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ROLAND BARTHES ELEMENTOS DE SEMIOLOGIA ‘Tradugio de Izrpoxo BuiksTEIN a EDITORA CULTRIX Sio Paulo Impressoem nossa oicnasgréficas INDICE ‘Ao LEITOR BRASILEIRO Intxopugho I. LINGUA E FALA LL, Em Lingistica 8, Estruturas duplas 1.2: Perspectioas Semiolégicas 1, Lingua, Fala e Ciéncias Humanas 2. O vestuétio IL3. O Significante 1, Natureza do significante 2. Classificagio dos significantes 11.4. A Signifcacio 1. A correlasfo significativa 2. Arbitrariedade © motivacio em Lingiistica 3. Atbitrariedade © motivagio em Semiologia 11.3. O Valor 1. O valor em Lingits 2. A anticulaio IIL. SINTAGMA & SISTEMA UL1. Os Doi Bixos de Linguagem 1, RelapSes sintagmiticas © astociativas em Lingiisticn 2) Metifora € metontmia em Jakobson + AS pressGes combinatérias 5 Tdentidade e distancia das unidades sintagméticas ° 1 2 3 4 3 6. IIL3. 0 Sistema 1 2 3 4 3. 6 7 IV. DENOTAGKO E CONOTAGAO IV.1, Os Sistema desengatedos 1V.2. A conotogio 1V.3. A metalinguagem IV.4. Conotasio € metalinguegem Conclusio: a pesquisa semiolésica Bunuiockaria cxfrica AnoIce senorécico 13 AO LEITOR BRASILEIRO A bistéria da Semiologia é curta e, todavia, j& bastante rica, Em sua forma francesa, nasceu ela hé cerca de uns quinze anos, quando se retomou a postulacio feita por Saussure no seu Curso de Lingiifstica Geral, a saber: que pode existir, que existiré uma ciéncia dos ‘signos, que tomaria emprestado da Lingiiistica seus conceitos principais, mas da qual « prépria Lingiitstica no passaria de um departamento, Em seus primér- dios franceses, (que podemos situar 2 volta de 1956), a tarefa da Semiologia era dupla: de um lado, esbogar uma teoria geral da pesquisa semi elaborar semiéticas particula- res, aplicadas a (0 vestuério, a alimentacio, a i Os ELEMENTOS DE SEMIOLOGIA, gue sdo hoje apresenta- dos ao leitor brasileiro, dizem respeito a primeira dessas tarefas: iginariamente, foram organizados em forma oral no primeiro rio que realizei na Escola Pratica de Altos Estudos em 1962-63; foram a seguir publicados em italiano a pedido do grande escritor Elio Vittorini, pouco tempo antes de sua morte. Se recordo aqui o nome desse autor & porque devemos desde logo convencer-nos de que a vocacéo da Semiologia (eu, pelo menos, penso assim) nao & puramente cient 1, mas relacio- nase com 0 conjunto do saber e da escritura Cumpre, sem dri transmitidos pela Lingitistica 2 Semiologia, e é a essa exigéncia que buscam atender estes ELEMENTOs: dio-se definicoes que estao firmadas na ciéncia lingiiistica (a de Saussure, Hielmslev, Jakobson, Benveniste: a de Chomsky parece ter pouca influéncia sobre a Semiologia, a nio ser no que concerne & anilise da narrativa) e que, no entanto, sdo sempre levadas até os limites la, manejar com precaugio os conceitos 7 0 € traduaivel emt outros sistemas que Os ELEMENTOS De SEMIOLOGIA propéem um vocabulério, sem o qual a invencio de pesquisa no seria possivel. Por outras palavras, cumpre passar por estes ELEMENTOS, mas nio deter-se neles. Cada leitor deve reproduzir em si 0 partir destas bases necessérias, levou mas tambims a diversificarse, fragmentar mesmo contra dizer-se (entrar no campo fecundo das contradigées), em suma, exporse, Isso, a Semiologia o pode fazer porque, jovem citncia recém-esbocada e ainda jrégil, buscou ela avidamente, posso dizer, contato com outras ciéncias, outras disciplinas, outras exigéncias. Fax dez anos que a Semiologia (francesa) se mo- vimenta consideravelmente: forcada a deslocar-se, a arriscar bastante em cada encontro, manteve ela um didlogo constante ¢ transjormador com: o estruturalismo etnoldgico (Lévi-Strauss), 4@ anélise das formas literérias (os formelistas russos, Propp), a Psicandlise (Lacan), a Filosofia (Derrida), 0 marxismo (Altbus- ser), a teoria do Texto (Sollers, Julia Kristeva), £ toda esta Julguracio ardente, freqitente, por vexes polémi se deve ler retrospectivamente na historia da Semsiolog Precisamente a linguagem que questiona continuamente a lingué bonra, por naturezs, as duas tarefas que Brecht ai relagio social). Isto &, qualquer que seja a exigéncia cientifica de que se deva investir a pesquisa semiolbgica, essa pesquisa tem imediatamente, no mundo tal como &, sma responsabilidade