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ACULTURACAO E ASSIMILACAO DOS INDIOS DO BRASIL EGON SCHADEN A antropologia aplicada se defronta muitas vézes com problemas prdé- ticos oriundos do contacto entre unidades étnicas regidas por padrdes diferentes. A solugio désses problemas se inclui mesmo entre as suas tarefas mais importantes. Os estudos de aculturacio so, por isso, os cue maior interésse despertam a partir do momento em que se deixa: de considerar o estudo do homem como preocupacao exclusivamente tedrica. Em seu empenho de aproveitar os conhecimentos da antropologia apli- cada, o Servico de Protecao aos Indios nZo poderia, por conseguinte, ignorar os miitiplos fendmenos aculturativos estudados pelo cientista entre os aborigines do Pafs. Longe de ser uniforme, 0 processo assume modalidades muito diversas entre si, devidas em parte & variacio dos tipos de con- tacto que se estabelecem com o mundo dos brancos. Sao dispares as agén- elas aculturativas que agem sdébre as populacées indigenas, Os represen- tantes da sociedade nacional entram em contacto com o indio levados po. intengdes e interésses diversos. De caso em caso diferem também os recur-| sos de dominaciio ou exploracdo, de assisténcia e amparo. Verificar éste| fato nao implica ainda juizo positivo ou negativo sébre essss agéncias,| Quando na proximidade de uma tribo silvicola se estabelece uma miss&o| catélica, o indio nao esté sujeito aos mesmos fatdres aculturativos que| o atingitiam se se tratasse, por exemplo, de uma industria extrativa qual-| quer. Assim, © tipo humano que na situacio de contacto representa o| mundo octdental vale por um crivo das técnicas, das idéias, das formas| Isto, 6 claro, teré resultados correspondentes para a maneira pela qual se tmanifestam na cultura do grupo certos efeitos de depauperacio, por um lado, ou de enriquecimento, por outro. 8 EGON SCHADEN Outro fato a que se deve atender no esf6rco de compreender o pro- cesso -aculturativo de uma tribo 6 o de que néle se hic de distinguir sempre fases sucessivas. Na situagio inicial se criam determinadas con- dig6es favordéveis ou desfavordveis & incidéncia de fatores que possam surgir nas subseqtientes. Nao raro, o antropdélogo, ao visitar um grupo que jé nfo possua a cultura de origem, tal como era hd séculos ou mesmo hai dec&nios, se esquece de que as tendénclas af observaveis sfio fruto de um processo continuo que, uma vez desencadeado, se torna, por assim dizer, aut6nomo. E como os fenémenos que desereve sio apreendidos dado momento, em visio estdtica, facilmente Ihe escapa a sua dinfimica peculiar. No entanto, compreender um processo significa entender o seu curso especffico, o j4g0 das fércas de aciio e reagaio que néle se manifestam, Isto parece possivel somente mediante a reconstituicfio das fases ji decor- ridas e com auxilio de um conhecimento satisfatério da situag&o original, isto 6, da cultura primitiva anterior ao contacto com o branco. Cumpre, pois, ver os fendmenos em dimensiio temporal, em perspectiva diacrénica, Bo que em geral n&o se tem feito e o que, alids, nfo é fécil diante da dificuldade de se acompanhar a marcha aculturativa em seus estdgios sucessivos. Em tese os conhecemos, isto é, apenas em linhas gerais ¢ como hipstese de trabalho. Sabemos que no inicio, por periodo de va ridvel durag&o, predoimina e permanece determinante, para o comporte- Entre uma e outra, uma fase crucial, que se costuma chamar de crise aculturativa. #ste esquema simples pode, entretanto, nos casos concretos, assumir extraordindéria complexidade. Seria, pois, ilusério admitir uma - espécie de lei de trés estdgios. Acontece, por exemplo, que certos aspectos da crise aculturativa se instalam logo apds os primeiros contactos, con- forme 0 tipo de relagdes que se estabelecam, continuando a manifestar-se até @ fase final do processo. Nio hé, pois, como fugir & necessidade de examinar, de caso em caso, a dimensio histérica na medida em que o Possibilitem as condigées da pesquisa, Dentre as outras dimensées que 6 preciso analisar, destaca-se 8 psico- légica. Cumpre conhecer os reflexos que a mudanga de cultura provoca na personalidade dos individuos marginalizados ou em vias de marginalizacao, ou seja, dos componentes de um grupo que se encontra no caminho de um sistema cultural para outro. Grande numero de tribos brasileiras, em convivio intermitente ou continuo com o branco, oferece excelente campo B personatidade se torna efetiva a partir do momento em que o indio jé nfo considera evidente e indiscutivel que as instituigdes e os valores de origem ACULTURACAO E ASSIMILACAO DOS tNDIOS DO BRASIL .