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GES eye poor comes fam Clee - % ta bes On hima ola. lerder les ers fe hake ack fle “Coes fl Yale foo JUAREZ ROCHA GUIMARAES coe?” CLARO ENIGMA: O PT E A TRADICAO SOCIALISTA Dissertacdo. de Mestrade em Socicgia apresensentada ao Departamento de Ciéneias Sociais de Institute de : Filosofia @ Ciéncias Humanas da Universidade Estadual de Campinas. Oriéntador: Prof. Dr. Edmunde Fernandes Dias} aK » Novembro de 1990 A mous pais, que, A sua maneira, mo ensinaram a indignacio contra a injustica. “he “quando se escreve a histdria de um partido, onfrenta-se toda una série de problemas. 0 que serd a histéria de um partido? Serd a simples narrativa da vidd interna de uma orgenizacde politica, como nasce, os primeiros grupos que © constituen, as polémicas ideolégicas por meio das quais ree seu programa @ sua concepcdo do mundo e da vida ivrse caso, seria a histéria. de restritos grupos ti telectuats © as vezes a biografia politica de uma tnica f-20nalidade., 0 quadro deverd ser mais amplo: seré a Aisiéria de una determinada massa de homens que terd seguido aqueles homens, os teriam. sustentado com sua confianca, criticado-os ‘realisticamente’ com a sua dispersdo e a sua passtutdade. Has esta massa serd constituida apenas pelos membros do partido? Serd necessdrio acompanhar os congressos, as votacdes. etc., todo o conjunto dos modos de vida com que una massa de fortido manifesta’a sua vontade; mas serd sufictente® ford necessdrio evidentemente Levar em consideracdo que o partido € a expressdo e a parte mais avancada, e a histéria de um partido ndo poderd deixar de ser a histéria de um determinado grupo social. Mas este grupo ndo estd tsclado na Sociedade, tem amigos, afins, adversdrios, tnimigos, Apenas do complexo quadro de todo © conjunte social resultard a histdria de um determinado pertido, e. portanto, se pode dizer que escrever a histéria de um partido stgnifica escrever a historia gerat de wn pats de un ponto de vista monogrdfico, para ressaltar-ihe um aspecto caractertstico. Um pertido terd tido maior ou menor importéncia, maior ou menor significado precisamente na medida om que a sua atividade particular tiver tide peso mater ou ikenor na determtnacdo da histéria de um pais. Assim do modo de escrever a histéria de wm partido resulta o conceito do que um partido seja e deva ser. 0 sectdrio se exaltard com os pequenos fates internos, que terdo para ele un significado esctérice e 0 encherdo de entusiasme mistico. Um historiader-politico dard a esies fates a importancia que eles tém no quadro geral e insistird sofre a eficidncia real do partido, sobre sua forca determinante, posttiva ou negative, no ter contribuido para determinar ‘um evento @ mesmo no have-lo impedir de realizar-se.” Antonio Gramsci, Quadernt 9 C#. 64): Maguiavel Chistéria dos classes subalternas> Importaneta © significads des partidos. Quadernt det Carcere. pp. 1134-1135. INTRODUCAO © recurse ws titule drummondians foi a forma encontrada para expressar o desconcérto de pertencer a sim mundo e de se sentir algo estranhado en rolacio a ele. Talvez ease desconcérte seja + mesmo uma estratégia de conhecimento: evitar as ilusSes do que est4 proximo ao sentimento © os academicismos da razio que lida de fora com o objeto. : Militante socialista antes de ser petista., com investimento de vida © emocdo neste partido mais do que suficiente para no ser -indiferente quanto ao seu destinc. lide: sempre com estas polaridades: a tradicio sccialista e a realidade em movimento do PT. Esta dissertac’o $, portanto, um acérto de contas a meio caminho, apés dezessete anos de militA4ncia, local de transic3o. NBo conclui, n&o termina, projeta problemas. Penso, porém, que os problemas que discuto nessa dissertacdo so representativos da época, de geracSes de socialistas. Nés, socialistas, chegamos a uma situacSo paradoxal na histéria: para continuar a exercer a critica da ordem precisamos construir a eritica do nosso préprio. movimento, superar erres © ilusdes sem perder o sentide © o encantamento de nossa atividade. Quando © PT nasceu, em ruptura e atritos com as vertentes mais tradicionais da esquerda brasileira. ternou-se sense comum a idéia de que o Partide inaugurava o novo, quase um marco zero na luta pelo socialismo. Em algumas versées, esta apologia do “novo” quase dava as costas com arrogincia & tradicko, ao esforco das geracées passadas. Pobre “novo”, fragil modernidade esta, que nico se alimenta do didlogo com a tradicao. Pois, paradoxalmente, sé 6 possivel definir o “novo” em contraste com a tradicio, identificando os pontos de ruptura que marcam o nascimento do PT como sendo uma espécie de refundacio Politica dos trabalnadcres e do movimento socialista no Brasil Assim, © contraste comparativo com a experiéncia e a cultura do movimento socialista é uma forma de conhecer a originalidade do Pr. Como teda estratégia de conhecimente, ela tem os seus riscos. © principal deles 6 a tentacdo da analogia ov da procura de um tipe-ideal ac qual a experiéneia petista pudesse ser referenciada. A fuga deste vicio, nesta dissertacSo, foi facilitada, como so ver’, pelo fato de que a tradicSo socialista dificilmente pode ser captada como uma experiéncia homogénea e paradigmética. Ela plural, nes conceites © na histéria, desde o inicio. Como © arco comparativo. porém, 6 muito largo, muito tensionado pois envolve a comparacSe de situac&es histéricas muito distintas talvez esta dissertacdo, tenha incorporado