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Organizadores José Marques de Melo Francisco de Assis De a Metodista CoS tts Géneros jornalisticos no Brasil José Marques de Melo Francisco de Assis (organizadores) Sao Bernardo do Campo, 2010 UMESP. Dados Internacionais de Cataloga¢do na Publicagao (CIP) (Biblioteca Central da Universidade Metodista de Sao Paulo) Géneros jornaiisticos no Brasil / organizagio de José Marques de Melo, G286 Francisco de Assis. Sao Bernardo do Campo + Universidade Metodista de Sao Paulo, 2010. 331p. Bibliografia ISBN 978-85-7814-128-8 1. Géneros jornalisticos 2. Jornalismo |. Melo, José Marques de Il. Assis, Francisco de CDD 079.8161 Universidade Metodista de Sao Paulo Rua do Sacramento, 230, Rudge Ramos 09640-000, Sao Bernardo do Campo , SP Tel: (11) 4366-5537 E-mail: editora@metodista.br www.metodista.br/editora Assistente editorial: Maria Zélia Firmino de S& Capa: Cristiano Freitas Editoragdo Eletronica: Editora Metodista Tratamento de imagens: Karina Resende Dias Revisdo: Victor Hugo Lima Alves Permutas e atendimento a bibliotecas: Noeme Viana Timb6 Impresséo: Assahi Grafica e Editora As informagées e opinides emitidas nos artigos assinados sao de inteira responsa- bilidade de seus autores, néo representando, necessariamente, posi¢ao oficial da Universidade ou de sua mantenedora. GENERO INFORMATIVO LAURA CONDE TRESCA O jornalismo tem uma estrutura linguistica, mas é também uma cons- trucdo histérica. Os processos regulares, continuos e livres de informagao e de opiniao sobre a atualidade s6 se constituem com a ascensao da burguesia ao poder e a aboligdo da censura prévia a publicagao. José Marques de Melo explica que, devido a censura posterior a publica¢ao, o jornalismo de opiniao 6, de certa forma, nao incentivado e acaba estimulando 0 jornalismo de infor- macao. Nesse sentido, a bipolarizagao entre jornalismo informativo e jorna- lismo opinativo é construfda historicamente, tendo o primeiro a sua expres- s&o maior no jornalismo inglés e o segundo no jornalismo francés (MARQUES DE MELO, 2003, p. 22). A despeito de todo debate em torno do mito da objetividade’, o género informativo persiste historicamente e linguisticamente. Mas qual o estado da arte das reflexdes sobre o género informativo no jornalismo impresso? Como ponto de partida, 6 necessario pensar em rela¢ao a que as refle- xdes sobre o género informativo no jornalismo impresso avangaram. Assim, o referencial inicial de comparacao adotado foi o pensamento de Marques de Melo (2003), porque é 0 autor que, analisando as produgées bibliograficas europeia, norte-americana, hispano-americana e brasileira sobre esse tema, ao longo do tempo, constituiu a obra mais consistente sobre os géneros jor- nalisticos. Para ele, o género informativo apresenta os seguintes formatos: nota, noticia, reportagem e entrevista. A distingao entre a nota, a noticia e a reportagem esta exatamente na progres- sao dos acontecimentos, sua captacao pela instituicao jornalistica e acessibili- dade de que goza o piblico. A nota corresponde ao relato de acontecimentos que esto em processo de configuragao e por isso é mais freqiiente no radio e 0 chamadas de “mito da objetividade” todas as reflexdes que desmentem a imparcialida- das informagées. GENEROS JORNALisTICOS NO BRASIL na televisdo. A noticia 6 um relato integral de um fato que jd eclodiu no orga- nismo social. A reportagem é 0 relato ampliado de um acontecimento que ja repercutiu no organismo social e produziu alteragées que ja sao percebidas pela instituigao jornalistica. Por sua vez, a entrevista é um relato que privilegia um ou mais protagonistas do acontecer, possibilitando-lhes um contato direto com a coletividade (MARQUES DE MELO, 2003, p. 66). A fim de identificar até onde 0 saber cientifico se diferencia do saber popular e técnico, 0 primeiro passo dado foi analisar um exemplo do senso comum por meio das definigdes do Diciondrio Houaiss e um exemplo das no- ges técnicas por meio dos conceitos do Novo Manual de Redacdo da Folha de S, Paulo. Posteriormente, foram analisadas a producdo bibliografica e a “literatura cinzenta” * brasileira recente. 1. SENSO COMUM E TECNICO 1.1. 0 picionArio Houaiss No Diciondrio Houaiss (2006, on-line), foram pesquisados os termos nota, noticia, reportagem e entrevista. Desta forma, foi possfvel observar que, no senso comum, os termos noticia e nota se confundem. Nota é definida como “noticia breve e concisa, que se destina a infor- magao rapida”. Noticia tem uma longa relac4o de definicées, mas uma delas é “nota, apontamento”, Outra definic&o interessante de noticia é “relato de fatos e acontecimentos, recentes ou atuais, ocorridos no pais ou no mundo, veicu- lado em jornal, televiso, revista, etc.” (HOUAISS, 2006, on-line). Aqui, o termo definidor é relato, A reportagem, por outro lado, é um resultado da atividade jornalistica, uma fungao: 1 atividade jornalistica que basicamente consiste em adquirir informagdes so- bre determinado assunto ou acontecimento para transforma-las em noticiério 2.0 resultado desse trabalho (escrito, filmado, televisionado), que é veiculado por 6rgaos da imprensa 3. funcao, servico de repdrter; a classe dos repérteres (HOUAISS, 2006, on- line). + Expresso normalmente usada para se referir a obras académicas nao publicadas em livros, 208 artigos publicados em revistas cientificas e papers apresentados em eventos cientificos. 86 GBNERO INFORMATIVO Jaa entrevista, pressupée um encontro em sua definigao: [Ll 2 (1856). vista, coléquio entre pessoas em local combinado, para obtengao de esclare- cimentos, avaliagées, opiniées, etc. 2.1 Rubrica: jornalismo. coleta de declaragées tomadas por jornalista(s) para divulgagao através dos meios de comunicagaio 2.2 Derivacao: por metontmia. as declaragées assim coligidas 3 (sXIX). encontro ajustado; visita (HOUAISS, 2006, on-line). De maneira nao-intencional, também é formulada uma proposta de clas- sificagao, baseada nas condi¢ées de coleta da informagao: coletiva e exclusiva. A primeira é “agendada e concedida especialmente por figura publica ou per- sonalidade de atual relevancia social, politica, econémica, etc. a um grupo de jornalistas de diferentes érgaos de comunicago”. A segunda é “outorgada a uma tinica empresa jornalistica” (HOUAISS, 2006, on-line). Tais definigdes estao muito longe da nogao de reportagem como “pro- gressdo de acontecimentos” ou de entrevista como “relato privilegiado’, se- gundo Marques de Melo (2003). 1.2. Novo MANUAL DE REDACAO DA FOLHA Antes de um produto histérico e uma estrutura linguistica, para a Folha de S. Paulo (1996) as noticias e ideias so mercadorias’, tal como expresso logo na apresentagdo do manual: “A Folha considera noticias e idéias como mercadorias a serem tratadas com rigor técnico” (FOLHA..., 1996, p.5). Anota é definida como “noticia curta’. Tal como no senso comum, nao é possivel definir nota sem o uso da no¢ao de noticia. O elemento diferenciador em relagdo a noticia é a extensdo do texto. Interessante notar também a pre- ocupacao com o carter nao opinativo das noticias. * Theodor Adorno (COHN, 1971), ao criar o conceito de indtistria cultural, e Marcondes Filho (1986), ao explica-lo, no livro O capital da noticia, apontam para essa caracteristica da notf- cia, assumida no Novo Manual de Redagao da Folha de S, Paulo, em 1996. Nao obstante, ainda hoje ha discussao no ambito académico sobre a matéria. 87 GENEROS JORNALISTICOS NO BRASIL Anoticia é Puro registro dos fatos, sem opinido. A exatidao é 0 elemento-chave da noticia, mas varios fatos descritos com exatid&o podem ser justapostos de maneira ten- denciosa. Suprimir ou inserir uma informagao no texto pode alterar a significa do da noticia. Nao use desses expedientes (FOLHA... 