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Arabia ty damy cpr em dito pena By Pine Casi, F. Co Rach DLN, Vita_63 Avaliago do dano corporal em direito penal. Breves reflexdes inédico-legais ‘Teresa Magalhaes', Diogo Pinto da Costa’, Francisco Corte-Real’, Duarte Nuno Vieira’ TeIntrodugio Vinte anos decorreram sobre a remodelagio que, apés um século, reestrururou 0 enquadremento jusidico-processual das pesitagens médico- -legais'da avaliago do dano corporal em Discito Penal, Trata-se, sem divida, de vm periodo de tempo mais do que suficiente para justificar algumas zeflexdes sobre a intervencio médico-legal nesta matéria, Reflexées breves, Ge indole médico-legul, ¢ sobretudo enquadradas no campo de visko do pecito inédico, elemento a quem se exige que assumna um papel de avaliador-tradutor dos dinos, facultando 40 magistrado as informases de que este necetsita para 0 mais comrécto exercicio da justiga. ‘A ayaliagio do dang corporal em direito penal ¢, indiscutivelmente, fisea de intervengio peticial na dominio da clinica. médico-legal em que se verifica um maior nmero de solicitagbes periciais (mais de 60% das pexicias efectuadas nos Servigos de Clinica Médi¢o-Legal do Instiruto Nacional de Medicina Legal em 2002). Contratiamente ao que ocorre noutros dominios dy avaliagio do dano corporal, particularmente de natureza civel, néo tem sido, todavia, objecto de intervengdes doutrinisias médico-legais ou normativas recentes. “Tal siléncio doutrinério ou normative poderia fazer pensar qué, neste capftulo da peritagem médico-legal, tudo esti suficientemente esclatecido. No entanto, séo diversas as divides que, especificamente a propésito das pericias de clinica médico-legal em Direito Penal, tém surgido entre os peritos, que recusam teduair a sua actividede pericial a uma resimida e acritica descrigio de lesbes que olvide a unicidade e dignidade humanas subjacentes auma correcta avaliagio do dano corporal. " Disecrone de delegagto do Porto do INML e Professors Atsociads da Faculdade de Medicina do Porto 2 Jurista na Delegacto do Porto do INML ¢ Profesior dx Universidade Moderna > Vice Presidente do INML Professor Auxilis ot Freuliade de Nedicia de Cotbn. + Presdenis do INML Professee Catedritico da Faculdade de Medicina de Coimbra Revita te Die Pinal - Avo I-IV 1 «2003, p. 3082 44 Aabagin do dane crpral em iri peal. = T, Magali, D. Pinto de Cots F. Cart Beal, DN. Vicia Assim, € no espltito de harmonizacio da actividade pericial que vem constituindo uma das principais preocupagdes do Instituto Nacional de ‘Medicina Legal (INML), teceremos algumas consideracdes sobre 2 actual metodologia de avaliagio do dano corpotal no imbito do Direito Penal apresenteremos algumas propostas relativimente as perspectivas futuras que neste dominio se preconizam. Il, Objectivos da avaliagao do dano corporal no Ambito do Direito Penal A pritica de deerminado facto considerado crime! impe sempre a averiguacio dos pressupostos da punicéo ctiminsl. Ou seja, para se dizer que se verificou uma conduta tida como crime, para lhe atribuir existéacia juridico-penal, a mesma tem de ser percepcionada e recebida pelo sistema-da administragio da justiga penal mediante a iniciativa do desencadeamento da investigagio-da sua pritica ¢, posteriotmente, a decisio de a submeter ov nio a julgamento. # através da investigagio ctiminal que se visa reunir um conjunto de dados ¢ ¢lementos que possam comprovar os factos denunciados ou de que se teve conhecimento, impondo-se para a sua caracterizacio jutidico-penal ¢ para a punigio do seu autor, 4 realizagio de uma série de diligéncias relacionadas com 2 realidade mateiial que 0 'facto modificou, camo a pessoa do seu presumfvel autor, bem como da vitima, e que visam reunir as elementos susceptiveis de convencer 0 tribunal da pritica de tal facto e da responsabilidade do autor gue lhe ¢ apresentado (1). Visa-se, no fundo, afirmar 2 existéacia ov inexisténcia dos pressupostos da responsabilidade criminal. ‘Assim, e para além das particulatidades concretas de cada crime, hé sempre, por parte das autoridades judiciérias, coadjuvadas pelos drgios de policia criminal, que averiguar € apurar, tanto quanto possivel: a hota, dia, més € ano-do fatto; © local onde 0 mesmo ocorreu; o circunstancialitmo objectivo ¢ subjectivo que todeou a sua pritica; a identificagao dos intervenientes — vittina(s) € agressor(es) - ¢ de outros responsiveis; o gra de culpa do agente; as consequéncias do facto praticado, com recurso, se necessitio, 20 exame pericial; os elementos de prova disponiveis. ‘Definido pela ei processual penal como “o conju de prestupostos de que depends a apliasio 20 sgente de uma pent 00 medide de segurinca” [eft art 1% lina 3) do Cédigo do Processo Penal ime & todo 6 facto volunttia dectarade punivel pela el penal Rosine de Di Penal - Ano -N' 1 2003, p. 63482 Acti do da oro es dri nok. T: Magalies 2 Pe se Coty F CaeBeek D: N. Vian 6S A décisio judiciasia (que pie fim 2 determinado processo judicial ou a uma das sua fises), consta de duas partes: a verificasio dos factos que condicionam a aplicagio do diseito, «2 eplicagio do direito. A primeira dessas partes (2 actividade probatéria) destina-sea convencer ojulgador da existéncia ou no dos factos que integram determinado tipo legal de'crime (2). O exposta deriva do artigo 341° do Cédigo Civil, segundo 0 qual “as provas tém por fancio 4 demonstragio da sealidade dos factos”, Por seu turno, 0 Cédigo do Processo Pens) (CPP) utiliza 2 expressio “meios de prova”, que engloba dois aspectos: a prova enquanto meio ou actividede para produair um determinado tesultado (meio de prova ou actividide probatéria), € 0 ptprio resultado ou jutzo sobre os factos (resultado probatdrio). Neste ambito, a osigem e a necessidade da prova peticial asseotam fa circunstincia de a apreciagio dos factos num processo judicial ctiminal se impor 20 julgador ou 4 autoridade