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Flavio Villaca ESPACO ___INTRA-URBANO © NO BRASIL antros de comércio e servigos, mas em menor niimero, se comparados, exemplo, com os da regio do ABC. Azona Leste tornou-se a grande regio de centrag&o das camadas de baixa renda da cidade, e a razio é a que se mencion aqui. Ao longo das décadas, enquanto 0 ABC crescia como regio operéria de el média, a zona Leste empobrecia e 0 Bras “decafa” como subcentro, ou seja, empg brecia também e perdia suas grandes lojas e servicos. ’ A partir da década de 1970, a quantidade de pobres comegou a crescer ng zona Sul de So Paulo — inclusive com o aparecimento dos miseraveis, Ocupand —“invadindo” — terras para morar, essas camadas miserdveis nao mais tém que pagar pelo luga isa. A zona Sul tem sido a preferida para essas ocupagoes,4 as favelas tém crescido bastante ali. Segundo Taschner (1996, 105) “o fenomeno favela em Sio Pauilo s6 vai se desenvolver em larga escala nos anos 70”. Nao for obtidos dados sobre a distribuigao espacial das favelas na Area Metropolitana ‘Sao Paulo. Entretanto, apenas 08 dados do municipio sao suficientemente sug vos e mostram o crescimento ocorrido na zona Sul. Segundo Taschner (idem, idibj eTaschner e Varas (1990, 55, citando SEHAB), a participagao da zona Sul no total d ‘de Sao Paulo evoluiu da seguinte maneira: 28, 1% em 1993, Note-se que a queda de 1987 para 19 no representa necessariamente declinio da zona Sul, pois em termos de drea me tropolitana essa queda pode representar crescimento fora dela—no ABC por exem: plo. De qualquer forma, o aumento de 28,86% em 1973 para algo em torno de mais de 40% em 1993 é enorme. {sso vem ocorrendo em virtude de essa regido estar mais. 1a dos bairros das classes média e alta (na zona Sudoeste), onde esto o ‘subempregos dos miseréveis— nao s6 dos chefes de familia, mas também das maes dos jovens e das criangas. Esta mais pr6xima dos locais de subemprego de emprega: da doméstica, de lavador de automével, de ambulante, de flanelinha, de vendedor escolha da localiza¢ao como pesava antes; por isso, esses miserdveis preferem oct par terras na zona Sul, préximo ao quadrante sudoeste, do que na cada vez mais, Tonginqua zona Leste. ‘Temos entaio —e isto vale para as demais metrépoles — dois elementos da estrutura urbana, que sao 0s mais poderosos na estruturacio do espaco metropoliz das de mais alta renda. Os demais elementos da estrutura interagem com eles evi dentemente, pois tudo interage com tudo numa estrutura, mas sao mais. Influenciados por esses dois elementos do que vice-versa. A fonte de seu poder estd no graut de independéncia que desfrutam na escolha/producao de suas localiza: ‘es. A do primeiro elemento ¢ determinada por forgas externas a cidade; a do se: gundo elemento, pelos interesses de consumo das burguesias que, comandando 0 setor imobilidrio urbano, decidem a escolha/produgao de suas localizagoes residen= ciais. E a fora intra-urbana que mais poderosamente influencia a estruturagaio do espago metropolitano. ‘Vamos nos dedicar agora a essa estruturagii. Como sempre, nosso guia serd ahistéria. 140 apitulo 7 segregacao urbana 1s até aqui jé comecaram a revelar a segregaco como um. ‘a compreensdo da estrutura esp: surbar ‘no decorrer desta obra, convém desde j4 considerd-la com um pouco mais de atencio. de sitio social observando que a se, da conjugacio de dois movi- ido os c&nones de cada época, 0 que também inclui a moda. E des- inelaé da edade ganham ou perdem valor ao longo do ‘Bao espacial dos bairros residenciais das distintas classes sociai | tios sociais muito particulares. Nas paginas precedentes fizemos referénc Aspecto, Nos proximos cap{tulos vamos aprofundar a questao, analisando inicial- ‘mente a segregacao dos bairros residenciais das camadas de renda. 