alguns desequil{prios inevitéveis de percurse. © que se ganha om Possibilidades de conhecimento, em contrapartida, vale o risco. Pois se analisamos a ndo muito vasta bibliografia jA escrita’ sobre o PT, identificamos duas auséncias maiores. A primeira refere-se a pobreza dos estudos empiricos sobre um Partido vaste, nacional, © cuja cultura esta longe de cristalizar— se. Esta realidade movedica que 6 o PT rolativiza bastante as virtudes de um estudo empfrice circunstanciado, cerca suas potencialidades analiticas J& que se perde a necesséria visSo da @lobalidade do curse do Partide. A segunda caréncia, mais importante, ressalta um problema de referéncias analiticas para um estudo do PT. A sua forte eriginalidade do PI desafia o enquadramento rigido na tradicdo das I, II e III Internacionais. Seus eles de semelhanca com a tradicio populista ou mesmo com os partides burgueses no Brasil sie escassos. HA, pois, uma primeira barreira - a do método de abordagem - ao conhecimento do PT. © método, que é privilegiado nesta dissertacdo, mais além da forma comparativa em que ela 6 construida, é © de procurar captar as tendéncias de evolucdo do PT a partir de um Angulo que combina a andlise dos’ varios elementos de cultura partidéria ideologia, formas organizativas, composic&o das correntes internas, otc.) em sua relagio cou as pressdes integraderas da ordem. 0 que se perde da riqueza dos detalhes histéricos vale o que se ganha em nocko de Perspectiva, de totalidade. A dlalética entre reforma e revoluco, entre pressio por alarganents @ democratizactio ou ruptura da erdem, € pensada também ha relacdo do Partido com a Sociedade, Fazer a histéria do Partido deste ponto de vista 6 também fazer a histéria da scciedade, Pols perguntar acerca do destino da energia e da vontade transformadora do PT 6 indagar também sobre os rumes da -ordem’ capitalista selvagem que nos cerca. Ser4 o petencial transformador do PT reprimido, isolado, neutratizado pelos efeites de uma hova modernizas%o conservadora e elitista do pais? Ser4 ele absorvide ¢ canalizado para reformas democratizantes da ordem, empenhada em um movimento de auto-refermas sob pressiio, mas controladas? ou, este potencial, mobilizando forcas seciais profundas e construindo uma hegemenia socialists, escapar4 das artes do controle, represséo ¢ sooptacio da crdem e forcard a emergancia de uma nova sociedade, com novas referéncias de civilizacio? Nenhum desses dostinos est4 definido. Dependem de uma trama de processes. entre os quais a paixio historicizada dos Socialistas pode se armar como sujeito da histéria. Assim, a pergunta “o que seré do PT?" puxa necessariamente sutra: “o que fazer no PT?". Como, reconhecendo suas contradicées © tendéncias de evolucdo, agir conscientemente sobre elas. Como o préprio neme da dissertacdo indica, este $ o priméiro Passo de uma reflexdo que se projeta para o futuro. Enfocamos o PT em contraste com a primeira tradi¢o socialists, a de Marx, Engels e a da II Internacional. O.enigma 6 explicado’ mas nJio resol vido. © agradecimente que faco acs companheiros © companheiras que. direta e indiretamente. contribuiram para a elaboracSo desta dissertaciio vai na forma de um compromisso. Em primeiro lugar, ao professor © amigo Edmundo Fernandes Dias com © reconhecimente de que esta dissertac3o 6. em grande Medida, fruto de um “dialogo que continua. Em segunde lugar acs companheiros do PT - em particular, aos’ companheires da tendéncia Democracia Socialista - da qual Participo, com a certeza de que o rico debate © a convivéhcia polftica que tivemes © teremos em muito estado impressos em cada linha deste trabalho. Capitulo i: “O PT E AI INTERNACIONAL: AS RAfZES DO ENIGMA" A idéia de que © nascimento do PT significou uma ruptura com as idéias de Marx sempre foi afirmada e ganhou credibilidade por varias razBes. © PT nasceu sob a critica e a oposicSo de partidos, organizacies e quadros que se reclamavam do marxismo a partir de distintas tradicdes.+ Mesmo algumas crganizacées ou grupos que se reivindicavam do marsisno ¢ mantiveram uma relacko com o process que deu origem ao PT © vieram depois a participar dele no o eoncebiam como um partido estratégico. As declaragdes de Lula & época, fortemente criticas & tradico da esquerda brasileira, ciosas de resguardar a autonomia do movimento pré-PT frente a qualquer pretensio. de controle por parte de eventuais correntes organizadas de esquerda, eriticas a uma definic&s ideolégica e pragmética mais precisa do partido que nascia aparentemente sé confirmariam esta pretensa ruptura com o marsdismo. Mas 6 exatamente o contréri a concepeio de partido que No caso do PC do B, PCB @ MR-8 esta oposicdo se explicava em grande medida pelo apego & tradicéo estalinista destas correntes que supSe uma relacdo vertical e substitucionisia entre vanguardae massa. Além diste, estas correntes recusavam © principio da independéncia politica de classe, do qual o PT era a projecdo, em nome de uma frente organica e legal com os liberais. : Algumas outras correntes de esquerda marxista que vieram @ participar da fundacdo ou um pouco mais tarde do PT. recusavam—-no como alternativa partidaria estratégica em nome de uma interpretacdo da lenjnismo, quo concebia a construao do partido revolucionsrio a partir da expansio de um nticleo de quadres bem definido ideolegica © programaticamente. marcou a criac3o do PT guarda uma enorme semelhanga com as idéias desenvolvidas por Marx durante as suas relac3es com o movimento eartista, na sua militancia na Liga dos Comunistas @ na I Internacional. © PT 6 uma das experiéncias histéricas que Provavelmente mais se aproxima do sentido cl4ssico que Marx atribuiu do partido de classe. ® Marx usou o termo “partido” em duas acepeSes: no “sentido histérico" @ no “sentido efémero”. No sentido histérico, o partido resulta do prépric movimento da classe na medida em que ganha consciéncia de seus interesses. No sentide efémerc, o partido se identifica com uma organizacie politica precisa, entendida como um “episédio na histéria do partido que nasce naturalmente do solo da sociedade moderna.