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Capitulo 7 0 funcionalismo em seus primérdios: a psicologia a servico da adaptacao Arthur Arruda Leal Ferreira Guilherme Gutman As condigGes histéricas dos movimentos funcionalistas A psicologia no século XIX, especialmente como se produzia na Alemanha no final daquele século (centro mundial da produgao académica ¢ institucional deste saber nesse periodo), é completamente estranha ao nosso quadro atual. Trata-se de uma psicologia que: a) Devota-se A pesquisa pura, em contraste com 0 quadro recente que enfat © aspecto pratico de intervengao nos mais diversos campos. b) Toma como objeto de estud suficientemente problematizado por correntes relevantes como a psicanilise nossa experiéncia comum consciente, objeto e o behaviorismo. c) Devota-se a este objeto através da suspeita de ilusdo de nossa experiéncia comur problema herdado da fisica ¢ da filosofia do século XVII, ‘sem buscar, naquele momento, qualquer forma de ajustamento dos individuos. d) Utiliza nesse exame da nossa experiéncia uma forma particular de introspecgao controlada em que os sujeitos teriam que ser mentalmente silos e treinados para fa de: ©) Por conta das exigéncias do método, nao estuda os sujeitos comuns (muito menos criangas, animais ¢ loucos); estuda outro treinados na profi nossa experiéncia mais pura. Mais ingénua. yer a descrig&o mais precisa dos elementos basicos experiéncia comum, as sensagdes. Jevidamente sicdlogos de fé da fisiologia para chegarem aos meandros da 121 O objetivo deste capitulo é expor a transformagio dese quadro da Psicologia, tal como operada especialmente nos Estados Unidos gracas ao movimento funcionalista, composto por psicélogos como Granville Stanley Hall (1844-1924), James McKeen Cattell (1860-1944), James Mark Baldwin (1851-1954) ¢ William James (1842-1910), além de escolas como a de Chicago, composta por John Dewey (1859-1952), James Angell (1869-1949) e Harvey Carr (1873-1954), ¢ a de Columbia, integrada por Edward Lee Thorndike (1874-1949) ¢ Robert Sears Woodworth (1869-1962). Para compreender tal transformacao, é necessario de inicio estabelecer uma distincao basica entre essa orientagao funcionalista norte-americana surgida na virada do século XIX para o século XX e um projeto da psicologia enquanto ciéncia ¢ técnica da adaptacio que, de um modo mais amplo, se faz presente de modo macigo na atualidade. De fato, esse projeto delimita-se a partir tanto desse movimento funcionalista como das psic: logias diferencial ¢ comparada, surgidas na Inglaterra (¢f capitulo 6). Nesses movimentos, gracas ‘20 empuxo darwinista, demarca-se uma psicologia interessada na adaptacao, cvolugio ¢ variago das atividades mentais. Contudo, ao longo da historia da Psicologia, esse modelo se dissemina, transcende os seus movimentos originais ese dissolve no campo psicolégico, dando a uma expressiva parte desse campo sua feicdo atual enquanto saber voltado para as praticas de ajustamento, Que forcas hist6ricas conduziram de forma mais especilica a esse projeto? Como © movimento funcionalista norte-americano Ihe conferiu uma feigio mais organizada ¢ sistematica, apesar de sua tio comentada falta de sistematicidade? Estas sfo as questdes que serdo tratadas na seqiiéncia deste capitulo, Comecemos pela primeira questo, a saber, que condigées presentes em solo norte-americano teriam constituido, de forma especifica, essa forma de fazer psicologia. Dentre varias s ituagdes que concorreram para a irrupgdo “desse projeto, destacamos duas: a) as necessidades politicas e administrativas decorrentes de um processo de modernizag do avangado préprio aquele pais; © b) as caracteristicas do sistema universitério norte-americano no final do século XIX, No que tange & modernizagio, pode-se dizer que, especialmente em meados do século XIX, assiste-se nos Estados Unidos, de modo semelhante a alguns paises europeus, a um galopante processo de urbanizacio que se expande da costa leste em dirego a oeste, por meio do avanco industrial ¢ de uma série de transformagdes institucionais, como a expansio do sistema escolar. Esse proceso demandou uma série de novos ajustes, exames ¢ controles Sobre os individuos, que Foucault (1977) denominatia poder disciplinar (of 122 capitulo 1). E nesse contexto que a psicologia passou a ter um papel ativo, classificando, selecionando ¢ ajustando 0s individuos a esses