141 Observando os mapas da distribuigao territorial de classes sociais em no: metr6poles (figuras 30 a 35), nota-se que a segregagio das camadas de todas elas, Em todas as metr6poles aqui estudac ‘imos cem anos mais ou menos (mais no caso do Ri menos no caso do Recife) uma regitio geral na qual tendem a se conc tes parcelas de tais camadas. Em todas as metrépoles, exceto em Recife, essa tet déncia jé produziu um setor da metrpole onde se concentra a maioria dos mem, bros dessas camadas. Embora a mesma tendéncia exista em Recife — como verem adiante —, ela sofreu recentemente uma reviravolta, de maneira que Recife ain exibe, hoje, dois setores com grande concentragao de camadas de alta renda, s ‘que nenhum deles, isoladamente, detenha a maior parte dessas camadas, Entret to, a tendéncia de prevalecer apenas um setor 6 inequivoca, como veremos no cap} tulo 8, segio “Recife” Partindo dessas constatages, consideramos importante responder as s guintes indagagoes: por que a forma de setores e nao outra forma qualquer, incl sive a forma de bairros segregados, porém espalhados por diferentes locais do es: aco urbano? Por que a segregagao se dé em determinados locais e nao em outi quaisquer? As causas das localizagdes escolhidas pelas burguesias sio especificas. de cada cidade ou hé causas gerais, comuns? Quais seriam elas? E, por fim, as per guntas mais importantes: qual a razao da segregagao? Seria a conveniéncia de mox_ rar perto dos “iguais"? Seria a busca de prestfgio e do status social? Seria a preserva- ‘ao dos valores imobilidtios? Com vistas a responder a essas perguntas — e outras, que surgirdo no decorrer da investigagao —, serio analisado: ceito de segregagio e depois os processos concretos de consti nas nossas metropoles. Figura 30— Areas metropalitanas de Sao Paulo, Areas de grande concentrago de camadas de alta renda dem estar presentes numa mesma regido geral onde se concentram as camadas de alta renda e até crescer com velocidade maior que a velocidade de crescimento des- ‘sas camadas, Se isso ocorrer, a participagao dessas classes na regiao de concentra- fo da classe alta aumentard. Nao importa. Nada disso altera a tendéncia a concen- tracio das camadas de mais alta renda naquelas regides. 0 importante é que o setor segregado detenha uma grande parte — talvez a maior — de uma dada classe, no» caso a média e alta burguesias. O que determina, em uma regio, a segregagao de uma classe é a concentragao significativa dessa classe mais do que em qualquer utra regido geral da metropole. A Rocinha nao é a regio geral de maior concentra- Ho de populacio de baixa renda do Rio, mas a zona Sul, apesar de todas as suas favelas, é a regido geral de maior concentracto das camadas de mais alta renda do Rio de Janeiro. ‘© mais conhecido padrao de segregaao da metrépole brasileira ¢ 0 do cen- tro x periferia. O primeiro, dotado da maioria dos servigos urbanos, puiblicos e pri- vados, é ocupado pelas classes de mais alta renda. A segunda, subequipada e lon- ginqua, € ocupada predominantemente pelos exclufdos. espago atua como um mecanismo de exclusio. O conceito de segregacao HA segregagées das mais variadas naturezas na metropole brasileira, prin cipalmente de classes e de etnias ou nacionalidades. Vamos abordar a segregaga, das classes sociais, que é aquela que domina a estruturagao das nossas metrépoles: Tal como aqui entendida, a segregacdo € um processo segundo o qual diferent classes ou camadas sociais tendem a se concentrar cada vez, mais em diferentes ree sides gerais ou conjuntos de bairros da metrépole. Referindo-se & concentracao de uma classe no espaco urbano, a segrega¢al nao impede a presenca nem o crescimento de outras classes no mesmo espagoi Nao existe presenga exclusiva das camadas de mais alta renda em nenhuma regia geral de nenhuma metrpole brasileira (embora haja presenca exclusiva de camaé das de baixa renda em grandes regides urbanas)..Na melhor das hipoteses, pode. haver tal exclusividade em bairros. E claro que ha favelas na zona Sul do Rio e que o Setor Sudoeste de Sao Paulo, onde se concentram as camadas de mais alta renda dessa metrépole, € pontilhado de bairros