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me bue. Introducio Este’ livro € escrito numa época de transformagio radical. Seu as- sunto, marxismo e literatura, é parte dessa transformagao. Mesmo ha Vinte anos, € em especial nos paises de lingua inglesa, teria sido possivel supor, de um lado, que o marxismo é um corpo de teoria consolidado, e, de outro lado, que a literatura € um conjunto de obras, ou tipos de obras, com qualidade e propriedades gerais e€ conhecidas. Um livro como este poderia entéo ter explorado pro- blemas das relacdes entre eles ou, supondo-se a existéncia de uma certa relacdo, ter passado rapidamente a aplicagdes especificas. A situacao € agora muito diferente. O marxismo, em muitos cam- pos e talvez especialmente na teoria cultural, experimentou simul- taneamente um renascimento e uma abertura e flexibilidade, com ele relacionadas, de desenvolvimento teérico. E a literatura, tam- bém por motivos cortelatos, tornou-se problemdtica em muitos as- pectos novos. O objetivo deste livro é apresentar esse periodo de desenvol- vimento ativo, e fazé-lo da tinica maneira adequada a um corpo de reflexGes ainda em movimento, ou seja, tentando-se ao mesmo tempo esclarecé-lo e traz&lhe alguma contribuicio. Isso exige, necessariamente, a reviséo de posigdes anteriores, tanto marxistas como nao-marxistas. Mas o que apresentamos nao é. um sumirio: € ao mesmo tempo uma critica e uma argumentacao. Uma forma de deixar clara a maneira pela qual vejo a situa- a0 de onde parte este livro é descrever, rapidamente, a evolucao de minha prépria posigao, em relacio ao marxismo e 4 literatura, que tanto na prdtica como na teoria preocuparam a maior parte de minha vida itil. Meus primeiros contatos com a argumentacio li- teréria marxista ocorreram quando cheguei a Cambridge para es- tudar Inglés, em 1939: nao entre os professores, mas no debate generalizado com os alunos. Eu jé conhecia a andlise e a arguthen- | 8 MARXISMO E’ LITERATURA taco politica ¢ econdmica marxista, ou pelo menos socidlista € co- \ munista, Meu crescimento numa familia de classe operdria leva- ramme a aceitar a posigio politica bésica que era apoiada e es- clarecida,por essa anélise. Os argumentos culturais e literdrios, tal como entao os conheci, eram na realidade uma extensao dessa ap! cagio politica e econémica, ou uma forma de filiacio dela. Nao compreendi isso claramente, naquela época. A dependéncia ainda no € compreendida por todos, ao que me parece, em toda as suas implicagdes. Dificilmente alguém se torna marxista por motivos principalmente culturais ou literdrios, mas por prementes razGes politicas e econémicas. Nas fases conturbadas das décadas de trinta ou setenta isso € compreensivel, mas significa que um estilo de Pensamento e certas proposigdes definidoras so recolhidos e apli- cados, de boa fé, como parte de um compromisso politico, sem terem necessatiamente muita substincia independente e, na ver- dade, sem se seguirem necessariamente da andlise e argumentacio bésicas. E assim que eu descreveria hoje minha posi¢io como es- tudante, entre 1939 e 1941, na qual um marxismo confiante, mas altamente seletivo, coexistia, desajeitadamente, com meu trabalho académico normal, até que a incompatibilidade — facilmente solu- ciondvel entre os alunos e o que se pode schamar de estabeleci- mento docente — tornou-se um problema, nao para campanhas ou polémicas, mas com bastante sevetidade, para mim e qualquer coisa que eu pudesse chamar de meu ptdprio pensamento, Aquilo que fealmente aprendi com 0 tom dominante daquela argumentacio marxista inglesa, e com ela partilhei, foi o que chamaria hoje, e ainda respeitosamente, de um populismo radical. Era uma tendén- cia ativa, dedicada, popular, mais interessada (e para vantagem sua) em fazer literatura do que em julgé-la, e preocupada acima de tudo em relacionar a literatura ativa com a vida da maioria de nosso povo. Ao mesmo tempo, juntamente com isso, sua gama até mes- mo de idéias marxistas era relativamente estreita, havendo muitos problemas e tipos de argumentacio, altamente desenvolyidos em estudos especializados, com os quais essa tendéncia nao tinha liga- gGo € que, portanto, s6 podia rejeitar, com freqiiéncia. A medida que surgiram as dificuldades conseqiientes, nas 4reas de atividade ¢ interesse que me diziam respeito mais direta e pessoalmente, co- mecei a tomar conhecimento e definir uma série de problemas que, desde entéo, ocuparam principalmente a maior parte de minha obra. Excepcionalmente isolado nas formacées politica e cultural em transformagao de fins da década de quarenta e princfpios da déca- da de cinqtienta, procurei descobrir uma drea de estudos na qual algumas dessas questdes pudessem ser respondidas, e algumas delas INTRODUCAO. 