novos espacos clas ¢ as fabricas ~ ¢ auxiliando no bom uso da sua liberdade nesse admiravel mundo novo. as &: Como vimos no primeiro capitulo, herdeira da problematica do estudo da subj dos paises de lingua inglesa vincula-se forcas da biologia. a E nesse avango galopante da modernidade que o sistema universitério logia da experiéncia alema € jetividade, enquanto a _psicologia | tematica do individuo, ancorado nas_ norte-americano se expande, sem tanto peso da tradigdo que possuiam as universidades curopéias. Em certas areas, como a da filosofia ¢ das ciéncias isso implicava a adogio de novos modelos € paradigme os evolucionismos darwinista e spenceriano (¢f capitulo 6) human: , como, conduzindo 2 circulagdo de novos conceitos como adaptacao, fungdo e equilibrio na constituic&o de novas areas ¢ na abordagem de velhos problemas, como 0 do conhecimento humano. Essa expan 0 universitaria levou a constituig&o de novas e importantes universidades, como a de Chicago e a de Columbia, sedes de movimentos funcionalistas. 5 nesses centros € em outras universidades mais tradicionais, como Harvard, que esses novos conceitos serdo vigorosamente utilizados, nao apenas visando estudar processos naturais como a evolugio € adaptacao dos organismos, mas especialmente promové-los nos finos ajustes ¢ controles do mundo moderno em expansio. E neste sentido que se pode dizer que © movimento funcionalista conduziu a uma implementagio refletida e regulada das praticas disciplinares surgidas na modernidade. 0s primeiros psicdlogos norte-americanos /oQ/1 | Nesse proceso, alguns psicdlogos comecam a se destacar em centros L® ‘solados ¢ com diferentes relagées com a matriz. alema, Um primeiro grupo, claramente representado pelo inglés Edward Titchener (1867-1927) na Uni- versidade de Cornell, aportava nos Estados Unidos (no seu caso, em 1892), visando trazer a boa nova da psicologia alema. Esse psicélogo sera responsavel pelo batismo da psicologia funcionalista em 1898, ao tentar diferencid-la de sua psicologia, a estrutural, supostamente mais objetiva e oficial (gf capitulo 5). Titchener sera uma voz praticamente isolada no contexto da psicologia americana, pregando no deserto do novo mundo. 123 Um hegundo grupo, composto por psicélogos genuinamente norte- americanos, como Granville Stanley Hall, James McKeen Cattell ¢ James Mark Baldwin, freqiientou a Roma da psicologia do século XIX (Leipzig, na Alemanha) visando a obtengao da béngao institucional de seu papa (Wilhelm Wundt). Mas essa rigida formagao nao aplacou interesses diversos do modo germanico de produzir psicologia. Baldwin (em Princeton), por exemplo, tendo passado apenas um breve periodo em Leipzig (1885), foi um dos autores que, de modo mais evidente, adotou o pensamento darwinista, voltando-o para temas como o desenvolvimento infantil. Cattell, mesmo tendo sido 0 primeiro assistente de Wundt em 1883, ao retornar para Columbia dedicou- se ao trabalho de aperfeigoamento de medidas mentais para a classificacao dos individuos, crucial para a constituigdo dos testes mentais (gf capitulo 16). Stanley Hall, apesar de ser, sob orientagao de William James, o primeiro doutor Gia psicologia nos Estados Unidos em 1878, ¢ o primeiro aluno americano de Wundt (em 1879), ao retornar para a Universidade de Clark promove a implantagio de uma série de novas dreas e de um conjunto de novas instituigdes. F desta forma que se dedica a areas como a psicologia da infancia, adolescéncia e velhice, a psicologia da educagao, 0 sexo e a religido. Funda revistas (como a American Journal of Psychology) ¢ associagdes (como a American Psychological Association — a mais importante dos Estados Unidos), além de ser responsavel pelo convite, em 1909, para a vinda de Sandor Ferenczi, Gustav Jung e Sigmuid Freud para expor em linhas gerais a psicanilise (of capitulo 23), ou, nas palavras do diltimo, “trazer a peste para a América”. Umeerceiro grupo de psicélogos, composto por William James (em Harvard) e por Jot John Dey wey (1 nas universidades de Michigan, n, Minesota Chicago), dispensa claramente as béncfios da matriz germanica e implanta essa disciplina em territorio norte-americano a seu proprio modo. As primeiras tentativas de sistematizacao da psicologia sob a nova orientagao couberam a estes autores: Dewey, com scu livro Psychology (1886), ¢ James, com seu The Principles of Psychology (1890), mesmo que esses textos tivessem um aspecto pouco sistematico para os padrdes germanicos (Wundt considerava Os principios de psicologia de James como pura literatura). O livro-texto de James, ainda que posterior ao trabalho de Dewey (os primeiros artigos de James datam de 1878), foi fundamental para a constituigdo de um primeiro esbogo do movimento funcionalista. Examinemos no préximo item como se esbogam a psicologia ¢, em especial, a filosofia de James. 