida pelas duas artes, nas reunides preparatérias para ele, Apesar da precariedade dos resultados, os portugueses Iutavam insis- tentemente para que franceses ¢ holandeses, enquanto se dissessem «alia- dos» dos portugueses, procedessem como tais no Congreso, Como potén- cia reconhecida pela Franca, Holanda e Suécia, ainda que recusada pela Espanha ¢ pelo Império, 0; seus delegados encontravam-se, pois integrados nas comitivas francesa ¢ sueca, tomando conhecimento do andamento das negociagées, Mas esta situacdo impedia, inevitavelmente, a presenga oficial dos portugueses na assinatura do tratado. A pedra de toque relativa & atitude para com os portugueses nas reu- nides © negociagdes do Congreso de Minster ¢ Osnabriick revelava-se no inalterével comportamento espanhol para cori o Infante D. Duarte, preso em Millio (Agosto 1642). O seu caso espectacular servia de expresso iiblica quanto a disposijéo espanhola a respeito de Portugal, no sentido de recusar qualquer situagdo de direito aos portugueses que se recusas- sem a ser sibditos do rei espanhol, como rei de Portugal. E também neste aspecto, a energia com que os franceses tratavam 0 caso nfo podia ser grande: se 0 conceita de «rebelde» fosse tratado com «mao ligeiran, onde iriam parar os arebeldes» da Fronda? A atitude espanhola, tanto no que se refere ao Infante D. Duarte, como A aceitagdo de passaportes de D. Joo IV para os delegados por. tugueses aos dois congressos, significava que nao reconhecia a Franca, nem 4 Holanda, nem & Suécia, capacidade juridica para o reconhecimento internacional de D. Jodo IV(°). A atitude daqueles pafses, como apoiando um «rebelde» era, pois, um mero acto de guerra; s6 como tal podia estar incluido nas negociagSes. Logo que elas terminassem e sempre que a Espa- nha o entendesse, 0 caso seria resolvido— segundo a tese espanhola— como uma questio intema relativa aos direitos dindsticos de Fliipe IV. Em verdade que a resposta das poténcias inimigas da Espanha podia ser rites Eaten 288 mes ysilo, com povco suena, em Londres, ¢ com mais renltados 35 NAGAO E DEFESA fa de transformar essa questo numa condigo indispensdvel para a aber- tura das negociagées. Mas, como se viu, o problema no era, para elas, t80 importante que fosse preciso chegar a essa exigéncia. Mazarino era um pritico € nenhuma das poténcias, ao calcular as forgas em exercicio no continente, podia considerar essencial para os interesses em jogo que Por- tugal fosse uma condigo de guerra ou de paz. Algumas delas, até (como a Holanda), tiravam vantagem da posicio espanhola, E quando 0 préprio principio do regionslismo (assim interpretavam os espanhdis o levantamento nacional portugués) estava a causar tao graves problemas com a Franca, decerto havia que por limites aos auxilios externos as revoltas «regionals Nao ajudava a Espanha os «frondistas»? Os responsiveis portugueses néio desconheciam, decerto, o problema, Na hipétese de ser assinada a paz entre os beligerantes, a norma praticada pelos delegados portugueses era lutar sempre, para que dai ndo resultasse © fim do apoio concedido a Portugal. resultado, embora limitado, nao foi inti. A orientago espanhola resultou plenamente no que se refere as Pro- vincias Unidas, mais conhecidas em Portugal pela designagao de Holanda, Esta esperava que a ameaca espanhola a Portugal continental Ihe desse possibilidade de se manter no Brasil ¢ em Angola. A sua expulsio daqueles dois territ6rios foi, para ela, uma amarga derrota. Podemos dizer que, na guerra da Restauragio, 0 primeiro inimigo que Portugal venceu foi a Holanda. J4 no que se refere a Franca, esse objectivo espanhol nao foi ‘to facil de alcangar. A Holanda no estava interessada em ter, na sua fronteira, uma Franca