humana, bist6rica, filoséfica, politica Tive muitas vezes a feliz oportunidede de conbecer pesqui- sadores, estudiotos, escritores brasileiros, pelo que estou con- vencido de que considerario estes ELEMENTOS tio modestos (isto € dito sem nenbum coquetismo) com esplrito livre, cu roso, transformador, aquilo que pretendiam ser desde 0 coméco um ponto de partide, Setembro de 1971, RoLanp BARTHES INTRODUGAO Em seu Curso de Lingilistica Geral, publicado pela primeira vez em 1916, Saussure postulava a existénci geral dos signos, ou Semiologia, da qual a Lin sendo uma parte. Prospectivamente, a Semi 6 sons melédicos, os objetos e os complexos desses substincias que se encontram nos rites, protocolos ou espeticulos, se nio constituem “linguagens”, so, pelo menos, sistemas de signifi cago. E certo que © desenvolvimento das comunicagées de massa dé hoje uma grande atualidade a esse campo imenso da significasdo, exatamente no momento em que 0 éxito de disci- plinas como a , a Teoria da Informagio, a Logica Formal e a Antropologia Estrutural fornecem novos meios & andlise semintica. Atualmente, hé uma solicitagéo semiolégica oriunda, ndo da fantasia de alguns pesquisadores, mas da prépria histéria do mundo moderno. Entretanto, embora a idéia de Saussure tenha progredido muito, a Semiologia investiga-se lentamente. A razio disto € simples, talvez: Saussure, retomado pelos principais semi6logos, pensava que a Lingiifstica era apenas uma parte da ciéncia geral dos signos. Ora, nao € absolutamente certo que existam, na vida social de nosso tempo, outros sistemas de signos de certa amplitude, além da linguagem humana. A Semiologia s6 se rT (é 0 caso do cinema, da publicidade, das histor nnhos, da fotografia de imprensa etc.), de modo que 20 menos uma parte da mensagem icénica esté numa relago estrutural de 08 conjuntos de am 0 estatuto de ». Essa linguagem, entretanto, no é € uma segunda linguagem, cujas unidades no so mais os monemas ou os fonemas, mas fragmen- tos mais extensos do discurso; estes remetem a objetos ou episédios que significam sob a linguagem, mas nunca sem ela. 12 chamada a sbsorverse numa narrativa, 0 artigo ilizagio, tanto quanto atualmente em Antropologia, Sociologia, Psica- acerca do conceito de significagio. saber lingiifstico; temerdria porque esse jd, pelo menos em projeto, a objetos not que no seja tirar da Lingiifstica os conceitos analitico respeito dos quais se pensa a priori serem suficientemente gerais ia, isto é, um feixe de possibilidades e de obstic mum mundo vivido.” (G. G. GuaNcEx: Méthodologie économique, p. 23). B mente 0 modelo lingiifstico®. Contentamo-nos com propor ¢ logia, desejando que cla permita intro- ‘mesmo proviséria) na massa heterd- ia dos conceitos parece een no penss- ” a estrutura binéria do sistema que descre- , de passagem, que seria muito instrutivo, sem diivida, estudar a preeminéncia de classificagdo binéria no dis- curso das cincias humanas contemporineas; @ taxinomia dessas ciéncias, se fosse bem conhecida, informaria certamente a res- peito daquilo que se poderia chamar 0 imagindtio intelectual de nossa época. 2. Perigo. sublinhado por C1avoe LévrSraauss, Antropologie trad. de Chaim Samuel Katz stracteaey py 58 (An LINGUA FALA I. 1. Em Linobistica L.1.1. 0 con rémico) de Lingua/Fala € cen- tral em Saussure e con amente uma grande novidade com relagéo a Lin, r, preocupada com procirar as causss da mudanga -a nos deslizamentos de pronin- sico, do fisiol6gico © do psiquico, do individual ¢ do social. te puramente individual da linguagem (fons regras € combinagdes contingentes de signos). 1.1.2. A Lingua € entio, pratic la: é, 20 mesmo tempo, uma ente, a linguagem me- ituigéo social ¢ um sis- 4. Observese que a primeisa definigio de lingua & de ordem taxi bait: € um principio de cassficgfo, W no é absolutamente € a parte social da tema de valores. Como instituigo um ato, escapa a qualquer premedit ‘Trata-se essencialmente de um contrato coletivo 20 qual temos de submeter-nos em bloco se quisermos comunicar; além disto, este produto social € auténomo, & maneira de um jogo com as suas regras, pois s6 se pode manejé-lo depois de uma aprendi- zagem, Como sistema de valores, a Lingua é constitufda por um pequenu ndicro de clementos de