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especial facgées. CAPA 1 im seas Km xX DOS |e buBaRANsro IME EM. se Bf aN NO BRASIL. Cty UTI aA Mes g ake TCT eed Cee ea Cece) De ees Cee te i ae et eguerritha armada | empresabilionéria | no Pais Cece Cee cu) especial facodes. GARTA DO EDITOR E SUMARIO AODA-UIVA DA BARBARIE > 1210 do que mui- tos imaginam, o mundo das prises estd longe de ser uma realidade assim tio paralela. Vocé certamente conhece alguém que jé recebeu um ‘elefonema em que o interlo- ‘eutor aplica o golpe do filho se- questrado. Praticado dedentro as cadeias — onde nao deveria aver celular -,esse pequeno delito expdea face mais suave, quase hidica, de um universo e atividades criminosas que ‘omega e termina no trifico de drogas. No meio desse ca- minho, entram em cena rou- bos, extorses, homicidios e chacinas. Tudo gira em tor- no de uma disputa de poder que coloca em lados opostos ‘grupos que se organizam nas entranhas do sistema prisio- ral com uma tinicafinalidade: ‘controlar o crime nos quatro cantos do pais. Fok-seo tempodo bandido «queatuava como lobo solitério ‘oudas quadrilhas independen- ‘es. A criminalidade se profis- sionalizou. E quem ainda nao ‘se adaptou aos novos tempos logo € obrigado a rever seus conceitos. Na imensa maioria dos presidios, quem dita as regras de convivéncia entre 0s detentos sio as faccdes — ido o poder piiblico, como era dese esperar. Tal como aconte- ‘ce na esfera corporativa, com ‘empresas de pequeno, médio ce grande port, as facgdes tam- ‘bém tém suas particularidades. Algumas se equivalem a mul- tinacionais, como o PCC, a maior e mais poderosa do Brasil, além dos pioneiros do CV. Outras entrariam mum ranking deemergentes, ‘como aFDN, que ddas cartas naconflagrada regio amaz6- nica ¢ em janeiro comandou ‘massacres dentro do sistema carcerdrio manauara. No outro extremo do pais, © Presidio Central de Porto Alegre agrupa pelo menos ‘mela cuizia de facgdesde porte equeno. Mas isso nao quer dizer que sejam menos arti- culadas ou violentas. A equipe de reportagem que produziu este dossié visitou o Central econheceu, in loco, uma das maiores unidades prisionais da América Latina onde 4,6 mil homens cumprem pena ‘ou aguardam julgamento. Na ‘manha em que ficamos sob a ‘tela da Policia Militar, vimos pelas cameras que monitoram ‘o entorno cinco tentativas de arremesso de celular para 0 patio. Por mais que a policia apreendaa maioria dos apare- Thos, alguns acabam caindo nas mios dos detentos. E écom les que as criminosos retroa- limentam o crime, estendendo para as ruas uma guerra que, apesar de particular, nfo poupa ‘quem atravessa seu caminho, Ricardo Lacerda Editor SUMARIO. rec) a Ta Creed Creston! peered eee testo capa isoLooes es ce Prvree eesti eed ees ers Ua NE ri TT u DEPRESO CAPITAL CLL Lo CE td Borer e rs Cee erent Cena ees CEL Co eRe en ret) Coe Cee Cea Cnet ees Ceca rer COPS @ as primeias-pamas UN ra Tar aaa Rene ae Cee Pee ee eerent ent Peco ee Ore cs eects Pet eens it eee eee see one y Soe tet) Pee ea ety Peace cect) Pec eee eer COCR tecc ta any FABRICA DE FACGOES SE VOCE ACHA QUE O SISTEMA pri- sional brasileiro corre risco de entrar «em colapso,talvez sea hora de atualizar ‘sua definigio de colapso. Hoje, 0 pais amontoa 622.2 mil presidiérios num es- aco onde deveriam caber 371 mil. Na ‘média,cada preso tem apenas m* para vviver,o que equivalea menosda metade da drea ocupada por uma pessoa com (0s bragos abertos (25 m?). Em muitas ‘elas, os detentos se revezam para dor- rir — enquanto alguns deitam, outros aguardam junto as paredes, de pé E por {sso que, em diversas penitenciérias, os corredores se convertem em dormitérios eas celas ficam abertas o tempo inteiro. ‘So quea superiotacio nao é novidade. Em 2000, 2327 mil detentos se acoto- vvelavam num espaco que deveria ser de 131957 mil. Nos dez anos seguintes, foram abertas quase 50 mil novas vagas. Mas ‘do adiantou nada, porque nesse mesmo periodo a populagéo carceréria ganhou mais 2635 mil integrantes. Na média, ‘omimero cresce 7% ao ano, colocan- do o Brasil na contramao de algumas das maiores poténcias econdmicas do mundo. Nos Estados Unidos, detentor do maior mimero absoluto de presos do planeta, houve uma reducio de 8% rma quantidade de detentos entre 2008 2013. Na China, a queda foi de 9% e rma Russia, chegou a 249%. Jé no Brasil, entre 2008 e207, houve crescimento de 33%. Em 2014, itimo ano com dados do Levantamento Nacional de Informagbes Penitenciérias do Ministério da Justica, © Infopen, a quantidade de brasileiros atrds das grades passava de 622 mil - sendo que 40% deles ainda nao haviam sido julgados. (Os indicadores brasileiros, segundo especialistas, sio reflexo direto da Lei Fs rae Fo ata das Drogas, editada em 2006. Ela per- tite que a policia enquadre usuarios ‘como traficantes. Foi assim que o trafico de entorpecentes se tornouo principal motivo de prisio no Brasil, com 27% dos casos. Nesse mundo paralelo, duas em cada trés pessoas presas sio negras, ‘mais da metade (56%) tém até 29 anos ea maioria (53%) sequer conctuiu 0 ensino fundamental. A massa carcerd- riaé negra, joveme com pouco estudo — logo, com poucas oportunidades de se reinserir no mercado de trabalho. E isso explica, em parte, porque 25% dos detentos voltam a cadeia depois de serem soltos. ( sistema prisional acaba retroali- ‘mentando os batalhées que hutam numa guerra cada vez mais brasileira: a das facgBes criminosas. “As facgdes sio um. resultado dbvio da expansao maciga do aparato prisional, conjugada coma cres- cente degradacio e violacao de direitos nesses ambientes’,explica Paulo Cesar Malvezzi Filho, assessor juridico da Pas- toral