124 A psicologia ea filosofia de William James Para fins didaticos, é possivel dividir a obra de WinuiAM James em dois momentos: um psicologico (que vai da década de 1870 de 1890) e outro ‘filosdfico (da década de 1880 até o final de sua vida). O primeiro periodo tem como marco inicial a criagdo de um pequeno laboratério de psicologia, em 1875, na Universidade de Harvard (ao qual James, na verdade, nunca devotou grande interesse), ou, ainda no mesmo ano, o seu primeiro curso de psicologia, sobre As relagdes entre a fisiologia ea psicologia. Nesse periodo, o ponto culminante de sua produgao tedrica é, sem divida, a publicagao em 1890, apés 12 anos de elaboracaio minuciosa, de Os privciPios D de mil paginas encontram-se as principais idéias de James sobre t6picos tais como “habito”, “atengdo”, “fluxo do pensamento” e “se/f”. Vejamos um pouco PsicoLocl. Nesse tratado de mais de alguns destes temas, a comegar pelo tiltimo. Wittiam James nasceu em Nova York, em 1842, ¢ faleceu em 1910, em sua casa de campo na cidade americana de Chocorua. Em sua juventude, acompanhou o ento eminente naturalista Louis Agassiz em uma expedigao ao Brasil Médico, introduziu os métodos experimentais em psicologia na Universidade de Harvard, decisivos para a elaboracio de Os de psicalogia (1890). ‘Teve, ao longo da vida, interesse profiunco pelo estudo das religides ¢ temas misticos, deixando im livro importante sobre o t6pico: As cariedades da experiéncia religinsa (1902). Como filésofo, foi responsavel por aquela que éconsiderada a maior contribuigdo americana & Mlosolia: 0 pragmatismo. - fore errr ai Tue Prancipizs oF Psrcerotocr, no original. No Brasil, foi traduzido apenas o capitulo IX ~ “0 fluxo do fensamenio” —, presente na série Os Pensadores, da Abril Cultural, no volume dedicado a William James. Ha uma tradugio argentina desse tratado publicada pela Editora Glem (James, 1890). Em primeiro lugar, James interroga os limites daquilo que é chamado de “self”, “eu” ou “ego” (os trés termos sdo usados de forma intercambidvel, sem distingdo conceitual nitida), em oposigo ao mundo circundante. Em sua concepcio, 0 self’ nao é algo como uma esfera polida, com um espaco interior no qual cabem coisas, ¢ mergulhada em um mundo que a delimita externamente. O eu, afirmou James, é apenas “o nome de uma posigao”; uma espécie de perspectiva individual privilegiada a partir da qual o mundo émedido em suas distancias. Em segundo lugar, James concebe tais distancias - por exemple, a distancia entre o que é “aqui” ¢ “ali” — em fungao das agdes individuais sobre o ambiente: onde o individuo age é 0 aqui ou, em outro exemplo possivel, o momento em que ele age € o “agora”, contraposto ao momento de uma agao passada ou de uma agdo que ainda acontecera. Em aracterizada por certa fluidez: sem limites estabelecidos previamente ¢ com as referéncias basicas de tempo © espago definidas em fungao das agdes das quais esse mesmo self autor, Em razio disso, James constr6i uma nogio de self c 125 outras palavras, 0 self ndo existe como uma estrutura com certa organizagao psiquica, antes de suas agdes; ao contrario, ele passa a existir em fungao de suas ages sobre o ambiente! A posigao de James desconcerta o seu leitor, num primeiro momento, em fungao de sua originalidade. £ possivel dizer, em favor do efeito, que 0 proprio autor também ficou desconcertado ao chegar as conclusdes a que chegou. Na verdade, essa versio mais fluida de self é produto da fase final de sua obra, estando presente principalmente nos Ensaios sobre 0 Empirisma Radical (1905). £, contudo, resultado de uma longa trajetéria intelectual — trabalho de uma vida, nao seria exagero dizer — que comeca exatamente em cus escritos mais psicolégicos. Em um dos capitulos mais citados desse livro to abrangente, no qual James estuda 0 conceito de “fluxo do pens ‘amente em temos um excelente exemplo do modo como cle j bases sobre as quais, mais tarde, edificaria, em