judiciéria a quem cabe instruir 0 proceso, nna sua fungio de desvendat © significado de provas pré-existentes ou de apreciar 0 seu valor, Para tanto, ¢ além dos conhecimentos jusidicos © da experiéncia comum, carecem aquelas entidades de conhecimentos técnicas ov cientificos, Ora, como tais entidades nem sempre possuem todos estes conhecimentos ¢ eles se mostram “indispenséveis 3 apreciago da prova, permite a'lei o recurso 2 meios ausiliases de avaliagio, no que respeita 20 esclarecimento dos pressupostos da apreciagao da prova. B este auxilio, pois, que constitii a pesicia” @). Aliés, refira-se, “a prova pericial nfo € facultativa mas obrigatécia, como resulta do art. 151° do CPR destinndo-se a auxilias 0 julgador na fungio de desvendar o significado de provas preexistentes e de apreciar o seu valor"(4). Esta pericia corresponde & “actividade de percepgio ou apreciagio dos factos ptobandos efectuada por pessoas dotadas de expeciais canhecimentos técnicos, cientificos ou axtisticos” (2). Na pericia, o perito pode descobrir meios de prova, recorrendo a métodos técnico-cientificos a permitirem a sua apteensio ou pode exigit-se ao perito, ndo a descoberta de factos probatétias mas, essencislmente, 2 sua epreciagio. No proceso. penal tudo tende, afinal, & “comprovacio ou a eliminagio de uma suspeita que recai sobre o arguida” (5), 0 que é feito através da recolha de indicios que permitam, tanto quanto possivel, reconstituir um hipotético freva passado, Esses elementos icio findamentac 4 decisio de acusar ou de arquivar no final do inguétito (att. 283° do CPP) ¢ a de pronunciar ou nio pronunciar na conclusio da insteugio (art. 308° do CPP), sendo Revie ot Dini Penal- Amy = NY 1 - 2003, p 63-82 56 Aroigie So dane sorpral om dite penal T. Magalts D,Pinto do Caste, F. Cote Rash DLN. Vi cuidadosamente analisados em sede de julgamento (art, 355° do CPP) para que a decisio final (condenago ou absolvicio), seja tomada em conformidade com a convicgio que o tribunal formou acerca da pratica do facto pelo arguido ¢ da sua secponsabilidade penal (6). ‘Todas as provas admitidas em processo penal valem, pois, tendencialmente, © mesmo: a entidade competente (Ministério Pablico no inquézito, o juin da instrugio ¢ tribunal de julgamento) aprecia-as segundo as repras da cexperiénch ea sua livre conviccio, salvo quando a Jei disponhe diferentemente (ext. 127° do CPP). Esta livre apreciagao da prova nfo se confunde, de modo algum, com apreciacio arbitrdsia da prova nem com # mera impressio gerada no espitito do julgador pelos diversos meios de provs. A prova livre tem como pretsupostos valorativos a obediéncia a critérios da experiéncia comum ¢ da fogica do homem médio suposto pela ordem juridica. As normas da experiéncia “so definicdes on julzos hipotéticos de contesdo genético, independentes dos casos individusis em cuja observagio se alicercam, mas para além dos guais tém validede” (6). A livre conviegio “é um meio de descoberta da verdade, nio uma afirmacio infundamentada da verdade”, portanto “uma conclusio livre, porque subordinada & razio ¢ a légica ¢ no limitada por préscrigdes formais extericres” (6). O principio de livre aprecias’o de prova nao liberta o julgador das provas que se produziram nos autos, sendo com elas ¢ com base nelas que ter de decidir, pois quod non ext in adion nan extin ronda “Tal principio nic € xbsohito, jé que allel lhe estabelece excepsdes, designadamente as setpeitantes 20 valor probatorio dos documentos auténticos ¢ autenticados (art. 169° do CPP), ao ‘caso julgedo (art. 6 do CPP), @ confissio integral ¢ sem reservas n0 julgamento (art. 34° do CPP), € & prova peticial (art. 163° do CPP). E tl distingio tem grande importancia a nivel processus), pois que o desrespeito pelas regras prdprias da valorizacio legal ou tatifada implica a violacio de normas de direito, com a¢ consequentes implicagdes em matéria de recurso” (7). principio da livre apreciacdo da prova € porém comprimido face 20 valor probstbrio atsibuido & prova pericial. Com efeito, para a lei actual, 0 juizo téenico, cientifico ou attistica inérente A prova pericial ‘presume-se subtraido 4 livre apreciacio do julgador, salvo se este, em decisio fundamentada, divergir do parecer dos peritos (art. 163° do CPP) (6,9). ‘A propésito de umn crime em que 0 respectivo acto de cometimento provoca na vitima lesées, avaliéveis através de singis ou vestigios, s6 a resbectiva Rese dt Dina Pens Ane Wb NY 1 = 2008, p 63-82 Aas ta dana erpeal nti puna. TMi, D Pts de Cat F.C asl DN, Vw 67 verificagio pericial permite confirmar, objectivamente, a alegigio do facto praticado, Ora, a apteciagio dessa verificagio implica um conjunto de conhecimentos cientificos ¢ técnicos, no ambito da medicin, que faz com gue a entidade que tem de apreciar os factas se tenha de socomer de uma intervengio técnica especializada, assim se proporcionande espago de intervengio a prova-pericial médico-legal. No processo de aplicagéo da justiga penal, 2 peticia médico-legal € um: dos instrumentos utilizados pelas instincias formais de controlo que operam nese processo, sobretudo na fase de inquérito, pelo Ministério Pablico (€ pelos éxgios de policia criminal, no ambito das competéncias de investigagao que a estes sao legalmente cometidas e delegadas por aquelas autoridades). A lei processual penal confere @ pericia a qualidade ou estatuto de instrumento estencial de auxflio a autotidade judiciéria na apreciagio de factos que requerem conhecimentos de caréctet médico ou biolégico. Assim, a avaliagio do dano corporal em Direito Penal tem cabimiento a propétito de diversas normas incriminadotas que tém em comum, como elemetito do tipo legal, 2 verificacio de um dano corporal’. Considerando entio que 0 dano corporal objectivamente produzido em determinada pessoa pode, consointe presénga, no caso concreto; dos elementos caracterizadores ¢ distintivos dos tipos legais, ser