populares, os quais podem até conter @ ‘maioria da populagao em um setor de alta renda. Mais que isso: outras classes po- do pelos mecanismos de formacao dos pregos do por sua vez, determinados (...) pela nova divisao social e espacial do 142 as Figura 32— Area Metropolitana de Belo Horizonte Areas de grande concentraglo das camadas de ala renda Figura 34 — Area Metropolitana de Salvador. Area de grande concentragto das camadas de alta rend, 1991 144 14s E um pouco mais préximos (mas ainda nao totalmente) da verdade se afirmésse- gute os terrenosmais caros sto ocupados pelas camadas de alta rend pois na Bio feria de metro quadrado barato alta renda ocupa terrenos grandes ou, em se peando de condominios verticals, grandes quotas ideais de terreno, Finalmente, vrive.se considerar que a classe média também ocupa terra cara no que se refere rego do metro quadrado de terreno, consumindo pouea terra per capita ou 3° Familia, como em Copacabana, no Itaim ou Moema, ambos em Sao Paulo ‘ainda segundo Lojkine (op. cit. 167), um submercado especifico, constitufdo polos iméveis de escrtsrios, poderia, através do jogo dos pregos do solo, “adqulrir Pepidamente um papel motor, determinante, naformagdo dos pregos imobilltios ovo conjunto do centro das grandes metrépoles e garantiria assim uma segre- 1¢do econdmica e social ica das fungdes e das classes sociais que prseguiem residir no centro”. Lojkine distingue trés tipos de segregagao urbana: ) uma oposigao entre o centro, onde o prego do solo é mais alt, ea perifer yma separagao crescente entre as zonas e moradias reservadas as camadas sociais Thais privilegladas eas Zonas de moradia popular; 3) um esfacelamento generali- SFovlas fungoes urbanas disseminadas em zonas geograficamente distintas ¢ cada ez mais especializadas: zonas de escrit6tios, zona industrial, zona de moradia, “ble, Esses trés tipos de segregagio nao sto excludentes. Neste trabalho, v gundo tipo porque, como esperamos mostrar, ele ea fo ‘qonas industrials i sobre a estruturacao do espaco etropolitano no Bras ease Fsoclologia americana derivada da Escola de Chicago e aquela que Castells (1978, 204) chama de “tradigao de sociologia empirica” norte-americana afirmam quue a“segregacao ecolégica’ procede do fato de os habitantes da cidade serem dife- Tentes entte sie interdependentes (Gist e Fava, 1968, 159). Ainda segundo esses au- {ores (idem, ibid), “na luta pela posigdo social e por uma conveniente implantagao ‘espacial dentro da cidade, tais diferencas ¢ interdependéncias contribuem para determinar que espaco as pessoas consideram desejével e até que ponto Ihes ¢ possivel obté-lo. O resultado é a segregagdo ecoldgica, ou seja, a concentragio, dentro de uma mesma rea residencial, de pessoas que retinem caracteristicas se- ‘lhantes entte si. E curioso que, embora se trate nitidamente de um processo de classe, esses autores insistem em falar de “pessoas” ou individuos. Prosseguem les (idem, 160), distinguindo a “segregacao voluntaria’ da “involuntéria’. A pri- ira “se produz, quando o individuo, por sta propria iniciativa, busca viver com Gutras pessoas de sua classe”. A segregacao involuntaria ocorreria quando o"indi- ‘a familia’ se véern obrigados, pelas mais variadas forgas, amorar num ide. Nesse sentido, a segrega- F20 dos exclufdos na periferia das metr6poles brasileiras seria uma segregacio Tnvoluntaria, © que cabe registrar nessas consideragbes € 0 caréter de luta da se Bregacio, Trata-se, entretanto, de uma luta de classes. Se ha luta, hé, evidente~ Mente, vitoriosos e derrotados. Os primeiros desenvolvem a segregagao volunta- ‘tiae os segundos, ainvoluntaria, Na verdade, ndio hé dois tipos de segregagao, mas 8 Figura 35-~ Area Metropolitana do Recife, Areas de grande concentragso das camadas de alta rend trabalho”, Essa idéia refere-se a um conceito e a uma manifestagao muito amplos_ de segregagao: aquela que divide a metr6pole em centro e periferia. Numa visio, ‘mais detalhada, ela nao resiste a um