1996, p. 88). Nao hd referéncia ao termo reportagem, apenas reportagem especial, a qual “requer extenso e minucioso levantamento de informagées. Pade apro- fundar um fato recém-noticiado ou revelar um fato inédito com ampla docu- mentagao ¢ riqueza de detalhes” (FOLHA..,, 1996, p. 93). Observa-se que, na percep¢ao da Folha, a nogdo de “progressdo de acon- tecimentos” entre nota e noticia de Marques de Melo (2003) nao esta presen- te, diferentemente do que acontece com a ideia de reportagem especial, em que o aprofundamento dos fatos é elemento constitutivo. A entrevista, por outro lado, nao é referida pela nogao de “relato privi- legiado”: “a maioria das noticias publicadas no jornal tem entrevistas como matéria-prima, embora nem sempre pareca assim” (FOLHA..., 1996, p. 52). Diferente do senso-comum, outras classificagdes séo propostas para a entrevista: exclusiva e pingue-pongue. 0 critério de nomeagao, entretanto, no é 0 mesmo. A primeira é concessdo a um sé jornalista ou veiculo de co- municacao. A segunda é formato de publicagao pergunta e resposta. 2. A PRODUGAO ACADEMICA 2.1. A PRODUGAO BIBLIOGRAFICA, Chaparro é um dos principais pesquisadores que mantém os géneros jornalisticos como objeto de estudos. No livro Sotaques d’aquém e d’além mar: percursos e géneros do jornalismo portugués e brasileiro, ele procura compa rar os géneros jornalisticos no Brasil ¢ em Portugal. Os pressupostos de sua andlise sao: o jornalismo enquanto linguagem de relato e andlise da atuali- dade realiza-se por um conjunto de técnicas desenvolvidas na experiéncia do fazer; as espécies jornalisticas sao reportagem, artigo/ entrevista, noticia, crénica e coluna; uma espécie pode prevalecer mais em algumas épocas e circunstancias; e o discurso jornalistico nao é auténomo. Para 0 autor, os gé- neros sao “formas discursivas da imprensa” (CHAPARRO, 1998, p. 79). © autor faz um didlogo direto com o trabalho de Marques de Melo, negando radicalmente o paradigma da divisdo entre opiniao e informa¢ao (CHAPARRO, 1998, p. 120). Defende que esta é uma construgao académica e 88 GENERO INFORMATIVO que as contradi¢ées afloram na leitura de jornais. Apés uma longa disserta- GENEROS JORNALISTICOS NO BRASIL. Tabela 2 - Classificagao dos géneros jornalisticos proposta por Manuel Carlos Chaparro Género Comentario Género Relato cao sobre 0 mito da objetividade, adota, como referencial teérico, a proposta - ——— do espanhol Martinez Albertos que, de acordo com suas colocagées, “estabe- Espécies argumen- | Espécies grafico- | 5. cies narrativas | Espécies préticas lece um nivel interpretativo para o relato jornalistico, intermedidrio entre a tativas ~_artisticas informagio e a opiniao, conforme segue: roteiros artigo reportagem indicadores Tabela 1 ~ Classificacao dos géneros jornalisticos proposta crénica caricatura noticia agendamentos por Martinez Albertos (apud Chaparro} cartas charge entrevista previsdo de tempo Estilo Atitude Géneros Modalidades Modo de coluna coluna orlentagdes ateis escrita cartas-consulta Informative | informagao 1. Noticia -reportagem de | narragao (12 nivel) relatar 2. Reportagem | acontecimento descrigao O comentario seria expresso principalmente pelo esquema argumenta- objetiva ~reportagem (fatos) tivo, diferentemente do relato, que é expresso pelo esquema narrativo. - vporeatem Apesar de tentar romper com a dicotomia informativo-opinativo, ao de citacdes propor uma classificagdo alternativa, Chaparro de certa forma retoma os gé- -reportagem neros classicos. Qual é a diferenca substancial do conceito de género comen- de seguimento tario e de género opinativo? Qual é a diferenca substancial do conceito de Informativo | interpretagao | 2. Reportagem expo: género relato e género informativo? Nao fica claro. Tampouco o autor avanca (22 nivel) analisar interpretativa (fatos e ra- 3. Cronica zdes) Editoriali- opiniaio 4, Artigo ou - editorial argumentagao zante persuadir comentario - suelto (razdes - coluna (artigo e ideias) assinado) - critica - tribuna livre (cartas) Fonte: Chaparro (1998, p. 120). Apesar de Martinez Albertos construir um referencial tedrico total- mente diferente, 0 esquema proposto avan¢a um pouco nas classificagdes dos formatos de reportagem. A reportagem de acontecimento “oferece uma visdo estatica dos fatos, como coisa ja acabada” (CHAPARRO, 1998, p. 120). A reportagem de acio trabalha com visao dindmica dos fatos. A reportagem de citagdes privilegia as vers6es sobre os fatos. A reportagem de seguimento narra a continuidade de um acontecimento de um dia para 0 outro. A partir do esquema de Martinez Albertos, Chaparro (1998, p. 123) pro- poe uma classificagao propria: 89 para discutir os formatos de nota, noticia, reportagem e entrevista. Medina é quem contribui para pensar os formatos de entrevista. Define entrevista: “uma técnica de obtencao de informagées que recorre ao particu- lar” (MEDINA, 1986, p. 18). A autora enfatiza o carater dialégico da entrevista e, para propor um esquema de classificacao, baseia-se em Edgar Morin, con- forme mostra o quadro a seguir: ‘Tabela 3 - Classificagdes do formato entrevista propostas por Edgar Morin e por Cremilda Medina Proposta de Edgar Morin Proposta de Cremilda Medina Espetacularizacao | Compreensao _ | Espetacularizacio | _ Compreensao Ps 6 P - perfil pitoresco ee ~ entrevista-rito - entrevista- ~ perfil do inusi- enquete entrevista didlogo porfite onde. | ~iavestigativa anedética -neocontissées | “P nacio - confrontacao ° | - perfil humani- - perfil da ironia |” Pert! humant zado 90 GENERO INFORMATIVO Haveria, desse modo, duas grandes categorias: espetacularizacao e com- preensdo. Dentro da nocao de espetacularizagao, hd os subformatos: perfil do pitoresco, perfil do inusitado, perfil da condenagao e perfil da ironia. Dentro da nocao de compreensao, hd os subformatos: conceitual, entrevista/enque- te, investigativa, confrontacdo e perfil humanizado. Nilson Lage (2001) contribui para esse debate propondo tipos de entre- vistas, de acordo com as circunstancias e objetivos: Tabela 4 - Classificacdo do formato entrevista proposta por Nilson Lage Circunstancias Objetivos ocasional ritual confronto, tematica coletiva testemunhal dialogal em profundidade Em relagao a noticia, Medina (1988) afirma que sua diferenga, em rela- do a reportagem, esta no tratamento do fato jornalistico, no tempo de agaoe no processo de narrar, tendo uma preocupado muito estilfstica. E importan- te lembrar que essa no¢do de tempo também esta presente no pensamento de Marques de Melo: a progressdo dos acontecimentos. Gomis (1991) defende que as caracteristicas préprias dos géneros nas- cem de uma relacao peculiar entre o contetido e a forma. Nao 6a propor¢gao de informacado ou comentario que serve como critério de classificagéo dos géneros, mas a fungao que cumpre. Assim, propée as seguintes categorias: noticia, informe, reportagem, entrevista e crénica. Coimbra (2004) escreve um livro-manual, contribuindo para a classifi- cacao de reportagem, a partir da estruturagdo do texto: reportagem disserta- tiva, reportagem narrativa (testemunha, protagonista, onisciente e draméati- co), reportagem narrativo-dissertativa/ dissertativa-narrativa e reportagem descritiva. As duas Ultimas categorias sao para evidenciar os limites ténues dos formatos propostos: é dissertativo, mas também pode ser narrativo ou é narrativo e contém descricSo. Por sua vez, Grillo (2004, p. 20) faz uma abordagem linguistica, basean- do-se em Bakhtin. Parte do pressuposto de que a noticiaea reportagem sao “géneros informativos por exceléncia”. Defende os titulos como os principais responsdveis pelo carater informativo desses géneros. Consequentemente, a nocao de realidade é criada, embora nao avance na questao dos formatos desse género. 