Carcerdria, iniciativa da CNBB «que evangeliza apenados e defende os direitos humanos. Efécil entender por queas benesses oferecidas pelos grupos criminosos seduzem tanto os presos recém-chegados: hd ajuda para bancar advogados, doacio de cestas bisicas e agamento de viagens a familiares que ‘moram longe, por exemplo. Dessa realidade, emergem grupos que afetam a sociedade de um modo geral. Foi no sistema carcerério que 0 Primeiro Comando da Capital (PCC) nasceu para se tornar a maior faccio do Brasil. Foi ld que o Comando Ver- metho (CV) ressurgiu e fortaleceu sua rede nacional de parcerias. Hoje, é atrés das grades que se organizam dezenas de novos grupos locais, tais como a Familia do Norte (FDN) e 0 Sindicato do Cri- me (SDC) - cujo poder de articulacioe instinto de crueldade impressionam até gente experimentada no tema. HORROR ANUNCTAQD Em janeiro, as mortes de119 detentos no Amazonas, em Roraimaeno Rio Grande do Norte escancararam a pior face de ‘uma luta que vinha sendo travadahavia ‘meses. No maior massacre, em Manaus, integrantes da FDN invadiram o“segu- 10° do Complexo Penitenciério Anisio Jobim (Compa) eassassinaram quase 60 ‘homens, a maioria vinculada ao PCC. A ‘matanga foi egistrada em videos, comos. algozes rindo diante de érgiose corpos decapitados. Conhecida por controlar o tréfico de drogas na regio Amazinica ‘rincipal ponto de entrada da cocaina vinda de Colémbia, Bolivia e Peru -,a FDN tentaconter osavangos do PCC nas cadeias e ruas da regio. Em outubro, as, dduas facgSesé haviam se enfrentado em. rebelides que deixaram dez mortos em ‘Boa Vista (RR), ito em Porto Velho (RO) «quatro feridos em Rio Branco (AC).Os ‘trésmotins aterrorizaram o Brasil. Mas eram apenas 0 preliidio do que viria a acontecer no Compaj. ‘De um ano para cd, outros grupos de oposigéo ao PCC também ganha- ram destaque. No Rio Grande do Norte, dissidentes da facgao paulista criaram © Sindicato do Crime (SDC), que j4 comanda 28 das 32 prisdes do estado. Além de promover rebelides, como a de Alcacuz, que deixou 26 mortos, 0 SDC orquestrou, em julho de 2036, uma sériedeataques em 38 cidades. Motivo: repudiar a instalacio de bloqueadores Leacgous 7 FABRICA DE FACGOES de celular nas cadeias estaduais. Nes- seenrosco, diversas gangues ganharam apoio do CV depois quea faccio carioca €0 PCC romperam um acordo de paz que durava mais de duas décadas. ‘Unicafacgao presente em todos as es- tados do pais, o PCC conta com mais de 22,6 mil integrantes, um quadro digno de corporacées multinacionais. O Mi- riistério Piiblico de Sao Paulo (MP-SP) estima que o faturamento do grupo foi de R$ 272 milhées. Isso sé em 2016. A receita vem essencialmente do tréfico de drogas. Para erguer esse império, os bandidos adotam um modelo empresarial para se organizar financeira e adminis- ‘rativamente,além de titica de guerritha —e muita violéncia — para conquistar novos mercados. A fim de fortalecer seu exército, 0 PCC estaria facilitando a entrada de novos membros, especialmente fora de Sao Paulo, onde ja é hegeménico. Deixou de ser obrigatério, por exemplo, que o“padrinho" se responsabilize pela conduta do “afilhado". “Se esse'salve for levado a0 pé da letra, o PCC vai ter mais de 30 mil integrantes num curto espago de tempo’, avalia Lincoln Gakiya, pro- motor do MP-SP que investigao PCC. resultado é quea guerra entre fac- Ses extrapolou os muros dos presidios. No Rio de Janeiro, cerca de 60% dos snottos sfo dominadoa pelo CV, segun- doa policia. Os outros 40% estariam divididos entre os Amigos dos Amigos (ADA), Terceiro Comando Puro (TCP) emilicias de menor envergadura. Um exemplo é a Rocinha, controlada pela ADA desde 2004. Depois do rompi- ‘mento com o CV, 0 PCC se transformou ‘num poderoso aliado, auxiliando o ADA rma tomada de decisdes e na formulagao Fos la Sein Agta OU de estratégias para expandir o tréfico em territdrio carioca De acordo coma sociéloga Camila ‘Nunes Dias, estudiosa do sistema pri- sional e professora da UFABC, o PCC ‘passa, hoje, por um momento delicado: ‘a0 mesmo tempo em que se tornou a maior organizacio criminosa do Bra- sil,ela é também a mais combatida. “O PCCesténuma situagéo mais fragilizada ‘em fungao das disputas regionais, oque demanda muito esforgo. Por um lado, a faogdo precisa de mais dinheiro, mas Por outro tem que manter os apoios, sob orisco de gerar dissidéncias’ avaia. MOTO-CONTINUD Deacordo com alei,os governostém a obrigacao de proteger da violéncia e de abusos qualquer pessoa que este- jasob sua custédia, Mesmo assim, os pesos tém trés vezes mais chances de serem mortos do que a populagio em geral,28 vezes mais chancesde contrair tuberculose e dez vezes mais possibil dades de infec¢o por HIV. Com mais detentos do que médicos no pais - sio ‘400 mil doutores e 622 mil presos 0s presidios so uma fonte interminavel de homens e de dinheiro para as facgdes. Por sinal, as cadeias deixaram de ser ‘um empecilho ese tornaram uma peca fundamental na engrenagem do crime. ‘Quanto mais gente ¢ presa, menor é 0 controle do Estado maior é0 poder de fogo dos grupos criminosos organizados. ‘O trdfico de drogas (em especial de ccocaina) enche o caixa das facgdes,e uma parte dos hucros¢é reinvestida nas opera- {gGes: financia exportagGes, permite abrir franquiase fortalece a presencaem mer- cados do atacado e do varejo, Para manter a méquina a pleno, é preciso artilharia pesada. Ai entram em cenaas armas de 1uso restrito, com fuzis, submetralhado- ras, escopetas, morteiros e explosivos. Muitas vezes, elas sao alugadas para as- saltos, paraa tomada de bocas ouparaa Proteco contra grupos rivais. Embora o CV tenha sido pioneiro, a forga do PCC ainda no encontrapparalelo