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= Introduso A FORCGA DE UMA EXPRESSAO INTOLERANCIA RELIGIOSA, CONFLITOS E DEMANDAS POR RECONHECIMENTO DE DIREITOS NO RIO DE JANEIRO Pare uma dscssio do eintolerincia ver (1683), para gue dain” a confnto ene os ci ereligiso, a es eparacto omission ream Miranda (no reo) Discurso relindo n0 em so-iereligone, cageria moreno porgue agree presto de uidade bic, mas lr rpc ere ue sdeticam ea Universal 1 Devs, Spo Von urouimager ce Serbo da Aparecids jopropama elena Asad ducers conegrouo 0 debate sees a gues (Gamba, 2003). tomo do tema, tem trazido & tona algumas ‘questdes importantes, seja no que se refere a austncia de associagao entre os praticantes de religides de matriz afro-brasileira, seja por lum antagonismo entre o movimento negro e 4 igrejas neopentecostais (Burdeck, 2001), ¢ também por revelar uma crenga na capacidade do Estado, através do sistema de justica, de intervir nesses confltos, 0 que seré analisado neste artigo. Para isso tomo como referéncia uma pesquisa que venho realizando desde 2008, quando comecei, junto com um grupo de estudantes de graduacao e pés-graduacao integrances do Nacleo Fluminense de Estudos ¢ Pesquisas (NUFEP-UIFF), a acompanhar um movimento que se organizou para denunciar a violagdes contra identidades religiosas de ‘matriz afro-brasileiras no Rio de Janeiro. Afirmar que ha discriminagao ne Brasil hoje nao corresponde a0 mesma fendmeno ob- servado por Nogueira na década de 1950. € exatamente 0 contexto atual que serd apre- sentado de modo a tentar delimitar‘o que tem significado a organizacio para reivindicacao de direitos em casos de intolerancia religio- sa‘ (Miranda, 2010). Este texto, portanto, tem como objetivo discutir 0 significado da categoria intolerancia religiosa a partir das controvérsias pablicas (Boltanski ¢ Thevenot, 1991) suscitadas por distintos eventos que, mesmo dispersos no tempo e no espago, re- configuraram a ordem até entao estabelecida € estimularam os individuos a refletirem, € agirem, em consonancia com seus interesses, A forca de uma expressio: as manifestacées da intolerancia josa na esfera publica Intolerincia une. Quando fala discriminaga atinge ‘apenas determinados segmentos... Intolerdncia une negro, relgisos, homossexuais. Hoje, ninguém ‘quer ser taxado de intolerant. (BABALAWO IVANIR DOS SANTOS, inter. locutor da Comissdo de Combate d Intoleincia Religasa). Se considerarmos que 0 preconceito nao é lum fenémeno novo no Brasil, faz-se necessi- rio compreender qual é 0 significado dado intolerancia religiosa como uma bandeira de luta, jé que ela tem sido consicerada a “outra face do racismo” por integrantes do chamado movimento negro". Como o surgimento de grupos que se organizam para lutar contra a intolerancia representa uma expresso publica de reconhecimento por direitos? Como um tema que sempre representou a expresso da dificuldade em lidar com a diferenca se transforma em um elemento de mobilizacao e aglutinarao de reivindicacdes politicas? A fala do Babalawo Ivanir dos Santos dé uma pista de como a intolesancia tem se tornado um tema capazde aglutinar pessoas € grupos. Ela ¢ represertativa do esforso de buscar uma identidade comum entre grupos ue historicamente se ciferenciaram, mas é ambém significativa, por representar 0 esfor- 0 de desvincular @ discriminagdo racial da intoleréncia, © que vai de encontro a0 que o chamado movimento negro tem feito nos it~ ‘mos anos, A argumentasio apresentada pela CIR (Comissio de Combate a Intolerincia Religosa) tem sido que a condigao de uma recente democracia no Brasil no pode ser ameagada por “um bolor tio contaminado pela ganincia, esfasatezignoranciae,princ: palmente pela intoleranca” (Santos e Semog, 2009: 11), Consequentemente a consolidacio da democracia supae que os distintos grupos éstejam unidos na construsao da tolerincia, particdo acionamiento de Dire, que poders agir“concrecamente paragarantira harmonia social” (Zveiter, 2009: 22). Oreconhecimento de direitos a partir da atu- agdo da Justica para tratar de conflitos dessa ‘natureza tem como um marco exemplar 0 caso conhecido como o “chuteda santa”, quando a agressdc teria sido dirigida aos catélicos, que foi alvo de varios processos judiciais em todo pals, movidos