@ s&o os inicos vdlidos para por éles orientar o seu comportamento, conceber o tipo de personalidade ideal, dar um sentido & vida. Por outras palavras: quando comeca a avallar a cultura dos antepassados com os critérios do branco, endossando até certo ponto os preconceitos déste. Passa entéo a considerar a nudez como desprezfvel, repugnantes certas comidas tradicio- nais, errados os antigos padrées de vida familial, sem que seja capaz, por outro lado, de aderir plenamente aos critérios com que o branco encara a cultura indigena com relacio & sua prépria. A personalidade do homem marginal 6, em esséncia, insegura, diibia, ambivalente. No Brasil, o Servigo de Protecdo aos fndios, instituicio altamente meritéria, muito contribulu para reduzir os atritos entre os grupos tribais € OS representantes da civilizagio, mas em geral a sua agSo nao foi eficien- te no sentido de prevenir ou neutralizar as conseqtiéncias da crise psicol6- gica. Talvez seja éste 0 ponto em que os seus funciondrios, em sua maioria servidores abnegados, mas carecendo de um minimo de formagio antro- poldgica, t8m cometido os erros mais graves. No intuito de conduzir o indio o mais depressa possivel para a vida civilizada, procuram incutir-lhe 8 idéia de que a cultura dos brancos é em todos os sentidos superior a como simples aberracdes as formas de habitagfo, os padrées alimentares e tudo o mais a que 0 silvicola estéve desde sempre acostumado. Bem depressa éste perde entéo a seguranca de atitudes que a cultura de origem lhe conferia, e perde-a antes que seja capaz de aprender satisfatoriamente padrées novos através dos quais possa reconquisté-la. Omitindo-se com Telagao a medidas educativas eficientes, que habilitem o indio a progres- sivamente encaminhar-se para um sistema de vida adequado @ interagio com 0 mundo dos brancos, a instituigio que no Brasil tem a seu cargo a defesa e o amparo do silvicola, na maioria dos casos nfo resolveu, antes gravyou, os problemas psiquicos inerentes 4 situagdéo de marginalidade cultural, Gracgas ao empenho do Servigo de Proteciio aos Indios, uma série de tribos foi salva do exterminio violento a ferro e fogo. Grupos srredios foram pacificados, em geral com heroismo e com notérios sacrificios, e deu-se-lhes protegfio contra abusos 8 que os expde 0 convivio com os brancos. Deu-selhes também assisténcia médica e econdmica. Mas 0 que ndo se conseguiu foi afastar as influéncias nefastas da presenga de um ideal névo de cultura, que se apregoa sem ao mesmo tempo proporcionar a0 aborigine os recursos educacionais Para alcancé-lo, inclusive no tocante cio com o homem civilizad TB logo a sociedade ‘iba outrora fechada, se transforma em aberta, através de suas vinculagdes com um mundo 10 EGON SCHADEN estranho, surgem necessidades que, para serem satisfeitas, exigem novog conceitos e novas atitudes face aos valores materiais. Vindo a conhecer |e 8 cobicgar os produtos de nossa industria, tais como utensilios de ferro, panos e fdésforos, 0 silvicola se prende cada vez mais ao mundo dos bran- cos, pois, para obtélos, precisa ganhar dinheiro por meio de mercadorias cu de trabalho. Dispde o regulamento do Servico de Protecfio aos fndios que t6da transagao de alguma triho com gente de fora seje fiscalizada pelo chefe do pésto, autoridade investida de amplos podéres. Dessa forma se evita ou se reduz a exploracio econémica do indio, que, nfo sabendo lidar com dinheiro e desconhecendo a equivaléncia dos valores, estd sempre em perigo de ser espoliado por individuos sem escriipulos. Por outro lado, 8 rigor da supervisio tem o grave inconveniente de nfo se educar © indio para o papel que deverd assumir um dia como agente auténomo em suas relagdes com a sociedade nacional. Nao aprende a decidir por conta prépria, nem a vencer os sentimentos de inferioridade oriundos