teste empfrico. Lojkine nao esclarece como a ‘segregacao é produzida, mas presume-se que, no final, as classes de mais alta ren: da fiquem com a terra mais cara e as de mais baixa renda, com a mais barata. Ess tese jé foi derrubada com varios casos empiticos, desde o chamado “paradoxo Alonso” (Alonso, W., 1963) referente as cidades americanas. Entre nds, nem sem: pre as camadas de alta renda moram em terra cara (no que diz respeito ao Pree, lunitario do metro quadrado), mas em geral é isso que ocorre — de frente para d ‘mar em Boa Viagem ou no Leblon; Higiendpolis, em Sao Paulo; Campo Grande{- em SalvadorgPiedade, em Recife; Moinhos deVento, em Porto Alegre; Lourdes, et Belo Horizonte por exemplo, Entretanto, a alta renda também ocupa terra barat” na periferia, na Granja Viana ou Alphaville, em Sto Paulo, ou no Recreio dos Ban<” deitantes, no Rio. Nesse sentido, portanto, nao érigorosamente verdadeiro que @ prego da terra determina a distribuicao espacial das classes sociais. Ficariamos ‘46 147 lum 86. A segregagao é um proceso dialético, em que a segregagao de uns provoca, 40 mesmo tempo ¢ pelo mesmo processo, a segregagio de outros. Segue a mesma dialética do escravo e do senhor. ‘A Ecologia Fatorial dos anos 60 realizou intimeros estudos sobre segregagi ‘anto, preocupados em medi-la, e ndo em explicé-la.! Dessas consideragdes vamos ret ko étnica ou por nacionalidades, como a dos orientais na Liberdade, ou a do: deus em Higiendpolis, em Sao Paulo, A dimensao de luta aparece quando se int duz.a segregacio por classe. Neste segundo caso, por exemplo, 6 irrelevante a et dos que ocupam a drea central de Sao Paulo e passa aserrelevante a segregaclo por classe. Os que ocupam a érea central estao, por exem sdindo que ela seja ocupada pelos mais pobres, que estéo na periferia ou nas favelasafastadas. A segre.. acdo entre centro e periferia pode ser considerada uma segregacio por classes ‘Taro que hd muita periferia no centro. vice-versa (Milton Santos, 1979, 59), mas de maneira geral essa dicotomia corresponde a verdade. Vamos nos preocupar com a segregacao por classes, uma vez que é a que tem as implicagdes mais profundas sobre a estrutura urbana, como vetemos. A segunda questao para reflexio refere-se ao porqué da luta. Para a ecologia humana, aluta seria pela ‘posigao social e por uma conveniente cial dentro da cidade”. Grande parte deste livro tem o objetivo de esclare: ™otivos. O primeiro motivo nao nos parece nem muito complexo, nem mi portante. Quanto ao segundo, o que se procura ao lutar por uma “conveniente im Plantagao espacial dentro da cidade"? Nesse sentido, Castells avanea um pouco. Pata Castells (1978, 203 e 204), a distribuigéo das residéncias no espaco pro- duz sua diferenciagao social e hé uma estratificagto urbana correspondente a um sistema de estratificagao social e, no caso em que a distancia social tem uma forte expressio espacial, ocorre a segregacio urbana. Segundo ele, “em um primeiro sentido se entenderd por segregagdo urbana a tendéncia & organizacdo do espago em zonas de forte homogeneidade social internae de aridade social en tre elas, entendendo-se essa disparidade nao sé em termos de diferenga como tam. bém de hierarquia’. Se combinarmos esse pensamento com outro do mesmo tor, teremos a chave para a compreensao do papel da segregacao. Diz ele ainda lem, 141) que “toda a problemstica social tem sua origem entre esses dois ter wvés do processo dialético mediante o qual uma espé cie biologica parila ta lar, posto que esté dividida em classes), o‘homer se transforma e transforma seu meio ambiente em sua luta pela vida e pela ap: priagdo diferenciada do produto de seu trabalho”. Em grande parte, est. tende investigar como se daa apropriagto diferenciada do espago produto do trabalho humano, Destaque-se a mengio de Ci do esse au ells tendéncia. Ela decorre do fato de, segun- toda cidade ser um entrelagamento hist6rico de vérias estruturas so- 148. ciais e de toda sociedade ser contraditéria, ou