ro Brasil. Desde que foicriado,em 1993, Partido do Crime segue um rigoroso estatuto,atualizado com 38 artigos que regram a conduta de seus membros. Itens como a “huta contra a opressio do sistema prisional”e valores relacionados A lealdade seduzem novos integrantes. ‘Assim como um sindicato ou um chibe fechado, o PCC cobra de seus membros nao s6 fidelidade, mas também uma mensalidade. Em troca, oferece prote- ‘40, status e possibilidade de subir na carreira do crime. A sistematica é tio bem-sucedida que outras faccdes se inspiram no modelo. Privatizado pelas, facgBes,o sistema prisional entrounum, ‘moto-perpétuo. Quanto mais gente atrds, das grades, mais os grupos criminosos se expandem. ‘Sio Paulo é exemplo desse meca- nismo: 0 POC controla 90% dos presi- dios — isso mim estado que concentra ais de um tergo da populagio carce- réria nacional. Nem toda essa massa é de membros ativos. Mas basta haver a presenca da sigla para que seus obdigos de convivéncia sejam impostos.“Quando ‘o réuentra,ele ganha o papel higiénico de um ‘faxina'e entende que isso vem. do ‘comando.. Ninguém vai forgé-loa cometer um atentado, mas ele fica com ‘uma divida moral, no minimo, e segue a disciplina’, explica o defensor piblico Bruno Shimizu, doutor em Criminologia pela USP. Foi em Sao Paulo que o PCC promo- vveu a maior demonstracao de forca ja feita pelo crime organizado no Brasil. Os atentados de maio de 2006 para- ram a cidade por quatro dias. Mais de 50 policiais morreram e outra centena de bandidos perdeu a vida Ao mesmo ‘tempo, 74 presidios acataram as ordens do comandoe entraram em rebeliao.O _governo foi obrigadoa sentare negociar Goma os criminosos. Eimpossivel adm! nistrar osistema penitenclério brasileiro ‘sem oapoio das organizagées informais, de presos’, acrescenta Shimizu. ‘Sob a tutela do estado, o crime se radicalizou, Foram-se os tempos do bandido malandro, cantado na mitsica ¢ retratado com certa dignidade pela literatura. Entraram em cena os funks saudando carnificinas e exaltando mas- ssacres. Espremidas atras das grades, as facgdes aproveitam cada brechaaberta pelo poder piiblico. Nascem, crescem € ‘se multiplicam a medida que mais de- tentos sio colocados para dentro das cadeias. E, como se pode ver nas pégi- nas a seguir, usam esse exército para ganhar espaco ndo apenas nas prisdes, mas principalmente fora delas. © ‘super | Facgous 9 eee a oe man eel al AoE ea PU! PMtteter usec ore atRe eae arrears) eon M ce eter ties acs) politicos da ditadura militar; de outro, a sede de poder de alguns dos mais temidos assaltantes de banco do pais. pare onrria Pe eae Prvree eesti ta it ele Te a NT [raccous chegou contrariado a sala dda administragao do presidio, Nodiaan- terior,o assaltante de bancos condenado adécadas de encarceramento na temida penitencidria de Ilha Grande, no Rio de Janeiro, foi flagrado lendo Vietnd - guer- rilha vistapor dentro, do correspondente de guerra inglés Wilfred Bulcher. Nao que ler fosse proibido, Maso experiente ccapito Nelson Salmon, diretor do Insti- ‘tuto Penal Céndido Mendes, notou que havia um climaestranho no a. O livro encontrado com o preso, filho de um sindicalista italiano e de uma sobrevivente de Auschwitz, nar- ra resisténcia vietnamita ao exército norte-americano. Eexplica como agiao Exército Popular de Libertacao Nacio- nal. Os detalhes so minuciosos - Bul- cher descreve desde férrmulas para pro- duzir pélvora caseira até os complexos sistemas de tineis de fuga. Os trechos sublinhados por Szabo formavam um ‘manual de procedimentos de comba- te. O diretor, que temia uma rebelid chamou o detento para um papo-reto. Szabo estava preocupado: encontros ‘comaadministracao sempre sio vistos ‘com desconfianca pela massa carveriria que nao hesita em condenar a morte suspeitos de traicéo. O preso foi logo explicando: “Capito, o negécioé 0 se- guinte:a gente t4 lendo uns livros assim ra poder se prevenir contra o pessoal do fundio’, teria dito, conforme relato do jornalista Carlos Amorim no livro CV-PCC: a irmandade do crime. (O “pessoal do fundao' eram os presos enquadrados na Lei de Seguranca Na- ional, todos reunidos na galeria B do residio. Ali, misturavam-senio s6as- saltantes de bancos, mas também presos politicos. Entre 1969 e 1975, passaram por Ilha Grande mais de 60 prisionei- ros de grupos como a Alianga Liber- tadora Nacional (ALN), o Movimento Revoluciondrio 8 de Outubro (MR-8) ea Vanguarda Armada Revoluciondria Palmares (VAR-Palmares). Em 1979, j4 ndo havia mais presos politicos em Iiha Grande. Mas seu lega- do titico e ideolégico permanecia vivo entre os residentes. “Eles aprenderam com 0s politicos um tal de socialismo entifico eum tal de materialismo his- ‘6rico. E agora querem formar grupos que eles chamam de cétula oucoletive’, revelou Szabo ao diretor do presidio. ‘Ao colocar lado a lado militantes e assaltantes,a ditadura militar plantara ‘uma semente perigosa. Seu fruto, que seria batizado de Falange Vermelha e, depois, de Comando Vermetho - em referéncia as ideologias de esquerda -, ro demoraria muito para germinar. LHA DO MEL Detioruim que era o presidio Candido Mendes ganhouo apelido de Caldeiréo do Diabo". Era a instituico com me- ros recursos entre as penitencidrias cariocas, Faltava comida, colehdes € cobertores. “Papel higiénico era coisa de que nunca se ouvia falar’, escreve ‘Amorim. Construida para abrigar 540 resos,a cadela sempre operou acima da sua capacidade. Em'1979, contabilizava 4.28% homens encarcerados. A’ época, o controle do local era Fost Scrta/AFP eer disputado por diferentes grupos: a Falange Jacaré (ou Zona Norte), que abrigava presos violentos vindos das favelas e bairros pobres