termos mais livres, as relagdes entre o self¢ o ambiente, Ao afirmar que o pensamento é continuo, isto é, que nao é fragmentado em partes, ele constitui a metafora que nomeara o avangava teori apitulo e entrar para a histéria como uma de suas principais contribuigdes ao estudo da psicologia. Escreveu ele: A consciéncia nao st apresenta, para cla mesma, cortada em pequenos pedagos. Palavras tais como “cadeia” ou “suc do” nao a descrevem adequadamente, tal qual ela se apresenta em primeira instancia, Ela nao € algo agregado; ela flui, Um “rio” ou um “fluxo” sio as metéforas pelas quais cla é mais naturalmente descrita. Ao falar dela, daqui por diante, vamos chamé-la de 0 fluxo do pensamento, da consciéncia ou da vida subjetiva (James, 1890: 23 A vida subjetiva retratada como 0 fluxo de um rio ~ correlata do conceito de fluxo do pensamento ~ & uma idéia poderosa que, associada a outras pecas conceituais do mesmo periodo € levada a radicalidade em escritos posteriores, é uma das vigas centrais para a caracterizagao final dos principais conceitos de James. Nestes termos, a consciéncia teria como propriedades basicas: 1) a pessoalidade; 2) 0 seu aspecto mutante; 3) a continuidade; 4) a referencia aos objetos; 5) 0 seu aspecto seletivo (James, 1890: 225). A anilise do como 08 “textos psicolégicos” de James, especialmente quando interpretados nceito de hdbito também sera iil 4 compreensio de ao lado dos “textos filos6ficos e religiosos” do tiltimo periodo, ja traziam as idéias mais importantes para a caracterizagao de seu funcionalismo. Sobre hdbito, hd tres topicos principais: primeiro, o destaque dado A sua base fisica ou neurofisiologica e sua participagao tanto nos limites do aprendizado de novos 126 habitos como na modificacio de habitos antigos; segundo, a apresentacio do habito como uma versio possivel das agées adaptativas de um organismo pectos funcionais do habito; terceiro, a possibilidade de alteragdo dos habitos pela ago voluntaria em referéncia a um meio; ou seja, a énfase sobre 08 z © 08 efeitos ético-morais a ela correspondentes. Os dois primeiros t6picos sao especialmente relevantes para o tema em questio. No primeiro t6pico, est presente um elemento central que € 6 do contraponto regular da preocupagao de James em conceber 0 habito em solo fisicalista, com seu interesse em determinadas implicagées de cunho etic . Fundamentalmente, ele langa metaforas naturalistas de efeitos tedricos e morais poderosos. Ou seja, James enuncia, com base em um vocabulario biolégico, definigdes sintéticas de seus conceitos principais, mas de sintaxc sufici ientemente ampla para que ele proprio, mais adiante, estenda largamente suas possibilidades de significacao. Sua metéfora central nesse conjunto de textos é a de que “um habito adquirido, do ponto de vista fisiolégico, ¢ nada mais que uma nova via de descarga formada no cérebro pela qual, desde entio, certas correntes aferentes tendem a seguir” (James, 1892: 137). No segundo tépico, James revela a posigao darwiniana ao destacar a utilidade adaptativa do habito. Ao dissertar sobre os “efeitos praticos do habito”, ele é claro: “Primciro, o habito simplifica nossos movimentos, os faz acurados e diminui a fadiga. [...] Segundo, 0 habito diminui a atenc’o 140-141). E, na continuidade, James enuncia sua segunda metafora naturalista: “Habitos dependem de sensagoes nao atendidas” (James, 1892: 143). O fundamental aqui é notar o quanto ¢ importante para um organismo consciente com a qual realizamos nossos atos” (James, 1892: a aqui consciente repousar. Em outras palavras, nao atender a uma icdlo ¢ manutengao da habilidade, ou capacidade, de fazer a atencio sacaio equivale a ascender a um tipo particular de repouso. Deixando a cargo do habito toda uma série de atividades mais ou menos cotidianas ou banais, embora fundamentais 4 conservacao da vida diaria, 0 organismo reserva a vida mental plenamente consciente outras tarefas e esforgos. Retomando o que se convencionou chamar aqui de primeira metafora naturalista, é possivel colocar em suspenso a nomeclatura neurofisiologica ¢ stentar a afirmacao mais simples de que um habi metafora de termos como “correntes elétricas” e “descargas cerebrais”, abre- campo para uma imagem de sel/menos comprometida com o vocabulario da neurofisiologia. Nao € que James tenha deixado de lado a fisiologia, mas, ao reduzir 0 seu interesse