“ Arealidade-a partir da qual Marx elaborou a sua concepcio de Partido foi fundamentalmente a do movimento cartista, poderoso fluxo de lutas organizadas do movimento oper4rio inglés peta conquista de: direitos politicos. ? Foi a partir deste movimento 2 Este ponto de vista fei externade por algumas correntes marxistas a partir da defesa estratégica da retomada de uma perspectiva de independéncia de classe por parte do movimento operdéric brasileiro. Ver, por exemple, © artigo de Michel Lowy em EM TEMPO, 14-27/8/1980. 3 © movimento cartista surgiu como desdobramento das lutas sindicais dos trabalhadores ingleses. £ considerado 90 primeire’ movimento politico importante enraizado ~ no operariado. Em 1836, um carpinteiro de nome Wilson Lowett criou a Associacdo dos Trabalhadores de Londres com base em seis reivindicacdes que ficaram conhecidas como Carta do Pove: voto universal masculino. abolicio do censo eleitoral Caté esta época sé podia ser candidato quem possuisse propriedades no valer minimo de 300 libras?, voto secreto, igualdade na divisdo dos distrites eleitorais, pagamento aos parlamentares para que os trabalhadores pudessem também exercer mandates e Tedugde dos periodos legislativos. Na luta pela conquista destes direitos, foi organizado um pedereso movimento de massas. Em 1839, foram recolhides um 8 politico real do proletariado inglés que Marx elaborou © complexe Problema da construcio do partido oper4rio em outros paises nos quais © capitalismo era menes desenvol vido. Podemcs identificar cinco idéias nucleares na concepeko partidaéria de Marx: 19 A’nocSe bésica de que a emancipacio dos trabalhadores serd obra dos préprios trabalhadores. A revolucSo concebida como auto- emancipacdc das massas proletérias que formariam uma consciéncia revolucionéria a partir de sua prépria experiéncia de luta. Esta concepcSo - que marca a superacdo das nocdes idealistas hegelianas por Marx - significou um rompimento com as concepcées socialistas utépicas, conspirativas ou sectérias que marcam a infancia do moyimente operério. 2 A nocko, exposta no Manifesto Comunista*, de que milhdo ¢ duzentas ¢ oitenta mil assinaturas em uma peticio a -ser enviada & Corte. A primeira Convencdo Nacional Cartista em 1839 foi dissol vida. +0 miovimento voltaria a se organizar com mais impeto. Em 1842, fundou-se a AssociacHo Nacional Cartista, que tinha o perfil de um verdadeiro partido: 40 mil asseciados, distribuidos em 400 nticleos locais, com dirigentes eleitos pelos mombros contribuintes. A segunda peticdo recolheu mais de-3 milhdes de assinaturas. 0 Parlamento rechageu novamente a Carta. Uma nova onda de greves e manifestac3es acabou esbarrando na prepoténcia das classes dominantes inglesas. A partir daf, o movimento cartista viveu um periodo de divisio e crise. Em 1848, seria organizada uma terceina peticao sem, no entanto. alcancar o nivel de mobilizacio do periods anterior. ~ A reforma eleitoral sé veio a ccorrer em 1867, om um sontexto de mudancas controladas pelas classes dominantes. Esta noc&do tem por base a ala esquerda do cartismo inglés. reunida na asscciagdéo des Fraternal Democrats, com a qual Marx ¢ Engels mantinham relacées. Em uma declaracio de julian Harney - um dos dirigentes dos Fraternal Democrats \- esta nocdo aparece exposta com clareza: “Rechacamos a idéia da organizasdo de um determinado partido ao lado dos que j4 existem na Inglaterra, Nido queremos competir com eles, sendc unicamente ajudar a todos aqueles que se organizaram para a realizacio da liberdade comunistas no formam um partido & ‘parte, oposte aos outros partidos oper4rios. “No tém interesses que os separam do proletariado em geral.“ “Nao proclamam princ{pios particulares, segundo os quais pretendam modelar o movimento operario.” “Os comunistas. sé se distinguem dos outros partidos operdrios em dois pontes: 1) nas diversas lutas Racionais dos proletdérios destacam © fazom prevalecer os interesses comuns do proletariado., independentemente da nacionalidads; 2) nas diversas fases por que passa a luta entre proletarios © burgueses, representam sempre o em toda parte os interesses do movimento em seu conjunto. * “Praticamente, os comunistas constituem, pois, a fracho mais resoluta dos partidos operdrics de cada pais, a fracio que impulsiona as demais; teoricamente, tém sobre o resto do proletariado a vantagem de uma compreens&o nitida das condicées, da marcha e dos fins gerais do movimento ptoletaric. “ Esta idéia 6 acompanhada de uma critica forte As concepcdes sect4rias de partido, concebidas coma organizacio & parte ao Movimento real dos trabalhadores: “A internacional foi fundada’ para substituir as seitas socialistas ou semi-socialistas por uma organizacde real da classe com o objetivo de lutar. Os estatutes iniciais e o Manifeste inaugural demonstram isso a um simples exame. Per outro lado, a Internacional nao poderia se