da situeciio intercultural em que se encontra. Para corrigir ésses defeitos, que todos reconhecem, naéo bastam as boas intengdes. Pela andlise cientifica de cada caso em particular, o antro- pélogo pode muitas vézes sugerir medidas para superar os obsticulos. E de esperar-se, por isso, que as autoridades responsdveis pelo amparo oficial do indio venham a servirse cada vez mais dos recursos que a ciéncia Ihes oferece, Entretanto, o estudo dos fenémenos aculturativos em tribos indlas brasileiras nfo tem sido sinda eaprofundado a um ponto tal que o cientista Seja realmente capaz de converter os conhecimentos do processo em reco- Tendagdes ou sugestées de utilidade imediata para o administrador. Poucos sio os grupos até o presente submetidos a observacaio mais siste- miatica e portanto suscetivel de andlise satisfatéria de um ponto de vista teérico e prdtico, ainda mais porque, encarada um pouco mais de perto, @ realidade se apresenta de tal maneira complexa que seria temerdrio tirar dos dados fragmentérios conclusées de valor geral. E convém insistir mais uma vez em que o exame dos trabalhos existentes nao deixa duvidas quanto & variedade de reacgdes aculturativas de uma tribo para outra, devida, por um lado, 4s diferencas das situagdes culturais de origem e, por outro, 4 mencionada diversidade dos fatéres ecoldgicos e histéricos que, no decorrer do processo, incidem sébre as populagdes aborigines. Seria pelo menos prematuro estabelecer uma distingéo entre casos tipicos e atipicos. Assim mesmo, os trabalhos feitos jé mos permitem sugerir a diregio em que se deve estudar as situegdes concretas para caracterizi-las de modo mais conveniente, também do ponto de vista das exigéncias do ACULTURACAO E ASSIMILACAO DOS tNDIOS DO BRASIL W zdministrador que venha a solicitar o consetho e a orientag&o do cientista. O objetivo que aquéle tem em mira e que pode ou nfo ser endossado pelo antropdlogo, mas que se afigura quase como imposicao do curso histérico das relagdes interétnicas no Brasil e em outras partes do munco, é o da integragio dos grupos indios na comunidade nacional como um todo, integragio que se hd de conseguir com menor atrito e menor numero de vitimas em sentido bioldgico e psiquico do que se verificaria se o processo ficasse abandonado ao seu caminho natural e espontaneo. Cedo ou tarde, essa “assimilagio & vida nacional brasileira” (Wagley e Harris, 1958, p. 21) acarreta a desintegracgio dos grupos nativos, ou seja, a destribalizacao. © que, porém, o estudo da aculturaciio dos indios brasileiros vem revelando com evidéncia cada vez maior é que a concomitante reorientagio do sistema cultural nio se manifesta, quer no plano das relagdes interétnicas, quer na consciéncia do sborigine, como assimilagio propriamente dit onto_de se _tornar a e Za lacio realmente efetiva. Para ser genuina, @ assimilacio pressupée 1 nao s6 a aceitacdo do indio pela sociedade nacional como se nao fdsse findio, isento sobretudo de quaisquer estigmas, mas requer também do prdéprio nativo © sacrificio de sua primitiva identidade étnica e da consciéncia de sua erigem na fundamentacao das relagdes com a sociedade nacional. % vre- cisamente 0 que nao se tem verificado. E os responsdveis pela protecdo ao indio, tanto os funciondrios da entidade oficial como os missiondrios das diferentes confissGes religiosas, nfio se tém dado conta désse impasse em sua acdo protetora e orientadora. Em certos casos foi possivel pro- mover uma razodvel acuituragio e integracio econédmica ou a conversio os efeitos, com tudo o que de problematico o fato possa acarretar, nfo s6 do ponto de vista das mais diversas discriminacdes a que estdé sujeito, mas também no tocante a dificuldade de assumir razodveis atitudes de auto-afirmagéo em face do branco. Que isso valha pare o silvicola ainda préso & comunidade nativa, nao admira; surpreendente € que vale em igual medida para as familias ou os individuos ja dispersos na populagio nacional, rural e urbana. Nos raros exemplos de assimila¢gio completa parece tratar-se de criangas que safram de suas aldeias em tenra idade ou entio de individuos mesticos, desde logo socializados no ambiente ~ extratribal. Isto sugere a inexisténcia de uma relagio direta entre a marcha aculturativa e o processo de assimilagio, hipdtese que nio hesito em considerar como um dos resultados mais importantes, tam- bém para a acéo prética, dos poucos estudos de aculturacgio menos superficiais até hoje levados a efeito entre os aborigines do Brasil. Significaria isto, contra téde expectativa, que o indio adulto, uma vez socializado & vida tribal, embora transformada, nao seria capaz de assimi- lar-se e de ser assimilado. 