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Quito agora mais perto do Rio com novos voos via Lima

Publicada em 09/08/2010 às 14h15m

Gustavo Alves

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QUITO - Talvez sejam as aulas de geografia da infância, em


que temos de memorizar que o Equador é um dos dois únicos países da América do Sul que
não fazem fronteira com o Brasil, ao lado do Chile. Talvez sejam a falta de voos diretos
para a capital, de vinhos lá produzidos nas prateleiras de nossos supermercados, ou de
estações de esqui em que ouve-se tanto português quanto espanhol, como no Chile e na
Argentina. Pode ser que estes sejam os motivos pelos quais Quito pareça uma cidade
distante. Motivos ilusórios. A capital equatoriana realmente não é logo ali. Mas desde o
início de julho, a Taca começou a voar diariamente do Rio para Lima, no Peru - a partir de
onde, aí sim, Quito é logo ali, a pouco mais de duas horas de viagem. E se, ao contrário do
caso da Argentina, não temos uma relação de amor e ódio envolvendo vinho e futebol para
nos ligar ao país, o Equador tem outras características que nos aproximam dele. A selva
amazônica e a diversidade da sua população de 13 etnias quase o fazem um Brasil em
miniatura. Quase, porque suas terras altas, com 30 vulcões (quatro ativos), formam uma
paisagem que não se encontra por aqui. Sem contar que a pequena Quito tem um
patrimônio arquitetônico único, inclusive pelo tamanho: a área de praças, ruas de
paralelepípedos e igrejas em que o barroco e o neogótico europeus ganham símbolos sul-
americanos, como condores, é o maior Centro Histórico da América Latina.

Vasos de flores, antes arma contra serenatas, adornam casas


Se há um lugar onde o slow travel é obrigatório, é Quito. Pelo menos nos dois primeiros
dias depois do desembarque: a altitude de 2.850 metros obriga o visitante a evitar andar
rápido, para não perder o fôlego ou passar mal. Vá devagar. Principalmente se for admirar a
vista da cidade em um dos montes que a circundam, como El Panecillo, onde há a estátua
da Virgem de Quito, símbolo da capital reproduzida em suvenires e grafites nas ruas.

E para que pressa? É lentamente que se deve passear no Centro Histórico, primeira área
urbana declarada Patrimônio da Humanidade pela Unesco, em 1978. Assim, há tempo para
notar as gárgulas em formas de tartarugas e iguanas, animais típicos do Equador, na
fachada da Catedral, na Plaza Mayor, onde também está o Palacio de Carondelet, sede da
Presidência em estilo neoclássico, com grades de ferro vindas da França nos balcões.

Adiante, rumo à Plaza de San Francisco, não dá para passar


rapidamente pela capela de El Sagrario, nem pela igreja jesuíta de La Compañia. Ambas
começaram a ser construídas no século XVII, mas a última levou 180 anos para ficar
pronta. Tempo para se rechear de pequenos e elaborados detalhes a fachada, em pedra
vulcânica; cobrir de ouro o altar, e decorar pilastras com filigranas que lembram as das
mesquitas dos árabes, que dominaram a Espanha, até eles serem expulsos em 1492, ano em
que os espanhóis iniciaram a colonização das Américas.

Na chegada à Plaza de San Francisco, há um marco da conquista hispânica: a Igreja e


Monastério de São Francisco, que começou a ser construído em 1535, no lugar de um
palácio inca, dois anos depois de eles serem derrotados pelas armas e as doenças europeias.
Nela, há a pintura de onde foi tirado o modelo da Virgem de Panecillo.

Ao lado das grandes catedrais repare no casario em estilo republicano. O termo denomina
os prédios que imitavam a arquitetura francesa, e um estilo que surgiu depois da
independência, também em 1822, numa tentativa de se livrar da influência ibérica.
Muitas destas casas têm um adorno que justifica o apelido de
"Cidade dos gerânios" dado à capital do país, grande exportador de rosas. Os gerânios estão
nos vasos que enfeitam janelas e pequenas varandas, mas a decoração nem sempre era
adotada para fins pacíficos: os vasos costumavam ser arremessados por pais enfezados nos
jovens que ousavam fazer serenatas para suas filhas.