91 GENEROS JORNALISTICOS NO BRASIL Dentre as poucas novidades publicadas, hA um livro que nos remete, ainda, a influéncia norte-americana: Elementos do jornalismo, de Bill Kovach e Tom Rosenstiel. Embora os autores nao tratem diretamente dos géneros, ha que se observar que dao destaque ao jornalismo investigativo, tratando, especificamente, sobre reportagem investigativa original, reportagem inves- tigativa interpretativa e reportagem sobre as investigagées (KOVACH; RO- SENSTIEL, 2004, p. 176-184). Nenhuma obra que trata especificamente do formato nota foi localizada nesta pesquisa. 2.2, A LITERATURA CINZENTA A produgao académica dos tltimos anos voltou-se bastante para a andli- se do discurso. S40 muito recorrentes trabalhos do tipo “como a midia trata/ aborda tal questo”, principalmente na perspectiva da relagao linguagem e ideologia. Outro tipo de trabalho bastante comum é aquele que discute as condigées ou os meios de produgao da noticia. Desta forma, atém-se ao pro- cesso e nao aos géneros. Portanto, s4o poucos os autores que trataram dos géneros jornalfsticos e raros os que trataram especificamente sobre os for- matos do género informativo. Kauffmann se propée a colocar em primeiro plano de andlise a descri- cao linguistica dos géneros jornalisticos. Diz que procurou estudar justamen- te os formatos com maior dificuldade de reconhecimento, como a noticia ea reportagem (KAUFFMANN, 2005, p.40). Para tanto, na perspectiva dos estu- dos da comunicagao, o autor baseia-se principalmente nas obras de Chaparro e de Marques de Melo. Porém, nao avan¢a na proposi¢ao de formatos e acaba por apenas reforgar as constata¢ées feitas anteriormente: “as dimensées re- sultantes reforgam a tese de Marques de Melo J...] de que existe nos géneros uma cis4o basica entre opiniado e informacao” (KAUFFMANN, 2005, p. 40). Lanza (2005) nao trata especificamente dos formatos do género infor- mativo, mas chama a aten¢do para um aspecto importante: a folhetinizagao da noticia. Com isso, ela quer dizer que as noticias e reportagens continuam sendo noticias e reportagens, mas que agora comportam elementos litera- rios. Ou seja, nao constituem um género diferente. Santos (2003) segue a mesma tendéncia, nao tratando especificamente dos formatos do género informativo, Entretanto, chama a atengdo a nogado de “foto como noticia”. Tal perspectiva 6 importante, porque abre a possibilidade de definir noticia nao sé pelo texto escrito, mas também pela imagem. 92 GENERO INFORMATIVO Bonini (2003), autor que mais questiona a tematica, teve apenas a in- tengao de fazer um inventario da literatura sobre os géneros que circulam nos jornais, sem apresentar uma classificagao propria. CONSIDERAGOES FINAIS Marques de Melo defende que os géneros jornalisticos sofrem influén- cia direta da cultura em que se inserem, seja em local ou em um tempo dife- rente. O jornalismo é um fenémeno cuja natureza é 0 efémero, o provisério e o circunstancial. Isso “exige do cientista maior argticia na observagao e me- thor interpretagaio metodoldgica para que nao caia nas malhas do transitério” (MARQUES MELO, 2003, p. 13). Assim, se faz necessaria uma atualizacao constante destes conceitos. Se houve progresso na discussdo sobre a produgao de informagées, a recfproca nao é verdadeira com relagao aos formatos do género informativo: nota, noti- cia, reportagem e entrevista. Como foi debatido, ha pouco avango nas classifi- cagées. Quando hd, 0 critério é pouco consistente. REFERENCIAS BONINI, Adair. Os géneros do jornal: 0 que aponta a literatura da area de co- municagao no Brasil? Linguagem em (Dis)curso, Tubarao, v. 4, n. 1, p. 205- 231, jul./dez. 2003. CHAPARRO, Manuel Carlos. Sotaques d’aquém e d’além mar: percursos e géneros do jornalismo portugués e brasileiro. Satarém: Jortejo, 1998. COHN, Gabriel. Comunicagao e industria cultural. Sao Paulo, Companhia Editora Nacional/ Editora da Universidade de Sao Paulo, 1971. COIMBRA, Oswaldo, 0 texto da reportagem impressa: um curso sobre a sua estrutura, S&o Paulo: Atica, 2004. FOLHA DE S.PAULO. Nevo Manual de Redagao. Sao Paulo: Fotha de S.Paulo, 1996. GOMIS, Lorenzo. Teoria del periodismo: como se forma el presente. Barce- lona: Paidés, 1991. GRILLO, Sheila Vieira de Carmago. A produgao do real em géneros do jor- nalismo impresso. Sao Paulo: Humanitas, 2004. HOUAISS ON-LINE, Disponivel em: . Acesso em: 10 jun, 2006. 93 GENEROS JORNALISTICOS NO BRASIL KAUFFMANN, Carlos Henrique. 0 corpus do jornal: variasao lingiiistica, gé- neros e dimensées da imprensa diaria escrita. 2005. 170 f. Dissertagao (Mes- trado em Linguistica Aplicada e Estudos da Linguagem) ~ Pontificia Universi- dade Catdlica de Sao Paulo, 2005. KOVACH, Bill; ROSENSTIE, Tom. Elementos do jornalismo. Sao Paulo: Gera- ¢ao Editorial, 2004. LAGE, Nilson. A reportagem: teoria € técnica de entrevista e pesquisa jorna- listica. Rio de Janeiro: Record, 2001. LANZA, Sonia Maria. O jornalismo contemporaneo: paradigma recodifica- do, In: Congresso Brasileiro de Ciéncias da Comunicago, 28., 2005, Rio de Janeiro. Anais eletrénicos... Sao Paulo: Intercom, 2005. MARCONDES FILHO, Ciro. 0 capital da noticia: jornalismo como produgao social da segunda natureza. Sao Paulo: Atica, 1986. MARQUES DE MELO, José. Jornalismo opinativo: géneros opinativos no jor- nalismo brasileiro. 3. ed. Campos do Jordéo: Mantiqueira, 2003. MEDINA, Cremilda. Entrevista: o didlogo possivel. Sao Paulo: Atica, 1986. . Noticia, um produto a venda: jornalismo na sociedade urbana in- dustrial. Sao Paulo: Summus, 1988. SANTOS, Jorge Vianna. O processo de textualizacao do género noticia no jor- nal impresso, relagées intersemidticas entre a linguagem visual da fotogra' jornalfstica e a linguagem verbal da legenda. In: Congresso Brasileiro de Ci- éncias da Comunicagao, 26., 2003, Belo Horizonte. Anais eletrénicos... S40 Paulo: Intercom, 2003. 94 GENERO OPINATIVO ANA REGINA REGO MarIA ISABEL AMPHILO As pesquisas acerca dos géneros jornalisticos, assim como as inquieta- ces e as investigacées sobre varios aspectos relativos ao campo do jornalismo, ganharam félego no século passado, época em que profissionais da comunica- ao e de outras areas do conhecimento, sobretudo da psicologia e das ciéncias sociais, se debrugaram sobre os fendmenos da comunicasao de massa, para, em seguida, se ocuparem dos aspectos que envolvem a produgao jornalistica. No Brasil, Luiz Beltrao destacou-se na pesquisa dos géneros a partir de sua vivéncia como jornalista e de sua experiéncia em sala de aula. A partir da década de 1960, comeca a escrever uma triade de cunho didético para o ensino de jor- nalismo no Brasil, tipo de material até entdo inexistente: A imprensa informativa (1969), Jornalismo interpretativo (1976) e Jornalismo opinativo (1980). Neste «il- timo, encontramos as bases para a reflexdo sobre o género opinativo. A opiniao destaca-se no texto jornalistico como um género consolidado, ja que 6, invariavelmente, claro e, portanto, facilmente identificavel, todavia, sofre atualmente um processo evolutivo considerando, sobretudo, 0 novo jor- nalismo praticado nos suportes on-line, como no jornalismo denominado de open source journalism ou citzen journalism, no qual opiniao e informagao se fundem nos textos dos cidadaos jornalistas e que sao enriquecidos pelos comentarios postados e agregados a cada matéria publicada. Outra afirmacao recorrente é a de que todo discurso jornalistico 6, por natureza, um discurso opinativo, mas ndo necessariamente um género de opiniao. Em matéria publicada no site Comunique-se, em 1° de junho de 2006, sobre jornalismo opinativo, assinada pela redagao do veiculo, so encontra- das as seguintes afirmacdes acerca do mesmo: Mino Carta, diretor de redagao da Carta Capital, acredita que jornalismo abjeti- vo nao existe, pois sua pratica é “sempre necessariamente subjetiva’, cabendo ao reporter esclarecer que 0 que esta sendo narrado é apenas sua versao dos fatos. Zuenir Ventura, colunista de O Globo, aponta que o "chamado jornalismo opinativo tem com 0 leitor um pacto que é mais sincero, ndo tem a hipocrisia de GENEROS JORNALISTICOS NO BRASIL fingir ser objetivo, isento, neutro”. O préprio Chaparro afirma que a dissaciagao entre opiniao e informacao é uma “fraude tedrica e moralista” (TODO JORNA- LISMO..., 2006, on-line). Assim, diante do contexto exposto, o presente trabalho debruga-se ini- cialmente sobre o percurso histérico do género opinativo, para em seguida se dedicar a uma revisao bibliografica acerca do mesmo, da qual se parte para a conceituagao dos formatos. 