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A distingdo estrutural entre principios e regras e sua importancia para a dogmatica juridica — resposta as objegdes de Humberto Avila ao modelo de Robert Alexy THOMAS DA ROSA DE BUSTAMANTE 1. IntrodugSo. 2. Breve revisio das distingées entre principios e regras de Dworkin e Alexy. 3. Objecdes de Humberto Avila a0 modelo de Dworkin @ Alexy. 4. A distingdo entre principios e regras segundo Humberto Avila. 5. Resposta as objegdes de Avila e andlise das classificacoes estruturais entre principios e regras. 6. A distingao adotada por Avila. 1. INTRODUGAO ie que a distincao entre principios e regras de Robert Alexy — que na verdade & um aprimoramento da ti inalmente por Ronald Dworkin —- é Deere er ee dominante entre os constitucionalistas brasileiros do inicio do Século XX!, embora, obviamen- icagao formulada or te, no exista algo proximo de unanimidade a este resp@ito. A grande aceitacao da teoria dos direitos fundamentais de Alexy em territ6rio nacional é, sem duvida, um sinal da emergéncia de uma nova concepcao de ciéncia do direito nas nossas universidades e tribunais, muitas vezes ainda acostumados a metodologia juridica do positivismo. Os fatores decisivos para a receptividade dessa teoria no Brasil foram a grande quanti- dade de dispositivos constitucionais que poderigm ser designados como fontes de normas- principio e a insuficiéncia da teoria pura do direito — que durante décadas foi hegeménica aqui — para dar conta dos aspectos juridico-metodolégicos dessas normas. Como ressalta 0 proprio Alexy!, a constituicao brasileira de 1988 ¢ um campo fértil para a aplicacao da teoria Nao obstante o seu relativo sucesso, essa distin¢ao qualitativa ou estrutural entre prin- ras (duas espécies do género ‘norma’) vem sofrendo intensas criticas por juristas RTDC * VOL. 12 + OUT/DEZ 2002 nacionais? e estrangeiros’, seja para negar por completo a existéncia da disting3o (nao haveria regras e principios, mas tao-somente diferentes ‘usos’ ou ‘aplicag6es’ de normas juridicas) ou para discordar tao-somente da existéncia de uma diferenca quanto 4 estrutura lagica dos comandos normativos (a unica distingdo entre ‘regras’ e ‘principios' continuaria sendo a do grau de generalidade). Tais criticas tm manifestado um grande poder de convencimento, “lerecendo uma andlise minuciosa para que possamos sabar se, de fato, elas desmontam o modelo Alexy-Dworkin Neste breve trabalho, restringir-me-ei a verificar a pertinéncia das objecdes de Humberto Avila’, as quais, apés uma breve revisdo das teses de Alexy, sero expostas e analisadas. Procurarei também, ao final, rebater as objecdes de Avila a Dworkin e principalmente a Alexy, bem como demonstrar que inexiste diferenca substancial entre a distingéo entre regras e principios de Avila e aquela que ele combateu : 2, BREVE REVISAO DAS DISTINGOES ENTRE PRINCIPIOS E REGRAS DE DWORKIN E ALEXY _ Antes de Dworkin estabelecer a distincdo estrutural entre principios e regras, prevalecia, para aqueles que j8 reconheciam a forca normativa dos principios, a distincdo fundada no critrio da generaldade. Principios seriam normas de grav de generalidade relativamente Ht (0 rearas seriam nor nivel relativamente baix lidade™® Alexy qualifica as teses que distinguem as espécies de normas juridica em fungao da genera 2. Principalmente Avila, Humberto Bergmann. A distingao entre principios e regras e a redefinigdo do dever de proporcionalidade. Revista Didlogo Juridico, Salvador, CA) — Centro de Atualizagéo Juridica, v. 1, n°4, jul., 2001. Disponivel em "www. Direitopublico.com.br" 3. Em especial Ginther, Klaus. The sense of appropriateness — Application discourses in morality and Jaw (trad, John Farrel). Albany: State University of New York Press, 1993. 