À noite, portinholas de biroscas abrem-se, e carrocinhas ficam na calçada para oferecer o


canelazo, bebida que leva canela, açúcar e naranjilla, uma fruta semelhante à laranja, e
custa US$ 0,50 a dose. Assim como a mistela, um coquetel de vinho quente com canela
(vinhos, por sinal, são caros no Equador, porque o presidente Rafael Correa taxou em 35%
a sua importação, mesmo dos países sul-americanos), ajuda a enfrentar o frio à noite.
Moradores dizem que, em Quito, o clima é sempre de primavera pela manhã, verão ao
meio-dia, outono à tarde e inverno à noite: a cidade de arquitetura espanhola e francesa,
barroca e neogótica, concentra as quatro estações em um só dia. E 13 etnias que vivem no
pequeno país em um pequeno museu, onde entraremos na página seguinte.

Simplicidade sofisticada

Como a calça jeans e o jazz, o chapéu Panamá foi mais um presente que os pobres deram
aos ricos para eles se sentirem mais sofisticados adotando hábitos proletários. E desta vez,
os proletários nem ficaram com o crédito: o chapéu é originário do Equador. Era usado
pelos equatorianos que foram trabalhar na construção do Canal do Panamá. O presidente
americano Theodore Roosevelt visitou as obras, passou a usá-lo, e o adorno alcançou o
estrelato - com o nome enganoso.

Fosse ou não populismo a motivação original, Roosevelt acertou ao pôr o Panamá na


cabeça: ele é a expressão da elegância que vem da simplicidade, com sua faixa preta e
trançado branco. E para levar de recordação ou como presente, não há nada melhor. A fibra
da palmeira usada em sua confecção é extremamente maleável. Você pode dobrá-lo,
amassá-lo, que depois de retirado da mala, ele logo volta a ficar como novo. O preço é
baixo: até no aeroporto, lugar onde os valores costumam ser inflacionados, o chapéu pode
ser comprado por cerca de US$ 20.

Aprecie a arte pré e pós-Espanha


O passeio pelo Centro Histórico de Quito apresenta ao visitante a marca da colonização
espanhola no Equador. Mas na mesma região, a vida e a cultura antes da chegada dos
conquistadores é preservada em um museu recém-aberto: o Museo de Arte Precolombino,
na Casa del Alabado, prédio do século XVII entre os conventos de San Francisco e Santa
Clara.

O acervo da Fundación Tolita, responsável pelo museu, tem cinco mil peças, algumas de
3.800 a.C.. Destas, apenas 10% estão na exposição permanente, para explicar o mundo
indígena. Ou os mundos: na cosmogonia pré-colombiana, a realidade é composta de vários
deles, numa ordem seguida pelas salas, desde a que mostra bonecos do reino dos espíritos
ancestrais até a com peças usadas pela elite que comandavam estas tribos.

Todos eles são representados por muito engenho e arte, seja


qual for o tamanho e o uso da peça: pode ser tanto uma escultura de cabeça de um ancestral
em um bloco vertical quanto um pequeno ídolo esculpido em concha, ou vasos cheios de
desenhos abstratos. Ou bonecos representando mulheres em trabalho de parto e estatuetas
de argila e madeira que acentuavam o poder dos sacerdotes.

Passear pelas salas não é nada cansativo. Mas a tranquilidade do pátio interno da casa, com
seu café, faz dele o local apropriado para um descanso no giro pelo Centro Histórico.
Depois, para continuar a entender a história equatoriana antes e depois dos espanhóis, o
ideal é se afastar das grandes catedrais católicas e ir para os arredores da cidade, em
Bellavista. No bairro, está um templo erigido por e dedicado ao mais importante artista do
país no século passado, a Capilla del Hombre. O monumento, com 3 mil metros, foi
concebido por Osvaldo Guayasamín (1919-1999) para "cultuar o homem latino-
americano", como explicou seu criador, que morreu dois anos antes de o prédio ficar
pronto.