seja, fruto da aco de varias forcas homogeneidade interna? Essa é uma forma incorreta de expor a questio. Ela nao se refere a uma tendéncia. Copacabana tende a ter homogeneidade interna? Diante da primeira pergunta—a forma errOnea—, pode-se até ficar em divida, mas diante da segunda é mais facil responder afirmativamente. O processo socioespacial por que passou Copacabana por volta da década de 1940 destruiu a homogenei plantou outro processo tendendo a uma nova homogeneizagio. No deste processo, acreditamos ser valido dizer que, embora Copacabana e: ‘mais heterogénea do que em 1930, ela esta tendendo a uma nova homogeneizagao. Aconsciéncia de que a segtegacio é processo, é tendéncia, é pois fundamental. Quando Castells, discorrendo sobre a organizagao do espago, fala em “homogeneldade -std se referindo obviamente a uma érea, aumaunidade espacial no interior da qual ocorre a homogeneidade. Que érea é essa, como Ja ou escolhé-1a? E itil nesse momento o conceito de baitro, que existe lade nas metr6poles brasileiras. Nossos baitros tendem a uma homogeneidade social muito grande. [3 a partir da década de 1970, com a proliferacao das favelas em éreas ocupadas, a “homogeneidade interna’ de miuitos baitros de nossas metrépoles ficou comprometida. O que se pretende explo- fa Com essa questo é o tamanho da “area homogénea’ ou a forma de seu tragado. a favela invade o interior de um bairro tendente a classe média ou média alta, juagdes sao possiveis, ambas ligadas a questo da delimitagao da area segregada, ou melhor, & rea tendente a segregagao, Na primeitasituacao, tragar-se- ‘um perimetro que englobasse ambas as dreas, delimitando-se assim uma tinica rea, a qual evidentemente nio tenderia & homogeneidade interna, Dir-se-4 que a rea tragada nfo tende a segregagao, mas sim a heterogeneidade. Na segunda situa- ‘Ao, tragar-se-iam duas éreas, uma dentro da outra. Neste caso, haveria duas areas, ambas tendentes a segregacao. ; Queremos evitar questoes desse tipo, através da idéia de tendéncia e da de regido geral da cidade, Em primeiro lugar, vamos esclarecer porque a idéia de se- sregacao pode estar eventualmente comprometida coma idéia de homogeneidade total e também com a idéia de “estado” ou seja, ia estética, e nao de pro- cesso. E enquanto estado que, acreditariam alguns, ela nao existiria em muitas 4 ouvimos dizer, por exemplo: “Esse negécio de segregaGao rado de segregacao do estado de nao-segregacdo. Hé, portant no minimo — a serem feitos nessa colocagiio. Seria necessari -mpo e dep izar (mais que, menos que) a colocagao. “Hoje, no Rio ou em Salvador ha mais mistura do que em Sao Paulo.” Nao se trataria de indagar se em Sao Paulo hé ou nao segrega¢ao, mas saber se ela é maior ou menor que no Rio ou €m Salvador. De qualquer maneira, independentemente disso, como veremos, no 149 16 diferenca significativa de segregacao entre Rio, Sao Paulo e Salvador. Em se- jundo lugar, vamos destacar —e explicar 0 porqué —a segregacio por regio ges A you conjunto de bairros da metropole, em oposigio A segregacio por bairro. © importante é entender por que os bairros das camadas de mais alta renda tender ase segregar (os préprios bairros) numa mesma regido geral da cidade, capathar aleatoriamente por toda acidade. Essa questao ¢ fundamental enel f ehave para a compreensio do processo de segregacto. Se o principal mével Segregagio fosse a busca de posicao social, do status, da protegao dos valores imo: pilldrios, ou proximidade a *iguais’, bastaria haver a segregagao por bairro (4 de forte homogeneidade interna, passivel de um sentido de hierarquia); un hhorte, outros a oeste, outros a leste e outros ainda ao sul da metrépole. Isso nig corre, porém. A tendéncia é de os proprios bairtos se segregarem numa mesma regidio geral da metrdpole. Por qué? Merecem registro as pesquisas de Pingon-Charlot et alli (1986) sobre segrega: «40 na regido parisiense. Suas investigagées, entretanto, nd tm por objetivo mers. futhar na compreensio