demasiado forte, a substituir uma Espanha mais fraca do que antes ¢, portanto, mais aceitavel. Como tal, no facilitou ‘© seu apoio as exigéncias da Franga para as negociagdes de paz. Os con- frontos entre a Franca ea Espanha eram, na verdade, muito profundos; distribufam-se por diferentes areas da Europa, em especial a Itélia ¢ a Flandres, assim como por zonas estratégicas menores, indispenséveis para a passagem de uma para outra daquelas duas regides. Estavam ainda muito onge de assinar um tratado de paz. proprio. No que diz respeito a Por- tugal, mantinha-se inalterével por parte da Franca a sua disposigio de recusar a Liga formal. Perante essa condic&o irredutivel, Portugal tentou outros caminhos pelos quais fosse possivel impedir 0 seu isolamento pre- tendido pela estratégia diplomético-militar da Espanha. Um primeiro foi insistir na ligago entre a Casa Real portuguesa ¢ a francesa, de modo 36 CONSTANTES E LINHAS DE FORCA DA HISTORIA DIPLOMATICA PORTUGUESA @ que a Franca tivesse interesses permanentes na manutengdo da inde- pendéncia portuguesa, para além das circunstancias imediatas do equilfbrio do poder © dos confrontos verséteis das poténcias. Um segundo caminho foi procurar outro aliado que ndo a Franga. Para 0 primeiro caso, a corte portuguesa sugeriu 0 casamento de D. Teodésio, herdeiro do trono por- tugués, com uma princesa francesa. Para o segundo, a proposta imediata mais aliciante era a de reconstituir a alianga inglesa, tanto por um casa- mento entre as duas casas reais, como pelo apoio ao Rei Carlos I contra © Patlamento, a partir do direito daquele Rei ao trono, Nesses. termos, 0s realistas nao perdiam influéncia no Atlantico e o rei inglés podia, por af, reforgar a sua influéncia sobre Londres. A contrapartida era 0 apoio a Portugal independente. No ponto de vista europeu, eram estas as principais perspectivas ou hipoteses para Portugal, em face da paz de Westfalia que se aproximava © perante a probabilidade de cair sobre Portugal todo o peso disponivel do exército espanhol. No ponto de vista da guerra ultramarina, em que estava envolvido com a Holanda, Portugal sabia que no podia falar-se numa verdadeira unidade na politica externa holandesa; era do conhecimento piiblico que as decisées da assembleia das Provincias Unidas podiam no ser executadas por todas clas. E assim considerava que tudo quanto fosse estabelecido, para além das circunstincias imediatas, obrigava sem vantagens. Sabia-se muito bem que 0 deciido ou aprovado para uma drea podia nio se aplicar a outras, em face dos interesses dispares das Provincias Uni- das. Portugal estava consciente do interesse da Holanda num acordo diplo- mitico na Europa; assim como do seu interesse em poder vender arma- mento para os exércitos portugueses e nesses dominios nfo havia grande possibilidade de coliséio entre os dois estados. Antes pelo contrério, as vantagens da Holanda europeia num apoio portugués metropolitan eram consideraveis ¢ de diferentes sentidos. Com base nisso, Portugal fazia pres- so sobre a Holanda, partindo da importancia estratégica que sabia ter no tréfego atlantico, E tendo em conta os interesses holandeses na Europa, promoveu uma politica de aproximacdo com a Inglaterra, em guerra com a Holanda, também consciente da importincia estratégica da costa portu- guesa. A fim de forcar a Holanda a aceitar melhor as exigéncias portu- guesas, D. Jo&o IV n&o hesitou em facultar os seus portos aos navios ingleses: era a forma de por nos debates diplomaticos todo o valor estra- 37 NAGAO E DEFESA tégico das posigdes portuguesas para a navegaco. Seguro dessa posicio, Jogo que Ihe foi possivel, promoveu a libertacdo de Angola ¢ apoiou aber- tamente, como Ihe competia, a luta luso-brasileira