Com sua forma retangular encimada por uma cúpula piramidal, o exterior do monumento
não é muito convidativo. Nos salões amplos que estão dentro do prédio, no entanto, o
panorama muda: grandes murais expõem os temas sociais que ocuparam a criação de
Guayasamín por toda a sua carreira, com crianças chorando, crianças com expressão de
fome e ataques à intervenção americana no Vietnã.

Sim, os murais lembram a arte mexicana e Diego Rivera. Certo, os temas ressoam à "As
veias abertas da América Latina" e camisetas com estampa de Che Guevara. É
incontestável que os rostos desenhados como caricaturas gigantes e toda a dor que eles
transmitem lembram um elo perdido entre Portinari e uma imitação de Picasso. Mas, se a
obra do mais importante artista equatoriano do século passado não pode ser chamada de
original, seu talento para cores e formas é inegável. E as referências, de qualquer forma,
nos lembram os problemas políticos e econômicos que marcaram o Equador, bem próximos
dos nossos.

Um quadro de Guayasamín chama a atenção tanto pela beleza como por ser tragicamente
utópico: para representar a força dos índios contra o colonialismo espanhol, ele pintou um
condor (os habitantes originais) derrotando um o touro (símbolo da Espanha). Na realidade,
hoje, o condor está ameaçado de extinção, e entre outras razões, por ter sido caçado por
criadores de gado que o consideravam um predador de seus rebanhos. Os pássaros restantes
vivem nos picos e vulcões do Equador, uma região inevitável para uma esticada numa
visita a Quito, como você lerá a seguir.

No caminho para o campo, prove, em barraquinhas e


restaurantes baratos na periferia da capital, o alimento mais popular do país: o cuy, roedor
de porte médio que costuma ser grelhado amarrado a um pedaço de madeira, antes de ser
servido em fatias. É preciso uma certa insensibilidade para provar o bicho, depois de vê-lo
assando ainda com os dois dentinhos da frente na boca. Mas, de certa forma, o cuy, mais do
que o condor, é o animal que simboliza a vitória contra o imperialismo no Equador, mesmo
assado: não há cadeia estrangeira de fast-food que sirva um prato tão consumido quanto ele.

Entre os vulcões, o belo e o sublime

A Rota dos Vulcões é uma via pedregosa e íngreme, ladeada por eucaliptos, vegetação
rasteira, fazendas de produção de flores e de leite. Parte de Quito para o Sul, e perto do seu
fim, rochas começam a tomar a paisagem. É quando se chega aos pés do Cotopaxi, o vulcão
ativo mais alto do mundo, a 5.897 metros, e a 75km da capital equatoriana.

A paisagem do vale ilustra a famosa diferença entre o belo e o sublime estabelecida num
ensaio do filósofo e político conservador irlandês Edmund Burke: os riachos, a vegetação
baixa, as pequenas flores e bromélias são graciosas, agradáveis, acalmam o olhar - isso é o
belo, para Burke. O Cotopaxi e os outros vulcões que circundam essa delicadeza
impressionam por serem grandiosos, nos excitam por nos aproximar de ideias do perigo e
do infinito - eles são sublimes.

Uma maneira sublime de apreciar o belo na Avenida dos Vulcões, como foi batizada a
região pelo naturalista Alexander von Humboldt, no início do século XIX, é a tirolesa, uma
das atividades oferecidas nas fazendas que hospedam visitantes na região. Mesmo sabendo
que a travessia de um ponto a outro dura pouco, e é perfeitamente segura, a sensação de
perigo é sublime, mas a paisagem de florestas e da água corrente abaixo é bela. E uma bela
e graciosa maneira de apreciar a grandiosidade sublime dos vulcões é passear entre eles a
cavalo, outra das diversões oferecidas nestas fazendas. Principalmente se for em cima de
um dos cavalos de Páramo, típicos da região, menores e mais peludos do que outras raças (e
por isso, mais resistentes ao frio andino).