abarcado ou enquadrado em diferentes qualificagdes juridico-penais, importaré que a pericia constitua um instramento que, qualquer que seja 0 contexto tipico, habilite o julgador (ou 0 Ministério Pablico, na fase de inquérito) a afirmar a existéncia (ou @ inexisténcia) do dano corporal que o tipo legal supée. Face a constataclo de factos siusceptiveis de configurar a pritica de um crime, cabe 4 autoridade judiciérla competente proceder & subsungio da * Contidecando » estén do revue mates daqueles crimes, demos elenca os agate pos Jegait: Ofenas spies no corpo ou aa saide~ an. 143"; Ofensa gave no corpo ov nasaide ar 144° cat, 45%, 2; Ofenss praicadas em czcunsincss que revelem especial censublidade oo perverade do agente at. 146% Ofent snples ao coepo cv ne sade por negignea ar. 14%, 1°; Ofer simples no coro cw ae sade por nepigtoca patiado por médio no execice datos profeio~ ac ME", 2; Ofeona gave no corpo 00 na sade por negigdncla~ a. 48", a"; Pesigo para vide ov pergo de grave ofenss para 0 corpo ov para a se, mediante volasze das Ae art- 1 15h, 2; Perigo gave pe sade, esulane de pancpasfo em ra ax 1511; Paige gave pare a srideresllante de pohice dos croes previstt nes argos 272 273,277, 280" 282° BA Perigo grove pare a sede, atravls de propagasto de doensa,slterasio de snlve oa de rece ar. 283% Ofentss no corpo ou na snide era menoret nt. 152, 1 Ofentt a corpa oma wade praticades na estos doesn ~ art 152,02 Revista de Dinito Panels Ave I -IN* 1 2003, p 6322 (68 Asma do dane exarl om nie pach T Magog D. Pin da Cory Fe Coote DLN. Vite conduta no tipo legal de crime, procedendo 4 verificagio dos pressupostos da ponicio etiminal, De entre estes cabe destacar, atenta a sua relevancia pata efeitos médico-legais, 2 verificaco do resultado da conduta (ofensa no Corpo ow na saiide; perigo para 2 vida; perigo para o corpo ou para a satide) € a verificagio do nexo causal entre 2 conduta € 0 resultado. Através da pericia médico-legal deve proceder-se, pois, & descrigio pormenorizada do dano ¢ das suas consequéncias para 0 ofendido (sua natureza € extensio, efeitos para o corpo e 2 sade do ofendido, eventual ciacio de perigo'para a vida, prestando informacio sobre a influéncia da condura do agente na producto do resultado, ¢ sobre a adequabilidade da agressio a producio do resultado), justificando (numa perspectiva clentifica) a orientaco da conclusio médico-legal. IIL. © artigo 144° do Cédigo Penal como instrumento de avaliagso do dano corporal 1. Paca efeito da qualificagao juridico-penal da conduta Deentre os tipos legais de crimes que incluem danos corporais (ofensas integridade Gsica), ou a ctiac#o de perigo para a vida ou para a integridade fisica®, 0 Spo legal de crime do artigo 144° do Cédigo Penal (CP) € 0 tinico ‘que expressamente objective ou concretiza resultados upicos que constituem formas de ofensa ao corpo ou & satde. Sobre a epigrafe “Ofemsa d interidade fica grave”, 0 artigo 144° do Cédigo Penal de 1982, com as alteragdes introduzidas pelo Decreto-Lei n.°48/95 de 15 de Marco, detetmina o seguinte: "Quem ofender 0 corpo 0x a seslde de oxtra pessoa de forma a: 4) Privaslo de importante érgdo ou membro, ox a desfigurd-lo grave ¢ permantatemente; 2) Tirar-te on ofttarlbe, de maneira grave, 2 copacidade de wabulo, as capacidades inteletnais ow de procrogao, ox a possibilidade de weilizar o corpo, os sentidos om a lingnagen; ‘d Provocar-be doenga partcularmente dolorosa ox permanente, ou anomaka pstguita grave ou incurével; on ) Provocar-the pergo para a vida; é punido com pena de privdo de 2 a 10 anos.” Ch, or erimes referdos na nota anti. Rast de Ding Penal Ane Il Nt 1» 2003, p. 6-82 Anatase bs dane exper en a penal -T. Mae, D, Pine de Cat F. Cartel DLN. Viti 68 Este artigo constitu uma modalidade agravada do crime de ofensas corporais simples‘, em que 0 bem juridico protegida é a imtegridade fisica, clencando o legislador uma série de consequéncias para 0 corpo ¢ para 4 saide do ofendido, as quais, taduzindo a gravidede da ofensa, justificam ¢ merecem um acentuado juizo de censura penal, constituindo igualmente citcunsténcias de agravagio da moldura penal do crime de ofensas A integridade fisica simples (art, 143°), quando 0 agente, praticando as ofensas previstes no artigo 143° vier 2 produzir as ofeasas previscas no artigo 144°, ‘Apoiando-nos nas reflexes de Oliveira $é (10), consideramos que os conceitos de “afenta corporal’ ou de “ofensa d iniegridade fica”, deveriam antes dar logar & nogio de “ofensa pessoa” ov de “ofensa d intgridade da pessoa”, na medida em que 0s primeiros conceitos nos remetem para 2 nogio de lesdes no corpo, nlo'sendo apenas estas “Iesées” que importa avaliar. ‘Na verdade, sabemos hoje que 9 dano no corpo tem repercussdes piicolégicas, motais e sociais importantes, que nio podem ser menosprezades, ¢ sabemos que muitas vezes, mesmo na auséncia de lesdes' no corpo, cettis: situacdes traumatizantes provocam distirbios psicolégicos e morais que devemn ser valosizados (11). Aliés, 0 legislador, ao recorrer nfo apenas a nocio de “corpo” mas, também, de "saide”, abriu exactamente a porta para esta interpretacio. Isto Horque a satide nfo se refere apenas ao corpo asas, de forma mais genérica, a0 "estado de completo bem-estar fisico, mental e social” (Carta da OMS, 1947). No entanto, porque tal constitui um estado naturalmente wtépics, preferimos a definigao de René Dobus que, orientando- nos da mesma forma para aguela interpretagio, contudo mais objectiv considerando sade como um “estado seletivamente isento de incémodo ¢ sofrimento” (12) Estas ofensas 20 corpo ou & satide so tradicionalmente descritas, em. inguagem médico-legal, como ‘dano corporat’ (ainda que, também aqui, preferissemos © conceito de “dano na pessod”). Os vitios resultados (0s varios tipos de danos) previstoé nas alineas do artigo 144° do Cédigo Penal, constituem parimetros da avaliacio do dano ‘que