das forcas sociais que levam a segregacdo, nem seu papel nas sim constatar uma cortelagao entre a segregagio ¢ a agio do Estado na produ ‘do de equipamentos coletivos? ‘A tonica dos estudos sobre segregacao incidem ow no mecanismo de defesa_ — caso das segregagdes étnicas, por exemplo—, ou na busca de prestigio e de stat Incluem-se af as chamadas “social areas’, analisadas pela ecologia americana das décadas de 1950 e 1960. As causas profundas da segregacio por classes, porém, surpreendentemente pouco estudadas. Menos estudada ainda a explicagto dae quilo a que chamaremos de macrossegregagio, ou seja, a segregacio por regibes Cidade e nao por bairros. O exemplo cléssico da macrossegrega¢ao analisado pela ‘quase-totalidade dos estudos ¢ a organizagao espacial segundo centro e periferiay cuja explicagao e contetido de classe parecem tio dbvios que nao estimulam muit@ busca de explicacbes. Essa organizacao, note-se, se dé de acordo com cfreulos cons ‘céntricos. A andlise da estrutura espacial intra-urbana segundo setores de cfreuldj {que serao aqui enfatizados, faz aparecer um aspecto até agora negligenciado pel estudiosos. Esse padrio de segregacio aparece com enorme importancia e potet ‘cial explicativo e revela a natureza profunda da segregacao, A segregacao é um pro: cesso necessério a dominagio social, econdmica e politica por meio do espago. Ess uma das mais importantes conclusdes desta obra. Resumindo: a maioria das anélises sobre segregacio parte de um espag urbano dado, que é melhor, gj«(qualfor o motivo, e por iss0 atrai os mais ricos que possuem mais prestigid; poder e status. Nos casos em que nao hé atributd natural especial, nfo cogitam como esse espago melhor foi produzido — transfofe ‘mado em melhor. No caso em que mostram essa produgao — como o de Pingoft Charlot —, limitam-se a constatar uma correlagao entre a classe social que ocup® determinada regio e 08 equipamentos puiblicos de que ela ¢ dotada. As posi¢ {que afirmam ser a segregacdo um produto “do mecanismo de formagao de preva do solo” (Lojkine, supra) estao na incomoda posigao de ter de demostrar essa test que 6 mais provavel que a verdad esteja no lado oposto: os pregos do soto é que o fruto da segregacao. Harvey, sem fazer andlise especifica da segregagao, mas fazendo uma aguda stigacao sobre o significado e o papel do espaco urbano, apresenta uma contri- Fuito fundamental para seu estudo ao elacionar as ocalizagdes intra-urbanas com st tendimentos (“income”) das pessoas. Harvey da a essa expresso um conceito to amplo, concebendo tenda como o“comando sobre os recursos sociais escas- i" (1973, 53).0 autor afirma que‘changes in the spatial form ofthe city and changes social process operating within the city bring about changes in an individual's sme" (idem, 54). Propée-se entao a estudar como isso ocorre. Argumenta que" sso social de determinagao do saldrio ¢ parcialmente modificado por mudan- {sna localizagao das oportunidades de emprego (por categorias) comparadas com lades residenciais (por tipo)" (idem ibid,).” Harvey apontaa sgregaciio como um mecanismo de extorsao e deixa implicta a dominacao. ‘Campanério (1981, XV) conclui que"the process of exploitation of labor force olves not only the extraction of surplus value, but also a series of extortions outside ie working place. Underlying these extortions is the process of social segrey he population in space via the land market mechanism’. A conclusao é similar & de vey. sstrutura, Desenvolvem, ento, uma "Teoria de um processo de causagio cite jomno dos benefi- snomicas esté indicada. A questo do dominio dos tempos de deslocamento — fara nds, vital — aparece em Harvey apenas quando ele correlaciona os salarios agdo “de oportunidades de emprego”. Essa argumentagao—o desta- fic a localizagao de oportunidades de emprego — deixa claro que, ao falar em lo- lizacio, Harvey o faz em relagao ao tempo de deslocamento e nio a disponibil fade de infra-estrutura. Nao tem sentido falar em