O efeito é inesquecível e pode mudar uma vida. Pelo menos,


mudou a de uma conterrânea de Edmund Burke. A irlandesa (nascida nos Estados Unidos)
Amber de Freire arrumou o sobrenome hispânico ao apaixonar-se subindo o Cotopaxi, ao
receber uma caneca de chá para aplacar o frio das mãos de Oswaldo de Freire, um famoso
andinista (os escaladores dos Andes não costumam se chamar de alpinistas porque, afinal,
não sobem os Alpes).

-- Sabe o momento em que você sabe que é esta a pessoa? Aquele foi um destes momentos
- conta Amber, uma loura risonha e ativa, à mesa do salão do restaurante e hotel butique
Hacienda Rumiloma, que abriu em Quito depois de casar-se com Oswaldo.

Amber enfrentou falta de luz, mais clientes do que era capaz de servir no primeiro fim de
semana de funcionamento, e até um incêndio. Mas hoje, é a dona orgulhosa de um
estabelecimento que inclui o que ela diz ser "o segundo pub mais alto do mundo", a mais de
3 mil metros (o primeiro fica no Peru). Do alto dele, a vista de Quito à noite é a paisagem
ideal para o final de um roteiro pela cidade e seus arredores. E também é procurado por
quitenhos que querem propor namoro sem serem alvejados por gerânios arremessados por
pais indignados com serenatas.

Linha do Equador: essa você pode pular

É um motivo de orgulho para os locais e razão do nome do país. Mas a Ciudad Mitad del
Mundo, em Santo Antonio de Pichincha, 23km ao norte de Quito, é uma atração
decepcionante. Reúne lojinhas de aparência tristonha em volta de um museu localizado em
um monumento dedicado a uma linha imaginária. O monumento fica onde uma missão
geológica francesa, em 1736, determinou que passava a Linha do Equador.

Hoje, por terremotos, maremotos e a natural movimentação da Terra, ela mudou de lugar e
fica 150 metros adiante. Mas não é isso que tira a graça do passeio. A linha imaginária foi
demarcada com pouca imaginação, no exterior do monumento, que lembra um motel de
beira de estrada, e no interior, onde displays desgastados ilustram as seções que apresentam
os povos que vivem no Equador. O artesanato ao lado deles é interessante, mas não vale o
passeio.

SERVIÇO:

ONDE FICAR

Swissotel: Tarifas a partir de US$ 123. 12 de Octubre 24. Tel. 593 (02) 256-7600.
www.swissotel.com

Hacienda Rumi Loma:Diária a US$ 300. Fim da Estrada Obispo Díaz de La Madrid. Tel.
593 (02) 254-8206. www.rumiloma.com

ONDE COMER

Theatrum: Receitas criativas no segundo andar do Teatro Sucre. Plaza del Teatro. Tel. 593
(02) 228-9669. www.theatrum.com.ec

La Belle Époque: Culinária francesa com ingredientes locais, no Hotel Plaza Grande.
García Moreno 5. Tel. 593 (02) 251-0777. www.plazagrandequito.com

PASSEIOS

Catedral: De segunda-feira a sábado, das 9h30m às 16h. Ingresso: US$ 1,50. Espejo y
Venezuela, Plaza Mayor. Tel. 593 (02) 2570371.

La Companía: De segunda a sexta-feira, das 9h30m às 17h30m. Sábados, das 9h30m às


16h30m. Domingos, das 13h30m às 16h30m. Ingresso: US$ 2. Plaza de La Independencia.
Tel. 593 (02) 548-175. www.ficj.org.ec

Casa del Alabado: De terça-feira a sábado, das 9h30m às 17h30m. Domingos e feriados,
das 10h às 16h. Entrada: US$ 4. Calle Cuenca 335. Tel. 593 (02) 228-0940.
www.precolombino.com

Capilla del Hombre: De terça-feira a domingo, das 10h às 17h30m. Ingressos: US$ 3.
Lorenzo Cháves 18, Bellavista. Tel. 593 (02) 2448.492. www.capilladelhombre.com

VULCÕES

Excursões: A Tierra del Volcan organiza passeios com hospedagem à Avenida dos
Vulcões. Tel. 593 (02) 2231-806. www.tierradelvolcan.com

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