que cada um é, ao mesmo tempo, um vale-por e 0 termo de uma fungio mais ampla onde se colocam, diferencialmente, outros valores correlativos; sob 0 ponto de vista da lingua, o signo € como uma moeda®: esta vale por certo bem que permite comprar, mas vale também com relacio a outras moedas, de valor mais forte ou mais fraco. O aspecto institucional e 0 aspecto sistemético esto evidentemente Tigados: € porque a lingua é um sistema de valores contratuais ou, para ser mais exato, imotivades) que Ses do individuo sozinho que, conseqiien- cssencialmente um ato individual de selegio ¢ atualizagio; cons- tituem-na, primeiro, as “combinagées gracas as quais o falante pode utilizar 0 cédigo da lingua com vistas a exprimir 0 pen- samento pessoal” (poderse-ia chamar de discurso esta fala desdobrada), e depois os “mecanismos psicofisicos que lhe permitem exteriorizar estas combinagées”; & certo que a fonagio, pot exemplo, nio pode ser confundida com a Lingua: nem a instituigio nem o sistema sio alterados, se 0 individuo que a eles recorre fala em vor alta ou baixa, conforme uma elocucéo lenta ou répida etc. © aspecto combinatério da Fala € eviden- 5. CE infra, 1, 5, 1. 18 temente capital, pois implica que a Fala se constitui pelo retorno de. signos icos: € porque os signos se repetem de um discurso a outro e num mesmo discurso (embora combinados segundo a diversidade infinita das palavras) que cada signo se torna um elemento da Lingua; & porque a Fala é essencialmente uma combinatéria que corresponde 2 um ato individual e no a uma criagio pura. 1.1.4, Lingua e Fala: cada um destes dois termos sé tira evidentemente sua definigio plena do processo dialético que lune um ao outro: nio hé lingua sem fala e nio hi fala fora da lingua; € nessa troca que se situa a verdadeira praxis lingtistica, como o indicou Maurice Merleau-Ponty. “A Lingua, também disse V. Brondal *, uma entidade puramente abstrata, uma norma superior aos individuos, um conjunto de tipos essenciais, que realiza a fala de modo infinitamente variével”. Lingua e Fala estio, portanto, numa relasio de compreensio reciproca; de uum lado, a Lingua é “o tesouro depositado pela pritice da Fala nos individuos pertencentes a uma mesma comunidade”, e, por ser uma soma coletiva de marcas individuais, ela sé pode ser incompleta no nivel de cada individuo isolado; a Lingua existe perfcitamente apenas na “massa falante”. $6 podemos mancjar uma fala quando a destacamos na lingua; més, por outro lado, lingua s6 é posstvel a partir da fala: historicamente, os fatos de fala precedem sempre 0s fatos de lingua (é a fala que faz a lingua evoluir), e, geneticamente, a lingua constitui-se no indi- viduo pela aprendizagem da fala que o envolve (nio se ensina 1 gramética ¢ o vocabuléio, isto é, a lingua, de um modo geral, aos bebés). A Lingua é, em suma, o produto e o instrumento da Fala, a0 mesmo temy ¢ realmente, portanto, de uma verdadeita dialética, Notaremos (fato importante quando passar- 6. Acta Linguistica, I, 1, p. 5 9 mos as perspectivas semiol6 Saussure, pelo menos) uma lingtistica da Fala, pois qualquer fala, desde que tomada como processo de comunicagio, jé & lingua: 36 hé ciéncia da Lingua. sto afaste de pronto duas questées: é imitil perguntar-se se cumpre estudar a fala antes da lingua; a alternativa é impossivel e s6 se pode estudar imedia- tamente a fala no que ela tem de lingiifstico (de “eléti igualmente instil perguntar-se, primeiro, como separat a lingua da fala: no te trata af de uma dil ) mas, muito a0 contrétio, da prépria esséncia da investigacio lingiistica (e semiolégica, mais tarde): separar a lingua da fala é, de uma 55 lance, estabelecer © processo do sentido. 