por agentes publicos, cidados que se sertiram ofendidos e pela Igreja Cato- lica, resultando na condenacao do agressor a notes tay recctria (3) Ate eure presto | Comuncae doen (@) dois anos e meio de prisio pelos crimes de dis- ‘criminagao religiosa e vilipéndio de imagem* A partir do ano 2000 estes conflitos, que ‘comegaram ater vsibilidade publica hd cerca de duas décadas (Silva, 2007), ganharam novos contornos vinculados a organizagao do primeiro Movimento Contraaa Intolerancia Religiosa, nc estado da Bahia, em torno do caso emblematico da publicasao pela Folha Universal’, em outubro de 1999, de uma foro da lyalorisé Gildasia dos Santos ¢ Santos, conhecida como Mae Gilda, associada a uma reportagem sobre 0 “charlatanismo”, com tftulo “Macumbeiros charlat6es lesam 0 bolso A publicagao apresen- tava a foto da Mae Gilda com uma tarja preta nos olhos, vestida com roupas de sacerdotisa, tendo aos seus pés uma oferenda. A foto ha- via sido originalmente publicada pela revista Veja, em 1992, quando ela participava de uma ‘manifestacac publica a favor do impeachment do presidente Fernando Collor de Mello. A pu- blicagao da foto na Folha Universal deu inicio ‘um processo judicial’ ea um movimento por reivindicagaode direitos envolvendo grupos de religiosos de matriz afro-brasieira na Baba ea vida dos clientes” Oreconhecimento oficial do movimento se deu pela insttuigio do dia 21 de janeiro de 2000, dia da morte de Mae Gilda, pelo Municipio de Salvador como o Dia de luta contra a into- lerancia religosa, que depois foi confirmado pelo Govern Federal em ambito nacional. Movimento semelhante aconteceu, em 2002, no Rio Grande do Sul, com a criagao da Congregacae de Defesa das Religides Afro- -Brasileiras (CEDRAB), que teve como fun- dadora a Mie Norinha de Oval. © grupo se institucioralizou em 2004, passando a ter sécios e prestando auxtios diversos, inclusive Juridico, no que se refere a casos de discrimi- nagio. Uma caracterstica de sua atuagaotem sido a interlocucao com 0 Movimento Negro do estado e aorganizagao de semindrios e pas- seatas que dio visibilidade a sua luta contra a intolerancia rligiosa (Avila, 2008). No Rio de Janeiro, a intolerancia religiosa Passou a ocupar a esfera publica a partir da composigaio da Comissdo de Combate & In- tolerancia Religiosa, que se constituiu como um movimento de organizasées religiosas, inicialmente apenas a umbanda e o candom- blé’, de representantes co movimento negro ¢ de organizagdes ndo-governamentais (orin- cipalmente a ONG Projeto Legal e CEAP), 2 partir de 2008, em reacao a uma série de acontecimentos no Rio de Janeiro, dos quais 2 CIR destaca as seguintes situagdes: 1) aimasao po rficantes de drogas a bara- cies", quebrando imegenseameagando de merte ¢ religiosos que ndo se convertessem ao Evangeho ‘no Morro do Dendé, tha do Governador (R); 2) a existéncia de comunidades dominadas peles milla, cujos “ideres” comecaram a perseguiros ‘eligiosos de “matric aficane”; 3) aimasdo de um tereiro, no bairro do Cates, ¢ sua depredacao por quatro evangélicos neoperte- costs, ue foram detidos em flagrante, suscitando _grande repercussdo na midia devido posteriormente 4 pristo do pastor Tupirani, da lreia Gerapaofesus Cristo, stuada no Morro do Pinto, zona portuiria do Rio, ede Afonso Henrique Ales Lobato, que Frequenta a mesma igreja, pisos dois haviam colecados na internet videos som “ataqués” aot paisde-santo, onde questionavam a legalidade ea legtimidade do Estado e das autoridades polis uma época”, referindo-se explicitamente a um posiciona- mento do Estado em relasio a discriminagdo racial, sem criticar diretamente, no entanto, @ atuac30 do ex-governador Leonel Brizola, que foi ¢ primeiro a propor a ntrodugéo de rincipios democréticos para regular os pro- cedimentos policiais, 0 que foi mal recebido 7 interior das instituiges policiais, Até hoje € comum se ouvir que “es direizos humanos” atrapalham a atuacdo policial. O delegado também chama a atenedo para o fato de que “a discrininacéo é um problema que resiste, Persiste..”, mas que ndo seria exclusivo dos policiais, A Comiss’o atua, portanto, numa interme- diasao ertre as vtimas eo Estado, motivada Por interesses de intervirno processo, o que é

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