firmar se o espirito de seita nia tivesse sido esmagado pela marcha da histéria. © desénvolvimente do sectarismo socialista e © desenvolvimento do movimento cperéric real encontram-se sempre em propercdo inversa. As seitas’ se justificam Chistoricamente> enquanto a classe operéria ainda n&ic esté amadurecida para © movimento histérico independente, Mas quando alcancou esta maturidade, todas as seitas se tornam popular." Em um discurso de outro dirigente da Associacio, Ernest Jones, publicado no jornal Northern Star, de 3 de fevereiro de 1848, a mesma idéia 6 retomada: “Ne momento da criacio da Unigo reinava uma ligeira desconfianca em relacao aos Fraternal Democrats; supunha-se que era uma tentativa de substituir o movimento cartista por um outro, para eriar um partido no partido. Na atualidade sabe-se que todo membro desta Unido deve ser antes de tudo cartista e que ser cartista é uma condicdo para ser admitido na Unido" Ccitado por Michel Lowy, A teoria da revolucio no Jovem Marx, Siglo Veintiuno Editeres). 10 wssenciamente reacionérias. =) A noc&o de independéncia politica des trabalhadores. isto 6, a idéia da necessidade de que eles constituam um partido préprio, diferenciade das formacées politicas das classes dominantes. Ela aparece na mensagem ao Comité Central & Liga dos Comunistas em marco de 1850: “procurar estabelecer ao lado dos democratas oficiais uma organizacdo independente do partido operérioe, ac mesmo tempo legal © secreta, ¢ fazer de cada comunidade © centro © 0 nucleo de sociedades oper4rias, nas quais a atitude © os interesses do proletariado pessam ser discutides independentemente das influéncias burguesas. Marx afirma nesta circular que os operérios alem&es devem ‘adotar co mais cedo possivel uma posicio de partido independente recusando-se a ser dissuadidos,.pelas belas © hipécritas palavras da pequena— burguesia democrdtica, da organizacdo independents de proletariade. Este anscid pela independéncia politica do proletariado seria gravado no Congresso da I4 Internacional através do artigo 7a, om Hata, 1872: “o proletariade no pode atuar como classe se néo se costitue ele prépric um partide politico distinto, Carta a Bolte, de 232-1871 em Marx e Engels, Obras Escogidas. vol. II, p. .448. Ver também a interessantissima carta a Schweitzer, de 13/10/1868: “E tcda seita 6, com efeito, religtosa. Ele CLassalle) negou, precisamente por ser fundador de uma seita, todo nexo natural com o movimento passado e do exterior C...> A seita busca sua razio de ser e seu ponto de honra ndéo naquilo que tem de comum com o movimento da classe, mas Sobretudo no sinal de reconhecimento especial que a distingue deste movimento C...9. Esta atitude da seita de querer considerar que sé ela é pura, que sé ela é © caminho da salvacdo. conduz & conclusio de considerar as demais forcas do movimento operéric como seus bracos seculares Cpor exemplo, os sindicatos> ou como hereges.“ Antes. na Conferéncia de Londres, realizada em setembro de 1871, a resolucdo IX j& se posicionara neste sentido. 44 oposto a todes os antigos partidos fermados pela classe dominante. “ oO 42 Coerentemente com as nocSes anteriores de auto-emancipacke do proletariado, Marx pie a énfase na n essidadede que os partides prolet4rios sejam democr4ticos @ de massa, de forma antagénica &s caracteristicas conspirativas e autoritérias das seitas. No I Congresso da Liga dos Commistas, realizado em 1847, uma das principais mudancas introduzidas em seu funcionamento anterior Cenquante Liga dos Justes? foi a aprovacio de um estatuto “absolutamente democrAtice, compreendendo direcdes eleitas e revogaveis a qualquer momento como que se fechava a porta a todas as veleidades conspirativas, que exigem sempre um regime do ditadura. © a Liga convertia-se assim - pelo menos nos per{odos normais de paz - numa sociedade exclusivamente de propaganda." Polemizando contra a idéia das sociedades secretas.. Marx eriticava o seu cardter autcritério mos seguintes termos: “E necessério realizar a educacio dos operérios, aumentar a sua liberdade ¢ independéncia. Estas sociedades so misticas e autoritaérias. Sdo um perigo para 0 espirito da Associacso. Em cartas dirigidas a Schweitzer, presidente da Uniao Geral dos Trabalhadores Alemaes CADAV>®, negemonizada pelas idéias de Lassalle, critica o “sistema de tutela” aplicado & classe operdria | alemi @ © fato de qué o “oper4rio seja tratade desde a sua inf€ncia com providéncias burocraticas. 7 Engels. Contribuictén a la Atstéria de ta Liga. p. 367. 8 A UniSo Geral dos Trabalhadores Alem&es CADAV) foi valorizada por Marx como uma das primeiras manifestacdes de Andependéncia politica do proletariado alemao. 