4 Ob cit. Para uma breve resposta as objecées de Gunther (que sao bem diferentes das de Avila), ver Alexy, Robert. “On the Structure of Legal Principles". in. Ratio lurs, vol. 13, n° 3, Sep., 2000, p. 299-300 5 In. Alexy, Teoria de los derechos fundamentales (trad. €. Garz6n Valdéz). Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1997, p. 83. 6 Tanto Alexy (Teoria de los derechos fundamentales) quanto Avila (ob. cit.) enumeram varios outros . 5. Finalmente, questiona-se a definicao dos principios como mandamentos (ou coman- dos, deveres) de otimizacao. A critica reside no fato de que nem sempre os principios seriam aplicados “na maxima medid. , pois “0s principios estipulam fins a serem perseguidos, sem determinar, de antemao, quais os meios a serem escolhidos”. Uma colisao entre principios poderia ocorrer das seguintes maneiras: a) 0 fim instituido por um principio sempre /eva a realizacdo do fim estipulado pelo outro; 20 Afirmagao de Alexy com a qual Avila expressamente concorda (ob. cit., p. 15). 21 Ibid. 22 Ibid. 23 Idem, p. 16. RTIDC « VOL, 12 + OUTIDEZ 2002 b) a realizacao do fim de um principio exclui a realizacdo do fim estipulado pelo outro; ©)a realizago do fim estabelecido por um leva d realizacao em parte do fim estipulado pelo outro; d) a realizacao do fim estabelecido por um nao interfere na realizagao do outro. No caso “a”, nao haveria o dever de realizacdo na maxima medida, “mas o dever de realizacao estritamente necessaria a implementac3o do fim instituldo pelo outto principio. Vale dizer: na medida necesséria”. No caso “b”, nao se verificaria também a limitagao e complementacao reciproca de sentido, de modo que os dois “devem ser aplicados na integralidade de seu sentido”, sendo que a colisdo “sé pode ser solucionada com a rejeicdo de um deles”, ou seja, da mesma forma que as regras. Conclui Avila’*, portanto, que, tanto as regras quanto os principios possuem 0 mesmo contetido de dever-ser. A unica distingdo € quanto 4 determinacao da prescricdo da conduta que resulta da sua interpretacéo: a interpretagao dos principios ndo determina diretamente (por isso prima facie) a conduta a ser seguida, apenas estabelece fins normativamente relevantes cuja concretizagdo depende mais intensamente de um ato institucional de aplicacao; a interpretacao das regras depende menos intenso de um ato institucional de aplicacao. Nos dois casos, porém, a aplicagdo concreta pode modificar a prescrigéo normativa estipulada no texto da norma de conduta, que primeiramente era havida como ébvia, © que diminui a forca da distincao entre principios e regras. 4. A DISTINCAO ENTRE PRINCIPIOS E REGRAS SEGUNDO HUMBERTO AVILA Apés tais consideracées criticas, Avila distingue as normas condicionais das normas ndo-condicionais. Regras seriam normalmente normas condicionais gerais, 20 passo que principios seriam, em vez de condicionais, apenas categdricos. Afirma, ainda, que “qualquer norma, porém, necessita, para sua aplicacao, da concretizacdo de uma situacao de fato, mais ‘ou menos determinada na hipétese normativa”, o que levaria 8 conclusao de que “o elemento 24 Idem, p. 17. RTOC © VOL. 12 « OUT/DEZ 2002 distintivo que resta é tao-somente o grau de abstracao da previsdo normativa”, de vez que ambas, em maior ou menor grau, “precisam de condi¢6es reais para sua incidéncia”*® Nesta perspectiva, a “diferenca reside ndo na condicionalidade propriamente dita, mas na ligacdo da previsdo normativa com a concretiza,uo de fins ou de condutas. Nesse sentido, as regras constituiriam em normas de conduta, e os principios em normas finalisticas (ou de tarefas)’2®. Os critérios de distingao entre regras e principios seriam o “grau de determinacao do fim e da conduta” Dai, a seguinte definicao de principios e regras: L...] podem-se definir principios como normas que estabelecem diretamente fins, para cuja concretizacao estabelecem com menor extensdo qual 0 comportamento