9 até mesmo formuladas. Ao mesmo tempo, li mais 0 marxismo, con- tinuando a partilhar da maioria de suas PosigGes politicas e econd- micas, mas ralizando o meu proprio trabalho de investigacdo cul- tural ¢ literdria a uma certa distincia consciente. Esse periodo est4 tesumido em meu livro Culture and Society e, no presente contex- to, no seu capitulo “Marxismo e Cultura”, _Mas a partir de meados da década de cingtienta, novas for- macoes come¢aram a surgir, notadamente a que se tornou conhe- cida como a Nova Esquerda. Encontrei, nessa época, uma afinida- de imediata com o meu préprio tipo de trabalho cultural e liter4- tio (em posigées que na realidade j4 estavam latentes no traba- Iho de Politics and Letters em 1947 e 1948, posicdes essas que no haviam sido desenvolvidas por no existitem condices plenas para tal formacio). Encontrei também, e isso foi crucial, um pen- samento marxista que era diferente, sob certos aspectos radical- mente diferente, daquilo que eu, e a maioria das pessoas na Gra- Bretanha, conheciamos como marxismo. Houve contato com obras que nao haviamos conhecido antes — a de Lukdcs e Brecht, por exemplo. Havia todo um trabalho contemporineo novo, na Polé- nia, na Franca e na prépria Gra-Bretanha. E, enquanto parte des- se trabalho explorava terreno novo, grande parte dele — e com © mesmo interesse — via o préprio marxismo como um fato his- tdrico, com posigdes altamente varidveis e até mesmo alternativas. Comecei a estudar entdo, amplamente, a histéria do marxismo procurando em especial situar a sua ramificagao particular, tao decisiva para a andlise cultural e literdria, e que hoje sei ter sido sistematizada principalmente por Plekhanov, com grande apoio na obra final de Engels, e popularizada pelas tendéncias dominan- tes no marxismo soviético. Ver essa formacao teérica claramente, e acompanhar a sua hibridizacio com um forte populismo radical nativo, era compreender 20 mesmo tempo meu respeito, ¢ minha distfincia, pelo que até ent&o eu conhecera como. marxismo tout court. Era também adquirir um senso do grau de selecdo e inter- ptetacdo que, em relacao tanto a Marx como a toda a longa argu- mentacio e indagagZo marxistas, efetivamente representava aquela posic’o familiar e ortodoxa. Pude entio ler até mesmo os marxis- tas ingleses da década dos trinta de maneira diferente, € em espe- cial Christopher Caudwell. E caracteristico que a discussio sobre Caudwell, que eu havia seguido muito cuidadosamente em fins da década de quarenta ¢ prinefpios da década de cingiienta, se havia centralizado na questio marcante do estilo daquela tradigio orto- doxa: “Séo as suas idéias. marxistas ou nfo?” E um estilo que persistiu, em certos cfrculos, com afirmagdes confiantes de que 10 MARXISMO E LITERATURA esta ou aquela posicao nio € marxista. Mas hoje, que conheco mais da histéria do marxismo e das varias tradicGes seletivas e alterna- tivas dentro dele, posso finalmente libertar-me do modelo que foi delo da& posigdes marxistas fixa apenas de ser aplicado, e a correspondente negagao de todos os ou- tros tipos de pensamento como nao-marxistas, revisionistas, neo- hegelianos, ou burgueses. Quando © proprio pensamento central eta considerado como ativo, em desenvolvimento, inacabado € per- sistentemente litigioso, muitas das questées abriram-se noyamen- te, ¢, na realidade, meu Tespeito por esse pensamento como um los. Foi nessa situagio que senti a emogio do contato com traba- Thos marxistas mais novos: a obra final de Lukécs, a obra final de Sartre, a obra em evolugZo de Goldmann e de Althusser, as sin- teses varidveis e em processo de marxismo e certas formas de es- truturalismo. Ao mesmo tempo, dentro desta significante ativida- de nova, houve acesso também a obras mais antigas, notadamente a da Escola de Frankfurt (em seu perfodo mais significativo, nas décadas de vinte e trinta) especialmente a obra de ‘Walter Ben- jamin, a obra