1.1.5. Hjelmslev7 nio subverteu a concepgio saussuria- na da Lingua/Fala, mas redistribuiulhe os termos de maneita mais formal. Na lingua em si (que fica sempre oposta a0 ato da fala), Helmsley distingue trés planos: 1) 0 esquema, que € a lingua como forma pura (Hjelmslev hesitou em dar a esse plano o nome de “sistema”, “pattern” ou “armacio”): trata-se da lingua saussuriana, no sentido rigoroso do termo; seré, por exemplo, o r francés definido fonologicamente por sex hoger de oposigdes; 2) a norma, que é a lingua como forma jf definida por certa realizagio social, mas indepen- dente sinds dos pormenores dessa manifestacio: ser o r do francés oral, seja qual for sua prontincia (mas nio o do francés escrito); 3) 0 uso, que é a lingua como conjunto de hibitos de uma determinada sociedade: seré o r de certas regides. Entre fala, uso, norma ¢ esquema, as relagies de determinagio sio variadas: a norma determina 0 uso € a fala; 0 uso determina a fala mas também é por ela determinado; o esquema é determi- nado, 20 mesmo tempo, pela fala, pelo uso e pela norma. Vernos 7. L, Hyeumstev: ques, Copenhague, 1959, p. 69 ¢ ss. 20 aparecer assim, de fato, dois planos fundamentais: 1) ‘cuja teoria se confunde com ria da forma * ¢ da it 2) 0 grupo NormaUso-Fal da substincia ® ¢ da execugio; como — segundo Hielmsley — a norma é uma pura abstragdo de método e a fala uma simples concretizagao (“um documento passageiro”), reencontta-se, terminar, uma nova dicotomia, Esquema/Uso, que se subst 20 par Lingua/Fala, O remanejamento hjelmsleviano, entre- tanto, nfo é indiferente: ele formaliza radicalmente o conceito de Lingua (sob 0 nome de esquema) e el a fala concreta em proveito de um conceito mais social, 0 150; formalizagio da lingua, socializasio da fala, este movimento permite passarmos todo 0 “positive” e 0 “substancial” para o lado da fala, todo 0 diferencial para o lado da lingua, 0 que & vantajoso, como vere- mos daqui a pouco, por levantar uma das contradigSes colocadas pela distingio saussuriana da Lingua e da Fala, 1.1.6. Seja qual for sua riqueza, seja qual for o proveito Gio & impossvel segundo a tcora bjelmsleviana; Pierre Guitaud a recusa, porque, segundo ele, as convengies do eSdigo ¢ a3 da lingua sio implicitas , mas cla & certa- mente aceitével na perspectiva saussuriana, e André Martinet a leva em conta #4, Anélogo problema pode ser colocado ao inter- 2 Seite de Laalyse gu Eudes “de Tae Didi L.A. Mamet: Elément de Ling lin, 1960, p. 30, me ive en linguistique”, in: rogarmonos a respeito das relagées entr a fala, j& 0 vimos, pode ser definid tes); no nivel da lingua em si, todavia, ‘tagmas cristalizados (Saussure cita uma palavra composta como Timiat que separa a lingua da fala pode entéo gue é aqui constitufdo Por “certo gran de combi- se oferecem em bloco & vatiagéo paradigmética (Hjelmslev de- nomina tal andlise a morfo-sintaxe); Saussure notara esse fend- meno de passage: “Hé também, provavelmente, toda uma série de frases pertencentes a lingua, as quais 0 individuo nao tem ‘mais de combinar por si mesrio.” *® Se esses estereétipos per- tencem a Iingua, e nio mais & fala, ¢ se se verificou que nume- sétia para todas as “escrituras” fortemente estereotipadas. O terceito problema, enfim, que indicaremos aqui, concerne as priamente significante da unidade); identificou-se (0 préprio Trubetskoy), as vezes, a pertinéncia e a lingua, rejeitando assim da lingua todos os traos néo-pertinentes, isto & as variantes combinatérias, Esta identificagéo, entretanto, causa problema, pois existem vatiantes combinatias (dependentes, portant, 2 da fala) que sio, contudo, impostas, isto é, ‘em francés, € impésto pela lingua que o 1 seja surdo apés uma surda (oncle) e sonoro apés uma sonora (ongle), sem que estes fatos deixem de pertencer a simples Fonética (¢ 12, CE. infra, acerca do sintagma, cap. IL. Saussure, in: R. Gone: Les sources manuscrites du Cours de tique Générale de F. de Saussure, Droz, Minard, 1957, p. 90. no a Fonologia); vé-se a conseqiiéncia tedrica: € tir que, contrariamente & afitmacio de Saussure 44 diferencas”), 0 que nio & diferenciativo possa assim mesmo Pertencer 2 lingua (a instituigfo)? Martinet assim pensa; Frei tenta poupar @ Saussure a contradicio; ao localizar as diferencas nos subfonemas: p nio seria, em si, diferencial, mas somente, rele, 0s tragos consonintico, oclusivo, surdo, labial etc. Nao é exatamente este 0 momento de tomar partido a respeito de tais problemas; de um ponto de vista semioligico, reter-sed neces: sidade de aceitar a existéncia de sintagmas e de variagies nio- ifieantes que sejam contudo “gléticas”, vale dizer, que per- ses niosignificantes formarem um corpo de significa segundos, o que € 0 caso das linguagens de muita conotagio ™: denotacio, mas na Tagen de teatro, por exemplo, ele ostenta © sotaque camponés ¢ participa, conseqiientemente, de um cédigo, sem o qual a mensagem de “ruralidade” no poderia ser emitida nem percebida, 1.1.7. Para terminar com Lingua/Fala em Lingiistica, indicaremos aqui dois conceitos anexos, revelados desde Saussu- re. O primeiro € 0 do idioleto 1, O idioleto € “a linguagen enquanto falada por um s6 indivtduo” (Martinet), ou ainda “o suistique Générale, dos hébitos de um sé individuo num determinado (Ebeling). Jakobson contestou o interesse desta seguintes realidades: 1) a linguagem do afésico que no com- preende outrem, no recebe uma mensagem conforme seus préprios models verbs, sendo pager, entio, um idio- eto puro (Jakobson); 2) 0 “ otiundos da tradigfo, isto é, da colet enfim, francamente alargar a nocio e def Tinguagem de uma comunidade lingiifstica, de pessoas que interpretam da mesma ma ciados lingifsticos; © idioleto corresponderia entio, pouco mais ‘ou menos, ao que tentamos descrever em outra parte sob o nome de escritura*, De modo geral, as apalpadelas que conceito de idioleto testemunha apenas traduzem a necessidade de uma ), ou, se preferitmos, de uma fala ida radicalmente formalizével, 1.1.8. Se aceitamos identificar Lingua/Fala ¢ Cédi- g0/Mensagem, & preciso mencionar aqui um segundo conceito Jakobson, Linglistica e Cor rcagio, trad. de Tridoro Blikstein e José Paulo Paes, S. Paulo, Cultrix, 1965 —C. L. Ebeling: Linguistic units, Mouton, : A functional view of language, Oxford, IZ. Le degré xéro de Vécriture, Sevil, 1953 (0 Graw Zero da Es. critura, wad. de Alvaro Lorenclni e Anne Arichand, Caltrix, 1971]. 24 anexo que Jakobson elaborou sob o nome de estruturas duplas (duplex. structures); no insistiremos muito neste ponto, p iso de Jakobson foi retomada em seus Ensaios de Geral (cap. 9). Indicaremos apenas que, sob 0 nome de estruturas duplas, Jakobson estuda certos casos particulates da relagio getal Cédigo/ Mensagem: dois casos de circularidade dois casos de acavalamento (overlapping): 1) discursos acrescen- tados ou mensagens dentro de uma mensagem (M/M): € 0 caso ageral dos estilos indiretos: 2) nomes préprios: © nome significa qualquer pessoa a quem esse nome é atribuido e a circulatidade chamada Joio; 3) casa de autonimia palavra € empregada aqui como sua propria designacéo, a men- sagem “acavala-se” sobre 0 cédigo (M/C); esta estrutura € im- ppottante, pois recobre as “interpretacées elucidantes”, vale dizer, as circunlocugées, os sindnimos e as tradugées de uma lingua a outra; 4) os shifters (ou “engatadores”) constituem, indubita- velmente, a mais interessante estrutura dupla; o exemplo mais € dado pelo pronome pessoal (eu, tt), “sfmbolo indicial” que reine em si o lago convencional e o lago cexistencial: ew s6 pode, com efeito, representar seu objeto por ‘uma regra convencional (que faz com que eu se tome ego em latim, ich em alemio etc.), mas por outro lado, ao designar 0 jor, 96 pode referirse existencialmemte & proferisio Jakobson lembra que os pronomes pessosis por muito tempo passaram por ser a camada mais primitiva da linguagem (Humboldt), mas que, segundo ele, se trata, a0 contrétio, de uma relagéo complexa e adulta entre a Mensagem. Os pronomes pessoais constituem a tlt gem infantil e a primeira perda da afas feréncia dificeis de se mancjar, A teoria dos shifters parece pouco explorads ainda; é, entretanto, muito fecundo, a priori, observar, se se pode dizer assim, 0 cédigo as voltas com a men- 25 ‘Sigem (pois o inverso é muito mais ban: vai apenas uma hipdtese de trabz sio, como vimos, simbolos indiciais, segundo @ ter Peirce, que se deveria procurar a definigéo semi ‘mensagens que se situam nas fronteiras da linguagem, sobretudo cettas formas de discurso literério, ia talvez (e ai 1.2. Perspscrivas SEMIoLGcicas 1.2.1, © alcance sociolégico do conceito Lingua/Fala € evidente. Cedo se sublinhou a afinidade manifesta entre a Lingua saussuriana e a concepgio durkheimiana da consciéncia coletiva, independente de suas manifestagées indivi lou-se até uma influéncia direta de Durkheim sobre Saussure; Saussure teria seguido de perto 0 debate entre Durkheim ¢ Tarde. Sua concepgio da Lingua viria de Durkheim ¢ sua con- lual*8, Esta hipdtese perdeu ica desenvolveu sobretudo, dent © aspecto de levou a accitar a necessidade de uma andlise imanente da ins- fo ling gict. Nao € entio, paradoxalmente, na rea da Sociologia que encontraremos 0 melhor desenvolvii € sim na da Filos ia, com Merleau-Ponty, provavelmente um dos primeiros fildsofos franceses a ter-se interessado por Saus- sure, ou porque tivesse retomado a distingio saussuriana sob a 18, W. Doroszewsxr: “Langue et Par Odbithe + Prac Fiolo sicenyeb, XLV, Varsévia, 1930, pp. 485-97. 