12 S Ainda de acordo com esta nec&o, fundamental de auto- emancipacso, Marx critica a idéia de que o papel da Internacional seja o de ordenar ou impor um sistema doutrindrio artificial. A Internacional fixa alguns principios gerais do movimento ~ mesmo assim entendidos como interpretacdo do. movimento concreto da classe - e deixa uma autonomia grande as secdes na elaboracio de seu programa: “Est& de acordo com o principio da Associac’o Internacional dos Trabalhadores o de deixar a.cada secao & responsabilidade por seu préprio programa”. E prossegue: “Como o gr4u de desenvolvimento alcancado por diferentes paises varia necessariamente muito, o movimento atual se expressa necessariamente em muitas formas distintas. Engels, em uma carta a seu amigo Sorge'® firma ainda mais elaramente a critica a uma atitude tutelar: 0 primeire grande passo a ser dado em todos os paises” que tenham recentemente entrado em movimento 6 a “constituic&éo dos operdérios em 9 partide . operério independente.'ndo importande como, mas bastando somente que ele seja um partido operério distinto: Que o primeiro programa deste partido seja confuso ¢ dos mais incompletos, isto é um incenveniente inevitdvel mas. no entanto, passageiro. As massas devem ter tempo e opertunidade de se desenvolver e esta oportunidade elas terde no momento em que possuirem um movimento prépric, onde serso impulsionades por seus préprics erros... as pessoas realmente inteligentes exerceréo inictalmente o Papel que antes de 1648 eygrcia a Liga dos Comunistas entre os grupos operérios. * 10 4a Carta de Marx a Engels de 5/3/1809. ae/111ece. A critica rigorosa ao programa aprovado no Congresso de Gotha, em 1875, est4 dirigida mais Bs influéneias das idéias de Lassalle assimiladas no programa do que a preocupaciic de uma delimitacSo estrita do programa. Em carta a Sorge, de 19 de outubro de 1877, afirmava Marx: “Portanto, se nao era possivel... ir mais além do Programa de Eisenach, teria que 13 Analisando as entrevistas e discursos de Lula no pericdo de formac&o de PT, encéntraremos estas cinco idéias nucleares de Marx sobre o partide da classe desenvolvidas em uma abordagem extremamente semelhante. Além de demonstrada, essa semelhanca deve ser qualificada e expiicada. © nosso ponto de vista 6 que esta semelhanca néo é formal mas substanti va. *@ : A consciéncia de Lula expressa nestas entrevistas ¢ discursos 6 particularmente importante por trés razées. Lula fala como vanguarda de um movimento real de uma parcela da classe trabalhadora recém saida de-grandes embates com os patrées © 0 governo. Sua fala neste periods revela a transicio de uma consciéfcia que salta a partir de um movimento grevista de faotivacio econémica @ se politiza de forma concentrada @. 13 acelerada.* Por fim, porque esta consciéncia sindical classista se ternou co veio central da fundacdo do PI: as catacteristicas assumidas pelo PT em sua origem estéo, em grande medida, prefiguradas nestas entrevistas @ discursos.** ser limitado simplesmente a realizar um acerdo para a acéo contra o inimige comum. 12 semelhanca n&o significa identidade. Trata-se de reconhecer uma 4rea_comum de reflexSo, a partir de trajetérias evidentomente distintas. 13 Ao descrever a evolucio do movimento operérie inglés da luta em defesa do saléric para um movimento politico em A Miséria da Filosefia, Marx fala deste processe vivide por uma classe que “na luta” se constitui como classe para si. © salto da consciéneia de Lula, expresso em entrevistas deste periods de formagie do PT, é evidente. 14 A nocdo de que o sindicalismo classista foi o veto central no processo de fundacSo do PT ndo pode obscurecer 0 fato de que ela sé se viabilizou’ pela confluéncia de organizacdes 14 Vamos a demonstrac3o desta semelhanca: 1) “Eu no acho que ninguém nunca mais deve duvidar da eapacidade de luta da classe trabalhadora porque esta Provado que somente os trabalhadores poderdo transformar esta Sociedade de consumo em que vivemos numa sociedade mais justa, numa sociedade em que efetivamente haja distribuicio de renda, numa sociedade em que efetivamephe o trabalhader possa andar de cabeca erguida. " Ou ainda: “Nic, eu no estou fazendo nenhum elogio & classe trabalhadora. Em primeiro lugar, 6 a classe que mais conheco; om segundo lugar, eu tenho a certeza de que sé haverd transformacio da sociedade brasileira se a classe trabailhadora quizer que haja. Dai. como no mundo inteiro, historicamente, a classe trabalhador propulsora das transformacées que existem por al. Este sentimentoe de exaltacko, de confianca, de aposta na eapacidade da classe. trabalhadora 6 o principal traco das declaracées de Lula no perfodo. Ela 6 enfatizada repetida a cada momento como nticleo basico de sus argunentacde. Este sentimento refletia a experiéncia de um dirigente operario que havia dirigids efetivamente um dos movimentos de massas mais fortes de contestacSo & ditadura militar desde 1904. Era, além disso, uma tose profundamente subversiva om relacko & uma subsstimacéo das potencialidades emancipatérias da classe trabalhadcra gue. por Angulos distintos, atravessava tante o idedric do regime militar como da oposicdo. Esta tradic&o elitista marxistas de quadros, intelectuais, parlamentares combativos que no encontravam lugar no MDB e@ seteres cristZes em radicalizacdo. No grande debate que se travou no periodo da fundacdo do PI, estas forcas, exerceram um papel ativo na cenfiguracie das caracteristicas de futuro partido. Entrevista a Renato Tapajés, em Lula, Entrevistas e Diseursos, p. 191., Editora © Repérter de Guarulhos, 1981. 15 16 Entrevista a Xénia Bier. publicada na Revista Especial, n@ 3, abril de 1980. 15 deitava raizes inclusive no solo do pensamento da esquerda brasileira. 17. 2 Outra nocde reiterada por Lula nessa conjuntura é a de que a classe trabalhadora deve caminhar por suas préprias pernas, evitando toda espécie de tutela: “A minha briga é para que a classe trabalhadora nio seja @ massa de manobra nem de politico, nem de governante. nem de empresério. Ela tem de acertar.e gprar pelos seus préprios pés e pela sua prépria cabeca. Esta nocao de autonomia da classe trabalhadora o fez investir eriticamente contra as pretensdes de tutela dos partidos burgueses, da Igreja e at6 dos préprios sindicatos. 