de Del Castilho, Bonsucessoe Jacaré, na Zona Norte do Rio;a Falange Zona Sul, que comandava maior parte da galeria C; ea Falange da Coreia, dona de um pedago da mesma galeria, conhecida por roubar eestuprar outros presos. Outra falange reunia os presos “independentes’, como Szabo, mas se ‘mantinha aliada & Falange Jacaré, que era quem ditava as regras do presidio. No “fundao’, sob o comando daqueles criminosos que haviam convivido com ppresos politicos,organizava-se outra fa- lange, entdo conhecida como LSN. Era atinicaa se opor abertamente a gangue dominante. “Os presos formavam uma ‘massa amorfa,dividida. Matava-se com. frequéncia, por rivalidades internas,por diferengas trazidas da rua ou por enco- ‘menda da propria poticia’, conta William da Silva Lima no livro 400 Contra x ~ Uma Histéria do Crime Organizado, que em 2010 foi transformado em filme ppelas méos do cineasta Caco Souza William é um dos mais oélebres cri- ‘minosos da histéria do Brasil. Assal- tante de bancos conhecido como “Pro- fessor’ ele se uniu a outros internos para dar um fim aos desmandos da Falange Jacaré— A qual fontesatribuem “Bacndinha’ fi os caer aorigem de uma das mais temidas fac- ‘Ges cariocas, 0 Terceiro Comando, hoje extinto. Junto com Professor estavam. Rogério Lemgruber,o “Bagulhao’, José Carlos Gregério, "Gordo" José Carlos dos Reis Encina, o“Escadinha’,e Paulo Roberto de Moura Lima, “Meio-Qui- lo". A configuracao inical da Falange ‘Vermelha estava definida. ‘Na madrugada de 17 de setembro de 1979, 0 grupo amontoou méveis e colchdes na porta da galeria “C"—onde estava a falange rival - e the deuum. ultimate: quem nao se rendesse seria morto. Dois lideres resistiram eforam assassinados, Outros quatro tentaram, rompero cercoe foram trucidados por ais de 30 presos. Alguns consegui- ram fugit, abrindo um buraco na parede da cela. O banho de sangue s6 termi- nou com a intervengao dos guardas e da Policia Militar — que nao haviam feito nadaatéentio. Naquela que ficou conhecidacomo aNoite de Séo Bartolo- ‘meu—em umaalusio irbnica ao massa- credos protestantes pelos catdlicosem 13572,em Paris - 21 presos foram mort. A Falange Vermelha, entio conhecida Tracgdes 13 114 suman | Facgbes ‘como LSN, passoua controlar o presidio. Em 1994, 0 prédio seria demotido a golpes de marreta numa manha chuvosa de domingo. A decisio do governo de Leonel Brizola fora tomada sem aviso prévio e longe dos holofotes da midia. Aquela altura, no entanto,omal jé havia sido criado- eescapado para bem longe dos muros e das aguas de Iha Grande. ALINHA DOS OVOS OE DURG Asimagens ciculavam em rede nacional. Abordo dos helicépteros, as cameras de ‘TV davam um 200m inédito na face mais violenta dos morros cariocas. Moradores da favela Santa Marta viviamem meio a ‘uma guerra entre facgbesrivais. A poli tentando controlara situagao, atirava de baixo. Trafcantes gravavam entrevistas. Em uma participagio emblematica na TV, 0 traficante Boca Mole anunciava: +0 Zaca, ex-policia que quer dar uma de ‘bandido, nao vai tomar a boca nao’. (O Santa Marta foi cendriodas primeiras sggandes guerras do trfico no Rio de janei- 10.0 local havia sido tomado pelo ex-PM Zacarias Gongalves RosaNeto. Conhecido ‘como “Zaca’, foi um dos fundadores do ‘Terceiro Comando, Emilson dos Santos Fumero, 0 “Cabeludo’, que dominava a parte baixa da favela, queria retomar 0 controle. Aquela titima semana de agosto de 1987 foi de tiroteios intensos. A disputa mostrou que a policia no estava preparada para controlar os ban- didos. As trocas de tiros aconteciam a poucos metros do maior grupamento po- licial daZona Sul do Rio, 02° Batalhao da PM. A batalha se estendeu nos fundos do Palécio da Cidade, sede da prefeitura, e 6 terminou quando os rivais aceitaram a ‘régua. Nenhum dos traficantes foi preso. ‘Uma semana depois, um enterromo- bilizava outra favela do Rio. o Jacarezi- iho. O morto era “Meio-Quilo’, um dos ppioneiros da Falange Vermelha em Itha Grande. A policia nao ousou se aproximar do funeral que a comunidade do morro prestou ao traficante. “Ei, ei, ei, mataram nosso rei’, cantavam os moradores, num, clima que mais se assemelhava ao enterro de um heréi nacional do que do traficante {que controlava o principal ponto de venda de cocaina do Rio. Entenderadinamicados morros um aspecto fundamental para se compreen- der as facgdes cariocas —e suas diferencas em relagao a grupos de outros lugares. ie} crime oranizade mo Rios no quese refere as facgdes,é muito focado no as- pecto geogrficc’, explica o procurador des. PARTE rere eee rT) FUNDAGAO 1978 MEMBROS 21 931 Entende como stua © primeira grande fac¢éo do Greezi. "i funcionam coma Acstruturade f= SEER. ‘ecenmnene cememmagee Acme amemees de Justica Marcio Sérgio Christino, espe- (estima que 21 mil linear, Em ver de ‘temum dscurso catacmiiwavesnbeocrne cr imeem mga ioe certo Biizala OCV eimai favenete webiees: socom ner ‘nos morros, que dioa eles certa proteqao. unidades prisio- de “conselho™. ‘Camila Nunes Dias. # uma vantagem na atuacdo eximingsa, mabe clad wio Meso ssincat ‘no ent mento com a policia e até no destoadas2 guns ders Se is en or no nfetament com ao = wrtimerss uel a Falngs fe cae Mates, Vermelha comesaria a ser chamada de Shove fescvais Comando Vermelho. Ea sigla CV logo No‘ ocontoie Imantidos sob vig ‘se espalharia por favelas e cadeias. Onde. oe Ooo a docebes da Folaeaaaiarn sear facia mann uma cao aeigoes Races eels a vizinhanga, fornecendo auxilio ee em esos re ees financeiro, medicamentos eprotecdoem doQunotecet Senominada coke ccowacabres, troca de siléncio. Nas comunidades ini- ro Comando Puro giado’, “comissio” o.que permite o ‘migas, no entanto, o remédio era