devido (menor grau de determinagéo da ordem e maior generalidade dos destinatarios), e por #sso dependem mais intensamente da sua relagdo com outras normas e de atos institucionalmente legitimados de interpretacdo para a determinacao da conduta de- vida. As regras podem ser definidas como normas que estabelecem indiretamente fins, para cuja concretizacao estabelecem com maior exatidéo qual 0 comportamento devido (maior grau de determinacao da ordem e maior especificacao dos destinatarios), e por isso dependem menos intensamente de sua relacdo com outras normas e de atos institucionalmente legitimados de interpretacéo para a determinacdo da conduta de- vida (os grifos estao também no original). Como corretamente salienta Avila, “o importante é que a qualificacdo das normas como. principios depende, ndo sé da denominacao utilizada pelo legislador, mas da relacdo da prescriclo normativa com fins e com a conduta que deles resulta”. O que interessa é “a estrutura da norma a ser interpretada”?” Concordo inteiramente com essa ultima afirmacdo de Avila. Penso inclusive que sua 25 Idem, p. 20. 26 Neste ponto, Avila sustenta novamente (indicando uma obra de Pensky) que “a Unica diferenga ¢ 0 grau de determinaco quanto a conduta devida: nas normas finalisticas, a conduta devida ¢ aquela adequada a realizacao de fins; nas normas de conduta, ha previsio direta da conduta, sem ligacao direta com fins” 27 Idem, p. 22. RIDC * VOL. 12 « OUT/DEZ 2002 definicéo de principios e de regras 6 adequada para a metodologia do direito constitucional. De outro lado, porém, vejo com clareza que se trata também de uma distincao estrutural (¢ or isso que é adequada), e jamais gradualista. A propésito, ¢ uma distincao que muito pouco difere da proposta por Robert Alexy, como tentarei demonstrar a seguir. 5. RESPOSTA AS OBJEGOES DE AVILA E ANALISE DAS CLASSIFICAGOES ESTRUTURAIS ENTRE PRINCIPIOS E REGRAS Apesar de impressionarem a primeira vista, as objecdes resumidas acima (ver item "3") nao desmontam o edificio tedrico de Alexy. A critica decorre de uma distingéo obnubilada entre norma e enunciado normativo e da nao diferenciagao entre vagueza, ambiguidade e carter prima facie, as quais levaram a uma dificuldade ao qualificar as distinc6es principio/re- gra dos tipos Idgico-estrutural ¢ de grau de generalidade. 1, No que diz respeito a primeira objecao (3.1), ndo se poderia duvidar nem de que 0s problemas de vagueza e ambigiidade sao comuns aos principios e as regras nem do fato de que tanto os principios como as regras tém seu contetido revelado pela interpretacao. Da, contudo, nao se deve inferir que “a Unica diferenca permanece sendo de grau de abstracio”. Tal inferéncia s6 estaria correta se o fator determinante para a distingdo estrutural entre principios e regras fosse a vagueza (ou a ambigiiidade) dos enunciados prescritivos, o que nao € 0 caso. Com efeito, a distingdo de Alexy diz respeito unicamente a forma pela qual é construida uma norma juridica (os principios estabelecem que algo — um fim — deve ser alcangado na maior medida possivel, a0 passo que as regras contém determinacées sobre 0 que deve ser feito — ou seja, indicam inclusive qual o comportamento especifico que deve ser adotado para se chegar a um fim), nao ao significado desta. Quando a Constituicao estabelece que so valores juridicamente protegidos a “liberdade”, a “igualdade” e a “se- guranca” (art. 5°), estamos diante de enunciados normativos que provavelmente serao interpretados como principios (pois nao se diz como deve ser protegida a liberdade, p. ex), 80 passo que quando se afirma que “ninguém sera submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante” (art. 5°, Ill), estamos diante de uma regra. Obviamente o signifi- cado da regra nao é de anteméo fornecido pelo legislador, pois o intérprete ¢ que deverd dizer, diante