1. ENTRE A INFORMAGAO E A OPINIAO Ojornalismo brasileiro ja nasceu com essa dicotomia. De um lado, 0 pio- neirismo de Hipélito da Costa, no Correio Braziliense, encampava a apiniao e, mesmo sendo impresso do outro lado do atlantico, debatia a vida politica e os destinos da colénia portuguesa. De outro lado, a Gazeta do Rio Janeiro, que nasce sob o julgo do Estado e destina-se a poucas noticias de uma imprensa “Aulica” e a divulgar os atos oficiais do governo portugués em terras brasil ras, possufa carater mais informativo. Todavia, mundo afora, a disputa por espago nos periddicos é bem ante- rior Segundo Marques de Melo (2003, p. 42), “quando o editor inglés Samuel Buckley decidiu-se pela separacdo entre news e comments no Daily Courant ele inicioua classificagao dos géneros jornalisticos, ja no principio do século XVIII”. E neste século, também, que podemos visualizar uma grande disparidade entre as atuagdes da imprensa francesa que vai optar pelo caminho da opiniao, em face da efervescéncia politica; e da inglesa, que ja se moldaao caminho informa- tivo, empurrada, principalmente, pelo cerceamento a liberdade de imprensa e pelas imposi¢Ses tributarias do governo inglés. Caminho idéntico vai percorrer a imprensa americana, que no século seguinte vai aderir a “objetividade” infor- mativa, como modo de transformar a informacéio em mereadoria e apresentar- se para o mercado, que naquele século seria dominado por uma competi¢ao acirrada, chegando a possuir mais de um jornal com tiragens acima de 500 mil exemplares. Marques de Melo (2003, p.24) enfatiza: Mas sem diivida o jornalismo informativo afigura-se como categoria hegemd- nica, no século XIX, quando a imprensa norte-americana acelera seu ritmo pro- dutivo, assumindo fei¢ao industrial e convertendo a informacao de atualidade em mercadoria, A edigdo de jornais e revistas que, nos seus primérdios, possui carater de participagao politica, de influéncia na vida piblica, transforma-se em negécio, em empreendimento rentavel. 0 radio ¢ a televisdo ja nascem e se afirmam nesse contexto mercantil. 96 GENERO OPINATIVO No Brasil, contudo, a opiniao prevaleceria durante 0 século XIX, decli- nando ao final do Império, mas permanecendo ainda com muita forga até meados do século XX, a partir de quando os veiculos impressos nacionais passam a trabalhar com uma otica mercadologica aderindo A pragmatica nor- te-americana e, buscando, principalmente, a sobrevivéncia pelo viés da logica capitalista, passando a atuar como empresas. Durante as décadas seguintes, 0 espaco da opiniao foi sendo moldado dentro do jornalismo brasileiro e esta passa a interagir com os contetidos informativos de forma concatenada. Des- te modo, os textos opinativos, em geral, se originam em um algum aconteci- mento noticiado pelos textos informativos. 2. AENFASE OPINATIVA NO JORNALISMO A importancia do estudo dos géneros jornalisticos deve-se a necessidade de sistematizacao e categorizacao dos géneros, presentes na imprensa brasileira contempordnea, com o objetivo de servir como base a preparagao de profissio- nais qualificados para a atua¢do na imprensa e, também, no Ambito académico, como embasamento tedrico-metodolégico as pesquisas em comunicagao. O género opinativo, conforme Marques de Melo (2003, p. 102), emerge de quatro micleos: a) da empresa, b) do jornalista, c) do colaborador, d) do leitor. Dessa forma, a opiniao da empresa é destacada de forma opinativa no editorial. A opiniao do jornalista se reflete nas categorias: comentario, resenha, coluna, crénica, caricatura e no artigo, que eventualmente pode ser escrito por um in- telectual ou colaborador. 0 leitor participa desse processo opinativo através de cartas. Assim, Marques de Melo apresenta-nos a participacdo de quatro nticle- os da sociedade que expressam suas ideias na imprensa. Vale ressaltar que nao abordaremos a pesquisa ja realizada por Mar- ques de Melo, mas sim, utilizaremos a sua obra como ponto de partida para as pesquisas posteriores, visto que muitos dos pesquisadores que continuaram a desenvolver essa tematica foram seus alunos. 0 género opinativo, no Brasil, foi analisado por outros pesquisadores, como Cremilda Medina, Manuel Chaparro, Gerson Moreira Lima, que desen- volveram suas pesquisas sobre a opiniao no jornalismo, orientados por Mar- ques de Melo. Além de Marques de Melo, outros autores também se debrucgaram sobre essa questo dos géneros. Ana Atorresi (1995, p. 36-45) aborda os géneros numa perspectiva argentina e os subdivide em informativo, de opiniao e de 97 GENEROS JORNALisTICOS NO BRASIL entretenimento. Para ela, os géneros de opiniao tém como caracteristica basica a estrutura argumentativa que se apresenta na sequéncia hipétese/conclusao. Os géneros jornalisticos sao, conforme a autora, objetos em permanen- te transformag¢do. Isso porque os géneros tomam caracteristicas definidas a partir da relagdo direta que se estabelece entre a lingua e o uso concreto que se faz dela, os homens em suas distintas atividades. Dessa forma, se 0 género discursivo esta essencialmente vinculado a pratica social, a transformacao ou a evolucao da sociedade, essa relagao implicarA necessariamente na im- bricagao dos géneros. Por isso € que Atorresi (1995, p. 41, traducado nossa) afirma que “é inegavel que os géneros se contaminem’, ou seja, tomam algu- mas caracteristicas de outros géneros. Para ela, esta contamina¢ao acontece devido: 1) a identidade dos suportes materiais; 2) a proximidade dos temas abordados; 3) as imagens que se constroem do locutor e dos destinatario e, incluirfamos, a disponibilidade de espaco na publicagao. Outro aspecto responsavel pela hibridagao dos géneros é a insercéo de opiniao em matérias informativas. Esse fendmeno desenvolveu-se no Brasil pela necessidade de legitimagéio da imprensa, ou seja, eram contratados, ou convidados, especialistas sobre determinados assuntos para opinar sobre te- mas que nao eram de dominio jornalistico. Na década de 1980, devido a crescente modernizagao tecnolégica dos meios, frente ao papel ascendente das agéncias noticiosas nacionais e estran- geiras, a principal op¢ao da midia foi pelo jornalismo especializado, de inter- pretacao, ou de investigacaio. Assim, o editorial ea crénica perdem o status de géneros puros, ¢ 0 comentario se sobressai (ATORRESI, 1995, p. 42). A questo dos géneros é polémica devido a dificuldade de encaixe de possiveis textos em determinadas categorias. Isso porque nem sempre 0 au- tor ao escrever seu texto, ou discurso, esté preocupado em prender-se, ou a adequar-se, em determinado género. Carlos Mendoza (1989) aborda, em seu livro Opinion Publica y Periodis- mo de Opinion, algumas categorias opinativas presentes na imprensa argen- tina da década de 1980, tais como: editorial, comentario, coluna, entrevista de opiniao, o “rumor” e a critica. Antes, porém, o autor aborda a questao da opinido ptiblica desde as suas definicées, classificagées, o sistema de opiniao publica, a formagado da opiniao publica, o lider de opiniao e, por fim, um pa- norama histérico da opiniao publica, para depois entrar na questo do jorna- lismo opinativo na Argentina. 