s6 um: (TOP) e0 Aries fu censeher 05 controle do trfico amorte.Os morros viraram um produto. ‘dos Amigos (ADA). integrantes do, ae ‘sistema valioso, com 0 CV disposto a usar todas seem bien Pres ee ee rantie aa Em outubro de 1987, a populacdo bra- corganizago. sileira descobririaisso da pior maneira, ‘As autoridades ca (Asarmas costu- guano Zac Cabello wavaram ua memes 6 yam, ieee nova guerra, Dessa vez, foram 14 dias oma faze com fosacoriorfim- artes de das de conflito. O ex-policial acabou preso. aqua se identifi ‘dos com as fac- ‘quadrithas. Ost Cabeludo morreu um ano depois, com ‘cam Enquanto 3 (bes deoutros es- dderes lo Lucano bead mores um ao depos com cee, eta eesti carro, Sem dono, a Santa Marta acaba- CVetdlocta —_Famiado rte ovPeri es. tla nas maos do CV, transformando-se gmoney a goweoPmere nee Goal numa espécie de panteio da mitologia ‘meses, 0 Geena | Teapeande do crime no Brasil. ‘por exempllo. as diangas ‘Anmas”, 5 nen rus ttn cr mpm tA eda racges 15 PARTE MARCINHO VP QDONO 00 MORRO DONA MARTA Ele conviveu com figurde entrar na fav sobrevoao morro Dona ‘Marta até pousar num terreno usado como quacira de futebol. Dee sai uma figura pélida, de culos escuros, jeans rasgados e chapéu preto cobrindo a cabeleira desgrenhada, Avanga a 1passos lentos, em meio a tum cordio de isolamento formado por duas dezenas de segurangas. Ninguém imaginaria ver Michael Jackson pisando no cho ‘pedregoso do Dona Marta. ‘Mas I estava ee, agora, ‘emum preniincio de que a paz reinaria no morro. ‘Naquele dia, nenthum tiro seria disparado eos inicos gritos foram os dos fis. No dia seguinte,2 de fevereiro de 1996, 0 Jornal do Brasil estampou na capa: “Traficante coprodu- iu o clipe’. Para gravar They dont cae about us,0 cineasta norte-americano Spike Lee teria negociado autointitulado chefe do ‘fico local, Marcio Amaro de Oliveira, “Marcinho VP". O acordo {foi fundamental para garantie aseguranga da producio. 36 suri Traccous autorizou Michael Jackson = foi inortelizado em Livro Naquela mesma ediclo, co destaque para uma frase polémica de VP: “Meu tinico vicio é matar’ Segundo o préprio ‘raficante contou a revista Trip,em 2001, citardo estava distorcida. ‘No meio da entrevista, perguntaram: vocé tem algum vicio,cheira? Respond: ‘Nao, meu tinico vicio é mato”, lembra. ‘Mato, nalinguagem do ‘morro, é maconha. “Pronto, No dia seguinte, estava lé, na primeira pagina, com meu nome e sobrenome:"Meu vicioé matar. Foi ai que o meu ‘mito comegou.”Prioridade entre as autoridades de seguranga do Rio, acabou presouma semana depois, comuma trouxinha de ‘maconha. ‘Marcinho nio chegava ser um criminoso usual. Leitor de autores como ‘Sécrates e Darcy Ribeiro, aproximou-se de persona- lidades como o jornalista ‘Caco Barcellos e Joao Moreira Salles, um dos herdeitos do Unibanco, Era frequentador da praia do Leme e surfista, mas abandonou as ondas para assumiro téfico da favela ‘Santa Marta. VP - “viado puto’, apelido que teria ganhado por ser fominha zo futebol - havia pegado 42 anos de priséo em duas condenagées distintas. Na primeira, foram 25 anos por trafico de drogas efor- ‘aco de quadrilha. Depois, mais 37 por tréfico ¢ tentativa de suborno - ele teria oferecido R$ 5 mil aos, policiais. Marcio foi detido nna sede da Policia Interes- ‘adual Polinter),na zona. portudria do Rio. Ali, comheceu Caco Barcellos, aque escreveria sua trajeté- ria como Juliano de Abusado — O Dono do Morro Dona Marta. Fugiu oito ‘meses depois, em outubro de 1996, Depois disso, alternou ‘sua rotina entre o esconde- -esconde com a policiae as viagens pela América Latina. “Legal conversar ‘com as lideres das Mies de Maioe escutar delas que Iutariam atéo tiltimo ‘momento da vida para fazer justica aos 300 mil desaparecidos", contou. Ainda fugitivo, facilitou a ‘gravaco do filme Noticias dde Uma Guerra Particular, de “Moreira Salles - obilioné- rio teria pagado a ele RS 3,2 ‘il por més para que abandonasse ocrime e escrevesse uma autobiogra- fia. A policia considerou uma afronta. Salles pagou uma muktae VP se tornow tum dos criminosos mais procurados do Brasil. ‘O-cerco deu certo: 20 voltar dé Argentina, em abril de 2000, fi preso novamente. Aquela altura, 08 outros traficantes jd 0 viam como um fanfarrio. Preso em Bangu 1, fo! transferido em 2002 para Bangu 3, onde se concen- travam os detentos ligados ao CV. Cumpriria pena até 2042, mas foi &ssassinadoum ano depois da transferéncia,O matador contimia desconhecido. Doiscriminosos eram suspets: Ronaldinho, um de seus rivais noDona Marta, eseu xari, Marcio dos Santos Nepomuceno, ‘que ficou conhecido também como Marcinho VP (via mais na pégina 2). especial facgdes. PARTE FUNDAGAO 1978 MEMBROS 21 931 FERNANDINHO BEIRA MAR "9:1 do OV, 0 traticente nega ser o principal Moone da-factio = garente que quer se regenerar. Presoem 1996 ¢ levado para o Departamento Estadual de Operagées Especiais (Deoesp),em Belo Horizonte (MG) fugiuum ano depois. Foi parao Paraguai,onde criou uma rota direta paraas favelas do Rio, Na época,as mafias latino-americanas de a daCosta_|cocaina procuravam sécios comesou cedo no crime. Foi | no Brasil, eBeira Mar tinha ppreso pela primeira vez 20s. | umarede ampla para atuar 20anos por assalto.Passou como intermediro, Pelas dois anos na cadeia, periodo | estimativas da policia,no em queperdew amie,dona | final dos anos1990, ee Zelina,faxineirae cozinhet | fornecia mais de dois tergos 1, atropelada no Rio de de toda a cocaina comercia- Janeiro. Ao sair, vttou a lizada no Brasil. discursos de um crime, da nega participago no caso. Bu Duque de Caxias, para ‘Na Colémbia, viveuna ex-perita Ménica Azzariti, comet varios crimes. Nesse, favela quelhe concedeu seu | selva amazinica sob que trabalhouno caso. ex sou inocente’ disse, apelido: Beira Mar. Ali,logo | protecio das Farce Otraficante permanecen | duranteo julgamento, que ‘tomou conta do tzifico!e | _contirmou ditando os foragido até 2001, quandoo __durou mais de10 horas e garantiu odominio doCV | rumos do CV.Em_2000, aviio em que viajava foi ‘mobilizouum aparato orgado nna regio. ‘ondenou o assassinato do interceptado pela Forga Aérea em R$120 mil. Otraficante Beira Mar conquistou | companheiro de sua Colombiana. Um ano depois, também seesforgou para Rocinha, Borel, Chapéu ex-namorada.