17 18 19 19 © estudo seciolégice da classe trabalhadora brasileira 6 marcado por varias correntes de pensamento que buscavam teorizar as razées estruturais da sua incapacidade de constituir uma acc coletiva e auténoma. Um argumento reiterado dos. opositores ao projeto de constituir o PT a partir de um viés classista era o de sua Anviabilidade. Por sua vez, os cAlculos casuisticos do regime militar trabalhavam com a idéia de reconstrucdo de um PTB "sem alma” e nfo previam a possibilidade de emergéncia de um partido elassista, independente. -Entrevista a Xénia Bier, op. cit. “Acho que o mévimento sindical pecou durante um determinado tempo por querer tutelar a classe trabalhadora. E de que forma tutelar? Mostrando a ela toda uma legislacdo que. cerceava os direitos de participacéo dos trabalhadores. Porém © ractocinio € simples: existe uma legislac&o que cerccia o direite da classe trabalhadora e quo ndo foi feita pela classe trabalhadora. Foi feita inclusive pelos nossos patrdes, Se a legislacdo n&o $ justa e o trabalhador entende que ela néo € justa cabe a cle passar por cima desta legislacée para mostrar que 6 injusta.” CEntrevista ao Diario do Grande ABC, 23/7/78). Ou ainda: “Eu respeito muito a Igreja. Uma vez eu declarei a uma revista que a Igreja estava cumprinde um papel de quem estava com remerso. Fla tinha ficado parada durante muito tempo e agora surgiu como a grande salvadora da classe trabalhadora. Quando eu disse isso, eu néo quiz agredir determinadas pessoas da Igreja porque na Igreja existem pessoas realmente dispostas a lutar em beneficio da classe trabaihadora ou, pelo mesnos, trabalhar na arregimentacdo da classe trabalhadora. © que eu acho,'e isso eu ainda preciso . 16 Em um raciocinio reveladoramente semelhante ac de Marx contra as seitas, Lula faz a critica aos grupos de esquerda que querem se Sobrepor ou controlar © movimento real da classe: Estes grupos radicais tém que evoluir politicamente até © ponto de entender que as propostas politicas radicais nico tém vez no meio da classe trabalhadera. Estes companheiros terdo que entender que o trabalhador nic é um instrumento de ack ou de presso, é ajgo muito mais importante. & elemento de transformacao, Mais adiante, retoma e redefine o “radical”: o PT radical na medida em que a classe trabalhadera assume, na realidade. 2 sua primeira propesta politica i... a proposta do PT tende a ser efetivamente mais radical porque é mais real. 3 A necessidade da independéncia politica dos trabalhadores 6 abordada seguidas vezes por Lula nesta época. Estas abordagens se inserem no grande debate travado nas fileiras da oposicio ao regime, que opunha os defensores da tdtica da manutencko da frente opesicionista no interior do MDB acs propositores da criacio de novas identidades partidérias no campo da oposicas. © debate, porém, transbordava’ nitidamente as implicacées (téticas na luta contra o regime militar. © que estava em jogo era a postura de subordinacée ou née dos trabalhadores aos liberais na uta pela democracia © © prépric entendimente do carater desta demecracia pela qual so lutava.* discutir com determinadas pesscas, ¢ que no podem ser \ eriados movimentos paralelos ao movimento sindical, pois isso prejudica a classe trabalhadera.” CPrograma Vex Populi, TV Cultura, SP, maio de 1978, op. ctt.> 20 a Isto &, 20/2/1980, entrevista concedida a Nunzio Briguglio. © debate & reconstituide na tése de doutoramente de Margaret Keck, From movement to politics: the formation of the Workers’ Party in Brasil, pp 252-159, mimeo. Ver também a entrevista de Lula concedida a Tribuna da Imprensa em 12 do fevereiro de 1980, na qual defende a autonomia politica dos : 17 Lula pontua.a critica aos partidos ent3o existentes: “os ‘trabalhadores nio dispéem de um partido politica. 0 pais conta com dois movimentos: um pré-governe, a ARENA, @ um contra, o MDB, que na verdade também ¢ pré-governo. : Nenhum des dois representa os trabalhadores - eles sao obrigados a votar neles porque nao tém opcHo. 0 partido dos trabalhaderes sera construide por eles - nfo sé por operérios mas,,por todos os setores assalariados - a médico' prazo. E define o caréter de classe do PT, respondendo a uma pergunta sobre o que separaria o PT do PTB @ da Tendéncia Popular €do MDB): “o problema é que estes partidos sie de luta muito mais elitista do que de luta mesmo dos trabalhadores. Eu acho que o PT — embora eu no goste de dizer isso porque a imprensa logo comeca a explorar iste, dizende que eu sou obreirista, classista ete - 6 um partido que est4 muito mais préximo de ser um partido de classe do que qualquer outra coisa. Agora tem cutra coisa também: as pessoas que acham que nés somos de classe nao deveriam ficar herrorizados com isto porque os partidos que existem al sic da classe dominante. Portante, 6 correto que o PT tenha esta aproximacio de partido de clagse porque ele surgiu da organizacde dos trabalhadores. “ 4D A idéia de um partido democrético © de massas é difundida com énfase por Lula, também diretamente vinculada & noc&o de auto emancipacdo da classe trabalhadora: “o que 6 mais importante neste partide € que a classe trabalhadora tenha a maggria, seja a coordenadera ¢ a mola-mestra do partido. “* Ou ainda: ~ “Nés do PT quando falamos que o PT tem que ser um partido de massas, aberto, democrético € porque nés partidos na frente de oposico ao regime militar 22 Jornal da Semana, de S3o Bernardo do Campo e Diadema, zerarigzs.. . 23 EM TEMPO. n° 107, de 3-28/6/1980. 24 Revista Cara a Cara, n® 2, julho-dezembro de 1978, p. 65. 