98 GENERO OPINATIVO E interessante a maneira como Mendoza expde a questo opinativa nos periddicos, pois a América Latina esteve, por muitos anos, dominada pelo re- gime militar e a opiniao nos periddicos era manipulada, de forma a fazer com que a populacao nao tivesse acesso a muitas informagées e, por outro lado, apoiassem o governo militar. A preocupag¢4o constante do autor, que transparece em seu texto, é 0 ca- rater didatico e educativo. 0 autor explica constantemente o processo histori- co opinativo e mostra como determinada categoria pode ser mais bem apro- veitada na redagio jornalistica. 0 editorial, por exemplo, Mendoza (1989, p. 185) subdivide em trés partes: 1) expositiva; 2} analitica e fundamentadora; e 3) enjuiciadora. Além disso, expde um plano de redagao, como algo neces- sario para a elaboragao do editorial. Vinculado 4 empresa, no entanto, perma- nece inquestionavel, apontando para a ideologia dominante e expressando a visao da companhia sobre determinado assunto. Para Mendoza, na década de 1980, as colunas eram os espacos mais lidos na imprensa Argentina. Ele afirma que: “columnas de misceldneas o chismografias se encuentran hoy en los principales diarios argentinos y, nadie, puede negarlo, se caracteriza por ser uno de los espacios mas leidos. Como es natural envases suelen confundir al publico” (MENDOZA, 1989, p. 214), Dessa forma, a coluna é considerada como a categoria opinativa preferida dos lei- tores argentinos. 0 “rumor” é caracteristico da Argentina. Essa categoria opinativa de- senvolveu-se nesse pais durante 0 Processo de Reorganizacdéo Nacional (24/03/1976-10/12/1983), momento em que a sociedade e o jornalismo argentino sofreram com os regimes militares. O autor afirma que “se trata de un fendmeno singular que nosotros preferimos distinguirlo como rumor del miedo, para emplear una denominacién paralela al temor que desalienta a los pueblos sometidos a dictaduras” (MENDOZA, 1989, p. 245-246). Ele refere-se ao rumor como um “fendmeno cruel” que a imprensa Argentina teve que su- portar em tempos de ditadura militar. Mendoza (1989, p. 255) ainda afirma que o rumor 6 uma informagiio que “provoca zozobra, intranquilidad, inestabilidad’. Hoje, 0 rumor nao esta somente vinculado a politica Argentina, mas ao ambiente esportivo, artistico, social e doméstico (MENDOZA, 1989, p. 262), apresentando-se em periédicos clandestinos e rudimentares, contando com uma imprensa precaria. Em al- gumas formas, pode assemelhar-se ao cordel brasileiro ou aos sueltos. 99 GENEROS JORNALISTICOS NO BRASIL A glosa, denominagao utilizada no jornalismo argentino do inicio do século XX, nado é uma pratica muito comum na imprensa daquele pais nos dias atuais, porém quando surge, em momentos raros, vem com a expressdo suelto e, 6 utilizado em complemento a uma crénica ou uma nota (MENDOZA, 1989, p. 221). 3. O GENERO OPINATIVO NO WEBJORNALISMO Geane Alzamora (2001), em estudo acerca do jornalismo cultural on- line, propée uma revisdo dos géneros informativo, interpretativo e opinativo, sugerindo uma possivel convergéncia entre estes, sob 0 enfoque da semiéti- ca. Tratando especificamente da abordagem cultural no jornalismo praticado dentro do suporte on-line, a autora ressaita: ‘Teriamos, entao, trés grandes tipos de textos em Jornalismo Cultural. Em nivel de predominancia de primeiridade, estariam as crOnicas e charges, por serem, estes, textos que ampliam as possibilidades da linguagem jornalistica, sugerindo inter- pretages metaforicas (alusdo A primeiridade) da realidade. Em nivel de secun- didade, ow seja, na predominancia da “arena do cotidiano’, terfamos as criticas ¢ reportagens, por serem tipos de textos que indicam (marca da secundidade) os objetos aos quais se relacionam. Em terceiridade estariam as colunas e editoriaig, por serem esses os textos que representam simbolicamente (caracteristica da ter ceiridade) a opiniao do jornal ou do articulista (ALZAMORA, 2001, p. 4) Em seu raciocinio, a autora destaca que as crénicas e as charges, por suas caracteristicas especificas, tém maior liberdade para tratar os aconte- cimentos, j4 que a relagao destas com a realidade nao é literal, portanto, nao havendo um compromisso com a fidedignidade dos fatos. Por outro lado, as colunas e os editoriais fundamentam-se nas noticias veiculadas, assim como em criticas, charges e crénicas, “procurando direcionar o curso da interpre- tacao desses fatos a partir da argumenta¢do opinativa de seus autores. Desse modo, representam, simbolicamente, a opiniao do jornal e de’seus articulis- tas” (ALZAMORA, 2001, p. 4). Em outro viés, mas dentro do mesmo universo, Lia Seixas (2004) se propée a analisar os géneros jornalisticos digitais a partir da observacao das praticas discursivas, tendo como base a andlise de discurso. Em sua visao, a fungao do texto nao se restringe ao universo da intencionalidade do autor, mas “deve ser trabalhada como cumprimento dos poderes, papéis estatuto implicado no contrato de leitura de determinada prdtica social discursiva (género)” (SEIXAS, 2004, p. 3). 100 GENERO OPINATIVO A autora procura, entao, analisar a realidade dos géneros, a partir das caracteristicas peculiares do veiculo, tais como convergéncia de midia, me- méria mtitipla, hipertextualidade, tempo multicrénico, dentre outras. E bem verdade que seu texto nao apresenta conclusées definitivas, mas fornece pis- tas de que algo esta em mutagao. Jean Utard (2003), também, no ambiente da internet, apresenta duivi- das concernentes ao processo de hibridagao dos géneros midiaticos, colocan- do em diivida se estes dao conta de relagées permissivas entre jornalismo e publicidade, por exemplo. O fato é que, no ambiente da rede mundial de computadores, 0 discurso jornalistico vai se revestir de uma nova roupagem, a partir das peculiaridades impostas pelas condicées de producao e dispersao da informagao, pela relacao dialdgica entre emissor e receptor, pelo carater reticular do canal midiatico, como também, pelas condigdes de armazenamento e facilidade de acesso a ar- quivos hiperlinkados no universo on-line. Tudo isso vai nos fornecer uma plu- ralidade de fontes, uma otimizagao da interatividade, uma hipertextualidade infinita, possibilidades de hipermidiabilidade, que fazem com que uma noticia se transforme, apés alguns cliques, em um dossié, composto por intimeras uni- dades de informacoes de diversos formatos e, portanto, pertencentes a géneros diversos, como uma reportagem e um artigo, ambos referentes a um mesmo assunto, ou ainda, uma charge e uma cronica, por exemplo. A seguir, enfatizamos os formatos do género opinativo, sob a otica de alguns autores. 4, FORMATOS DO GENERO OPINATIVO 4.1, EDITORIAL Conforme Marques de Melo (2003, p. 75), o controle do editorial re- cai sobre o editor, que representa o grupo mantenedor. O principal problema dessa categoria opinativa é “estabelecer 0 equilfbrio entre duas tendéncias: atender requisitos técnicos e econémicos ¢ exercer livremente a sua fungao sécio-espiritual”, Dessa forma, o editorial é considerado como a voz do jornal tendo diregéio ideolégica (MARQUES DE MELO, 2003, p. 73). Segundo Beltrao (1980), 0 editorial possui cinco categorias, conforme se- gue: 1) morfologia (artigo de fundo, suelto, nota), 2) topicalidade (preventivo, de ag4o, de consequéncia), 3) contetido (informativo, normativo, ilustrativo), 4) estilo (intelectual e emocional!) e natureza (promocional, circunstancial e¢ 101 GENEROS JORNALISTICOS NO BRASIL polémico). Essa classificagao de Luiz Beltrao, que se sedimentou, continua atu- al e também foi adotada por Marques de Melo (2003, p. 110-111). Nao encontramos divergéncias significativas nos autores que trabalham a questo dos géneros, pois essa formulagao elaborada por Beltrao tornou-se aceita pela maioria dos pesquisadores. Qs editoriais jornalisticos foram analisados por Geder Luis Parzianello (2003), em sua dissertagao de mestrado, intitulada A idealizagéo do leitor: uma andlise dos editoriais jornalisticos. Fron Brum (1981), por sua vez, escreveu Proce- dimento editorial do verculo/jornal frente & interrupcdo de processos politicos. 