contra os invasores holandeses. No entento, em face da politica de aproximagio da Espanha com a Holanda, Portugal actuava com a méxima cautela, Para enfrentar essas ameacas, manobrando os seus recursos préprios, iria prosseguir, de- pois da derrota de Carlos I, nas negociacdes politicas com Cromwell que, evidentemente, as aceitou. Ao mesmo tempo, procurava que a Franga no tomasse compromissos que a levassem ao abandono de Portugal. Neste conjunto, de solicitagdes © exigéncias, o reino mantinha-se soli- damente unido a volta do seu rei. As conspiragdes contra D. Jodo IV que se descobriram tinham 0 apoio limitado que podia ter uma conspiracdo de interesses particulares, como ndo tinha sido a do 12 de Dezembro de 1640. Na altura da essinatura do Tratado de Westfélia, Portugal foi dele oficialmente excluido, por exigéncia da Espanha que os inimigos desta no quiseram contrariar. Continuava, pois, a ser uma «regido» em revolta con- tra os seus clegitimos» governantes. Mas havia j& uma grande diferenga: ‘era essa a posicdo espanhola a que os seus adversérios tinham de se sujei- tar pela forga de interesses maiores. Mas a resisténcia nacional de oito anos tinha salientado o flagrante cardcter arbitrério © faccioso da atitude espanhola. Era o contrério da evidéncia publica. © comportamento dos espanh6is em Roma contribuiu largamente para que se tornasse flagrante Europa, mesmo neutra, 0 cardcter faccioso, turbulento ¢ arbitrério das manobras espanholas. O rei de Espanha, que se pretendia expoliado do trono portugués por uma revolta ilegitima, confirmava-se como um tirano afastado do poder que tinha exercido com injustica. E assim, depois da assinatura do tratado de paz entre holandeses espanhéis, em Janeiro de 1649, Portugal encontrava-se numa situago onde se podia ver, com realismo, uma série de perspectivas dindmicas para a sua sobrevivéncia. Elas s6 poderiam ser aproveitadas, caso se mantivesse segura a direccdo do Estado e se enfrentasse, com deciséo, o problema do isolamento econémico. Portugal encontrava-se, na realidade, em estado de guerra com inimigos implacéveis, mas dispunha ja de oito anos de governo independente onde 0s riscos foram inferiores aos que tinha suportado du- rante 0 dominio espanhol. Acrescentava-se, agora, a experiéncia intern 38 CONSTANTES E_LINHAS DE FORCA DA HISTORIA DIPLOMATICA PORTUGUESA cional adquirida pelos seus dirigentes que Ihes permitiu organizar rapida- mente um precioso quadro de diplomatas, integrados nas condigées do exercicio das suas fungées, na disciplina dos objectivos de um Estado inde- pendente. Dispunha também de um exército com indiscutivel capacidade de resisténcia, Apreendia, no conjunto, as alternativas que se The apresen- tavam quanto aos apoios europeus: a Franga, com todas as oscilagdes dos seus projectos hegeménicos; a Gra-Bretanha, com perspectivas de que se podiam esperar bons resultados, logo que terminasse a guerra civil em que estava envolvida. Concebia ainda a Tuta ultramarina separada dos inte- esses curopeus ¢ criava, pela primeira vez, uma esfera de influéncia bra- sileira, com recursos sociais, estratégicos © politicos préprios, quando jé os tinha bem definidos economicamente. Mas acima de tudo isso, tinha tomado consciéncia do papel das razies nacionais de luta como decisivas para 0s sacrificios necessarios & sobrevivencia do Estado Portugués, Nesse onto coincidia a experiéncia de luta em Portugal, no Brasil, em Angola € no Indico. Na situagdo nova que despontava eram essas razées que iam, decisivamente, ser postas a prova e vencer. Jorge Borges de Macedo Professor da Universidade Classics de Lisboa © da Universidade (Catslica Portuguese

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