extraordinariamente original de Antonio Gramsci c, como um elemento decisivo de um novo senso de tradigio, a obra de Marx em nova tradugio, especialmente 0 Grundrisse. A medi- da que tudo isso ia acontecendo, durante a década de sessenta € principio da década de setenta, refleti com freqiiéncia — e em Cambridge tinha motivos ditetos para refletir — sobre 0 contraste entre a situacdo do estudante socialista de literatura em ‘1940 em 1970. De forma mais geral, eu tinha razdes para refletir sobre © contraste para qualquer estudante de literatura, numa situagao na qual um argumento que se havia transformado num impasse, ou em posigdes locais ¢ parciais, em fins da década de trinta ¢ na década de quarenta, estava sendo reaberto de forma vigorosa e ignificativa. imaea os Em ee da década de setenta, comecei a clscat esas questoes em conferéncias « aulas em Cambridge: a principio com certa oposigio de alguns de meus colegas do corp doce as sabiam (mas no sabiam) o que significavam o ee a aie el ratura, Mas isso era menos importante do que o fato de q ie iNTRODUGAO re eae. g Potters sncime e solitétio — debate com 0 que eu havia r 4 ) MarxismO, agora se processava numa investigac¢ao Internacional, setia e ampla. Tive oportunidade de ampliar essas discuss6es na Itdlia, Escandindvia, na Franga, América do Norte € Alemanha, € com visitantes da Hungria, Tugosl4via e Uniio Sovié- tica. Este livro € o resultado daquele perfodo de discussio, num contexto internacional pertencente a uma esfera e uma dimensio de ¢rabalbo na qual eu me podia sentir 4 vontade. Mas senti, em todos os pontos, a historia dos 35 anos anteriores, durante os quais qualquer contribuico que eu pudesse fazer se desenvolvera em con- tato complexo e direto, embora por vezes nao-registtado, com idéias € argumentos marxistas. Essa histéria individual pode ter certa significagio para o de- senvolvimento do marxismo, e de nosso pensamento sobre 0 mar- xismo, na Gra-Bretanha durante aquele periodo. Tem, porém, uma relevancia mais imediata para o cardter deste livre e para sua or- ganizacdo. Na primeira parte, discuto e analiso quatro conceitos bésicos: “cultura”, “lingua”, “literatura” e “ideologia”. Nenhum | desses. conceitos é exclusivamente marxista, embora o pensamento | marxista tenha contribuido para eles — por vezes de maneira signi- ficativa, em geral de maneira desigual. Examino usos especifica- mente marxistas dos conceitos, mas preocupo-me também em si- tud-los dentro de uma evolugdo mais geral. Isso se segue da his- toria intelectual que descrevi, em que me preocupo em ver as di- | ferentes formas de pensamento marxista como influindo mutua- mente em outras formas de pensamento, e no como uma histéria isolada, seja ortodoxa ou nao. Ao mesmo tempo, o reexame desses conceitos fundamentais, especialmente os de lingua ¢ literatura, abre caminho para a critica e contribuigao subseqiientes. Na se- gunda parte, analiso e discuto os principais conceitos da teotia cultural marxista, dos quais — e € parte essencial de minha ar- gumentacdo — a teoria literdria marxista me parece depender, na pratica. Nao é uma anélise dos elementos de um corpo de reflexes; explora variagdes significativas e, em pontos particulares e especial- mente nos tltimos capitulos, introduz conceitos meus. Na terceira parte, amplio novamente a discussio até as questdes de teoria li- terdria, nas quais variantes do marxismo combinam-se com outros tipos de pensamento correlato ¢, por vezes, alternative. Em todas as partes, embora apresentando anilise e discussio de elementos- chaves e variantes do pensamento marxista, interesso-me também por desenvolver uma posi¢ao a que, em questocs de teoria, cea com o decorrer dos anos. Isso difere, em varios pontos-chaves, da- quilo que se conhece mais geralmente como teoria marxista, ¢ mes- | do trabalho pritico 12 MARXISMO E LITERATURA detalhado que empreendi anteriormente, e da conseqiiente interacio com outros modos, inclusive implicitos, | de suposigio e argumentacao tedrica. Eu talvez tenha mais cons- ciéncia do que qualquer outra pessoa da necessidade de exemplos detalhados para esclarecer alguns dos conceitos menos familiares, mas, de um lado, este livro pretende ser, em*certos aspectos, um ponto de partida para trabalho novo e, de outro, alguns dos exem- plos que poderia oferecer ja estio em outros