4.2. ARTIGO O artigo possui caracteristicas id€nticas ao editorial, quanto a topicali- dade, ao estilo e a natureza. Porém, sua estrutura (titulo, introducao, discus- sio/argumentagao e conclusao) nao implica diretamente ao editor, Os artigos “nao traduzem necessariamente a opiniao do jornal” {MARQUES DE MELO, 2003, p. 65). Os autores de artigos normalmente sao pensadores, escritores e especialistas em diversos campos e cujos pontos de vista interessam ao co- nhecimento e divulgagao do editor e seu publico tipico. Os articulistas sao convidados, raramente um autor desconhecido do editor e do publico tem as honras da inclusao de seu artigo na pagina nobre do jornal. Assim como os cronistas, os articulistas, em alguns casos, sao li- teratos, e como nao sao submetidos A pressao do dia a dia, podem elaborar melhor sua matéria, 0 que as vezes as tornam ontolégicas. 0 que no Brasil é um artigo, na imprensa britanica Afranio Coutinho identificou como for- mal essay. Por sua vez, Martinez Albertos (apud MARQUES DE MELO, 2003, p. 122), pioneiro nos estudos dos géneros jornalisticos na Espanha, subdivide o artigo em duas categorias: o artigo editorial e 0 artigo comentario. Martin Vi- valdi (apud MARQUES DE MELO, 2003, p. 122-123), a partir da realidade da Argentina, identifica dois elementos especificos no artigo: a sua atualidade € 0 seu carter opinativo. J4 Marques de Melo (2003, p. 123) identifica duas espécies de artigos: o artigo propriamente dito e o ensaio. Essas diferencas se dao em dois niveis: no tratamento dado ao tema e em termos de argumen- tagdo, Enquanto 0 artigo contém julgamentos provisérios, o ensaio apresenta pontos de vista mais definidos ¢ alicergados com solidez, buscando fontes que legitimam a sua credibilidade. Além disso, Marques de Melo (2003, p. 121-128) subdivide o artigo quanto a sua finalidade, como artigo doutrinario (analisa uma questo suge- 102 GENERO OPINATIVO rindo um ponto de vista ao publico) ou cientifico (objetiva tornar publico os avangos da ciéncia). 4.3, RESENHA OU CRITICA Aresenha corresponde a apreciagao de uma obra, tendo por finalidade orientar seus consumidores, ou apreciadores. Jd a critica é a unidade jornalis- tica que cumpre a fungdo de julgamento estético. Segundo Marques de Melo (2003, p. 129), essa diferenciagao deu-se na transigao da fase amadoristica do jornalismo brasileiro, para o periodo profissionalizante, em que houve uma valoracdo acentuada dos produtos culturais. Dessa forma, a resenha na imprensa brasileira 6 elaborada por jornalistas, o que nao exclui a presenga dos criticos, que sao solicitados para cobrir areas da produgao cultural. Todd Hunt (apud MARQUES DE MELO, 2003, p. 132) afirma que existem duas modalidades da resenha: autoritaria e a impressionista. Outro autor que trabalha a questo é Fraser Bond (1962), que subdivide suas modalidades em quatro: classica, relatorial, panoraémica e impressionista. A resenha, enquanto categoria do género opinativo, continua evoluin- do na imprensa brasileira e aparecendo de diversas formas, as vezes muito simples e outras mais elaboradas. Isso ocorre de acordo com o ptblico-alvo do vefculo informativo. Por vezes, nos jornais considerados mais populares, a resenha aparece poucas vezes e, em algumas delas, aproxima-se do roteiro, enquanto um pequeno comentario de um filme, ou pega teatral, com o objeti- vo de consumo de bens culturais. 4.4, COLUNA Conforme Fraser Bond (1962), a coluna surgiu na imprensa norte-ame- ricana em meados do século XIX, na época em que os jornais deixavam de ser doutrinarios e assumiam um cardter mais informativo. A sociedade clama- va por uma mudang¢a estrutural, em que as matérias fossem assinadas pelos seus elaboradores. Dessa forma, come¢aram a emergir segdes sob a respon- sabilidade de jornalistas, com o intento de superar a impessoalidade, 0 que gerou um jornal “de valor informativo e de vigor pessoal”. Acoluna aparece no jornalismo norte-americano de quatro formas assim categorizadas por Marques de Melo (2003, p. 141): a) coluna padrao; b) colina miscelanea; c) coluna de mexericos; d) coluna sobre os bastidores da politica. Na imprensa brasileira, a coluna é muito utilizada e, algumas vezes, aproxima-se a outras categorias, dando margem a ambiguidades, podendo 103 GENEROS JORNALISTICOS NO BRASIL abranger o comentario, a crénica e até a resenha, Atualmente, pode-se per- ceber a proximidade com as notas, pois 0 Didrio de S. Paulo, por exemplo, condensa um grupo de notas em um espaco intitulado “Giro”. Sao pequenas notas agrupadas, que acabam formando uma coluna, mas nao sao assinadas, enquanto que as colunas, assim nomeadas, sao assinadas. A coluna, segundo Barbosa e Rabaga (2001, p. 148), 6 a “se¢ao especializada de jornal ou revista, publicada com regularidade e geralmente assinada, redigida em estilo mais livre e pessoal do que o noticidrio comum’. Marques de Melo (2003, p. 143-144) subdivide o colunismo em trés partes: 1) o colunismo atende a uma necessidade de satisfagdo substitutiva existente no ptiblico leitor; 2) o colunismo tem a fungao de “balao de ensaio”: insinua fatos, lanca ideias sugere situagdes, com a finalidade de avaliar as re- percussées; 3) alimentando a vaidade de pessoas importantes, o colunismo oferece modelos de comportamento, estimulando 0 modismo. Dessa forma, 0 colunismo participou, e continua vivo, na imprensa brasileira, como um me- canismo de reproducao social e de controle politico da sociedade. Acoluna é, portanto, uma categoria opinativa que pode aparecer de for- ma hibrida, por exemplo, na coluna social, em que, por vezes, aproxima-se da cr6nica e, por outro lado, é um noticidrio de acontecimentos, 0 que Marques de Melo (2003, p. 148) chama de folhetim do cotidiano burgués, 4.5, COMENTARIO O comentario surge na imprensa como uma reacdo ao monopdlio do edi- torial. Devido aos acordos e concessées ao Estado, a grupos econémicos, a au- diéncia, tornou-se “incémodo manter o monopélio opinativo que expressava, através do editorial, o ponto de vista das forgas diretamente responsaveis pelo funcionamento da empresa jornalfstica” (MARQUES DE MELO, 2003, p. 113). Dessa forma, 0 comentario emerge com forma e contetdo a ser traba- lhado e de toda a responsabilidade do comentarista, que é um profissional valorizado, devido a sua bagagem cultural, estando apto para emitir opinides e valores, sendo visto pela sociedade como um lider de opiniao. Na imprensa brasileira, o comentario ficava a cargo dos intelectuais ou de reporteres destacados, e nado dos redatores. Conforme Marques de Melo (2003, p. 114), aqueles que se destacavam na redacdo eram cogitados para trabalhar com os editoriais, se conseguissem agradar 4 empresa. Para Mart{nez Albertos {apud MARQUES DE MELO, 2003, p. 115), 0 co- mentario é o editorial assinado. JA Eugénio Castelli, também citado por Mar- 104 GENERO OPINATIVO ques de Melo, afirma que o comentario é um género intermediario entre o editorial e a crénica, induzindo o leitor a ironia e, algumas vezes, ao humor da crénica. 