localizagao de oportunidades {é empregos, entendendo localizagao como se fosse caracterizada pela de de infra-estrutura; a nio ser a de transporte, que esté ligada ao tempo de mos autores — Harvey pecialmente — e analisar como ocorre a dominagao pot meio do espago € o spel do controle ou dominio dos tempos de destocamento nessa dominagao. Por ro lado, toda extorsio tem um fim tltimo de bem-estar ou de natureza econd- politicos da dominagao e da extorsfo através da produgao da estruturagio espact= alintra-urbana, ‘Avisiio de segregacdo mais préxima da q mos — inclusive rela. cionando-a com a compreensio da estruturagao urbana — é dada por Short (1976, 78), quando procura encarar os padrdes espaciais como produto da estrutura so. cial, ou se} i by social structure and to develop concepts tures and segregation patterns. We can now fa specific conjuncture of economic, political € especifica 0 conceito de segregagto numa 6tica antropoldgica (diferente, portanto, da nossa) para Sao Paulo na década de 1980; Numa rica anélise dos condominios fechados, propoe-se a “demonstrar a necessi- dade de refazer 0 mapa cognitivo da segregacao social na cidade, atualizando as referencias nos termos pelos quais sao entendidas sua vida cotidiana e relagdes sociais. Argumentarei que a extensao das mudanas tal que, a ndo ser que modi ‘quemos a maneira pela qual concebemos a encarnagao da discriminagio social na forma urbana, nao poderemos compreender os atuais predicados da cidade. Em segundo lugar, desejo sul mentar que eles constitu Gao de esterestipos me; estratégias de segregacado, de reordenagao e de reconfiguracao do que norma. As narrativas de crimes revelam a mesma obsessao em erguer barteiras sidentes_na construgdo de muros e cercas para inhangas. £ enquanto corporificagao de novas estt tégias de segregacao, forjadas no contexto de maior proximidade de diferentes gru- os sociais, crise econdmica, incertezas e medo do crime, que devemos ler anova cidade de muralhas’* Eiinteressante destacar uma dimensto espacial importante da visio de Cald ra:a maior proximidade entre diferentes grupos sociais. A obsessao de construir mu- 108 ¢ cercas fechando 0s bairros dos mais ricos ocorre nao sé num momento de incet- teza econdmica e de medo da criminalidade, mas também quando os mais ricos ‘comecam a ficar mais préximos dos pobres e miserdveis exclufdos, ou seja, quandoos ricos comecam a ir para a periferia. Note-se, contudo, que essa maior proximidade dos rcos aos pobres exclufdos nio nega a existéncia de segregacio. new strategies of segregation, forged in a context of greater proximity of diferent social groupe, econ ‘tis uncertainty and fea of tne, that we should read the new ety of walls" 152 Os setores K* A constatagio de que a estruturacio espacial basica da metrépole brasileira nde a se realizar segundo setores de citculo, mais do que segundo eirculos con, “céntricos, facilmente nos traz.& mente um processo espacial urbano bastante co. “inhecido mesmo pelos leigos: o de que os baigros residenciais de al _ ou “destocam-se” sempre na mesma diregao. Dessa maneira formam, evidentemen- _te, um setor, enfiouuma coroa de circulo. No Rio, por exemplo, esses bairros comega- “ram (mas nao se i Buarque, depois Jardim Leonor, seqiiéncia pode idem mento ainda € compreensivel, pois elas seguiam a ferrovia e hoje seguem rod as. E no caso das residéncias? — eportanto dos setores — ¢ a necessidade de fer acesso ao centro da cidade. Ha outros fatores, porém. Opeso espacial” da dade — moradia, comércio oui indiistria — também conta na otimizagio do acesso ao centro. Qs restrita espacialme - déncia de se concentrar num setor. A residéncia de alta renda, as grandes indtistrias eocomércio. em face das le classe média e abaixo da média e das enormes “poeiras” de Pequena: tia, oficinas e pequeno comércio. : deslocamento das nossas burguesias segundo setores e nao circulos con- ‘éntricos decorre também de suas diminutas dimensdes e do enorme dese entre