livros. Assim, quem desejar saber 0 que eu quero dizer “realmente, praticamente”, com certos conceitos pode examinar, para mencionar alguns casos mais importantes, a exemplificagaéo dos signos e notagdes em Drama in Performance; de convengdes, em Drama from Ibsen to Brecht; estruturas de sentimento em Modern Tragedy, The Country and the City, e The English Novel from Dickens to Lawrence; de tra- digdes, instituigdes e formacdes e do dominante, do residual’ e do emergente em partes de Culture and Society e na segunda parte de The. Long Revolution; e de produgao cultural material em Televi- sion: Technology and Cultural Form. Eu apresentaria hoje alguns desses exemplos de maneira diferente, de uma posig&o tedrica mais desenvolvida e com a vantagem de um vocabulério mais amplo mais coerente (que estd exemplificado em Keywords). Mas os exemplos tém de ser mencionados, como um lembrete de que este livro nao € uma obra isolada de teoria: é uma argumentagao ba- seada naquilo que aprendi de todo esse trabalho anterior, colocado em relagfo nova e consciente com o marxismo. : Finalmente, sinto-me satisfeito em poder dizer o quanto aprendi com colegas e estudantes em muitos pafses, especialmente tres INTRODUGAO 13 na Universidade de Cambridge, na Universidade Stanford na Cali- fornia, na Universidade McGill em Montreal, no Instituto Univer- sitdtio Orientale, em Népoles; na Universidade de Bremen e€ no Instituto para o Estudo do Desenvolvimento Cultural, em Belgra- do. Devo agradecimentos pessoais a John Fekete e, durante muitos anos, a Edward Thompson e Stuart Hall. Este livro nao poderia ter sido escrito sem a constante cooperacio e apoio de minha mulher. R. W. ae hy i Ee | ‘ t § by 44 da prdtica consagrada, tem a inabilidade, e até mesmo a inépcia, de We WILLIAMS Raymond. MARXISMO € LITERATURA Rio de Janeiro, Zahar, (979 1. - Cultura No centro. mesmo de uma importante drea do pensamento e da. pratica modernos, que ele habitualmente descreve, h4 um con- ceito, “cultura”, que em si mesmo, através da variagéo e compli- cacao, incorpora nao s6 as questées, mas também as contradicGes através das quais se desenyolveu. Esse conceito funde e confunde as_experiéncias e tendéncias radicalmente diferentes de sua forma- Zo. E impossivel, portanto, realizar umaeandlise cultural séria sem Shegarmos’ uma’ csasclacis “aii coms ea cia que deve ser histética, como iremos ver. Essa hesitagao ante o que parece set a riqueza de uma teoria desenvolvida e a plenitude qualquer dtvida radical. E, literalmente, um momento de crise: um salto na experiéncia, um_rompimento_no sentido da_histéria, que nos faz recuar em relacdo a tantas coisas que pateciam posi- ie % tivas e ao nosso alcance — todas as insergGes j4 prontas numa ar- ~ gumentacio crucial, todas as entradas acessiveis & prética imediata. *, 6 Mas essa compreensao nao pode ser obstruida. Quando_percebemos s 3 de sibito que os conceitos mais bésicos — os conceitos, como se 40 ae ‘dos quais partimos — nao sao conceitos, mas problemas, e “4 nao problemas analiticos, mas movimentos histéricos ainda nao de- finidos, nao hd sentido em se dar ouvidos aos seus apelos ou seus entrechoques_ressonantes. Resta-nos apenas, seo pudermos, recupe- ‘ar a substincia de que su: as arada $ Sociedade, economia, cultura: cada uma dessas “Areas”, ago- —&,4 ra atadas a um conceito, é uma formulacio histérica relativamente 27) recente. “Sociedade” era companheirismo, associacio, “realizacao 9 9 4 comum”, antes de se tornar a descricgo de um sistema ou ordem geral. “Economia” era a administracao de uma casa € depois a administracéo de uma comunidade, antes de tornar-se_a_descrigao ciedade”, co; alternativas consciente, m_sua nova énfase sobre as a _rigidez formal Posteriormente considerada como imposta: um estado" Boe nomia”, com sua énfase adguitidana administracio, foi uma tenta- tiva_consciente _pata_compreender_e controlar uma_seqiiéncia_de atividades_consideradas_nio_s6_como_necessifis mai cane ae com uma histéria e experiéncia em rais. Cada_conceito interagiu transformagao. “Sociedade”, Sua_substancia _e ime- diagao, a “sociedade civil” Pace Ae Novas descricdes se fizeram necessdrias para a substincla imediata que *soviedade” fname cata, Por explo "nla outrora_significava indivisivel, um membro de um grupo, evoluis pata Ser nao 86 um tetmo separado, mar Opes =e Teaco ea *sctiedade”. Fm simesma, ¢ em sew termos dervidos ¢ restringentes, “sociedade” € uma formulacao da experiéncia que hoje resumimos como sociedade burguesa caus oe ativa, contra a rigidez do “Estado” feudal; seus prob! emai ps ae dentro desse tipo de cria¢ao, até distinguir-se paradoxal eats le impulsos iniciais ¢ até mesmo opar-se a eles. Da mesma for- a Rs Cty Gis as ds causation ines Sor Te Varvigistema celnraducios distribu tet nese ae Sar cia eat ay istic aon pRAtican de ane Ne one 0 Ce coe sae cara imitadageele earbtenes mesos. que eee eal i arcpiionprodurolca insti ice pees en earns oe eas “natural”, como uma “economia natural”, dota- foi erie gemelhantes 4s leis do (“imutével”) mundo fisico. gee action parte do moderno pensamento social parte desses a8 sem as marcas inerentes de sua formacao ¢ scus pro: conceitos, vidos, accitos sem exame. Hi, entfo, 0. pensa Pleas aes csorial” ou “sociolégico, e “econdmico”, que se mento polite; 62077 eee eeieeren el ‘Acrescenta-se soem, decree en ee ede abitualmente, CULTURA 19 eitos modeladores iniciais, E a psicolo- ) ou “social”? A discussio desse uy cita Na propria disciplina, até perceber-se que é © problema do que é “social” que a evolucao predominante da “so- Sear vce as a ciedade deixou sem solugdo, Devemos compreender “cultura” como “as artes”, como ) O as mo “um sistema de ignificados e valores como “todo um modo de vida”? como relaciond-los com a ciedade* ea “economia”? AS perguntay tear de wor foes wo provavelme: nte nao Possamos_respondé-las sem reconhecer os pro- ble nerentes a0s_conceitos “sociedade”_¢ “economia”, € que ”, gtacas 4 abstracio e is Q conceito de cultura”, quando considerado no contexto amplo do desenvolvimento—hts Fico, exerce uma forte pressdo contra os termos Timitados de todos os outros conceitos. Essa é € Sempre _a_sua vantagem; é sempre também uma fonte de dificul- dades, tanto na defini a0 como na compteensao. Até~o século XVIII ele ainda era _um_processo objetivo: a cultura de alguma coisa —colheitas, animais, mentes. As tmodificagées decisivas em *sociedade”_e “economia "comecaram_antes, em Fins SéCulo XVLe no século XVI, ¢ grande parte de sua evolugio essencial completou-se antes que “cultura” viesse a incluir seus signiticados novos ¢ alusivos. Estes niio_poderdo ser_compreendidosse-nao en. tendermos 9 que aconteceu_a “sociedade” e “economia”, e nenhum deles_pader4 ser _plenamente compreendido se nao examinarmos um decisivo conceito moderno que exigiu uma nova palavra no-sé- A nogao de “civilizar”, como sendo a absor¢ao dos homens por.uma organizagéo social, j4 era conhecida, € claro — baseava- se em civis e civitas, e seu ambito se expressava no socio: ¢ vil”, indicando ordenado, educado, cortés. Teve uma amp ie positiva de significado, como jé vimos, no com de “soci oe civil”. Mas “civilizagao” deveria_si lificar_mais SD Ee: pressava dois sentidos que estavam historicamente unidos: um tado realizado, qué se podia contrastar com 8 “barbdrie”, mie ieee , : " én agors um estado realizado de-desenvolvimento,qe-implicae oe a a eit Foleaae neo eT cerca do Tluminismo, combinada de fato com uma celebragao que ¢ auto-referia de uma condigao realizada de refinamento € ordem. CONCETOS Bisicos Foi essa combinacao evolutiva da Historia U € claro, um avanco signific, cepgao relativam, Pendia de Prgssupostos x sada. Na verdade, tudo o que se Podia projetar racionalmente era a extensdo € o triunfo desses valores realizados. Essa posi¢ao, j4 sob pesado ataque dos sistemas teligiosos € metafisicos mais antigos e de suas nogdes associadas de ordem, tornou-se vulnerdvel, sob novos aspectos. As duas reacdes decisi- vas de um tipo moderno foram, primeiro, a idéia de cultura, ofe- recendo um senso diferente de crescimento ¢ desenvolvimento hu- manos ¢, segundo, a idéia de socialismo, oferecendo uma eriticn social e histérica da “civilizagio” e “sociedade civil”, e uma al- ternativa a elas, como condigdes fixas e realizadas. As ampliacSes, transferéncias ¢ sobreposigdes entre todos esses _conceitos moder- nos ¢ modeladotes, e entre eles e os conceitos residuais de tipos muito mais velhos, foram excepcionalmente complexos. “Civilizagfo” e “cultura” (especialmente em sua forma co- antiga, de “cultivo”) eram de fato, em fins do século XVIII, serra cevcarib peta Cataltas MUctes ink espera Hab