4.6. CRONICA Forma de expressao do jornalista/escritor, a crénica tem por objetivo transmitir ao leitor seu jufzo sobre fatos, ideias e estados psicoldgicos pes- soais e coletivos. Tem, em seu sentido tradicional, o relato de acontecimento de ordem cronolégica (kronos = tempo), reportando-nos a atualidade, ao mo- mento, ao instante. Na sua origem, era um género histérico. Conforme Mar- ques de Melo (2003, p. 139), os primeiros textos histéricos sao justamente as narragoées de acontecimentos, feitas por ordem cronoldégica, desde Herddoto e César a Zurara e Caminha. Segundo o autor, a atividade dos “cronistas” vai estabelecer a fronteira entre a logografia — registro de fatos, mesclados com lendas e mitos - e a histéria narrativa - descrigao de ocorréncias extraordi- narias baseadas nos principios da verificacao e da fidelidade. Dessa forma, a crénica assume o carater de relato circunstanciado sobre feitos, cenarios e personagens, a partir da observa¢ao do préprio narrador ou tomando como fonte de refer€ncia as informaoes coligidas junto a protagonistas ou teste- munhas oculares. Tem, também, a intencdo de resgatar episédios da vida real para uso da posteridade, impedindo que “as agées realizadas pelos homens se apaguem com 0 tempo”. “O descobrimento e a conquista do novo-mundo, a terra e seus habitantes séo descritos em cartas-relatérios ¢ crénicas dos soldados, dos catequistas e dos viajantes” (MARQUES DE MELO, 2003, p. 141-142). Género cultivado por escritores, a crénica passa da histdéria e da litera- tura para o jornalismo, ocupando as colunas da imprensa didria e periddica. Martin Vivaldi (apud MARQUES DE MELO, 2003, p. 141) caracteriza a crénica jornalistica como a “valora¢do do fato, ao tempo em que se vai narrando, O cronista, ao relatar algo, nos da sua versdo do acontecimento; p6e em sua narracdo um toque pessoal”, Assim, a crénica vem sendo praticada desde o século passado na imprensa europeia e americana, afigurando-se como um género jornalistico. A tese central, para Marques de Melo (2003, p. 142), 6 a de que a cré- nica, no jornalismo hispano-americano, configura-se como um género in- formativo, enquanto no jornalismo luso-brasileiro adquire a fisionomia de um género tipicamente opinativo. O autor afirma que “o lugar da crénica no 105 GENEROS JORNALISTICOS NO BRASIL jornalismo luso-brasileiro 6 o das paginas de opiniao” (MARQUES DE MELO, 2003, p. 147). O que distingue a crénica dos demais géneros opinativos é 0 “acento lirico’, dito por Afranio Coutinho, que tinha por objetivo, na imprensa brasileiro do século XIX, o entretenimento. Vale ressaltar que, ap6s a Semana de Arte Moderna, em 1922, a cronica assume fei¢ao de género tipicamente nacional, mais precisamente, na década de 1930. Segundo Paulo Ronai e Antonio Candido (apud MARQUES DE MELO, 2003), emergem cronistas como Mario de Andrade, Manuel Bandeira, Carlos Drummond e, “o” cronista exclusivo desse género, propriamente dito, sendo seu maior representante, Rubem Braga. A crénica brasileira, para Marques de Melo (2003), tem duas faces: a crénica de costume, que se valia de fatos do cotidiano, como fonte de inspi- ragao para um relato poético ou descrico literdria; e a crénica moderna, que figura no corpo do jornal, como matéria liga ao espirito da edicdo noticiosa. Dessa forma, da crénica moderna emergem textos que, inspirados no cotidia- no, trazem a critica social, reforgando seu carater opinativo. 4.7, CHARGE E CARICATURA As charges e fotos aparecem na imprensa brasileira como a “opiniao ilustrada’, ao lado da caricatura, que é uma forma de ilustragdo que a im- prensa absorve com 0 sentido nitidamente opinativo. Sua origem semantica (caricare) corresponde a ridicularizar, satirizar, criticar. Enquanto género jornalistico, a caricatura cumpre uma fungao social mais profunda: motiva o leitor e produz uma percepgiio ripida da opiniao que se torna instrumento eficaz de persuasdo. Marques de Melo (2003) identifi- ca varias espécies: Caricatura (propriamente dita): retrato humano; charg: critica humoristica do fato; cartoon: anedota grafica, critica mordaz; comi historias em quadrinhos. No jornal, aparece de forma seriada. 4.8. CARTA Finalmente, a carta revela a opiniao do leitor. Constitui 0 primeiro for- mato a possibilitar a expressdo da audiéncia. Surge ainda no século XIX e, por meio dela, os leitores passam a se manifestar sobre os diversos assuntos veiculados nos jornais ou sobre pautas que nestes nao tiveram espagco. A adogdo de uma segao de cartas vai dar aos impressos, também, a oportunidade de conhecer o pensamento do seu puiblico, e a evolugao desse formato vai possibilitar o nascimento de indimeras formas de interatividade, 106 GENERO OPINATIVO nos mais diversos suportes midiaticos, que, por suas caracterfsticas especi- ficas, vao tornar o relacionamento cada vez mais préximo entre audiéncia e veiculo de comunicagao. ConcLusAo . Os géneros jornalisticos nao sao estaticos. Ao contrario possuem tendén- cia hibrida e dialética. Estéo intrinsecamente relacionados ao movimento da sociedade aliada aos meios de expresso social. Qualquer alteragéie nos con- textos sociais e nos processos de difusao da informagao pode ocasionar uma mudanga nos géneros, ou possibilitar uma nova nuance a ser considerada. A mutabilidade e a hibridizagdo sao caracteristicas dos géneros jorna- l{sticos e literérios, com uma tendéncia a nacionalizagao, assumindo caracte- risticas proprias em cada pais e sofrendo alteragdes com as mudangas politi- cas e sociais, adequando-se a realidade conjuntural. Diante do contexto apresentado e mesmo considerando a evolugao do jornalisme, percebe-se a consolidagao crescente do género opinativo, incluin- do nesta afirmativa, a consolidag4o dos formatos opinativos, propostos pelos autores que elencamos ao longo deste capitulo, que cada vez mais ganham espago no texto jornalistico, a exemplo das cartas, voz do leitor, que agora sao interativas em diversos suportes, e podem inclusive ser a propria matéria jor- nalistica ou pauta para que o veiculo de comunicagao a transforme em uma grande reportagem. Nao é de se admirar, portanto, que, conforme Marques de Melo (2003), no Brasil, haja uma inclina¢ao muito forte para 0 jornalismo opinativo, ten- déncia encontrada também em outros paises, como a Espanha, onde o jor- nalismo de referéncia, praticado por veiculos como EL Pais, se consolida por meio de um forte viés opinativo, que faz com que opinido e informagao dispu- tem a mancha grAfica de igual para igual. REFERENCIAS ALZAMORA, Geane Carvatho. Jornalismo cultural on-line: uma abordagem semiotica. In; Encontro Anual da Associagao Nacional dos Programas de Pés- Graduacao em Comunicagao, 10,, 2001, Brasilia. Anais eletrénicos... Brasilia: Compés, 2001. Disponfvel em: . Acesso em: 14 jun. 2006. ATORRESI, Ana, Los géneros periodisticos. Buenos Aires: Ediciones Colihue, 1995. 107 GENEROS JORNALISTICOS NO BRASIL BARBOSA, G.; RABAGA, C. A. Dicionario de comunicagao. 8 ed. Rio de Janei- ro: Elsevier, 2001. BELTRAO, Luiz. 