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9 wa Consetho Editorial fra, Dra. Andrea Domingues Pro. Lue Ferrando Gomes Prot Dr. Ant6nio Carlos Giuliani Profa, Dra. Magall Rosa de Sant’Anna Prot Dc Antonio Cesar Gala) Pot Mare Morel Proa Dr. Benedta Césia San‘ama Po ra. Mina Ftnandes Ola Prot De Carlos Baer Pf Dr iar Ande Ferra Martins Pola Dra Crsinne Famer fecha Pot. Dr Romulo Das Prot Dado Leme Batista Pol Sti Nunes de es Prot: Fbio Regi Berto rola Dra Thelma Lessa Prof Dc fos ica Caetano Costa Po. Dr Vc Hugo Veppo Burgard (©2016 Fancco Cancel Tare Sour Sih Ua Fae Dia ds Sato ies detec sopaies pet ao Eda eahuna pus det a de sar points a duns de ares de ae ou poe si ‘em ual ema cum ten op roi se, 8 fev gs dt eo ares 62999 Histria da Captania de Porto Seguro: Novos Estudos Sobre a Bahia Colonial Séc. XVI ~ XK Francisco Cancela (or); Thatles Souza Sia; Ui Fieve Dias dos Santos. Sunda, Paco Ecltoial: 2016, 212 p. Inc biblogafa, I5BN: 978-85-462-0508-0 1. stra Colonial 2, Histria da Bahia 3. Capitan de Porto Seguro 4. Cancel, Francisco I Siva, Thaves Souza Il. Santos, Ui rele Dias dos Dp: 900 Indices para catalogo sistemstico: Hlistiia do Brasil = 981 Petiodo Colonial 981.03 MPRESSO No RASH. PRINTEDIN BRAZIL Fei feo epost Legal rycolllfeorronn ‘x. Cato Sales Block, 658 {Atos do Arhangbal, 2 Andy Sala 21 “Ankargabad~undia-SP 1320810 114521-6315) 24090710 ‘entatnedtoraipace comb As escritores Romen Fontana e Raimundo Casta, por terem iniciado o desafio local de escever a histéva de Porto Seguro, rie Canela (og) ~The Sora Sha =U rv dr St HOLANDA, Sérgio Buarque de. Mongées e Capitulos de ex- pansio paulista, Organizacio: Laura de Mello e Souza, André Sekkel Cerqucira, Sio Paulo: Companhia das Letras, 2014, VO, Isnara Pereira. Homens de caminho: trinsitos culturais, comércio e cores nos sertées da América Portuguesa — Século XVIII, Vitéria da Conquista: Edigbes UESB, 2012. KRAUSE, Thiago. Em busca da honra. A remuneragio dos ser- viigos da guerra holandesa eos habitos das ordens militares (Bahia ¢ Pernambuco, 1641-1683). S40 Paulo: Annablume, 2012. LEAL, Matia das Gragas de Andrade; MOREIRA, Raimundo Nonato Pereira CASTELLUCCI JUNIOR, Wellington (orgs.) Capitulos de Histéria da Bahia: novos enfoques, novas aborda- gens. 1. ed, Séo Paulo: Annablume, 2009. LENK, Wolfgang. Guerra e Pacto Colonial: a Bahia contra 0 Brasil Holandés (1624-1654). So Paulo: Alameda, 2013. OLIVEIRA, Carla M. S MEDEIROS, Ricardo P.M. (org). Novos Olhares sobre as capitanias do Norte do Estado do Brasil. Joio Pessoa: Editora Universitaria/ UFPB, 2007. PAIVA, Eduardo Franga; AMANTINO, Marcia; VO, Isnara Pereira (orgs.). Escravidéo, mesticagens, ambientes, paisagens ¢ espagos. Séo Paulo: Annablume, 2011, SANTOS, Rosenilson da Silvas MACEDO, Helder Alexandre Medeiros de (orgs.). Capitania do Rio Grande: histérias ¢ colo- nizagao na América portuguesa. Natal: EDUFRN, 2013, SOUZA, Laura de Mello; FURTADO, Junia Ferreira; BICA- LHO, Maria Fernando Bicalho (orgs.). © Governo dos Povos. Sio Paulo: Alameda, 2009. VIDE, Sebastido Monteiro da, Constituigées Primeiras do Ar- cebispado da Bahia. Organizadores: FEITLER, Bruno; SOU- SA, Evergton Sales. Sio Paulo: Edusp, 2014. CAPITULO 1. A CAPITANIA DE PORTO SEGURO: ‘TERRITORIOS, PAISAGENS E HISTORIA Francisco Cancela presente texto retoma uma antiga tradigéo da historiogra- fia brasileira muito abandonada na atualidade. Trata-se de uma abordagem que articula histéria e geografia, Nas grandes sinteses histéricas, os historiadores sempre dedicavam algumas paginas para uma descrigio analitica da paisagem