devern servir de xeferéncia 20 perito quanto i-natureza da informagio ¢ 20s termos em que ela deva sex prestada. Isto implica que nao obstante 0s +0 spo lepl do argo 145° CP fica preenhide, quant 20 resukado dpica mediante a veriiagfo Jetodssofensa no corpo.ou ns sade ess Frese pique) que alos taduza nos esuaden do artigo 144" que impor avliae asavés do cxame médicelegal Renita de Dini Penal Ane INS 1 - 2008, p 6482 10 Avie do dena erpral em crit penal -T. Mage D, Pints de Cats, F. Cot Real, DLN. Vio conceitos utlizados pelo legislador penal possam, em algumas circunstincias, nao ter correspondéncia exacta com 08 cGnceitos médicos a utilizar na aviliagio do dano, permanece a obrigacio do petito médico-legal (e dos servicos médico-legais) de, procedendo 4 avaliagio médico-legal, auiziliar o julgador’a classificar os factos (os danos sofridos pela vitima) de acordo com 1 tpificagio legal. No.entanto, como veremos, o perito médico-legal, através da realizacio do exame de clinica médico-legal, pronuncia-se apenas sobre um dos elementos da responsabilidade penal inerente & ptitica do ilicito criminal, isto €, sobre o dano corporal® (¢ a sua tclacio coma ofensa praticads) ¢, nto obstante as informagées que recolha sobre as circunstincias da pritica do facto, nao lhe cabe pronunciar-se sobre a intencao do agente, ou sobre a qualificagio juridico-penal da respectiva cénduta, questdes cujo esclarccimento é da competéncis do Ministério Publico, em sede de inquérito, do Juiz, na fase da-instrucio, ¢ do Tribunal de julgamento. ‘Analisemos, entio, alguns dos aspectos deste artigo que mais dificuldades ¢ diividas levantam em termos da avaliagio médico-legal do-dano coiporal. 4a) Privagio de importante. 6rgdo on membro, ou deshguragio grave e permanente Os aspectos referidos na primeira alines do astigo 144° do Cédigo Penal reportam-se, essenclalmente, as les6es a nivel do coxpo. © primeiro conceito proposto neste ponto, ¢ que pode levantar divides, €0 de "éngio”. Afirmava Carlos Lopes que nio hé uniformidade da apreciagio sobre 0 que deve entender-se por drgio em medicina legal, nem entre os médicos legistas, nem entre 08 juristas (13). E no seu livro, citando Francisco Coimbra, apresentava a seguinte definicio de “érgio”: “pate componente de win aparelho que contribua de modo especial para as fungées desse aparelho necessétias & economia animal”, Também quanta ao concelto de ““membro” se colocam dividas sobre a privagio prevista correspondes @ uma privacio total ou parcial Relativamente a estas quest6es, 0 actual Cédigo Penal limita os érgios e, membros valoriziveis no ambito do artigo 144°, aqueles que sio “impottantes”. Pot outro lado, Ribeiro de Faria esclarece que a importante > Agui se inelsindo « aprecingio que posts set Feit quanto & perigosidade do meio ov instrument velizado par a agressio, para eftte, designadamente, da qualificagio da ofensa come goalificads (art 146" do CP). Rested DiriPenel- Aue IN 1 = 2003, p. 6382 Aaakogie de dae cops ov dria pal ~T. Magalies De Pats de Cats F. Griv Baal, BN Vaso 7 privacio de érgio ou membro 2 que alude a alinea 2) “tem Jugar sempre que a actuacio do agente conduz 4 supressio de um éigio ov membro, de tal forma que estes ficam impedidos de realizar a sus funglo como parte integrante do corpo humano” (14). Assim sendo, esta privacio traduz-te no apenas na privacio anatémica mas, tambéni, na privacio ou afectacio grave da fungio do orgio ou membro. Esta afectagio nfo tem, obsigatoriamente, carécter permanente®. ‘A importincia € susceptivel de ser avaliada, “em pritheira linha” (14), pele ciéneia médica que em cada momento pode dizer o que deve entender- se por importante érgio ou impostante membro (através da descricio pormenorizada das consequéncias da sua produsio, incluindo o efeito nas situagdes concrecas'da vida da vitima), pelo que os jusistas deverio poder contsr, sempre, com uma informacio precisa do perito médico-legal quando se colocar uma hipétese destas (15) : Do que atris se zeferiu resulta que essa importincia se determina tendo também em conta os factores individusis da vitima. Com efeito, subjacente a0 emprego deste quabificativo encontea-se'o enteridimento de que este “tem ‘uma fungio préptia, pois as lesbes do corpo ptevistas na alinea devem sex entendidas em sentide amplo. Assim, a privacio deum dedo de um pianista é um exemplo demonstrativo do alcance do tetmo em causa” (16). ‘Ou seja, 05 Grgios € membros contemplados neste artigo sexo aqueles que funcionalmente sejam relevantes, podendo a sua “privacdo” ser total ou parcial’, tempotiria ou permanente. Relativamente 2 esta guestio, tem a nossa jurisprudéncia adiantado algumas consideragdes, como, por exemplo, a que se segue: “A amputegio de um dedo.- lesio constitutiva de sleifio, criadora de prejuizo escético e zedtora, por forma grave, da poténcia funcional da mio ~ € enquadrével, enquanto resultado de ofensa corporal, no crime qualificado do art, 143° do Cédigo Penal de 1982" (17). 1 Dado que o cxrtctr peemanente de privario do érgio ou do membro nd fax pate do ipo legal, Jncluicse-do no dtbito'de previste da norma aquelas tiwagGes em que se tena viizado (ov em que. 5 sdarta sila) implantes ov proteses (34). Evemplificenda, pode stim jstifcar-e 0 enguadramento como grave de wena ofensa que provoroo toma ampotagio parcial de um membro superior 2 nivel do terco médio do antebraco, considerando {goe result pratcamente eliminada 2 fongio de todo 0 membra. "A teferénea do Acordia 20 artigo 143" dia respeito versho oxgintsis do Cédigo Penal de 1982, ta ‘como aprovado ptlo Decreto-Lei n* 400/82, de 23 de Setembro ‘eite Dirito Penal «Ano WN 1 - 2003, p. 63.82 22 _ Analg cs done cxrgoral em cea pene ~ T: Magalbay D, Pinto de Cats, F, Cor Rua D.N. Vite Quanto a nogio’ de “desfiguracio”, a que esti subjacente a nogio de dano estético, indica-nos © Cédigo Penal que esta deverd ser grave ¢ permanente. ‘Assim, o perito devera informar se a desfiguragio é ou nio permanente, ou seja,se ndo susceptivel de ser alferada com 0 tempo ou através de uma intervenglo médico-cirixgics JA quanto 4 sua gravidade, entende-se que 0 petito teré, em muitos casos, sérias dificuldades na utilizagio do adjective proposto, pelo que se considera que além da descricdo ¢ fotografia do dano, poderi © perito, para melhor esclarecimento do Magistrado, quantificar a desfiguracao fazendo recurso 208 graus de uma escala, Bsta valorizagio deve cer em conta 2 extensio € visibilidade do dano, bem como a citcunsténcias pessoais da vitima (como 0 sexo, idade e profissc) que rclevem para a sua situagio especifica no contexto relacional (14,15). Apesat de se ter referido a questio da visibilidade, refira- se que a desfigutacio nao se limita ao rosto ou a zonas descobertas do corpo. No relatésio médico-legal deveré pois o perito descrever pormenotizadamente 0 dano, fotodocumentando-o (com autorizagio da vitima), sobretudo quando este se localiza em areas habitualmente no acessiveis a vista sem a vitima se despir. ‘Bste dano no deve ser considerado apenas do ponto de vista estitico (exemplo: cicatziz, amputagio) mas, também, diaémico (exempio: claudicagao. importante na marcha, desvio da comissura labial com perturbagio da mimica facial € da fala). Em termos jurispradenciais, podem adiantar-se algumas nogées. ‘“Juridicamente, integra-se no art 143, alinea a), do CP de 82, a lesio de perda de cerca de meio centimetto de substincis so longo de 75% do bordo do pavilhZo auricular esquérdo com consequéncia permanente. de desfiguracio do pavilhio auricular referido devido a perda de quase todo o lobo inferior” (18). “Se com-a ofensa corporal, o arguido artancou a orelha do ofendido o crime & 0 do art. 143°, al. 2), mesmo que depois a orelha tenha sido recolocada no seu sitio”? (19). Corresponde ainda a0 conceito de desfiguracio grave ¢ permanente da alinea 2) do artigo 144° do Cédigo Penal “o coste dos tecidos da cara de que resulta, como consequéncia permanente, uma cicatriz de grandes dimensées que vai do queixo até 4 regio occipital.” (20), * Aplicaseo referide a8 not anterior "Idem. ‘Revita de Dino Penal « Ave Il Nt 1 = 2003, p 63-82 Avago de dase carporl em dete nek ~T. Mego, D, Pint da Cet, F. Corel DN. Vite 7S W) Titar ow afertar, dé mentiraprave, a-capacidade de rab, a tapecidadesintectuais, on de prooriagio, on a passbiidade de utilizar o corpa, ot sentido: ou a linguagem A segunda alinea do artigo 144° do Cédigo Penal refere-se a0 dano a-nivel fancional, incluindo as suas implicagdes em termos situacionais. Colocam-se aqui duas questbes, relativas 2 capacidade de trabalho: sera este dano definitive ou poder ser temporirio, desde que grave? Qual o tipo de trabalho em causs: geral ou profissional? Relativamente a primeira questio, é assente que 0 dano agora em apreco tanto pode ser permanente como temporirio, bastando que seja grave (21): “Grarlhe” tevela cardcter de permaséncia, enquanto “afectarlhe” pode ter cashcter permanente ou temporitio (22). Quanto 4 segunda questio, a capacidade para o trabalho, conscante da alinea b) do attigo 144° do Cédigo Penal, deve ser entendide como a possibilidade de exercicio da profissio da vitima, bem como de guelquer outra actividade nio profissional (14,35), isto €, dever-se-a avaliar incapacidade profissional ¢ a geral. ‘Ao tefetir a afectagio da capacidade de trabalho, nfo se abstraird, entio, © perito médico-legal de proceder a uma valorizagio especifica e particular da actividade profissional do ofendido, independentemente do eventual conhecimento € intens30 que 0 autor da ofensa ceve a0 praticar.o acto. B que, pare # vetificagio do cime de ofenses corporais graves, pata além da verificasao objectiva dos resultados previstos no artigo 144°, “é ainda necessatia a imputagao subjectiva do evento ‘ao agente; € necessario que o agente tenha quetido aquele resultado ou, pelo menos, o tenha admitido como consequéncia, possivel da sua conduta” (23); ou teja, este ciime, 20 afve] dos elementos subjectivos do tipo legal, pressupde um duplo dolo, um dolo quanto 4 ofenss corporal, ou seja, um dolo de ofender corporaimente e ‘um dolo quanto ao sesultado que advém da ofensa (9,24). Por outro lado, comprovando-te que o agente quis determinado resultado {como sejam um resultado de ofensas cosporais simples) e veio 2 criat com a sva conduts resultad: diferente (como seja um resultado de ofensas coxporais (ger profissiona esta convenientemente defn Conforme fem 1986 eecreviam Leal Henriques ¢Simas Seatos, deve c pecitodeterminar 0 nimero de dias da afectagho temporkia da capicidade de Uabalhe “ado 46 porque uma norma de carkrer gerd pressupée [artigo 12%, 0°, anes a}, como também porque se cveste de Bande utilidade pare o exibalho do juiz no momento de Gaayso de census penal” 25. niece Dine Penal Amo I -N'1 - 2003, p 63582 74nd de epee ii acl -T: Maplin EP de Ct F. Cora, D.N, Viti graves), asua conduta integrand o crime “practezintencional” previsto e punido no artigo 145°, n° 2, do Cédigo Penal. ‘Assim se assinala - a propésito do tipo de trabalho que deve ser avaliado = a distincia teleol6gica entze a avaliacio pesicial e a qualificacio juridica dos factos. Deve pais constar dos zelatGrios peticiais a informacio relativa & afectagio temporitia da capacidade de trabalho (geral ¢ ptofissional)", quantificeda em niimero de dias ¢, da mesma forms, a gravidade da afectagio permanente Ga capacidade de trabalho (também geral e profistional). A dificuldade esté, como tefere Oliveira Sa, em definir, caso 2 caso, quando se esti perante uma “afectaco grave” (10). Quanto as perturbagdes das capacidades intelectusis, ou de procriagio, ou da postibilidade de utilizar 0 corpo, os sentidos ou a linguagem, devem estas, por igual, ser descsiras, considerando os seus aspectos temporirios € definitivos, bem como: gravidade da sua afectacdo (tendo em conta as respectivas repercussdes concyetas na vida do ofendide). # exemplo - jusisprudencial - da situagio que se enquadca.na previsio desta alinea, “a agxessio da qual resultou que 0 ofendido sofreu fractura, com afundamento, do parietal esquerdo e ficou afectado, de forma definitiva ¢ itrecupetivel, por um défice miotor discreto ¢, principalmente, por lesdes das fangdes normais superiores, agnosia visual ¢ afasia” (26). ‘Damesma forma, “sea vitima sofreu 709 dias de doenga coin incapacidade ¢ apresenta disfasia e hemiparesia direita, com limitades na fala e na Jocomocio”, trata-se de ofensa que deve ser considerada grave ¢ incluida na previsio desta alfnea (27). 