as classes sociais existente no Brasil. Nos paises do Primeiro Mundo, as classes ema maioria da po} Concéntticos, como se deslocam mais ou menos igualmente, mantendo, assim, 0 Padrao de efrculos concéntricos. Vimos no capitulo 2, segaio“Abordagens do espaco intra-urbano e regional” como Schteigart e Torres descrevem a posicao das classes Médias argentinas em toro do centro de Buenos Aires, uma metrépole que tem uma estratificagao social mais proxima das do Primeito Mundo do Gitam o grande desenvolvimento da classe média argen G queela ocupa um amplo leque em torno do centro (Buenos Aires tem apenas 180 graus de drea de expansao, dat sas situagoes, desenvolve-se uma forte simbiose entre ess bos se reforcando mutuamente e mantendo suas 183 lade do centro — que, afinal ia e acima da média— e ess: ximas ao centro. ‘Vamos aproveitar esta oportunidade para adiantar algumas consideracoes sobre a relacao entre a estratificagao social, o desenvolvimento de setores de circulo x circulos concéntricos, a chamada “decadencia do centro” e 0 afastamento dele, Toda grande metrépole tem uma parte do lepende da freguesia representada pelas lidade mantém a permanencia dessas No Ria por Sai Tres. Em viride de sue complesidade coma metrdpole, Sao Paulo é a que melhor se presta a esse tipo de andlise. A partir de um ponto de conta to com o centro, essas classes se expandiram num setor de cfrculo por bairros pr Racaembu. Também a classe Campo Elaeos (ra Barto de Lie aivel cla que xsi esemaniémn Buenas Ales por exemple. ounas ida des do Primeiro Mundo. Elas romperam.com-o-centro, Esse rompimento, embora 0A partir de entio, outro fator especifi eaniquilara frégil simbiose centro-classes média e média alta centrais: Dullantes. A tomada do centro é mais efei todo que ausade abandons do peenropot ‘parte das Classes médiaaltae alta, Assim, Fantes ea dos fundos da.escolaCaciana de Campos, cladasacima. foram abando- nnadas por essas classes nos anos 70, principalmente por causa da violén queem nossa pols atin sci muito mals graves do. que.os de Buenos pitulo espect Meio i lide sennar tae a das dreas indi y* grandes Lebion ow as longas vias comerciais, por exemp! mostram de maneira elagiiente o papel decisivo 4 ‘transporte do ser humano desempenham na estruturagao intra-urbana. F essa linearidade — associ predominam em nossas metrépo enorme dimensio das camadas populares e miseraveis que levam nossas metr6po- les a apresentardestacado pardo espacial segundo setores de culo. Quantoas- stratifieagao social mais uniforme, mais semelhante a muitas metrépoles do Pri- meiro Mundo, nossas metrépoles apresentariam um espago também mais homo- geneo e mais préximo a circulos concéntricos.* Mesmo a participagao da classe mé- dia em nossa estrutura social é muito pequena. Assim sendo, a organizagao espacial 8 segundo setores de cfrculo permite, como veremos no ‘maior controle do espago, através do controle do mercado imol fo centro prin ‘numa eventual segregagao segundo circulos concéntricos. Aproximamo-nos ent&io, em primeiro lugar, do padrio de segregagao segundo uma tinica regio geral da metrépole e, em segundo lugar, da segregagao segundo setores de cfrculo. Desen- volveremos mais essas idéias no final desta obra. Notas 1, Para um exemplo brasileito da Ecologia Fatorial,ver: MORRIS, Fred B.A geografia social no Rio de Janeiro: 1960" In: Revista Brasileira de Geografta, Rio de Janeiro, ano 35, n.1, jan./mat. smente uma preocupagdo ica. A énfase de suas pesquisas nao est na comy fara existéncia de uma correlacao entre classes socials, segregacao e equipamentos ivos. Visam mostrar que a agao do Estado na produgao de equipamentos coletivos renda, como mostra o proprio titulo de sua obra aqui citada: cortelagao certamente existe no Brasil. Nesta obra procuramos desvendar por que @ segregagao facilita —na verdade possibi ‘mais alta renda. Veja a bibliograia — a ago do Estado em favor das camadas de

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