geogrifica, produzin- do um conjunto de informagées importantes sobre o tertitério onde se situava seu objeto de estudo (c£Abreu, 1998; Prado Jinior, 1970). Inspirada naquelas abordagens, a narrativa aqui apresentada busca relacionar espacialidade e historicidade, de- monstrando como as condigées geogrificas da antiga Capitania de Porto Seguro foram percebidas, incorporadas e representadas pelos luso-brasieiros que vivenciaram a experincia da conquista € colonizagio da América portuguesa. Utilizando fontes carto- arifcas, relatos de cronistas e memsérias sobte 0 espago, est texto aptesenta a Capitania de Porto Seguro na longa duragao, proble- matizando como as caracteristicas geograficas da regio colabo- raram ou retardaram avango do dominio colonial no tertitério que forma o atual extremo sul da Bahia, Imprecis6es, movimentos e conquistas: definindo os limites da capitania Localizada aproximadamente entre 15° e 19° de latitude, a Capitania de Porto Seguro, fundada pelo rei d. Joao III no inicio do século XVI, foi instalada na tegido onde aportou a esquadta de Pedro Alvares Cabral no ano de 1500. Doada ao mareante de rawr aml ng) ~ Thre Seu Sia 1 ee ides Sts Viana de Castelo Pero do Campo Tourinho, a donataria ocupou uma drea que cortesponde hoje 20 atual extremo sul da Bahia, norte do Espirito Sanco e oeste de Minas Gerais. Na carta de do- agdo datada de 1534, a capitania foi delimitada com 50 léguas de costa maritima, cuja demarcagio utilizava referéncias geogrificas imprecisas, sendo apenas declarado que suas terras ‘comegafvam] na parte onde se acabalyam] as cinquentat léguas de (..] Jonge de Figueiredo Correa {da Capitania de Mhéus) na dita Costa do Brasil (4. ¢ {dai] correndo para ‘6 sul quanto couber as ditas cinquentas leguas. (Carta, 1534, f 103) Esta imprecisio na fixagao dos limites geopoliticos foi fato comum nas cartas de doacio das capitanias quinhentistas. Com pouco mais de trés décadas de presenca portuguesa nas terras americanas, as informagées geograficas sobre o lugar ainda eram fragmentadas, contradit6rias e carregadas de nogdes exéticas € idilicas. © incipiente acervo de dados ainda nio permitia aos agentes régios um dominio mais objetivo da toponimia dos ter- ritdrios que estavam sendo incorporados 4 nova politica colonial. Ademais, a monarquia portuguesa, ao conceder as capitanias se- guindo uma tradigo de concessées senhoriais ¢ distribuigio de prémios, depositava na aco dos primeiros donardrios a realizagéo da conquista e colonizagio da terra, aguardando que, por meio da dilatagio da fé catdlica e do povoamento efetivo, a defesa e 0 dominio portugués sobre o territério americano se transformasse em fato consumado (cf Saldanha, 2001). Os primeiros cronistas coloniais ndo deixaram de registrar em seus escritos a imprecisio dos limites da Capitania de Porto Seguro. Em 1587, Gabriel Soares de Sousa (2010, p. 81) chegot a indicar, de forma pouco objetiva, que, ao norte, a “capitani parte com a dos IIhéus pelo Rio Grande pouco mais ou menos" ‘Jé.a0 sul, 0 autor no apresentou nenhuma referéncia toponimi Misti Cita te Prt Sur: oes Eade Soe a Cai é,XM=ANL dos limites de Porto Seguro, afirmando apenas que “pela outra parte {faz divisa] com a do Espirito Santo, de Vasco Fernandes Coutinho” (Sousa, 2010, p. 81). De forma semelhante, Pero de Magalhies Gandavo (2004, p, 66) jé havia registrado, em 1570, informagées insuficientes sobre a extensio territorial de Porto Seguro, limirando-se apenas a afirmar que as terras da capita- nia estavam a “distantes trinta léguas da dos Ihéus, na aleura de dezesseis graus ¢ meio”. Em certa medida, 0 verdadeiro esta- do de conquista territorial vivenciado nas primeiras décadas da colonizagéo gerava esta auséncia de objetividade na delimitagio das fronteiras politico-administrativas na América portuguesa. E, ‘no caso especifico da Capitania de Porto Seguro, 0 contexto de intensos conflitos com os povos indigenas, as dificuldades vivi- das na expanséo da economia agucareira, a diminuiigéo do fluxo ‘igratério e as disputas politicas em tomno da administragio da Prépria capitania constituiram fatores que modelaram fronteiras coloniais bastantes limiradas na regio, especialmente nas éreas ainda néo incorporadas As atividades sistematicas da ocupacio Portuguesa, como o sul e 0 oeste de Porto Seguro. Com a virada do século, novos eronistas descreveram a capi- tania que foi comprada pelo duque de Aveiro apés a prisio do seu primero donatirio. Datada de 1627, a Histéria do Brasil de frei Vicente do Salvador informa alguns aspectos geopoliticos de Por- to Seguro, mantendo ainda as referéncias usadas pelos cronistas do século anterior. Segundo o levantamento que realizou junto 20 neto de Pero do Campo Tourinho, a capitania se inicia, a0 norte, “no tio Grande, onde parte com a capitania dos Ihéus” e corre a0 sul “até entestar com as [terras} de Vasco Fernandes Couti- sho” (Salvador, 1918, p. 98). Ainda nesta década, Diogo Moreno (1968, p. 23) retrarou a polémica em toro dos limites da Capi- tania de Porto Seguro demonstrando como as questées politicas relacionadas 4 administragéo colonial também influenciava na demarcacio dos marcos referenciais dos territérios das donatarias. De acordo com sua natrativa, a capitania do duque de Aveiro " rane aml or) = Tare Soe Sea 14 Fr i des Sone parte com a do Espirito Santo pelo rio Doce, em dezenove rau, ou, segundo outros querem, pelo rio Criearé, mais a0 norte, que foi o ponto que se dividia este Estado [do Brasil] ‘ene d. Francisco de Sousa e d, Diogo de Menezes. Em seguida, 0 cronista afirma que no “tio Grande, em quinze spraus e dois tergos, parte com a dos IIhéus esta capitania’, delimi- tando, assim, o extenso territrio de Porto Seguro. A cattogtafia colonial do século XVI também produziu muitas informagées contraditérias em relagio aos limites de Porto Seguro. Os atlas desenhados pelos cosmégrafos da fami- Jia Teixeira Albernaz retrataram com delicada destreza técnica ¢ figurativa o dominio territorial portugués na América, apontan- do, com suas representacées ~ ora exageradas, ora omissas — as cexpectativas, as curiosidades, os medos e os aspectos gerais da geopolitica colonial. Das dezenas de cartas que compéem a co- legao destes cosmégrafos, algumas delas retratam 0 tertit6rio da antiga Capitania de Porto Seguro, transformando-se numa das ‘mais importantes fontes cartograficas sobre a regido. Na Figura 1, que traz. uma Carta da Capitania de Porto Segu- 10, com demonstragéo do rio dos frads até o rio Santo Antonio, Jodo Teixeira Albernaz (0 velho) registra a regio mais povoada da capitania no século XVII. Com muita habilidade, 0 cosmégrafo indica as vilas de Santo Amaro e Porto Seguro, as igrejas de Nossa Senhora d’AAjuda e de Sa0 Francisco ea nova e velha povoagio de Santa Cruz. Destaca com bastante evidéncia 0 relevo da regiio retratada € insere também interessantes informasGes sobre os portos ¢ arrecifes da costa. Por fim, © mapa apresenta, ainda, na cextremidade setentrional em destaque, uma informagao referente 20 limite territorial da donataria do duque de Aveito, afirmando que era no “Rio de Santo Ant6nio onde acabalva] a Capitania de Porto Seguro e