clus tle ira eatsriotrealicad total eerie area eee ee aiagioe gia aiveskici ial «ac Mae Primeiro, Hoave foljataquetalls civilizecae como oiverficiale cetera ieee houve 2 enone a um estado “natural”; um cultivo de ene lade cecirntey — polidez ¢ luxo — em contraposicio a proeuets dese itipulsos ‘mais “humanos”, Ese atsqucta cade ee ae e até o movimento romintico, foi a base de um im- ce se es alternativo de cultura — como um processo de Por Seal oe ee ee desenvolvimento “externo”, ese ny cya? odessa alternativa foi associar cultura com Teli. One familia e vida pessoal, em distincao, ou mesmo oposigao, SRO eee e “sociedade” em seu novo sentido abstrato e ge- NaCl i dose pacha wiembord ciealGataees coe Tal. e Ores. Suas relacdes com “s iedade” foram entio Probleméti, i es Siti € praticas “sociais” aes € praticas ”, hoje comumente chama las » ge yin a # es nae See - A dificuldade foi solucionada, em geral, rela- ae oe Cultura”, mesmo quando era evidentemente social em CS, COMM AGS Giaein ae em suas f is si ; formas mai - veils € seculares: pare 0 « Aentase religiosa diminuia, endo cube tuida pelo que era na vy jet ‘© Processo imaginatiyo, “Cultura”, € “literatura” (em si mes: S certamente quase-metafisicas —— ginacio”, “criatividade”, “inspiragao”, tido positive de “mito” tefo. “ima. “estético” e€ um novo sen- — € na verdade compostos num novo pan- Essa _decomposigao original se fez com a significado “externo”, Mas com a continuagio da secularizacao ¢ liberalizagio, houve uma Pressdo correlata no c uma nova e mais ele. _ vada ordem. Sob outro ponto de vista, a civilizagao era 0 estado | realizado que tais novidades ameacavam destruir, “Civilizaggo” | tomou-se entio um termo ambfguo, denotando de usivTado unt de- | senvolvimento esclarecido ¢ progressivo, ¢, do outro, um estado realizado e ameacado, que se tornava cada vez mais Fetrospectivo &; 1a pritica, com freqiéncia se identificava co Ha glévias vindas | do. passado, Nesse sentido posterior, civilizagio” e “cultura” no- Yamente se confundiam, como estados Vindos d6.passado e nfo | somo, Protessos em_evolugio. Assim, uma nova bateria de forgas foi estruturada contra a cultura e a civilizacao: materialismo, co- mercialismo, democracia e socialismo. se) a2 CONCEITOs RAsicos Nao obstante, “cultura”, enquanto isso, sofria ainda outro de- senvolyimento, que é especialmente dificil de acompanhar, mas tem importincia capital, j4 que levou a “cultura” como um conceito social — ¢ na realidade especificamente antropoldgico e sociolégi- co. A tensdo € a interagao entre esse sentido em evolucio e o ou- tro sentido” de processo “intimo” e “das artes” continuaram evi- dentes e importantes. Houve sempre, na prdtica, uma certa ligagao entre os dois desenvolvimentos, embora a énfase Passasse a ser muito diferente. A origem desse segundo sentido tem rafzes na ambigitidade de “ci- vilizacio” tanto como estado realizado quanto como estado de de- senvolvimento realizado. Quais eram as propriedades desse estado realizado das correspondentes agéncias de seu desenvolvimento? Na perspectiva das Histérias Universais, a propriedade caracteristica central, ¢ a agéncia, era a razio — uma compreensio esclarecida de nés mesmos e do mundo, que nos permite criar formas supe- tiores de ordem social natural, superando a ignordncia e supers- tigéo e as formas sociais e politicas a que levaram e que apéiam. A Histéria, nesse sentido, foi o estabelecimento progressivo de sistemas mais racionais e, portanto, mais civilizados. Grande parte da confianca desse movimento foi proporcionada pela compreensio incorporada as novas Ciéncias Fisicas, bem como pelo senso de or- dem social realizada. E muito dificil distinguir esse novo senso se- cular de “civilizagao” de um senso igualmente secular de “cul- tura” como uma interpretago do desenvolvimento humano. Cada um deles foi uma idéia moderna no sentido de que ressaltou a capacidade humana nao sé de compreender, mas de construir ama ordem social humana. Foi essa a diferenca decisiva entre tais idéias e a derivacao anterior de conceitos sociais e ordens sociais, a par- tir de estados religiosos ou metafisicos pressupostos. Mas quando . se tratou de identificar as verdadeiras forcas motrizes, nesse pro. cesso secular do “homem que faz a sua propria histéria » houve diferencas radicais de opiniio. Assim, uma