26 lingua, que lembra bem o “tesouro” de Saussure) *®, ou porque tivesse alargado a noo, ao postular que qualquer proceso pressupSe um sistema: assim elaborou-se uma oposicéo dora- vante clissica entre acontecimento ¢ estrutura, ** cuja fecundi- dade se conhece em Histéria?#, A nogio saussuriana teve também, sabe-se, um grande desenvolvimento na érea da Antro- na obra pologia; a referencia a Saussure € demasiado explici inteira de Claude Lé mister nela (entre a Fala e a Lingua) se reencontra concretamente na pas- sagem da comunicacio das mulheres as estruturas do parentesco; que para LéviStrauss a oposicio tem um valor epistemolégico: © estudo dos fatos da lingua depende da interpretacio mecanista ¢ estrutural, € 0 probabilidades ( macrolingi , que o catiter inconsciente da lingua naqueles que nela colhem sua fala, postu- lado explicitamente por Saussure ™, reencontra-se numa das mais otiginais e fecundas posigSes de Claude Lévi-Strauss, a saber que 19, M. MenueauPonry, Phénoménologie de la Perception, 1945, p. 229, " 20. M. MesteauPonry, Eloge de la Philosophie, Gallimard, 1953. 21. G, Gaancer, Vhomme", Cahiers de Pnst. de science économique aio, 1997. 22. Ver F, Baaupet: in: Annales, out-dez. 1958. 23. Anthropolosie structurale, p. 230, ¢ “Les mathématiques de "ins Esprit, out. 1956. istoire et sciences sociales: la longue durée”, Godel op. cit, p. sxima da de Lacan, para quem 0 préprio desejo é articulado como uum sistema de signiticagdes, 0 que acarreta, ou deverd acarretar, deserever de novo modo © imaginétio coletivo, nzo por seus “temas”, como se fez até agora, mas por suas formas e funsdes; digamos mais grosseiramente, mas mais claramente: mais por seus icantes do que por seus significados. Vé-se, por estas indi- cagdes sumétias, como a nogio Lingua/Fala & rica de desenvol- vimentos extra ou metalingiifsticos. Postularemos, pois, que existe uma categoria geral Lingua/Fala, extensiva a todos os sistemas de significagio; na falta de algo melhor, conservaremos aqui os tetmos Lingua e Fala, mesmo se nao se aplicarem a comu- nicages cuja substancia no seja verbal. 1.2.2. Vimos que a separ cons logo de saida esta separacio para sistemas de objetos, imagens ‘ou comportamentos que ainda nio foram estudados sob um ponto de vista semantico, Podemos somente, para alguns dos sistemas prever que certas classes de fatos pertencerio a categoria Lingua e outras & categoria Fale, dizendo logo que, nessa passage semiolégica, a distinggo saussutiana esté exposta a modificagSes, as quais cumprird precisamente observar, ‘Tome- , por exemplo: impGese, sem divida i escrito, ou seja, desctito por um sulada, nfo hé “fala”, sistematico de signos e de regras: & uma Lingua em estado puro. Segundo 0 esquema saussuriano, uma Iingua sem fala seria im- possivel; 0 que toma o fato accitével aqui é que, de um lado, a lingua da Moda nfo emsna da‘“‘massa falante”, mas de um srupo de decisfo, que elabora voluntariamente o cédigo, e, de 28 outro lado, que a abstracdo inerente a qualquer Lingua esté aqui sob a forma da linguagem esc ) € Lingua no nivel da comunic: ¢ Fala no nivel da comunicagio verbal. No vestuétio fotografa- do (supondo que, para simplificar, ele no é traduzido por uma descrig#o verbal), a Lingua se origina sempre do fashion-group, mas nio mais se apresenta em sua abstracio, pois o vestudrio fotografado € sempre usado por uma mulher pois, de um lado, a Lingua de moda deve ser nnequim fotografado) €, por assim um individuo normativo, escolhido em funcio de sua gene- Finalmente, no vestuério usado (ou real), como 0 havia Trubetzkoy *, reencontrase a clissica distingio entre usar uma boina ou um chapéu-céco); 2) pelas regras que pre- sidem a associagio das pegas entre si, seja 20 longo do corpo, seja na largura; a Fala indumentiria compreende todos os fatos nossa sociedade) ou de uso individual (medida da roupa, grau de proptiedade, de gasto, manias pessoais, associagies livres de quanto & dialética que une aqui a indumentéria (Lingua) je (Fala), ela nao se parece & da linguagem; certamente, € sempre colhido na indumentéria (salvo no caso da ds, também tem seus signos), mas a indumentstia, hoje pelo menos, precede o traje, jf que vem da 25. Principes de Phonologie (trad, J. Cantineau), p. 19. 