de um caso, 0 que é “tratamento degradante”. Vagueza e ambigiiidade sao caracteristicas da linguagem (estando presentes em qua quer comunicacao linguistica), néo de uma ou outra forma como sao enunciadas proposicées. RTDC + VOL. 12 + OUT/DEZ 2002 Podem estar presentes tanto numa frase em que se estabelecem fins/valores a serem atingidos quanto noutra em que se prescrevam comportamentos que deverao ser adotados para alcancar outros fins. Um enunciado normativo sera ambiguo quando tiver diferentes signifi- cados em diferentes contextos®® (ha um excesso de significado”), ao passo que a vagueza de um enunciado resulta da falta ou insuficiéncia na determinacao de um determinado significado©3". Regras vagas também contém determinagées sobre 0 que deve ser feito (p. ex, 0 art. 150, VI, "d" da Constituicso — que prevé a imunidade dos livros), embora possa haver duvidas sobre qual a extenséo dessa determinago, em funcao do significado a ser atribuido as palavras que compdem um enunciado normativo (no exemplo citado, duvidas podem surgit acerca do significado da palavra livra, tendo em vista certs Obras WNerarias, editadas eletronicamente™4, Damesma forma, o fato de que “s6 depois da interpretacao de um enunciado normativo € que podemos saber com certeza se estamos diante de uma regra ou de um principio” nao implica a auséncia de uma distingao estrutural entre as duas espécies de normas. Como 0 proprio Alexy? salienta ao responder algumas objecées de Gunther, isso é uma questo de interpretacdo e, como usualmente se dé na interpretacao juridica, “nao existem critérios provendo respostas simples e claras. Mas isso no ¢ uma objecdo & afirmagao de que a expresso ‘principio’ designa a caracteristica da estrutura de uma norma. A questao sobre se uma norma é uma regra ou principio pressupde que normas-principio sejam entidades possiveis”. 28 In Alexy, Robert e Dreier, Ralf, Statutory Interpretation in the Federal Republic of Germany, in. MacCormick, Neil e Summers, Robert (editors), interpreting Satutes. Aldershot Brookfield USA/Hong Kong/ Singapore/ Sydney, 1991, p. 74. 29 Ver Alchourrén, Carlos. “Sobre Derecho e Légica”, in Isonomia n° 13/ oct. 2000, p. 29. 30 idem, p. 29. 31 De acordo com Alexy-Dreier (ob. cit., p. 74), “um conceito € vago quando hé alguns sujeitos que indubitavelmente se enquadram no seu raio de abrangéncia (‘positive candidates’), alguns que indubi- tavelmente nao se enquadram no seu raio de abrangéncia (‘negative candidates’) e uma terceira classe de sujeitos que ndo se pode dizer com certeza se pertencem a uma ou outra categoria (‘neutral candidates’)”. 32 Para uma andlise profunda dessa norma e da importancia dos argumentos juridicos (e da pesagem entre eles) no proceso de interpretacao, ver Avila, Humberto. “A Argumentacao juridica e a imunidade do fivro eletrnico”. Revita Didlago Juridico, Salvador, CA) — Centro de Atualizacao Juridica, v. |, n° 5, ago 2001. Disponivel em "" 33 In On the Structure of Legal Principles, p. 299-300. ‘www.direitopublico.com”, RTDC ¢ VOL. 12 « OUT/DEZ 2002 Ha, a par disso tudo, uma contradi¢éo quando Avila afirma, de um lado, que “o elemento distintivo que resta ¢ tao-somente o grau de abstracio” da previsio normativa (tendo em vista que principios seriam normas meramente categoricas e as regras seriam normas condi- cionais) e, de outro lado, que “a diferenca reside nao na condicionalidade propriamente dita, mas na ligac8o da previséo normativa com a concretizagao de fins ou de condutas”. O que se da é justamente 0 contrdrio: tendo em vista que os principios so categéricos e as regras condicionais, a diferenca ¢ estrutural?