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Beltrao também desere- ve a passagem de Dines pelo Jornal do Brasil, cujo Departamento de Pesquisa e Documentagio, implantado pelo jornalista, embasava as explicagdes para 0 noticidrio diario com dados permanentes (BELTRAO, 1976, p. 46). Mario Erbolato (1991, p. 27) relaciona o surgimento deste departamen- to ao da TV e pontua que a televisdo “obrigou o resto da veiculagao a apres- sar-se para entrar em seu ritmo e satisfazer as novas necessidades que criow” dando origem a “era do jornalismo interpretativo, anal{tico, avaliador”. Ao fa- zer frente ao telejornal, os jornais impressos escolheram a estratégia de “dar ao leitor reportagens que sejam complemento do que foi ouvido no radio e na televisao. Adotou-se, para isso, a pesquisa, tendo como fonte os arquivos dos jornais e as bibliotecas e, ao lado deles, a obtida através da movimenta- cao de equipes de repérteres” (ERBOLATO, 1991, p. 30, grifo no original). O resultado foi o surgimento do jornalismo interpretativo “também conhecido comp jornalismo em profundidade, jornalismo explicativo ou jornalis- mo motivacional” (ERBOLATO, 1991, p. 31, grifo no original). Sobre a implantagao do Departamento de Pesquisa do Jornal do Brasil, Nava (1996) realizou pesquisa para uma dissertacdo de mestrado e diz tratar- se de um pioneirismo na fundagao do jornalismo interpretativo no Brasil, “re- conhecide por todos os autores e estudiosos” dedicados ao tema. Para a autora, GENEROS JORNALISTICOS NO BRASIL Alberto Dines foi o responsdvel pela implantagao do jornalismo interpretativo no pais, concebendo-o “como possibilidade de enfrentamento ao alcance e agi- lidade dos telejornais, e tem seu principal fator desencadeante, no caso brasi- leiro, diretamente ligado ao aparecimento da TV” (NAVA, 1996, p. 21). O mesmo se da com a tese de doutorado de Gerson Moreira Lima (2002, p. 42), que ressalta 0 mesmo episédio como “um dos marcos da histéria do jor- nalismo interpretativo no Brasil” e aponta Alberto Dines como um dos jornalis- tas brasileiros que melhor define os objetivos da interpretagdo jornalistica. INCURSOES PIONEIRAS Apresentado esse ponto de entendimento, vejamos agora a diversidade conceitual que traz.a literatura sobre o género interpretativo. Paulo Rober- to Leandro e Cremilda Medina (1973) consideram que ja existia nos jornais brasileiros, na época do langamento do estudo A arte de tecer o presente, as primeiras manifestacdes no plano pratico do que os norte-americanos cha- maram de jornalismo interpretativo. Na obra, os autores buscam aproximar o conceito de interpretacao ~ ba- seado em Freud e Nietzsche - ao de jornalismo interpretativo. Se a interpre- tacgdo procura “encontrar o sentido das diferentes forgas que atuam num fe- némeno” o jornalismo interpretativo nao se contenta “com um relato mais ou menos perceptivo do que esta acontecendo, mas busca um aprofundamento” (LEANDRO; MEDINA, 1973, p. 15). Dessa aproximacao surge o conceito dado por eles para esta “fase modernamente interpretativa” (os autores ndo o tra- tam como género): “Jornalismo interpretativo é realmente o esforco de deter- minar o sentido de um fato, através da rede de forgas que atuam nele - ndo a atitude de valoragao desse fato ou de seu sentido, como se faz em jornalismo opinativo” (LEANDRO; MEDINA, 1973, p. 16), Uma das preocupagées dos autores é estabelecer a diferenga entre in- terpretar e opinar. Na interpretagao, como se viu acima, se busca o sentido das forcas que atuam num fenémeno, ao passo que na avaliacao se procura “atribuir valores a esses sentidos” (LEANDRO; MEDINA, 1973, p. 15). Isso se mostrayelevante porque, conforme os autores também destacam, em seu ini- cio, nos Estados Unidos, 0 jornalismo interpretativo foi confundido “com uma nova dimensao de tratamento opinative” (LEANDRO; MEDINA, 1973, p. 19). E quais as caracteristicas do jornalismo interpretativo para os autores e qual o formato que assume na imprensa? Para eles, na passagem da fase informativa para a fase interpretativa, 110 GENERO INTERPRETATIVO as linhas de tempo e espago se enriquecem: enquanto a noticia registra o aqui, o ja, o acontecer, a reportagem interpretativa determina um sentido desse aqui num cfrculo mais amplo, reconstitui o ja no antes e no depois, deixa os li- mites do acontecer para um estar acontecendo atemporal ou menos presente. Através da complementagao de fatos que situem ou interpretem o fato nuclear, através da pesquisa histérica de antecedentes, ou através da busca do humano permanente no acontecimento imediato, a grande reportagem é interpretacdo do fato jornalistico (LEANDRO; MEDINA, 1973, p. 23, grifo no original). Na cita¢do acima, aparecem grifados 0 que se poderia enumerar como elementos do jornalismo interpretativo, segundo esses autores. Tais elemen- tos sao mais bem evidenciados em outro trecho em que sugerem 0 acréscimo de algumas questées as tradicionais perguntas do lead: “em que contexto? com que raizes? e com que envolvimento humano?” (LEANDRO; MEDINA, 1973, p. 28) '. Segundo os autores, para transformar a noticia em uma reportagem interpretativa, usa-se trés diregées. A primeira é articular, ao fato nuclear, “outros fatos que o situam num presente e num espaco conjunturais. A in- terpretagao da um sentido, no tempo e no espago, ao acontecimento isolado, relaciona-o a seu contexto” (LEANDRO; MEDINA, 1973, p. 28), A segunda di- recao é a valorizagao do humano no fato jornal{stico, no sentido de conduzir o relato a um “nivel de generalizagao capaz de encontrar as preocupacées do conjunto do publico, fazendo-o reviver a histéria como se ele proprio fosse 0 heréi”. E por fim, uma aproximagao da informagao jornalistica com a infor- magao cientifica, entendida como “um quadro de referéncia criteriosamente reconstituido” e com suporte em pesquisas bibliogrdfica e de arquivo (LEAN- DRO; MEDINA, 1973, p.32). Em resumo, os elementos do jornalismo interpretativo, segundo Lean- dro e Medina, so: aprofundamento, antecedentes (temporais, espaciais e do fato), contextualizagao e humanizagao e o formato desta “fase” seria a repor- tagem interpretativa, conforme o quadro: ‘ Essas questdes foram retomadas por Medina em obra posterior: “o aprofundamento do contexto (ou das Forgas que atuam sobre o factual imediato), a humanizagio do fato jor- nalistico (tratamento de perfis, historias de vida ou protagonismo), as raizes hist6ricas do acontecimento atual e os diagnésticos ¢ progndsticos de fontes especializadas” (MEDINA, 2003, p. 127). ii GENEROS JORNALISTICOS NO BRASIL, Quadro 1 - Formato e elementos do jornalismo interpretativo segundo Leandro e Medina Formato Elementos Reportagem interpretativa | aprofundamento, antecedentes (temporais, espaciais . e do fato), contextualizacao e humanizacao Outra obra do periodo é a de Luiz Beltrao. Publicada em 1976, volta-se para a questo da interpretagao jornalistica. Nela, a interpretacao é vista sob dois aspectos. No primeiro, trata-se de algo inerente & prépria atividade jor- nalistica no ato de selegéio do que ser noticiado: “A interpretagao jornalistica consiste no ato de submeter os dados recolhidos no universo das ocorréncias atuais e idéias atuantes a uma selecao critica, a fim de proporcionar ao pitbli- co os que sao realmente significativos” (BELTRAO, 1976, p. 12). Nessa otica, a interpretagao jornalistica sera, para o autor, uma “atitude de officio” do jornalista e consiste numa “analise preliminar de submeter as dados recothidos a uma sele¢ao critica, e transforma-los em matéria para a divulgagao” (BELTRAO, 1976, p. 47, grifo no original). O problema é que, nesse aspecto, Beltrao apresenta certa confusdao, ao notar que hd uma insisténcia em uma espécie de paternalismo ou maestralismo do jornalista (editor) para com a audiéncia. A interpretagao de que se trata é do jornalista, e nao do publico. 0 que se oferece a esse ptiblico é aquilo que julgamos nés que necessita saber ¢ 0 material informative deve ser por nds analisado, como parte de uma opinido jornalistica (BELTRAO, 1976, p. 46, grifo no original). Com isso, Beltrao parece assumir que a interpretagao se disfarca em opinio do jornalista; porém, em outro trecho, busca estabelecer os limites entre interpretar e opinar: Cessa ai, na andlise preliminar, a interpretagao jornalistica, atributo do exer- cicio profissional consciente. Se o jornalista ultrapassa 05 limites da busca do sentido das diferentes forgas que atuam em uma situagdo, configurada em suas origens e em suas possiveis projecdes, se submete os dados colhidos e o senti- do encontrado a uma escala de valores propria, pessoal, estara em pleno domi- nio da opinido (BELTRAO, 1976, p. 48). Nessa tiltima citag4o, percebe-se que 0 autor ja caracteriza 0 segundo aspecto da interpreta¢ao. Nota-se a busca das “forgas” de uma situagao, o que 112

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