29 “contecsio”, ‘isto é de um grupo minoritétio (embora mais anénimo do que no caso da Alta Costura). 1.2.3, Tomemos agora outro sistema de significagio: a comids. Af reencontraremos, sem dificuldade, a distingio saus- suriana, A Lingua alimentar & constituida: 1) pelas regras de exclusio (tabus alimentares); 2) s oposigées. significantes de unidades que ficam por se determinar (do tipo, por exemplo: salgado/acucarado); 3) pelas regras de associacio, seja simol- de um prato), seja sucessiva (no nfvel de um 4) pelos protocolos de uso, que funcionam talvez como uma espécie de retérica alimentar. Quanto i ali mentar, muito rica, esta compreende todas as variagdes pessoais de preparacio e associagio (poder-se-ia considerar jogo entre a Lingua e a Fal: € constituido por referéncia a uma estrutura (nacional ou regional e social), mas essa estrutura é preenchida diferentemente conforme os dias ¢ féema” lingifstica € preen- es de que tem necessidade A telagio entre a contramos na linguagem: é, por al de sedimentagio de falas, que const fatos de i podem adquis caso, € contr trupo de decisio: a I partir de um uso largamente coletivo ou de uma © uso, ou seja, uma espécie lingua alimentar; os as inventadas), todavia, ai um valor institucional; o que falta, em todo mente ao sistema do vestustio, é a agio de um ise somente # “fala” pura com as pers: ingio Lingua/Fala, daremos ainda algumas suges- ‘Bes concernentes a dois sistemas de objetos, muito diferentes certamente, mas que tém de comum o dependerem ambos de um grupo de decisio (de fabricaci No automével, a “lingua” € constituida por um conjunto de formas e “‘pormenores”, cuja estrutura se estabelece diferencial mente pela comparacio dos independente- mente do nimero de suas “c6pias”); a “fala” € muito reduzida, pois, em igual posicio, a liberdade de escolha do modelo é catenramente I ada: 36 funciona em rclagio a dois ou trés modelos ¢, dentro de um modelo, quanto & cor ou guarnicios mas talvez fosse necessitio aqui transformar a nogdo de objeto automével em nogio de fafo automével: reencontratiamos entéo na conduta automével as variagées de uso do objeto que cons- tituem ordinariamente 0 plano da fala; 0 usuirio nio pode, de faro, agit aqui diretamente no modelo para combinarlhe as uni- dades; sua liberdade de execusio apéia-se num uso desenvolvido no tempo e dentro do qual as “frmas” provindas da lingua devem, para atualizar-se, passar pela mediagZo de certas prat cas. Fi imo sistema de que gostari mos de dizer duas palavras, constitui, também ele, um objeto : a Hingua € ao mesmo tempo formada pelas oposigdes de méveis funcionalmente idénticos (dois tipos de ar dois tipos de camas etc.) e de que cada um, segundo seu remete a um sentido diferente, e pela diferentes unidades ao nivel da peca formada aqui seja pelas variagdes insig uma unidade pelo usuéi jeitando” um elemento, por exem- plo), seia pelas liberdades de associagio dos méveis entre si. mente, 0 mobilidric semant 1.2.5. Os sistemas interessantes, aqueles que a0 menos esto ligados & soci das comunicagées de massa, sio complexos sistemas em que estio envolvidas diferentes substin- isfo ¢ publicidade, os sentidos sio tribu- 31 térios de um concurso de imagens, sons e grafismos; € prematuro, pois, fixar, para esses sistemas, a classe dos fatos da lingua e a dos fatos da fala, enquanto, por um lado, nio se decidir se a “lingua” de cada um desses sistemas complexos ¢ original ou somente composta das “Linguas”” subsidiérias que deles partici- pam, e, por outro lado, enquanto essas linguas subsidiétias nfo forem analisadas (conhecemos a “lingua” lingiistica, mas igno- ramos a “lingua” das imagens ou a da mésica). Quanto a Im- piensa, que podemos considerar, razoavelmente, como um sistema de significagéo auténoma, ainda que