6) Doensa partculareente dolores ow permanente, anomalia priguica grave ou inturdvel, evga para a vide ‘As duas titimas alineas do artigo 144° do Cédigo Penal reférem-se 20 prejuizo para a sade, ‘A nogio de “doenca particularmente dolorosa” corresponderé a uma situagio clinicamente identificada como eavsadora de elevado softimento fisico, podendo ser temporétia ou permanente: “(...) com tal expresso, quis Comespondente x0 tradicional concrito de “tempo de doengs", formulagéo que actualmente no nos ppatece finer sensdo wiilzer, dedo o conceito de afectasio temporisis da capacidade de trabalho: Ravite de Dir Panel - Ano II“ N' 1 < 2003, ps 63-62 Arskage de dane eorpral en irs penal. ~T. Magli D. Pinto da Co, F. Cort Raal-D.N. Vitra 75 © legislador reportar-se apenas a doenza duradoura, sem contado envolver a ideia de perpetuidade” (10). ‘A avaliagio da intensidade deste sofrimento pode ser feita através da descrigéo do tipo de lesdes sofridas ¢ dos tratamentos ministrados (da penosidade ¢ morosidade que envolvern}, Relativamente as “anomalias psiquicas”, estas justificario sempre uma avaliagio por psiquiatria forense, sendo fundamental, ainda que por vezes complexo, 0 estabelecimento do nexo de causilidade entre a agressio ¢ a anomalia piiquica, que deverd ser fundamentado no relat6rio médico-le Quanto a questio do “‘pesigo para a vida”, hé que o distinguir das sinuagdes de petigo potencial, a que chamamos sisco - como por exemplo, na sequéncia da possibilidade de surgizem complicages. “O perigo que lesioda inteyridade fisica gera para a vida do ofendido, a que te refere o artigo 14°, alinea d), do CP/95, € 0 perigo concreto € nfo o simplesmente abstzscto” (28). Assim, deve entender-se que existe perigo para a vida apenas quando se verifica “( petigo sério, actual, efectivo ¢ néo remoto ou meramente presumido, para a vida do lesado” (29), aqui se compreendendo as simages que corsespondem 4 formulagio clinica de um “prognéstico reservado” (29,30). ‘A doenga que poe em petigo a vida nio tem que ser doenca permanente on de perigo constante: comete o crime de ofensas corporais graves “Y. quem agride outro causando-the doenga que 0 deixou em coma durante dois dias ¢ 0 pés em petigo de vida, embora ao fim de 30 dias tivesse ficado curado ¢ sem sequelas permanentes” (31). 2. Para efeito de indemnizagio civil Refesimas, como objectivo da avaliagio do dano corporal em sede de Direito Penal, a coadjuvacio da justia, no mbito da produgio da prova peticial téenico- Gentifca para efeito da tipificacio da ofensa e atrbuigéo da sancio penal Hé contudo que ter em conta que é a avaliagio do dano (no que respeita as consequéncias das lesdes para a side do-ofendido e respectiva repercussio na sua vida didtia, social e profissional) que permite a fundamentacio do diseito 4 uma repacacio pelos danos softidos, obtida, seja mediante pedido civil de indemnizagio de perdas e danos emergente de um crime formulado no processo penal (artigo 129° do CP), seja mediante pedido civil de indemnizacio deduzido zo tribunal civil, cas situacdes © nos termos previstos no artigo 72° do CPP, Rested Dino Penal- Ano -IN2 1-203, p 6088 18 _Avebig o daa eprl om dit nal ~T. Mages D, Pinto de Cats F. Core Reak DLN. Vite seja ainda mediante a fixa¢io de umia indemnizacio, a requerimento do lesado, nas shuagdes ¢ nos termos previstos no artigo 130° do CP Ota, seguindo a indemnizscio a le civil, importa que o relat6tio médico- legal produzido no ambito do Diteito Penal (para qualificagio de ofensa) no se afaste muito daquele produzide np Ambito do Dircito Civil (para atribuigio de indemnizacic), quantos-a0s conctitos usados ¢ a metodologia seguida na sua elaboragio, Desta forma, é fundamental que a intecvengio paricia) médico-legal, qualquer que seje 0 contexto substantive ou processual cm que se avalie 0 dano, possibilite & vitima usufruir de uma avaliacio médico-legal efectuada em idénticos moldes, ou seja, contemplando a totalidade dos parametros de dano softidos, ¢ avaliando-os de 2coro com a mesma metodologia. Nesta perspectiva, consideramos que seré adequado equacionar a postibilidade de estabelecer um paralelismo entre os conceitos usados no artigo 144° do Cédigo Penal, e portanto na claboracio do relatério pericial no dimbito do Digeito Penal, ¢ 05 conceitos (parimetzos de dano) usados no Direito Civil, Tal postibilidade nio nos patece dificil, podendo sevelar-se até vantajosa: por um lado, por permitir descrever 0 dan de ume forma sistematizada e quantificé-lo com base numa metodologis amplamente testada G2), 0 que poderd facilitar a ipificaggo da ofensa pelos Magistrados; por outro lado, porque nas situagdes em. que haja simultaneamente pedido de indemnizagao clvel, 0 relatdrio usado para este fim sexé gasantidamente do metmo tipo dos usados sos processos civeis, evitando assim diferencas importantes no tratamento jusidico dos casos ¢, desta forma, indesejéveis assimettias na administracio da justica. Nesta perspective, avangamos com algumas propostas, tendo em vista ‘uma possivel harmonizasio futura da actividade pericial nestes dois émbitos do Direito, No que a0 conceito de “desfiguracio” se refere, este - nos casos em gue & permanente -, coincide com 0 conceito de “dano estético” pelo que, para além da descrigio pormenorizada deste dano, no selatério médico-legal poderé constar a sua quantificacio com base na escala de 7 graus de gravidade ® Indemaizayd nos ct0% de impossiiade de tao pelo agente, previa em legit especial atsbuigio ae esa dos objects delarados perddes ou o produto dx su ven, ov 0 Pres0 08 & valor corepondentes + vanragera provenents do crime; atribaigio 40 lessdy de montane da ula seo dano provocado pelo exit for deel modo rave que o esado que prima de rei de subsnénc,sendo de prever que agente 0 abo rear. Revita ch Dieta Penal-Ane J} N11 - 2003, p 63-82 Aveta do deep on die pen ~T. Magli. Pn da Cats F. Care aah DN Vicia 77 crescente, usada em sede de Direito Civil. Tal avaliagio poderd ser stil para © Magistrado determinar a gravidade da ofénsa Relativamente 20 dano “perda de érgio ov membro” este, além de scr pormenoriasdamente descrito pelo perito nos seus aspectos anatémicos ¢ funcionais {pata efeitos da alinea 2) do antigo 144° do’ CP], deveré também fazer referéncia a sua repercussio na vida concreta do ofendido. Esta anilise global e personalizada do dano, em todas as suas dimens6es, poderé permitic integré-lo nas consequéncias previstas na alinea b) daquele artigo, relativas, entre outras, & “capacidade de trabslho ¢ de utiliza¢io do corpo”. ‘Assim, ho que diz respeito & “capacidade de trabalho”, consideramos que sera mais esclarecedor (diminuindo-se simultaneamente o risco de interpretages menos claras por parte dos peritos e Magistrados), descrever 0 dano c quantificé-lo nas suas virias vertentes, Para a afectagio temporizia da capacidade de trabalho, serio quantificados os dias de “incapacidade de trabalho geral e profissional”, podendo esta incapacidade ser temporizia ou absoluta. Se o dano ¢ permanente, seri assinalado se se trata de uma perda da capacidade de trabalho geral - que cortesponderi 4 “incapacidade absoluta permanente geral” - ou, antes, se se trata de uma afectagio permanente — que corresponderé 4 “incapacidade parcial permanente geral”. Neste tiltimo 280, deverd seferiz-se qual a axa de incapacidade permanente geral a atribuir, sendo esta calculada de acordo com os critérios usados na avaliagio do dano corporal no ambito do Direito Civil. Tal informagio, poderé revestit-se de grande utilidade para 0 Magistrado decidir da gravidade do dano e, posteriormente, da indemnizacio (aqui se incluiss a quantificagio das outras consequéncias previstas no artigo 144° do Cédigo Penal, como a perda de 6rgio ou membro, a afectagio-ou perda da capacidade de utilizacio do corpo, dos sentidos ou da linguagem ou, ainda, a dor permanente), Quanto ao aspecto da incapacidade permanente profissional, sagerimos que, também aqui, como em sede de Dircito Civil, se proceda 4 descricao do “rebate profissional”, No que se refere & terceira alines do artigo em apreso, 2 questio da definigdo de “doenga particularmente dolorosa” poderi ser avaliada pelo perito - quando se trate de doenga tempordtia -, em termos de “Quantum Daloris” ~ coma no ambito do Discito Civil - através da respectiva descrigio ¢ quantificaggo numa escala de 1 a 7 graus de gravidade crescente. No caso da dor ser permanente, como s¢ referiu, ‘esta deverd ser valorizada e ‘quantificada nas alteragdes funcionais deseritas na alines b) do’ astiga 144°, Rast de Dinits Penal «Ano Il 1 = 2003, p, 63-87 28 _Auchagi de dens expel mee penal » T Magis, D. Pino da Guta F. Corte Rash DLN, Vitis IV. A presungao médico-legal da intengio de matar Como jé anteriormente frisimos, a culpa é 2 pedra de toque do direito pendl, cabendo 2 sua apreciagio, exclusivamente, aos tribunais, Apreciat a culpa ¢, fundamentaimente, apreciar a intengio do agente, Ora, em sede médico-legal e 2 propésito da apreciagio de lesdes recultantes de agressdes, foi tradigZo na doutzina e na pratica pericial os petitos pronunciarem-se sobre a presungio médico-legal da intengio de matar, com base no disposto nas Instrugies Regulamentares de 1900 (Decreto de 8 de Feverciro de 1900)", Porém, de atosdo com os desenvolvimentos doucinirios recentes no Ambito da Medicina Legal Portuguesa, a questio da referéncia 4 intensio de matar, ainda somente que através de presungio médico-legal, parece ter definitivamente inflectido para © rumo cetto, ao assumir-se que 20 médico fegista compere apenas fornecer 4 Justiga os elementos objectives colhidos na peticia, cabendo inequivocamente ao Juiz, €s6 a ele, na posse da totalidade dos elementos probat6rios (periciais ¢ extra-periciais), a responssabilidade da decisio nessa matéria, ‘Nio cabe 20 perito médico pronunciar-se sobre a intengio com que os ferimentos foram praduzidos; sio, antes, as prdprias ofensas que indicam a intengo com que foram feitas, senda o perito apenas o observador ¢ relator da circunstincia. Este entendimento vinha sendo segularmente expresso nas decisées dos Tribunais, constituindo hoje jurisprudéncia uniforme que a conclusio constante do relatétio médico de que “se deve presuimir intengio de maias” n30 configura um julzo técnico-cientifico (ulzo de técnica médica) abrangido pelo artigo 163° do CPP, mas apenas um juizo de probabilidade sobre essa incensio, sendo apteciado segundo as regras da experiéncia ¢ a ivre conviegio do julgador (3-38). Na prova pericial apenas € subtraldo 4 livre apreciacio do julgador o julzo técnico (cientifico ou artistico), que nio se deve confundir quer com 0 julzo de probabilidade, quer com © jxiz0 opinativo que neles ftequentemente sio expressos, Os dados objectivos que permititas presumic & pericia médico- legal a intengio de matar e a intengio com que 0 agente na realidade- age, Tis disposdes legais foram sevogadas pelo Dectero-Lei n* 387-C/87 de 29/12, alo se tendo seifeadaporém,em substugie deta epuamestgi, a adopsfe de norses tenis de reanagho de cases pecias medio legs, peta etl conus presto do art 43 