*, e nao meramente gradual 2. Quanto a segunda critica (3.2), 6 importante ressaltarmos que a circunstancia de existirem disposicdes (ou enunciados normativos) que podem, pela via da interpretacao, gerar normas do tipo “regra” ou normas do tipo “principio” (como Avila demonstra através do exemplo da igualdade, que pode ser vista como “proibicao de discriminagao” — regra — ou como um fim a ser atingido — neste caso, principio) nao afeta a utilidade da distingao regra/principio. Esta distingao, 6 importante frisarmos, diz respeito a normas, e nao a enun- ciados normativos (as primeiras s80 0 significado de uma proposicao de dever-ser, 0s ultimos sua formulacdo linguistica). © conteudo das normas s6 € conhecido depois do processo de interpretacao juridica. De outro lado, ainda quanto a objecao 3.2, nao creio que se possa, 8 luz da teoria de Alexy, afirmar que principios “n3o possuem conseqléncias normativas”; toda norma possui alguma implicacao juridica, ainda que esta nao se opere imediatamente. Alexy, ao sustentar que os principios devem ser cumpridos na maxima medida possivel, orienta-se neste mesmo sentido?®. Por outro lado, dizer que os principios possuem uma hipotese de incidéncia aberta no implica, de modo nenhum, que os fins que eles protegem nao sejam normativamente relevantes. 3. Ademais, a tese alexiana de que tanto as regras quanto os principios nao regulam a sua propria aplicaco (devendo ambos serem completados com um terceiro nivel, 0 da argumentacao juridica, composto por metanormas*®) nao ¢ incompativel com a dimensdo 34 Reside, portanto, na “condicionalidade propriamente dita”, que é a mesma coisa que dizer que reside na “ligacdo da previséo normativa com a concretizagao de fins ou de condutas” 35 Se, por um lado, é incorreto que “os principios, a0 contrario das regras, no possuem consequéncias normativas”, é, de outro lado, possivel se sustentar que os principios néo prevém diretamente conse- uéncias juridicas, ou seja, néo possuem uma hipétese de incidéncia completa, dai porque sao “razbes prima facie". Uma e outta atirmacao nao sao equivalentes. 36 Ver Alexy, Robert. “Sistema juridico, principios juridicos y razén préctica Practica, p. 17-18. 1 in Alexy, Derecho y Razén RTDC * VOL. 12 « OUT/DEZ 2002 de peso dos principios. Tem razao Avila quando diz que deve ser atribuida as razdes € aos fins que os principios fazem referéncia uma dimensao de importancia, mas no € correto dizer que somente essas razbes metanormativas podem ser pesadas. As raz6es a que refere Avila so raz6es para a interpretacao de uma norma, situando-se no plano da argumentacao juridica, mas ndo s4o as unicas a serem consideradas no raciocinio juridico, pois as normas em si so também raz6es que, naturalmente, podem também colidir com outras razdes de mesma categoria (ou seja, com outras normas)”” Hé, portanto, alguns pontos a serem esclarecidos na afirmacao de que “a dimensao de peso ndo é um atributo empirico dos principios, justificador de uma diferenga logica relati- vamente as regras, mas resultado de um juizo valorativo do aplicador”. A dimensao de peso 6, se adotarmos a distingdo de Alexy, conseqiéncia da distincao légico-estrutural entre principios e regras, ndo a sua causa, como da a entender a afirmacao de Avila, Por outro lado, nao se trata (a dimensdo de peso) somente um “juizo valorativo do aplicador”, mas decorre de um enunciado normativo que, por uma decisio do legislador, estatui diretamente fins, nao estabelecendo imediatamente um comportamento devido. Contudo, Avila tem parcial raz8o quanto primeira parte de sua sentenca, pois, ao invés de atributo empirico dos principios, a dimensao de peso ¢ um atributo ldgico dos mesmos, que decorre do fato de os principios, eles mesmos, serem raz6es contributivas para uma decisao (e nao raz6es definiti- vas, como as regras). 