18 achamos © seguinte: ou a gente fala a.linguasem do povo ou a gepte jamais conseguiré fazer aiguma’ coisa neste pais. E mais: Primeiro @ preciso entender que a pratica da democracia se diferencia de um grupo para cutro. O pessoal que compde hoje © movimento pela criac’o do PT tém consciéncia que somente a democracia interna do partido pode dar a sustentacio necesséria para que cle efetivamente se afirme como um partide novo ¢...3- Internamente. entSo. o PT pretende que, desde as reunides da Comissio Nacional até as reunides de pesscal de base para dincutir a criagéo de nticleos @ dirctérios. © presesso de decisie se dé através de um debate ample ¢ livre para gue as pessoas escoihidas para determinadas funcSes representem nac o resultado de conchavos, mag, consenso de qualquer reunido realizada dentro de PT." 5) Finalmente, Lula defende um campo de indeterminacdo pragmtica para o PT em sua origem a ser coberto em compasso como préprio processo de consciéncia do movimento dos: trabalhadores: ‘Seria muita petuldncia um dirigente sindical tentar tracar a linha de um partide antes de promover um debate com a classe trabalhadera. N&o acho correto tomar! decisées de ctipula sobre o partidé e depois fazer com que © trabalnader aceite estas decisSes. Mas acredito que, se vocé pegar um grupo de trabalhadores para fazer um programa partidério, haveré 99% de chances de que ele tenha uma tendéncia socialista.“ Respondends a indagacdéo de que esta indefiniglo ideolégica n&o retardaria a prépria luta da classe trabalhadora, Lula responde: “Eu. acho que nie. Evidentemente que tode programa partidario deve ter um cunho ideolégico, Nio pode ser vasilina como o PPS, por exemplo. E so voce pegar o manifesto do PT, vocé val ver que 6 uma proposta 28 Lula sem censura: “... @ ai a pedozada partiu pro pau", edicko © apresentacdo de Altino Dantas, Editora Vozes Ltda. 981. 26 ribuna da Imprensa, 12121980. a7 Isto B, a1vesie7s. 19 praticamente socialista. Per que a gente n&o deve levar Para a classe trabalhadora o prato feito. Vocé tem que permitir que eles mesmos descubram se sio ou no so Socialistas ou comunistas. Vocé tem que dar espaco para que eles discutam e descubram por eles mesmos. E sé dessa maneira os trabalhadores poder&o definir que tipo de sociedade cles desejam. Ninguém tem a férmula pronta, de uma sociedade perfeita para a classe trabalhadora. Eu acho que ela mesmo tem muito mais condicées de propor esse novo tipo de sociedade. Se o PT nig desejasse o poder no teria sequer razéo de existir. Como dissemos, esta semelhanca de opinides tem que ser qualificada. Qual 6 0 seu significado mais profundo? Logicamente nio se trata de atribuir a Lula uma adesio inconsciente ao marxismo.° Nem de atribuir ac marxismo um poder premonitério ou de antevisdo para além do tempo e do espace. Esta coincidéncia de idéias deve ser entendida de fate como uma rea comum de reflexio a partir de movimentos simétricos. Para Marx: a partir da teoria critica sobre a sociedade capitalista encontrar. a ponte com © movimento operéric real. Para Lula: a partir'do movimento real estabelecer uma ponte para a construct de uma aliernativa critica & sociedade. © partide, na cencepeao de Marx, & exatamente o lugar de produgio desta fusio entre o movimente real do proletariado e a teoria critica do capitalismo. Este campo de semelhaneas no pode obscurecer as diferencas entre as concepges de Marx e as idéias defendidas per Luta quando da fundacke do PT. Estas diferencas podem ser situadas em trés niveis: - extamente por ter construide uma critica radical do Tribuna da Imprensa. 12/12/1980. 29° Porém. & verdade que durante a sua militancia sindical e no perfodo dé fundacdo do PT, Lula esteve todo o tempo em contacto com integrantes de correntes que se reclamavam do marxé smo. capitalismo, Marx tem uma vis%o programatica definida no sentido de sua superago enquanto sistema; - & idéia da necessidade da emancipacie dos trabalhadores enquanto processo revolucionério €, por isso mesmo, bem definida em Marx; = Marx parte sempre de uma. visSo internacional da luta de classes. ao contrério de Lula que tem a raiz de sua reflexio profundamente enraizada em um contexte nacional. A Srea comum de reflexdc, per sua vez. era inflexionada para responder a uma situacSo histérica que apresentava uma contradi¢&o semothante: aquela existente entre um preletariado com grande peso social - inclusive com experiéncia de fermagsco de um movimento contra a ordem burguesa - e'a auséncia de sua representacdo no sistema politico vicente. A centralidade desta contradicde explica ©. fundamental do nascimento do PT ¢ taribém a formacko do movimento cartista inglés. que, como vimos, foi a principal fonte inspiradora de Marx em seus escrites sobre o partido. °° 30 9 calde de cultura'do surgimento do PT foi _o grandioso ciclo grevista que se extende de i978 a 1980. G componente classista do PT, este protagonismo dos trabalhadores no plano da politica no poderia ser explicado sem este desdobramento. social, 0 ciclo grevista de 1978/80 nfo foi grandiose apenas por envolver milhées. Ele ultrapassou 6 cenério ainda congelado per muites anos de ditadura em trés aspectos: as leis anti-greve © anti-arrocho Campliam os — espacos democraticos, instauram a legitimidade por cima da legalidade?; a estrutura sindical, esvaziada de qualquer sentido mobilizador apés 1964 Cas greves revelaram novas vanguardas. rompendo por dentro e por fora o imobilisne