daguele diploma , pesterionnente, do artigo 8, al b), do Decreto-Lei n* 11/98, de 24/1. Revita de Drie Penal - Amo HN 1» 2003, f. 6282 Avakaa do dan expr ond penal ~T. Magli Pia de Cat F. Cai Ra DN. Vics 72 nao so a mesma coisa. Esses dados, elemento importante na indagapio da intengio, saramente so concludentes (39). Por isso, 0 tribunal pode, com base nas provas produzidas emi audigncia, dar como ptovada a intencio de matar, ainda que os peritos tenham declarado que ela no se podia presumi (35). ‘Aindagagio da intengio do agente, no que respeita 3 amplitude das ofensas corporais ¢ & intengio de matar, pertence 20 ambito da matéria de facto, a apurar pelo tribunal face & diversa prove 20 seu aleanee-(40), escapando por isso 4 censura do Supremo ‘Tribunal de Justica (41-43). De acordo com 0 que se deixa expresso, 2 avaliagio pericial do dano & uma fase meramente saneadora da factualidade que requer ume apreciagio biolbgica, que sé situa em plano distinto ¢ diétante da qualificacio juridica da conduta do agente. Resulta entio que o papel do perito seré apenas o de se pronunciar sobre a adequabilidade de determinado facto - em regrs, uma agressio - a produzit determinado resultado; isto & deverd 0 perito, eonsiderando a sede do fetimento ou do traumatismo (por exemplo, se foi atingida regito que aloja Srgio essencial& vide, como 0 tdrax ou a cabega),as respectivas caracteristicas (por exemplo, seu nimeso, extensio ¢ profundidade) ¢ 0 instrumento que denota ter sido utilizads, pronunciar-se sobre a adequario.di agressio 4 produgio da morte da vitima. ‘A antiga questio da presuncio médico-Legal reconduz-se assim 4 afirmacio de um juizo peticial, tecnico ¢ cientifico ~'e jé nio de mera probabilidade — relativo, no & intencio do agente, mas 4 perigosidade da sua conduta, especialmente dos concretos actos agressivos ¢ do instrumento por este utlizado, Tal juizo pode reveler-se importante para ‘o Magistrado, em sede de investigagio ¢ decisia sobre as modalidades do dolo do agente, quanto 4 afirmasio de que este representou, ou deveria ter representado, o resultado produzido como consequéncia necessétia ou, 20 menos, possivel da sua conduta (44). Consequenremente, em sede de seformulagio ¢ uniformizagio dos modelos de relatérios de avaliacio do dano em direito penal recentemente roncretizado no meio do Instituto Nacional de Medicina Legal, eliminou-se a conclusfo:relativamente & presungio médico-legal da intensio de mater, aque alguns sezvigos zinda utilizavam ¢ que outros haviam jé eliminado desde 0s finals da década de oitenta. Ravi de Diveto Peal - Ano II -N' { - 2003, p. 3-82 40 Aabogio do dio eporl om dro penal ~T. Magee, D Pinte de Cos F Cort Rash DN, Vitra Y. Comentario final 1. © artigo 144° do Cédigo Penal como instrumento de avaliagio do ano corporal pés-traumético apresenta substanciais limitacées e € getador de dividas ¢ dificuldades na sua aplicagio a ciéncia médica, Mas, para li da questio do instrumento proposto, © fundamental é que 0 perito seja capaz de descrever 0 dano corporal em todos os seus aiveis, de forma sistematizada ¢ Pormenorizada, fundamentando sempre as suas conclusdes, sem que no entanto tenha que enquadrar a ofensa em qualquer artigo ov, ainda menos, presumir a intengdo do matar (ainda que apenas segundo a'perspectiva médico-legal. 2. A “missio” pericial para avaliagio do dano corporal no ambito do Direito Penal é permitir as autoridades judiciésias ¢ judiciais uma sustentada apréciagio jutidica do caso, através da descrigio das Consequéncias médico- legais do facto praticado, tendo como parimetios as consequéncias previstas as diversas aliness do artigo 144° do Cédigo Penal, e sinda a perigosidade da conduta do agente. “Cabe entio ao perito, na sua “missio pericial”: ~ descrever pormeno: ofendidos ~ afirmar que tipo de resultados tpicos, em abstracto, é que 0 dano ou as suas consequéncias constituiram ou sfo susceptiveis de constituir (indicar 2 consequéncia que a lei prevé, abstendo-se de propor a aplicagio de qualquer norma incriminadora, 0 que constitui campo da exclusiva competéncia e tesponsabilidade das autoridades judiciérias ¢ judiciais); ~ fundamentar, médico-legalmente, 2 sua conclusio. .damente 0 dano ¢ as suas consequéncias para 0 3. O perito médico-legal, 20 efeeruar 0 exame € a0 elaborar 0 zelatdtio tem forgosamente de ter presente 2 sua finalidade, a.qual, como vimos, poderé ser = 0 enquadramento juiidico-penal da conduta do agente ¢ a respectiva invocagao na decisio judiciéria que pée fim 20 inquérito, ¢ nas decisdes judiciais que se hajam de tomar em sede de instrucio e de julgamento; - a atribuicio de uma indemnizagio a0 ofendido pelos danos sofridos. Assim, s6 vislumbramos vantagens numa possivel opgio de uma metodologia comum pata 2 avaliagio do dano corporal em Direito Perial e Civil, metodologia esta que, aproximando-se da actualmente em vigor pata 0 Rested Dine Poel - Avg I) 1 + 2003, p. 63-82 Aang do de poral ct dirt peaal ~T: Magali, Di Pint de Conta, F. Corte Rach DLN. Vite 81 Direito Civil, permit + faciltar a definicdo ¢ harmonizasio de conceitos, 0 que é fandamental 2 melhoria da comunicagio entre medicina ¢ direito; -nio 36 descrevet 0 dano, como quantific-lo de acordo com metodologias testadas ¢ recotihecidas a nivel eutopeu; = garantie que, a haver pedido de indemnizagio civil no proceso crime, do pedido de indemnizasio nos tribundis civis, garantindo, desta forma, com base 28 igualdsde de tretemento, uma muis jasta administracdo da justica. Referénciss Bibliogréfices 1. Domingues, B. (1965) Inevtigesio Criminal Lisboa: Edicio do Autor. 2. Marques da Silva, G. (1993): Curso de Procesro Penal, Vol. II, Lisboa: Bditotial Verbo. 3, Maia Gongalves, (1996) Cédigo Penal Anofado. 9* Ed,. Coimbra: Almedina. : 4. Acérdio do ST], de 9.5.1990, A J, 9-5. 5. Beleza, T. (1993) A Prova. Em Beleza, T. 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