“E os liderou uma rebelio em comvencer ojtiri de que nao ‘Mangueirae Vidigal dedinhos?" pergunta Beira | Bangu.Aagio resultouna | erallider do CV. Disse que ‘Com um inovador sistema | Mar, portelefone, a0 ‘morte de quatro detentos, agia de forma auténoma, de entregas por Kombi, cestagidrio de informatica entre eles Emaldo Pinto vvendendo para varias, passoua supriroComplexo | Michel Anderson Nasci- “Medeiros, “UE. Ex-inte- __quadrilhas - inclusive ADA. do Alemio.Nosanos 1990, | mento dos Santos.“Tao tudo grantedo CV, Uéhavia “Eumumea fui lider do CV. jélhavia colocadooCV no | pendurado’, esponde a entrado para o grupo por Isso é uma ilusio’ afirmou, ‘comandoda maioria das | vitima,naconversagravada | intermédiode Orlando da em 2016,em entrevista ao favelas cariocas.Embora | _pelapolicia.O jovem teve Conceigio, “Orlando reporter Roberto Cabrini. nao hajaumacontabilidade | _pés e orelhas arrancados Jogador’, responsivel por “Por euternegociado a oficial, estima-se que, na | antes de ser morto attiros. ‘municiar 0 tréfico no Morr rebeligo, isseram que eu sou época,o grupochegoua | Asiiltimas,teve queengolir. do Alemao.Jogadorfoi morto older. Nunca fui endo sow” ter 655 mil homens (O caso foi analisado no emuma emboscada liderada Persuasivo, afirmou que armados trabalhando, livre Dilogas de uma tortura: | pelo priprio U8,quedeixoua | estavadeterminado a ‘facgio para formar, junto com abandonar o crime - e Celsinho da Vila Vintfm,o | negoua fama de implacével Luiz Claudio Machado ‘Amigos dos Amigos (ADA), | com os inimigos. “Nunca ; grupo querivalizacomo CV _ tive o objetivo de fazer do " até hoje. crime uma profissio. Se eu n Beira Marrecebeuuma _| tiver uma oportunidade ppunigo de mais de sair pela porta da frente, além dos 200 que. vou tentar viver uma vida hhaviam sentenciado,Mas ele | honesta” rere eee rT) or) es ELIAS MALUCO © homom que matou o jornalista da Globo con un samurai ainda conande 0 tréfico en favelas do Rio. Loves nasceu Arcanjo “Antonino Lopes do ‘Nascimento. Recebeu o apelido de seu primeiro chefe, devidoa semelhanga ‘com o cantor Tim Maia. Gaiicho, natural de Pelotas, © jornalista morreu 208 51 anos, esquartejado e ‘queimado por traficantes. Havia desaparecido em 2 dejunho de 2002, quando foi Vila Cruzeiro,na Pena, para investigar deniincias de que menores exam obrigadas a participar de bailes funk, usar drogas se prostituir. ‘Tim Lopes era conheci- do dos traficantes. Um ano antes, fez parte da equipe da Rede Globoganhadora doPrémio Esso, o mais, importante do jornalismo brasileiro, pela reporta- gem A feira das drogas. Nela, denunciavaa venda livre de entorpecentes no Complexo do Alemio usando imagens deuma ‘camera escondida. Embora no aparecesse ras imagens ~ era rodutor —, seu rosto ficou conhecido entre os donos do morro. Umdeles, 0 traficante Elias Pereira da Silva, o “Elias Maluco”, um dos lideres do CV. ‘Obandido nio fez ceriménia 20 identificar 0 jornalista. Levou-oao topo da Favela da Grota, no Complexo do Alem, onde Tim Lopes seria julgado e morto. Seus restos mortais, encontra- dos duas semanas apés 0 desaparecimento, foram despejados num cemitério coletivo. Foi necessario um exame deDNA para ‘identificé-lo— junto, havia fragmentos de ossos de outras trés vitimas. Elias ‘Maluco teria matado Tim Lopes pesscalmente com ‘uma katana, como s30 conhecidas as espadas de samurai. Hoje, o traficante esti presona Penitencié- ria Federal em Mossoré (RN), ondecumpre uma pena de mais de 100 anos por tréfico, homicidio e sequestro. Elias Maluco assumiu a Vigério Geral em 1995, apésa mortede Flavio ‘Negéo, para quem atuava ‘como gerente. Mais tarde, tomou-se homem de z Leonardo Marques da Silva 18 sunt Iraccoes confanga de Mércio "Nepomuceno, “Marcinho VP’ lider do Complexo do ‘Alemao. E assum 0 trfico ro morro apis a prisiode VP, enquanto comandava ‘grupos no Jacarezinho, na Zona Norte, e Pavio-Pavio- zinho, na Zona Sul do Rio. Em 2006, foi acusado de planejar a queima de énibus ¢ atentados contraa policia. ‘A morte de Tim Lopes foi confirmada pela policia ‘mutt antes de encontrarem seu corpo. No dia seguinte, William Bonner encerrava 0 Jornal Nacional com uma hhomenagem: “Tim, voce sabe que em dias rstes como 0 de hoje nds costumamos evitar 0’boa rite deixando que 0 siléncio dos estidios rmostre toda. eloquéncia de rosa dor’, disse. O jornalsta foi aplaudido em é por todaa equipe doJN, vvestida de preto, Elias Maluco foi preso trés meses depois do assassinato de Tim, mas continuou no comando, Em 2006, foi acusado de plangjar a queimade énibus 0s atentados contra delegacias cariocas junto com outros lideres do Terceiro Comando Puro e do CV. De acorio coma Policia Civil do Rio, Elias ‘Maluco também continua ‘coordenando o trafico de drogas nos morros. Dos presidios federais, ele ‘outros chefes do trifico ‘mandam bilhetes por meio deadvogados ou visitantes. Jinos estaduais seus subordinados garantem ‘uma comunicagao mais por celular. Mas Elias no age sozinho. Outro integrante da cupula doCV ‘também da as cartas: ‘Marcinho VP, do