nos limitemos a seus cle- mentos escritos, ignoramos ainda quase tudo um fenémeno que parece ter nela um papel cay parasita, se se pode assim dize este sistema segundo também é uma “lingua” em relasio a qual se desenvolvem fatos de fala, idioletos e estruturas duplas. Para estes sistemas complexos ou conotados (os dois caracteres nfo ito predeterminar, mesmo 1.2.6. A extensio semiolégica da nogio Lingua/Fala néo deixa de colocar certos problemas que coincidem, evidentemente, com 0s pontos em que © modelo lingiilstico nao mais pode ser seguido © deve set ajeitado, O primeito problema concerne & origem do sistema, ou seja, & propria dialética entre a lingua e a fala, Na linguagem, nao entra na lingua nada que néo tenha sido ensaiado pela fala, mas, inversamente, fala alguma é possivel (vale dizet, no responde a sua fungio de comunicacio), se ela nao é destacada do tesouro da lingua. Este movimento é ainda, parcialmente ao menos, o de um sistema como a comida, ainda que os fatos individuais de inovagio nele possam torna de lingua; mas, para a maioria dos outros sistemas semidlégicos, 32 4 lingua é elaborada, nfo pela “massa falante”, mas por um grupo de decisio. Neste sentido, podese dizer que, na maioria das linguas semiol6gicas, o signo é verdadeiramente “abitrério”, * id que se funda, artfcalmente, por uma decsio unilateral trata-se, em suma, de linguagens fabricadas, de “logotécnic segue essas linguagens, nelas desta -mensagens (“falas”), mas nio participa de sua elaboragio; 0 grupo de decisio que esté na origem do sistema (¢ de suas mudangas) pode ser mais ou menos estreito; pode ser uma tecnocracia alta- (moda, automével); ¢ pode ser também um ais andnimo (arte do mobiliério corrente, No entanto, se este cardter arti sucional da comunicacéo € preserva certa entre 0 sistema e 0 uso, é porque, de um lado, por ser softido, o “contrato” significante nem por isso é me- nos observado pela massa dos ususrios (seno, 0 usuitio ser ‘marcado por cetta dessocialidade: nfo pode comunicar aque sua excentricidade), Indo, as linguas elaborades “por decisio’ menos: desenvolvimento das sociedades (passagem a um vestuétio semi- -europeu nos paises da Africa contemporinea, nascimento de novos protocolos de slimentagio répida nas sociedades indus- triais © urbanas); 2) quando imperativos econdmicos determi- nam o desaparecimento ou a promogéo de certos materia ; 3) quando a ideologia limita a invencio das va 4 tabus e reduz, de slgum modo, as margens is amplamente, que as clabora- 38 logotécnicas, so, elas prd- prias, apenas. os termos de uma fungio sempre mais geral ou 26. CE. infra, TL, 4, 3. 33 1, © imagindtio coletivo da época: a inovagio individual é gica (de grupos igicas, por sua vez, re- miol6gica da nogio Lingua/Fala diz respeito ai se pode estabelecer entre as guagem hd uma desproporcio muito grande junto finito de regras, e as “falas” que vém regras ¢ constituem um néimero prati presumir que um sistema como a co diferenga considerdvel de volumes, visto que, dentro das “for- mas” culindrias, as modalidades € as combinagSes de execusio continuam sendo um niimero el ‘mas como o automével ou o mol ‘a amplitude de variagSes combinatérias e associagdes livres é fraca: h4 pouca margem — reconhecida pela propria instituigio ao menos — entre 0 mo- delo € sua “execugio”: sio sistemas em que a “fala” € pobre ¢, ‘num sistema particular como a moda esctita, essa fala é praticemente nula, de tal modo que se trate aqui, parado: apresente ainda uma isto no impede que seja forgosamente necessétio revi sausouriana, segundo a qual a lingua nfo é senfo um diferengas (€ neste caso, sendo inteiramente ‘“negati torna inapreensivel fora da fala), ¢ completar 0 pat Lingua/Fala que setia o suporte (necessério) da sigs pressio como “um vestido comprido ou curto”, 0 “vestido” nio & senfo o suporte de um variante (comprido/curto), que perten- ce plenamente lingua indumentétia: distingéo desconhecida da 34 permite evidentemente explicar os sistemas sem “execuc que 0 primeiro elemento asseguta a materialidade da jo tanto mais plausivel quanto se ex i necesita de ‘maté € porque eles tém geralmente uma otigem ante, contrariamente a linguagem humana. 35

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