das énfases mais antigas no “homem que faz a sua propria historia” foi a de Vico em A Nova Ciéncia (a partir de 1725). Disse ele: uma verdade fora de qualquer diivida: a de que o mundo da socie- dade civil foi certamente feito pelos homens, e que seus principios esto, portanto, dentro das modificagdes de nossa propria mente hu- mana. Quem refletir sobre isso teré de marayilhar-se com-o fato de que os filésofos deveriam ter dedicado todas as suas energias a0 es- tudo do mundo da natureza que, j4 que feito por Deus, s6 é por Ele conhecido; € que se tenham esquecido do estudo do mundo das na- CULTURA 23 ges ou mundo civil, que, jé& que foi feito pelo homem, s6 o homem Poderia ter esperancas de conhecé-lo. (p. 331) Nesse caso, e contrariando a tendéncia da época, as “Ciéncias Naturais” sao tejeitadas, mas as “Ciéncias Humanas” recebem uma surpreendente énfase nova. Podemos conhecer 0 que fizemos, e, na verdade, conhecélo pelo fato de fazé-lo. As interpretacdes es- pecificas que Vico oferece entao siéo hoje de pouco interesse, mas sua descricao de um modo de evolugéo que era ao mesmo tempo a formagao das sociedades e a formagio das mentes humanas, e a sua interagio, foi provavelmente a origem efetiva do sentido so- cial geral de “cultura”. O Préptio conceito teve um ayanco notd- vel com Herder em Idéias sobre a Filosofia da Historia da Huma- nidade (1784-91). Ele aceitou a énfase sobre o autodesenvolvi- mento histérico da humanidade, mas argumentou que era dema- siado complexo para ser reduzido A evolugéo de um tnico princf- pio, em especial a alguma coisa tao abstrata quanto a “razio”. E mais, que era demasiado varidvel para ser reduzida a um desenvol- vimento progressivo unilinear que culminasse na “civilizagio euro- péia”. Era necessdrio, argumentou ele, falar de “culturas”, e nao de “cultura”, levando-se em conta a Variabilidade, e dentro de qualquer cultura reconhecer a complexidade e variabilidade das for- gas que lhe davam forma. As interpretacdes especificas que entio ofereceu, em termos de povos e nagdes “organicos” e contra o “uni- versalismo externo” do Iluminismo, sio elementos do movimento romantico, que hoje tém pouco interesse ativo. Mas a idéia de um processo social fundamental que modela “modos de vida” especi- ficos e distintos é a origem efetiva do sentido social comparativo de “cultura” e de seu plural, jd agora_necessirio, de “cultura”. A_¢omplexidade do i = Bae anto, noté- vel. Tornou-se_um_nome do processo “intimo”, especializado em suas supostas agéncias de “vida intelectual” e “nas artes”. Tornou- supostas_configurages de~“mados de vida totais”. Teve um papel crucial em definicgdes de “artes” e “humanidades”, a partir do pri- meiro sentido. Desempenhou papel igualmente importante nas de- finigdes das “Ciéncias Humanas” e “Ciéncias Sociais”, no segundo sentido. Cada tendéncia se inclina a negar o uso do conceito & outra, apesar de muitas tentativas de reconciliacio. Em qualquer teoria moderna de cultura, mas talvez especialmente na teoria mar- xista, essa complexidade € motivo de grande dificuldade. O pro- blema de saber, de inicio, se se trata de uma teoria “das artes ¢ 1 Todas as referéncias so feitas as edigdes mencionadas na Bibliografia. CONCEITOS BAsicos da vida ; » tenn intelectual » €m suas relagdes com a “sociedade” 2 Processo social que cia “m los ida” diferentes, ¢ : ee © apenas o problema mais dbvio. “civil; arimeiro roblema substancial estd_nas atitudes ilizacao”. Nesse €aso, a intervenc: , OU Uma especificos Mm 40 decisiva do marxismo foi OS como “civitizacte*—como uma forma €spe- Sar a ae a ee diicio capitalist {sso constituiu uma perspectiva critica indispen- pen estava em grande parte contida nos Pressupostos que haviam produzido o conceito: o de um desenvolvimento secu- Jar_progressivo, mais obviamente, mas também de um desenvolvi- eno pe A_sociedadeburguésa_e_a capitalista foram desde logo atacadas com violéncia e consideradas como historicamente_progressista: passado, como em “a burgueia. . . barbatos—dependentes dos nista, 53). Q socialismo as substituiria como a fase Seguinte € su- petior da evoluggo, © js asmenner te mesunleaes E importante comparar essa perspectiva herdada com outros elementos do marxismo e dos movimentos radical € socialista que o antecederam. Com freqiiéncia, especialmente nos movimentos