Alemio. FUNDAGAO 1978 > MAREINHO VP > ODONO 00 ALEMAD “um ase cier 0 OV, ele coordenou rebelias dentro de _. wpeeidios @ orquestrou ataques do ledo de fore MARCI amano de Oliveira, 0 primeiro Marcinho VP, assemetha- va-semaisaum playboy desvirtuado do que aum criminoso habitual. Nao é ‘caso de seu homénimo, ‘Mircio Nepomuceno dos Santos. O ex-chefe do ‘réfico no Complexo do ‘Alemio é considerado ‘muito mais perigoso. Foi Orlando Jogador quem estruturou 0 reinado das drogas e das armas no Alemao.Em 41990 ele tomou 0 morro em apenas dois anos, estendeu seu dominioas bocas das comunidades vizinhas. Algumas foram arrendadas. Outras, tomadas 4 forga. A expansio foi assombrosa para a época, mas se tomnou irriséria perto da obra criminosa de seu Jogador foi morto por sum ex-integrante do CV chamado U8. Coube a Marcinho VP herdar seu arsenal etratar de amplié-lo. Com apenas 37 anos, tomou o controle dos morros e climinou todos que the faziam oposicio. Ele também é apontado como suspeito da morte do xard,o Marcinho VP 440 Dona Marta ‘Nepomuceno dew entrada no Sistema Penitencitio Federal em 5¢e janeiro de 2007, ‘quando chegou a Gatanduvas (PR), para ser incluido no RDD.O regime prevé cortede visitas intimas, conrole da comunicagao e apenas dduas horas de sol por dia. ‘Quando a transferéncia_ fi anunciada,o Rio pegou fogo.As wésperas dorérellon,prédios piblicos foram atacados, fartos foram incendiados e delegacias, metralhadas. Em.12 agdes violenas, 18 pessoas foram mortas = nove civs, dois policiais eset criminosos Em novembro de 2010, uma nova ordem de ataques partiu de Gatanduvas, onde VP e lias Mahico estavam presos. Uma semana depois, ojuiz Alexandre ‘Abrahio Dias Teixeira Fabiano Atanasio da Silva CConhecido came FB, 60 braro-dreito de Marcinho ‘VP no Compieo do Chapadao, que reine no Rio cerca de 20 comunidades. Cumpre pena em Ca- ‘tanduvas (PR) e continua dando ordens.Quase inacessivel para pola, o Chapadio. considera dopelasautoridades cariocas 0 "nove Aleméo". ‘mandou prender trés advogados dos traficantes, acusados de levarem as cordens de ataque até os traficantes do CV em liberdade. A mulher de VP ‘também foi presa. “Exis- tem indicios de que Beatriz mantinha relacio- ‘amento amoroso com ‘Marcinho VP e,utilizando- se desse tipo de vinculo sentimental, recebia as. ordens; repassadas pposteriormente aos demais’, afirmou o juiz. Logo, 0s dois traficantes seriam transferidos para penitenciiria federal de Porto Velho (RO). Com les foram enviados outros. 133 presos. O rodizio nas. cadeias federais é comum, mas as transferéncias de ‘Marcinho e Elias Maluco tiveram de ser aceleradas ‘em fungio dos ataques. Hoje, Marcinho cumpre penaem Massor6 (RN), junto com outros lideres do CV, como Elias Maluco Sapinho. De 14, segundo apolicia, continua sendo lider influente do trfico no Rio de fanero. ‘Mas a principal base do CV, agora, tem outro nome. ‘NoComplexo do Chapa- do, comhecido como 0 “Novo Alemao’ os traficantes Fu e Claudinho a Mineira cumpremas ordens de VP e de seu brago-direito, Fabiano ‘Atanasio da Silva,o "FB" (veja ao lado), ‘O antigo reduto do CV ganharia sua merecida paz. Depois da nova onda de ataques no Rio de Janeiro, iniciada em 20 denovem- brode 2010, 8 autorida- des cariocas estavam decididas a dar fim aos desmandos do CV no Complexo do Alemio. © Iracgbes 19 especial facgdes. PARTE 1 11 CV PERDE ESPACO Em querra con o PLC pelas rot ‘tréfico internaciona Vernelho reforgs para recuperar 0 20 super |raccous © Conando Liangas regione: apo perdido ae ‘manha de um domingo, 28 de 2010, nada menos que 3 mil policiais, paraque- distas do Exércitoe fuzileios navais —auxilia- dos por veiculos blindados e helicépteros de combate — adentram o coragio do Comando ‘Vermelho: 0 Morro do Alemio, um comple- x0 com 14 favelas, 30 mil casas e quase meio milhao de moradores. ‘A operacio veio uma semana depois de su- cessivos ataques contra a populacio carioca, ordenados, segundo as antoridades, por inte grantes da alta cipula do CV. Cinco homens atearam fogo a uma caminhonete e dois carros, em Irajé, na Zona Norte, e metralharam uma cabine da Policia Militar. Na Linha Vermelha, ‘uma das principais vias expressas do Rio, seis ccriminosos incendiaram outros dois carros e atiraram contra um veiculo da Aerondutica. ‘Ninguém morreu por pura sorte. O “exército vermelho’ que resguardava a favela nunca poupouarmamento, Seu aparato bélico inchai granadas, fuzis e até artilharia antiaérea, como morteiros eas assombrosas ‘metralhadoras 30- que sio capazes de perfurar blindadose derrubar helicépteras. Os outros [ADA e TCP] também atiram em vocé, mas nada se compara ao CV", revelou um delegado carioca a0 jornal El Pais. (Os militares que subiram 0 Alemio naquele domingo estavam preparados para uma guer- ra—mas no a encontraram. O morro estava calmo eos traficantes nao pegaram emarmas. Mais uma vez, 0 CV aplicava na praticaas ve- thas téticas de guerrilha aprendidas por seus fundadores em Ilha Grande. ‘Em vez de partirem para o confronto direto, (que resultaria em dezenas, quem sabe centenas de mortos, os traficantes se misturaram a po- pulacdo e partiram para outros redutos do CV. Ficaram as armas, o dinheiro e as drogas. Sé de maconha, foram apreendidas 33 toneladas, dez delas atribuidas a Fernandinho Beira Mar. ‘Segundo estimativas da PM,o valor total apre- endido somava cerca de R$100 milhdes. Tudo em pouco mais de dois dias de operacao - e em apenas uma das cerca de 300 comunida- des em que o CV atua, segundo 0 Ministerio Piblico do Rio. PANTTAT t GANIZACAD QIFUSA io hd estimativas precsts do montante de dinheiro que 0 CV arrecada por ano. Ao con- trério do PCC, que conta