12 EGON SCHADEN Seria muito instrutivo, a éste respeito, passar em revista a situacio intercultural de diferentes tribos brasileiras da atualidade. Vejamos alguns - exemplos apenas. O mais significativo 6 talvez o dos Teréna, tribo arudik do sul de Mato Grosso, que foi objeto de meticulosa investigagio por Roberto Cardoso de Oliveira, do Museu Nacional do Rio de Janeiro. Em comparagio com outras populacées nativas do Pafs, os Teréna conseguiram uma participagiio relativamente satisfatéria no conjunto das atividades econémicas regionais, tornando-se mao-de-obra na Javoura, em industrias extrativas e principal- mente na pecudria. Uma parcela da tribo passou a viver em cidades e ld encontrou trabalho. Do ponto de vista demogréfico, os Teréna lograram manter estabilidade ha vdrios decénios, em contraste com a grande maioria dos grupos ind{igenas, que revela constante declinio. Quanto 4 cultura, sacrificaram 8 maior parte de suas instituicdes e foram convertidos parte ao Catolicismo, parte a seitas protestantes, e no tocante & tecnologia e a vida econémica pouco se distinguem da populagio regional. Tomando-se por base o adiantado grau de aculturag&o, tudo indicaria uma répida as- similacéo. Nao obstante, a pesquisa evidenciou que, salvo pouquissimas excegdes, os Teréna, mesmo os que passaram a viver em ambiente urbano, mantém viva a sua consciéncia étnica e os lagos de solidariedade tribal, de modo que esto longe de ser absorvidos pela sociedade mais ampla que os envolve. As excecdes registradas sio as de alguns individuos ou mestigos ou criados em ambiente alheio @ existéncia tribal (Cardoso de Oliveira, 1960 e 1966). Mas nao foram apenas os Teréna, indios j4 bastante aculturados, que deixaram de ser absorvidos na sociedade dos brancos, na qual se integra- ram, ainda que de forma precdria, através de suas atividades econémicas, Coisa semelhante ocorreu com os Kayové-Guarani, também do sul de Mato Grosso. Tal como os Teréna, muitos déles trabalham para patrdes brancos, uns na lavoura, outros na extracio da erva-mate. A sua cultura iguaimente sofreu profundas transformagoes e a sua organizagio social hoje se asseme- tba em muitos tragos & da populag&o cabocla. No entanto, é dificil loca- lizar, se é que existe, um Kayovd que nfo seja tido e nfo se tenha por membro da tribo. E os poucos que renegam a sua qualidade de indio tampouco estio reaimente assimilados, j4 que a sua maneira de ser con- tinua pautada por valores, reagdes emocionais e categorias de pensamento aborigines. O que Ihes orienta o comportamento, embora talvez incons- ciente e nfio confessadamente, é sempre a referéncia & tribo de que pro- vém. A prova esté em que, mais dia, menos dia, tornmam a restabelecer contacto cOm seu grupo e pelo menos intermitentemente se integram néle, Quanto aos que permanecem vinculados & comunidade — e esta as vézes chega quase ao ponto de dissolver-se — observa-se que, precisa- ACULTURACAO E ASSIMILACAO DOS {NDIOS DO BRASIL 13 mente em momentos criticos que beiram a desorganizacio social, se reaviva paradoxalmente @ consciéncia étnica em oposigéo ao mundo dos brancos. Encontram, entio, nos valores centrais de sua primitiva religifo motivos de autoafirmacéo, a qual, entretanto, nfo resolve, antes agrava a sug situagio de marginalidade, porque ao lado dum etnocentrismo exacerbado e doentio continua o desejo de desfazer o estigma de inferioridade que os marca em sua situagfo de miséria material e de dependéncia econdmica. Por outro lado, no desenvolvem padrdes eficientes para dar corpo a quaisquer movimentos de cardter reivindicativo. Como quer que seja, tam- bém éles nfo se assimilam, mas retornam sempre, ‘como ultimo refigio, aos valores religiosos de seus antepassados, isto é, aos valores que simbo- lizam, mais do