4, Além disso, a critica quanto 8 diferenca entre a solugao das colisdes entre principio e a dos conflitos entre regras ¢ também impertinente. De acordo com Avila, 0 fato de os conflitos entre principios serem solucionados pela atribuigao de prioridade a um deles, sem que 0 outro possa ser considerado invalido, s6 corresponderia a verdade nas situaces em que os principios em linha de colisdo estabelecerem fins divergentes. Nos casos em que dois, principios apontarem o mesmo fim, mas implementando meios diversos, “al deve-se declarar a prioridade de um principio sobre outro com a conseqiléncia da ndo-aplicacdo de um deles para 0 caso concreto”, de modo que a solucdo seria rigorosamente a mesma dada a um conflito de regras onde é estabelecida uma excecao para 0 caso concreto. Ocorre, porém, que a hipétese suscitada por Avila & simplesmente impossivel, pois principios prescrevem diretamente fins, ¢ ndo meios (dai a diferenca légica). Principios, pelo 37 A diferenca entre principios e regras é também uma distinggo quanto a qualidade das razdes que cada um deles representa. RTDC © VOL. 12 + OUT/DEZ 2002 fato de nao conterem determinagées diretas sobre 0 que deve ser feito, nao estabelecem procedimentos, mas apenas objetivos que devem ser alcangados na maior medida possivel 5, Resta, por fim, analisar altima das objecGes relatadas: a possibilidade de se qualificar 08 principios como mandados de otimizacdo. Segundo Avila, as colisées entre principios podem se dar de quatro maneiras: (a) a realizacao do fim estabelecido por um principio leva a realizacao do fim estabelecido por outro; (b) a realizacao do fim estabelecido por um principio exclui a realizacao do fim estipulado pelo outro; (c) a reatizacao do fim estabelecido por um principio leva a realizac3o parcial do fim estabelecido pelo outro; e (d) a realizagio do fim estabelecido por um principio nao interfere na realizagio do outro. Segundo Avila, nas hipoteses (a) e (b) nao se daria uma aplicagao dos principios “na maxima medida”. No caso (a), “no hd o dever de realizacao ‘na maxima medida’, mas o dever de realizagéo estritamente necessaria a implementacao do fim instituido pelo outro principio, Vale dizer, ‘na medida necesséria’”. Ocorre, entretanto, que nesse caso ndo estamos diante de uma colisdo de principios®®, mas de uma interacdo entre duas normas que caminham na mesma diregao. 180 ndo poderia, portanto, justificar um abandono da tese dos “mandados de otimizacao”. Ja no caso (b), isto é, quando a realizaco do fim instituido por um principio excluir a realizagao do fim estabelecido por outro, Avila sustenta que “ambos devem ser aplicados na integralidade de seu sentido”. A colisdo, portanto, seria solucionada por uma cléusula de exclusdo (da mesma maneira que se dé no conflito de regras). Concordo com Avila neste ponto. De fato, hd circunstancias em que a aplicacdo de um principio simplesmente exclui a de outro. Contudo convém distinguir, neste aspecto, os casos de colisao de principios (que Canaris denominaria de “oposicdo de principios”) das hipdteses de contradicao entre princi pios. Segundo Canaris®®, “uma contradicdo ¢ algo que nao deveria existir e que por isso, sendo possivel, deve ser eliminado ou seja, como diz Engisch, uma desarmonia, enquanto as oposicées de principios aqui em causa pertencem necessariamente a esséncia de uma ordem juridica e s6 a esta dao o seu pleno sentido; eles nao devem, por isso, de modo algum ser eliminados, mas antes ‘ajustados’ através de uma solucao ‘intermedidria’, pela qual a sua oponibilidade se ‘resolva’ por um compromisso, no duplo sentido da palavra” 38 Também néo se poderia cogitar de coliséo de principios no caso “d", pois nesta hipdtese nenhum dos principios sequer toca 0 outro. Restam, assim, somente as hipdteses “b” e "c". 