com uma estrutura administrativa centralizada e até balangos financeiros, o CV possui uma estrutura ho- rizontalizada, Nao hd um chefe no topo da facgio. O que existe éum colegiado - também. conhedide como “comissio” eu “conselhc'~, queentraem cena somente para tomar as de- Gisces mais importantes, ‘A instalagdo de 22 unidades de policia pa cificadora (UPPs) no Complexo do Alemio foi um baque para o CV, e alterou a estrutura da organizagio. Isolados em penitencidrias federais, lideres como Marcinho VP, Fernandinho Beira Mar ¢ Elias Maluco deram espaco para cri- ‘minosos antes inexpressivos. Nao sé ‘nos morros, mas nas préprias prisdes fiuminenses, como Bangu.. As UPPs conseguiram reduzir o espectro das facgdes. Controlaram a Zona Sul e uma parte da Zona Norte que vai até ‘Ramos, um bairro de classe média do Rio, préximo ao aeroporto Galedo, na ha do Governador. Rachada, a facgao se enfraqueceu, abrindo espaco para grupos rivais. “Por ser mais antigo e mais estabeleci- do, 0 CV encontra um territério mais, sedimentado, Quando vém as faccdes mais novas, ocupam espagos antes desocupados e tendem ase expandir, quando 0 CV se encontra mais fixado em determinado ponto’,afirma o pro- curador Marcio Christino. Agora, além dos jé tradicionais inimigos Terceiro Comando Puro (TCP) e Amigos dos Amigos (ADA), hd um novo elemento nna disputa pela hegemonia dos mor- 10s cariocas: 0 Primeiro Comando da Capital (PCC), facgao paulista que vem fincando bandeira em diversas regides do Brasil dominadas por outros grupos. et eta ery AP FUNDAGAO 1978 f \ ACABOU 0 AMOR Em setembro de 2016, ala lideranca do PCC enviou, em uma carta escrta a mio na penitencidria de Presidente ‘Venceslau,a 630 km da capital paulista, um “salve'a todos os saus membros."A sintonia do Primeiro Comando da Capital ‘em por meio deste passar com total transparéncia a toda massa carceriri iniciava o comunicado.O restate da ‘mensagem dia que, depois de rés anos buscando o didlogo com o CY, 0 POC havia decidido partir para ataque, czasionando “esse embate, que gerau ese monte de morte’. Um més depois, 18 detentns ~dez doCV eoito do PCC = morreram em meio a disputas em ‘residios deRoraima e Rondania. Por 20 anos, 2s dus face es operaram em conjunto a logistica de carregamen- tosde drogase armas de paises vizinhos. Tudo para baratear ocusto edi rminuirosriscos, Como passar dos anos, adiplomaciacomecou a muir. E razbes nio faltaram para que ela fosse finalmente deixada de lado. A primeira foram as dividas. Mais violento do que orgini- zado,0 CV teria acumulado uma divida significativa com o POC na compra de drogase armas. Hi, ainda, 0 conflto com a facgbes rivais ADA e TCP -, que se aproximaram recentemente do PCC e deram inicio ao batismo de membros da facgio paulsta dentro e fora dascadeias cariocas, Em alguns casos, em regibes até entio dominadas pelo CV. ‘Outro agravante foram as alianas do CV com inimigos do PCC, espe- cialmente a Familia do Norte (FDN),do ‘Amazonas. “A uniao entre o CV ea FDN ‘eriaocomrido através dos seus principais lideres, ue estariam custodiados épaca em penitenciria federal, diz o MP do Rio, O acordo com o Primeiro Grupo Catarinense (PGC) também desagradout a facgo paulista que até hoje tem difical- dades para penetrarem Santa Catarina ‘OPCC ni faz aliangas Prefere esta belecerrituas ecobrartaxas, mpondoa submissio de seus parceitos. io CV é rms flexivel. Prefere atuar & moda dos acordas comerciis, sem controle direto sobre as atividades ou as doutrinas das outras facgSes. Uma tipicarelagao ganha- ganha, “No caso da FDN, a parceria é ‘Primordial parao compartilhamento de rotas advindas de paises produtores de rogas, possibilitando uma negociaca0 ppara melhores pregos com fomecedores das fronteiras’ diz o MP. O dominio das rotas internacionais, ao fim e ao cabo, estd no centro da briga entreas duas, maiores facgdes do Brasil. Por um lado, a aproximacéo do CV com a FDN teria prejudicado o PCC no controle de rotas nos estados da re- ‘io Norte, especialmente na fronteira como Peru e aColbmbia, no caminho conhecido como rota Solimdes. O CV aproveitoua reagao regionalista ao PCC. “Porisso, nessa reconfigura¢io,o CV aca- ‘bou contando com mais aliados entre ‘os grupos locais’,explica Camila Nunes Dias, doutora em Sociologia pela USP. Por outro, amorte do narcotrafican- te Jorge Rafaat, que atuava no Paraguai, tornou mais sinuosos os caminhos da droga para o CV. ‘Desde enti, naquela regio, 6 0 POC pode comprar acocaina para trazer ao Brasil’ afirma o procura- dor Marcio Christino, que acompanha as investigaces sobre a faccao paulista desde a sua formagio. “A rota do Para- guai tem muito acesso rodoviério. CV terd deusara rota do Norte, queé muito ‘mais distante do Rio de Janeiro. O abas- tecimento vai ficar muito mais dificil” (O rompimento entreas facgdes defla- grouuma guerra nas cadeias brasileiras. Em 36 de outubro de 2016, dez presos ligados ao CV foram mortosem Roraima, Otroco veiono dia seguinte, quandooito integrantes do PCC foram assassinados. Com 0 envolvimento da FDN, a matan- ‘ga chegoua niveis inéditos. Somadas, as chacinas que sucederam em cinco presidios de Amazonas, Roraima eRio Grande doNorte registraram 123 mortos. Maisaté do que o massacredo Carandiru, que em 1992 teve 1m execugdes. Hoje,as dois hutam para se fortalecer. Enquanto o CV quer consolidar posigées, no Norte, PCC costura acordos com an- tigosrrivais dos cariocas. As duas maiores facgdes do pais, que nasceram como ideal de estabelecer a paz nos presidios, ‘transformaram-se, agora, em matadou- 10s, deram inicio aum novo capitulo ra historia do crime.

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