que outros, @ sua identidade amerindia. Varias tribos da bacia do Rio Negro e os Tuktina do Alto Solimées sao conhecidos pelos surtos messifinicos que em seu seio se registram de tempo em tempo. Trate-se af, como nos exemplos h4 poucos citados, de grupos ja& em alto grau acaboclados, quando se toma por critério o seu atual es- tado de cultura e a sua participacéo na economia daquelas dreas. Entre éles, porém, os fendmenos de messianismo, em que nao hd quase anseios de revivalismo da cultura de origem, mas a pretensfo de usufruir as prer- rogativas e a situacio vantajosa dos brancos, constituem inequivoca demonstragio de tenaz resisténcia a assimilacio. fsses movimentos, diri- gidos contra o branco’ e a sua hegemonia social e econémica, traduzem a revivescéncia do espirito de coesio tribal, que se opGe aos representantes do mundo civilizado, & enquanto indios que os protagonistas désses le- vantes Telvindicam para o grupo um lugar que the permita usufruir os bens da civilizagio, no como silvicolas que o teriam deixado de ser e que, assim, se considerariam em tudo iguais aos brancos, inclusive em seus direitos. (Galvio, 1959; Cardoso de Oliveira, 1964; Schaden, 1966). Em outros movimentos messianicos de tribos brasileiras esté em igual medida presente uma atitude que nfo demonstra propensaéo para o abandono da consciéncia tribal e da autodefinigio do indio. Cabe mencionar o exemplo recentemente descrito por Crocker (1966) entre os Canelas do Brasil oriental eem que a oposic&o agressiva ao branco exprime bem os propdsitos anti- -assimilacionistas, ainda que, como nos outros casos, sem intuitos de retOrno & primitiva cultura da tribo. Diga-se, de passagem, que, segundo observagéo corriqueira em populacdes primitivas de tédas as partes do mundo, o messianismo costuma tomar expressio virulenta exatamente nas fases em que os contactos interétnicos e os conseqiientes efeitos acultura- tivos pdem a periclitar a solidariedade tribal. Em outros térmos: como reagio mais ou menos consciente a um maior grau de assimilacso de uma parte do grupo. 4 EGON SCHADEN Be modo geral, € licito afirmar que sao relativamente fracas nas tribos brasileiras as possibilidades de mobilizar energias para resistir & crescente aculturagdé0. Quando isto se dé, como entre os Kayovdé e outros Guaranf, as atitudes antiaculturativas limitam-se a determinadas esferas da cultura — em especial & religiio — que passam a assumir a funciio de simbolos da identidade Gtnica, 1 esta, em ultima anilise, que se procura preservar Se o avanco do processo aculturativo nfo se acompanha de um numero erescente de unides mistas entre indios e caboclos, que levem a tribo a transformar-se em populacio mestica, siio, pois, muito fracas as expecta- tivas de uma verdadeira assimilagio. N&o se discute aqui a conveniéncia cu nao de promovéla. Mas também nfo se poe em dtivida a necessidade Ge armar o silvicola para o convivio com o branco. De qualquer modo, @ protecio e 0 amparo que se lhe queiram dar no serfd eficientes se nio se levarem em conta os fatos apontados. Enquanto o indio continua a identificar-se e a ser identificado como tal, a melhor. ajuda que se the pode dar sera, por certo, combater os preconceitos de que é vitima e que em grande parte éle préprio aprendeu a endossar. BIBLIOGRAFIA CITADA CARDOSO DE OLIVEIRA, ROBERTO 1960 — O Processo de Assimilacio dos Teréna, Série Livros, I, Museu Nactonal. Rio de Janeiro. 1964 — © Indio © o Mando dos Brancos, A Situagio dos Tuktina do Alto Solimées Difusio Européia do Livro, So Paulo. 1966 — Urbaniracio © Triballamo. A Integracio dos Teréoa numa Sociedade de Classes, Tese de doutoramento da Universidade de S80 Paulo, Edicho mimeografada. CROCKER, WILLIAM H. 1986 — The Canela Messianic Movement: An Introduction, Trabalho apresentado ne Vil Reuniio Brasileira de Antropologia, realizada no Simpésio sdbro a Biota Amaz6nica, Belém. GALVAO, PDUARDO 1959 — cAculturagio Indigena no Rio Negro», Boletim do Museu Paraonye Emilio Goeldl, n.s., Antropologia, n.° 7, Belém. SCHADEN, EGON 1862 —~ Aspectos Fundamentais da Cultura Guarani, 2.2 edicio, Difustio Huroptia do Livro, S80 Paulo. (1.* edigiio: 1954.) 1965 —

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