ante- tiores, influenciados por uma tradi¢ao_anternativa, inclusive a_cri- tica radical de “civilizacao” » nao foi o cardter Progressista, mas o carater_fundamentalmente _contraditério dese: €volugao que _teve e_refinamento, mas como parte do mesmo processo, pobreza, de- sordem € degradacio, Foi atacada pela sua “attificialidade” seus claroatcontsetieanconl uma ordem “natural” ou “humana”~Os va. lores “que The foram opostos nao eram os da-fase seguinte € supe- rior de_evoln Tas Os de-uma fraternidade Lumens essencial, expressa_com freqiiéncia como algo a ser tecuperado, tanto quan- to_conquistado. Essas duas tendéncias do marxismo, € do movi mento_ soc lo, foram com freqiiéncia Teunidas, mas e] ia_¢ especialmente na andlise da prdtica historica cal se- qiiente precisam ser ra ‘erenciadas. A intervengio seguinte e decisiva do marxismo foi a rejeicio daquilo que Marx chamou de “historiografia idealista” ¢, sentido, dos processos tedricos do Iluminismo. A histéria nao era considerada (ou nem sempre, ou principalmente, considerada) como ! a superagao da ignorancia e supersticao pelo conhecimento e razio. | que era excluido por essa explicagio e perspectiva era a histé. tia material, a histéria do trabalho, industria, como o “livro aber- CULTURA 2s l_ do “homem que faz um novo contetido radical com SeUS_ prdy 2a si mesmo”, pela produgao de $ ¥ m todas as suas dificuldades tual em t © mais importante avanco intelec- mento i ce ibili- dade de to social. Ofereceu a possibili la entre “sociedade” ¢ “natureza”, ¢ fi i 'S constitutivas “soci % econonitae? relacoe tivas entre “sociedade” ¢ inclasta decn? Tecuperagio da totalidade da histétia, Inns. gurou a inclusao i excluida da “ch ade teligides © Estados”, A ivilizagio, que € toda uma his- r propria histéria do capitalismo ‘arx € apenas o exemplo mais destacade fr de um tipo constitutivo, foi delimitada pela per- racionalismo, relacionado com o eeren ont? do desenvolvimento progressivo unilinear, como vom: versao da descoberta das “leis cientificas” da sociedade. Isso en- t6ria cultural material, que era a fase radical seguinte, ela tornou- se dependente, secundéria, “superestrutural”: um campo de “sim- ples” idéias, crengas, artes, costume, determinado pela ‘histéria ma- terial bdsica. O importante, no caso, nao é apenas o elemento de reducdo; € a reproducao, de forma alterada, da separacao entre “cultura” e¢ vida social material, que tem sido a tendéncia domi- nante do pensamento cultural idealista, Assim, as_possibilidades totais do conceito de cultura como um proceso social constitutivo, que cria “modos de vida” especificos e diferentes, que poderiam ter sido aprofundados de forma notdvel pela énfase no processo social material, foram por longo tempo itrealizadas, e com fre- qiiéncia substituidas na prdtica por um universalismo abstrato uni- linear, Ao mesmo tempo, a significagao do conceito alternativo de cultura, definindo a “vida intelectual” e “as. artes”, foi compro- metido pela evidente redugéo a uma condigéo de “superestrutura”, cabendo o seu desenvolvimento Aqueles que, no processo mesmo de sua idealizagéo, romperam as ligagdes necessdrias com a eet dade e a histéria, e nas dreas da psicologia, arte e crenga, desem veram um forte senso alternativo do prdéprio processo i humano. Portanto, nao é de surpreender que no CONCEITOs BAsicos sentido alternativo se tenha sobreposto e sufocado o marxismo. com certa razao em relac&o aos seus erros mais ébvios, mas cmt ter de enfrentar 0: desafio verdadeiro que estava implicito na in- tervengao orginal marxista, _ No desenvolvimento complexo do conceito de foi agora incorporado, decerto, a tantos sistemas e rentes, hé uma questao decisiva que se repetiu no periodo forma- tivo do século XVIII e ptincipios do século XIX, mas que foi ignorada, pelo menos nao desenvolvida, na primeira fase do mar- xismo. E a questo da lingua humana, que foi uma preocupacao compreensivel dos historiadores da “civilizagdo”, e uma questio central, até mesmo definidora, para os teéricos de um processo constitutivo de “cultura”, de Vico a Herder e além deste. Na ver- dade, para compreender todas as implicagdes da idéia de um “pro- cesso humano constitutivo” é para os mutdveis conceitos de lingua que nos devemos voltar. : “cultura”, que praticas dife- «

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