entralva] a dos Ihéus”, sia da xpaia de ort Segars Novos Esa Sabre Babla Cal SA AIK Figura 1: Carta da Capitania de Porto Seguro, com demonstragio do rio dos Frades até o rio de Santo Anténio Fonte: Albena, Jodo einer, Destigio de todo mati da Tera de Santa Cuz ‘hamado vulgatmente Bra 1640. Lisboa, Arquivo Nacional da Torre do Tombo, of 162, 9.49.47. sca informacio registrada no mapa seiscentistaredimensio- hou sobremancira a extensio da Capitania de Porto Seguro. Ao considera o Rio de Santo Antnio como referencia demarcatéria da fronteira com a Capitania de Ihéus, o registro cartografico excluiu mais de dec léguas da costa do mar nos dominios do du- que de Aveiro, Antes que um equivoco geogrifico, a usurpacio das terras do entorno do Rio Grande consistiu no atendimento de uma demanda de d. Jerénimo de Ataide, donatitio da Ca- pitania de Ihéus. Desde 1631, 0 nobre portugues havia con- tratado 0 cosmégrafo Joo Teixeira Albernaz para organizar um atlas que exalrasse as potencialidades do Brasil, num contexto de afloramento das tens6es com a Espanha e de preocupagio com a presenca holandesa na América portuguesa. Interessado na rica reserva de pau-brasil da regio ¢ esperangoso em atrair colonos Para sua capitania, d. Jerénimo de Araide colaborou para que rane art r~ Tare Sen Sa Ure Dis Soa ‘Teixeira Albernaz produzisse informacées cartogrificas “notiveis como instrumentos politicos"' (Cortesio, 2009, p. 79). Anteriormente, 9 mesmo Joio Teixeira Albernazjé havia pro- duzido informagGes cartogrificas sobre a Capitania de Porto Se- guro no livre Rezo do Estado do Brasil no governa do Norte somente «asi como o teve db Dingo de Meneses att o anno de 1612, cuja autoria € atribuida a Diogo de Campos Moreno. Nesta colegio, o mesmo territério entre os rios dos Frades e o de Santo Ant6nio foi retra- tado (Figura 2), dando destaque as povoagées “com poucas casas € muito desbaratadas” e aos “sitios, fazendas e conhecengas” desta regido. A temitica politico-administrativa referente ao limite com «a Capitania de Théus no despertou nesta época a atengio do car- régrafo régio, que optou por destacar os aspectos econdmicos de Porto Seguro, identificando as fazendas Bacay, Traipe e Pianasui- pe, os engenhos de Tobatinga e do Duque ¢ as intimeras reservas 1. Esa produgdo cartogrifca de Joio Teixeira Albernar (0 velho) das décadas ‘de 1630 & 1640 merece atengio especial. No atlas Extado do Brasil cligido das ‘mais noticias que pade ajuntard,Jerénimo de Ataide, de 1631, o compromisso de ‘propaganda das qualidades da captania do Conde de Atougui se fzia presente ‘Ao retatat, por exemplo, as caracteristicas geopoliticas de Is, 0 cosmegrafo teglstow na forma esritainformacées exageradas da capitana,argumentando que “todos confesam ser estaa melhor e mas etl tetra de todo Estado, de modo que € provérbio comum que o Brasil € um ovo eos Hh a gemma e ese meter cabedal nesta capitania seré de grandsimo tato ¢ importincs’. No atlas de 1640, iti- tulado Desctigd de todo maritime da Terra de Santa Cruz chamaco vulgarmente Brasil, ainda que sem a beleza dos ornamentos dos excudos reais das casas nobres «nem a riqueza dos contornos da vegetagio e dat povoagées, o cosmégrafo nigio svangou no seu alinhamento aos interesses do donatiio de Hhéus,inserindo na terceia Carta de Porto Seguro a citadainformagéo do limite entre as capitanias ro Rio Santo Antinio. Para Jaime Cortese (2008, p. 99), “os alas de 1640, que Pertenceram na sua maior a familias nobre, imtecalande com as carta propre ‘mente dias, as suas péginas de textos, que exltou com otimismo as riquezas € possbildades do Brasil, representam, tanto como o atlas de 161, manifestor propaganda para a Restauragio",sendo evidente também nestas obras financed por d, Jerdnimo de Atade os “fins de propaganda eo designio de atraircolonos ‘capitis sua eapitania” (p83) Capitan de Fv Sar: Ns Esa Sore «Ral aaa, Se X=XB de madeira, A centralidade desta producao cartografica, portanto, foi promover o aproveitamento das tiquezas naturais e das poten- Cialidades da capicania, especialmente a exploracéo do pau-brasil, caricaturalmente destacado nas margens de todos os tios da re. sido. A propaganda se completava com as informagies textuais de Diogo Moreno (1968, p. 24) que, ao descrever a regio de Porto Seguro, argumentava de forma categética: “sera remédio de tudo 6 Fazer-se aqui o corte e carga do paubrasil”. Figura 2: Mapa da Capitania de Porto Seguro desde © rio dos Frades até o rio de Santo Anténio j - === — ee ee Fonte: Moreno, Diogo de Campos. Rexio do Estado do Brail no Governo do Norte ‘eres ai como oteve dé Dingo de Meneses até 0 anno de 1612 (c. 1616). Biblioteca Pblica Municipal do Porte, Manuserito, Cédice 126, £65 Na terceira Carta de Porto Seguro presente na Rezo do Estado do Brasil, a informagio sobre o limite com a Capitania de lhéus ‘pareceu na legenda do mapa (Figura 3). No texto inscrito em des- {aque no canto superior drei, Joio Teixeira Albernaz repistrou que . Acesso em: 24 abt. 2015, cn}, Anno 1817. 1 Os limites politico-administrativos da antiga Capitania de Porto Seguro nao se alteraram muito do século XVI ao XIX. As imprecisées presentes em muitas fontes coloniais retratam mais a prdptia dinimica da colonizagio do que uma inflexio vivenciada na demarcagio da jurisdicgo sobre o tertitério porto-segurense. Os movimentos das frentes de expansio, com a intensificagio do contato interétnico, com a exploracéo dos recursos naturais € ‘com a ocupagio agricola produtiva, delinearam em contextos di- ferentes maior conhecimento e dominio sobre a regio, gerando informagées que se materializaram em mapas, descrigées ¢ outros tipos de registros produzidos por cronistas, viajantes, colonos ‘autoridades coloniais. Nestes termos, ainda que na atualidade 0 reconhecimento dos limites de fato da capitania represente uma informasio histérica relevante, na experiéncia vivida ao longo dos mais de trés séculos de colonizacéo o que mais importava era © velho principio do utipossidetis, ou seja, a ocupacio efetiva do espago, no desbravamento cotidiano das barreiras fisicas, cultu- ais ¢ politicas encontradas naquele imenso territério. cane or) = Thales Suan iki Entre dons e obstéculos: a geografia de Porto Seguro O territétio onde se instalou a Capitania de Porto Seguro, desde os primérdios da colonizasio, impressionou os portugue- ses por possuir intimeras riquezas nacurais. Os relatos coloniais sobre esse territ6rio sempre destacaram as possibilidades de se construir ali uma forte economia integrada 20 comércio colonial, enfatizando aspectos que, de alguma forma, tentavam estimular © proceso de conquista ¢ colonizagéo da colénia americana. A primeira evidéncia do encantamento europeu com as riquezas e possibilidades da regio foi registrada na carta escrita por Pero Vaz de Caminha (Pereira, 1999, p. 58), que noticiou, de forma paradisiaca, as qualidades da nova conquista: a terra em si é de muito bons ares frescos © temperados como os de Entre-Douros ¢ Minko [..J. As aguas sio mui- tas, infnitas, Em tal maneira € graciosa que, querendo-a aproveitar, dar-se-inela tudo. A Capitania de Porto Seguro abrigou, de fato, um vasto ter rit6rio