39 In Canaris, Claus-Wilhelm. Pensamento sistematico e conceito de sistema na ciéncia do direito (trad ‘A. Menezes Cordeiro). Lisboa: Fundacao Calouste Gulbenkian, 2° ed, 1996, p. 205-6. RTDC * VOL. 12 © OUT/DEZ 2002 Embora a distingao tena sido formulada num contexto diferente do atual (Canaris nunca trabalhou com o conceito de principios como “mandados de otimizacao"), ela é util para nos alertar que pode haver situacées em que dois principios sejam absolutamente inconcilidveis, de modo que necessariamente dever-se-é excluir um deles, sob pena de absoluta incoeréncia No sistema juridico, ao passo que noutros casos, quando eles possam conviver normalmente, embora a aplicaco simultanea de ambos nao seja possivel na sua integralidade, a solucao seja encontrada pela ponderacao racional entre eles. Condlui-se, portanto, que existem casos em que dois principios ndo podem conviver: um simplesmente exclui 0 outro. Isso nao significa, porém, que os principios nao possam ser qualificados como mandamentos de otimizagdo, pois tais situagdes nao figuram como “regra geral” e, assim, a definicdo de Alexy esta correta para todos 0s demais casos. Somente quando houver uma contradicao entre principios (conflito que se coloca no plano da validade, como acontece nas regras) 6 que nao sera valida a qualificacao dos principios juridicos como mandados de otimizaco. Em situacdes de normalidade, nao ha nada de errado em conceber 08 principios como sendo normas que sdo aplicadas em diferentes graus e devem ser otimizadas/maximizadas pela via da interpretacao. 6. ADISTINGAO ADOTADA POR AVILA Apés a andlise acima, paradoxalmente podemos concluir que a distincao regra/principio de Avila esta correta, pois também é uma distincdo estrutural. Penso que ao sustentar que a qualificacéo de uma norma como regra ou como principio depende da “ relacao da prescrigao normativa com fins e com a conduta que deles resulta”, Avila nao adota — embora afirme expressamente isso — uma distingdo de grau de determinagao da hipotese normativa, mas um critétio idéntico ao de Alexy. Com efeito, dizer que os principios “prescrevem diretamente fins” (que devem ser alcancados), sem contudo estabelecerem os meios para sua concretiza- G80, é, para mim, o mesmo que dizer que “principios s40 normas que estabelecem algo que deve ser realizado na maxima medida”. Em ambos os casos, hd uma ligacao direta com fins endo hd determinacées sobre o que deve ser feito para atingi-los. De igual modo, quanto as regras, quando Avila sustenta que elas estabelecem diretamente qual 0 comportamento devido, nao hé diferenca substancial em relacao a afirmagao de Alexy no sentido de que elas contém determinacdes sobre o que deve ser feito. RIDC + VOL. 12 © OUT/DEZ 2002 A propria idéia de que o tradicionalmente denominado “principio da proporcionalidade” 6 uma implicacéo légica da existéncia de normas-principio no ordenamento juridico, presente em Alexy*? e, com algumas adaptacdes, também em Avila*’ sé se torna possivel quando aceitarmos também a distingdo estrutural entre regras e principios. Por tudo quanto foi exposto, concluimos que deve ser mantida (eventualmente com algumas alteracdes de menor importancia) a distingdo entre principios e regras tal como concebida na Teoria dos Direitos Fundamentais de Alexy. Concluimos também que a disting0 de Avila 6 adequada & metodologia dos direitos fundamentais, embora as criticas que ele faz a Dworkin e a Alexy nao merecam acolhida, THOMAS DA ROSA DE BUSTAMANTE Mestrando em Direito Publico na Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Professor da Faculdade de Ciéncias Juridicas e Sociais Vianna Junior e da Universidade Federal de Juiz de Fora (desta tltima como substituto), Advogado. 40 In Teoria de los derechos fundamentales, p. 111-115. 41 In A distinggo entre principios e regras e a redefinicao do dever de proporcionalidade, p. 27. Neste ensaio, Avila sustenta que “o dever de proporcionalidade também nao resulta de texto especifico, mas da estrutura mesma dos principios, sem que isso the retire forca normativ

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