sindieal); as préprias estruturas partidérias tradicionais ‘das forcas de esquerda Ca auséncia de correspondéncia entre o poderoso fluxo social revelado pelas greves e a sua insuficiente e escassa representacdc politica pode ser jentendida como © enigma ndo.resolvido naquela conjuntura?. Ora, como ciclo grevista o que estava no fundo veio & tona. Eo que emergiu fol o nove roste da sociedade brasileira, a sua nova configuracdo sociolégica resultante de um vigeroso processo de desenvolvimento capitalista, cuja aL Houve, inclusive, em 1803 4 fundacdo do Independent Labour Party CILP) que guarda semelhancas fortes com o nascimento do PT. Ele foi formado, em grande medida. pelas liderancas do chamado “novo sindicalismo™, combativo e classista que havia se desenvolvide nes anos 1880-1890. Grupos ,de socialistas, muitas vezes agrupados em torno de pequencs jornais independentes, setores cristScs radicalizados participaram também da fundacio de ILP. Alguns delegados propunham que o novo partido se chamasse octalist Labour Party" mas a mator parte dos delegades optou pelo nome de Independent Labour Party para marcar o cardter de classe do partido atrair os sindicalistas que ainda desconhecian © socialismo. A experiéncia do ILP, saudada por Engels, ganhou por um certo pericdo uma audiéncia importante na classe oper4ria inglesa, filiando rapidmamente cerca de 20.000 membros. © insucesso nas eléicées de 1895 © principalmente a presse pela volta da alanca de trabalhistas @ Liberais acabaram minando, no entante, © espace para a consolidacdo do ILP. O seu insucesso abriria o campo para a formac&d do partido trabalhista, j& encerrade desde © inicio nos gemonte havia sido plantada na década de cinquenta mas que havia se tornado realidade a partir de 1968. Esta nova configuracio sociclégica ¢ esta nova geopolftica do movimento sindical contrastavam fortemente com © arcaismo do sistema politico-partiddério, excludente © conser vador Discutia-se, quando do nascimento do PT, a viabilidade de uma proposta classista. Sdo Bernardo, dizia-se, seria a “montanha", um tipo ndo representative da sociedade brasileira, configurada como uma extonsa © canformada planicie. Nic era assim: a generalizacdo das relacdes Capitalistas, a universalizacdo do assalariamento, a penetracdo do capitalismo no campo, a comunicasko do: mercados regionais, a eclosio das novas “camadas médias’ faziam parte do sistema do qual Sto Bernardo era © vértice. hori zontes da ideologia dominante. © movimento operéric inglés viria, porém, a constituir um grande @ duradouro partide prépric muito tardiamente Capenas em 1906, com a fundacdo do Labour Party), E mesmo a formacko deste partido ndo dow lugar a uma politica ingependente do movimento operéric jA que suas Liderungas seguiam no fundaméntal as posicSes do Partido Liberal. Este desenvolvimento politico muite diverse de experimentade pelo PT - e que significou efetivamente a derrota das expectativas de Marx © Engels - tema sua explicacSo fundamental na capacidade do capitalismo inglés de, através de uma polftica combinada de repressio, concessSes econémicas © cooptacic politica, se impor como horizonte ideolégico para os trabalhaderes ingleses. 2? J& 0 movimento pela criac3o do PT tinha pela frente um regime politico em crise, confrontade a operar um rearranjo partidario que abria inovitaéveis corredores para as classes dominadas. Ac invés| de um longo e forte periodo expansive, o capitalisme brasileiro ja vivia no final dos ancs 70 uma diminuigzo do seu @inamisho que se manifostaria de forma incentestavel na década de 80. E, principalmente. a incapacidade dos scteres liberais, abrigades no MDB, de se constituirem como referéncia para os 31 sobre o Independent Labour Party ver o artigo de Michel Luwy, “Como se constitut un partido de trabalhadores! a histéria do Independent Labour Party da Inglaterra C1935" (mimeo) e a obra deG. D. H. Cole, Htstéria del Pensamiento Socialista. val. 3. se fm uma carta a Kautsky em & de novembro de 1884, Engels reconheceria que “o desenvolvimento ‘capitalista burgués mostrou ser mais podereso que a press&o revoluctond4ria oposta. * 23 setores mais. ativos do movimento operdrio. 9 Enfim, a luta pela constituicdo de um partido independente e classista dos trabalhadores no Brasil teve pela frente classes dominantes muito. menos fortes do que o movimento cartista inglés, © qual tinha diante de si a primeira poténcia imperialista do planeta. Voltamos ao ponto de partida. A concepcio de partide em Marx - entendida como um desenvolvimento possivel do movimento independente da classe - nos protege da tentackc de modelos ou analogias simplificadoras. ‘ Trata-se de, através deste ostudo comparative do PT com as diversas’ tradicées © experiéncias do movimento operério. ir encontrands as suas coftradicBes préprias, a sua cultura especifica enquanto movimento real pela independéncia de classe dos trabalhadores. 38 A estrutura partidaria do MDB, construida om estreita relacdo com a institucionalidade, hierarquizada pelos dones de mandates, eStava profundamente despreparada para abrigar os noves movimentos sociais surgidos na segunda década de setenta. A tese de Maria Dalva Kinzo ~ Oposicio legal sob © regime autaritario: 0 caso do MDB C1968-1970) mostra isso com clareza: a pequenez 9 a marginalidade do departamente trabalhista do MDB era a expressio| maior do viés Parlamentarista ©, em Gltima andlise, burgués do partido. a4 >

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