de espléndida beleza e miiltiplas qualidades. A comegas, por exemplo, pela imensa loresta tropical, hoje conhecida por Mata Atlantica, que se espalhava sobre toda regio, entrecortada, no litoral por manguezais € por pequenas areas de mussurunga. Vicejante e biodiversa, essa loresta foi rapidamente incorporada aos projetos coloniais como reservas privilegiadas de alimentos minerais, madeiras e especiarias. Desde o século XVI até mead do XVIII, a principal atividade econdmica da capitania baseou- -se na exploragio comercial desta floresta, especialmente py meio da extragéo de madciras para a construgio naval e ci bem como para o uso artesanal. ‘A qualidade das madeiras enconttadas nas matas de Porto guro foi objeto da observacio de virios cronistas, colonos toridades régias. Ainda no século XVI, a grande quantidade nin de vt Sere: Novos ss Sab Baia CaaS X= XK pau-brasilexistenre na regido despertava o interesse da coroa ¢ de comerciantes, inclusive de jesuitas que se envolviam nas negociae {96es etiradas da madeira, Num documento datado do final deste século, um padre inaciano informava o estado de desbaratamento da capitania, reclamando que falrava na terra senhor que se de- dlcasse a povo‘-la com doa¢éo, pois “no mais tem muito pau de Brasil e esté muito perco das povoagées dos Portugueses , tirando ode Pernambuco, ele é0 melhor” (Leite, 1950, v. V, p. 210-211). Paraalém do pau-brasi, outras madeiras agregavam valor is matas de Porto Seguro. A diversidade existente transformava a regio num ‘estogue de reservas extrativistas que sempre podia ser acessado pela empresa colonial. Se, por excesso de ambigio, os colonos conseguis- sem retirar todo o pau-brasil da capitan, ainda restariam iniimeras ‘outras espécies que poderiam ser aproveitadas, Na segunda metade do século XVIII, © padre Cipriano Mendes alertava a coron para a necessidade de se criar uma cidade em Porto Seguro, apontando as ‘matas da regiéo como uma fonte de riquera que podetia sustentar © empreendimento proposto. Segundo sua argumentacio, na regio se achalvalim as madeiras mais precosas do Brasil, como si0 ppaus brass do macho eda mca, slsafias, jacarandis, pequisi, pau de balsam, pau de capauba, bejurim, sucupire, pau roxo, oiticica, tudo com muita abundancia, (Carta, 1788) Hi no fim do periodo colonial, o reconhecimento do poten- cal extrativista da regio alcangava o seu ponto mais alto. Do- ‘minando as qualidades das madeiras, mapeando a ocorréncia de cada espécie aproveitando melhor as estruturas de transpor- fe, 08 colonos e as autoridades régias difundiam informagées ¢ incentivavam novos empreendimentos na regio. © Conde da Barca, por exemplo, tentou construir uma serraria nas margens do tio Mucuri, nomeando, inclusive, um construtor da Turingia para conduzir os trabalhos da extragao das madeiras (cf Wied Maximilian, 1989, p. 174). No inicio do século XIX, o comer- amie acl (on) = Thar Son Sh 1 er hn de Selon ciante inglés ‘Tomas Lindley buscou as matas da regido para co ‘mercializar ilegalmente madeiras, sendo preso por contrabando pelo Governo da Bahia (cf.Silva, 2014). Ainda que seus negécios info tenham dado certo, Lindley (1969, p. 154) registrow em seu diftio que, no extremo norte da capitania, mas imensas estendem-se ao longo da costa langueando € avangando pelas margens dos ris: € as arvores de que as cons titucm sio consideradas, no Brasil, das melhores para a cons- truco naval, Da, edo [Rio] Patipe [na Capitania de Hhéus), € «que provém a madeira para os estaleiros reais. As vores prin-

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