pela psicologia experimental, passa a falar do corpo, sl via, Ao se destituir a 121 utilizando-se mais dos termos da linguagem do dia-a-dia do que do vocabulario médico. Entiio, essa imagem de self; potencialmente delineada no segmento mais maduro da obra de James, tem como centro de referéncia conceitual um corpo humano e suas ages, mas nao restringe seu alcance semantico A gramatica do fisicalismo. Em suma, os conceitos de self, fluxo do pensamento ¢ hdbito fornecem indicag6es tedricas suficientes para a sustentacao da importncia de James para o funcionalismo: na obra desse autor, o foco esta sempre colocado sobre a fungao € nao sobre supostas “propriedades” de um organismo dotado de psiquismo. Dito de outra forma, na perspectiva jamesiana, o que um organismo 6, ou deixa de ser, decorre das fungdes que exerce ¢ das interagées com um dado ambiente. No entanto, como Dewey (1940) ressalta, a psicologia dos Princtpios de James ainda nao é plenamente funcional. Suas intengdes funcionalistas am na adogdo parcial da maxima oriunda de Herbert Spencer segundo a qual os fendmenos biolégicos e ps processos adaptativos entre as relagdes internas ¢ externas ao organismo. Ou ainda no balanceamento desta maxima com a proposta darwinista de selec3o ao acaso das variagdes do organismo, Essa psicologia seria prenhe de boas intengdes, mas seria travada por obstaculos, como um certo dualismo entre um sujeito conhecedor © os objetos a serem conhecidos, pos entidades naturais e dadas previamente a tarefa do conhecimento. Mesmo que este dualismo seja advogado como atitude do psicdlogo, seria um entrave se expre -ologicos se irmanam_nos ulados como a.um funcionalismo que toma essas entidades como construidas nas acdes do organismo (Dewey, 1940: 343 ¢ 354). Contudo, é na filosofia de Jame cada de_1880) ¢, mais especificamente, no seu pragmatismoque_a orientacdo (a qual se dedica a partir da d funcionalista ganha forga. Para termos de modo mais claro essa mudanga em seu trabalho, devemos recorrer a algumas definiges prévias de sua filosofia. Passemos a palavra ao proprio autor, Sobre 0 pragmatismo, este seria primeiramente um método, ¢ em segundo lugar, uma teoria genética do que sé entende por verdade” (James, 1907: 25). Em seu primeiro sentido, significa: “A atitude de olhar além das primeiras cois s, dos princfpios, das ategorias”, das supostas necessidades; ¢ de procurar pelas tltimas coisas, frutos, conseqiiéncias, fatos” (James, 1907: 21), Atuaria de forma a [...] extrair de cada palavra o seu valor de compra pratico, pé-la a trabalhar dentro da corrente de nossa experiéncia. Desdobra-se entio menos como uma solugio do que como um programa para mais trabalho, 128 € mais particularmente como uma indicacao dos caminhos pelos quais as realidades existentes podem ser modificadas As tcorias assim tornam-se instruments e no respos ansar (James, 1907: 20). s aos enigmas, sobre as quais podemos des O método pragmatista aqui exposto é originario do filésofo Charles Jers Peirce (1839-1914). Contudo, na sua apropriacao ha um deslocamento, e para Peirce este visav. pois, apenas extrair as “regras de conduta”, ou aces presentes nos diversos conceitos, para James este representava 0 estudo das das pelas tco € religiosas. Portanto, ao contrario de Peirce, para James a teoria da verdade, ou o segundo sentido para o termo pragmatismo, ¢ tida como conseqiréencia natural do seu primeiro sentido, enquanto método. Se o método pragmatico modificagdes na experiéncia tr .em especial as metafis une o significado & conduta, a teoria pragmatica da verdade implica a boa conduta em seu sentido adaptative. Devolvendo novamente a palavra a James (1907: 78. Nosso relato de verdade é um relato de verdade no plural, 0 processo de conduzir, compreendido in rebus (nas coisas), ¢ tendo somente essa qualidade em comum, que clas pagam, Cumpririam guiando-nos a alguma parte de um sistema que mergulha em numerosos pontos, em objetos de percepgio- senso, que podemos copiar mentalmente ou no, mas com os quais, de qualquer modo estamos na espécie de comércio designado verificagio. A verdade para nés é simplesmente um ni coletivo para processos de Verificagdo, do mesmo modo que a saiide, a riqueza, a forca, etc., so Tomes de outros processes ligados a vida, ¢ também perseguidos, porque compensa persegui-los. A verdade é feita, do mesmo modo que a satide, a “tiqueza ¢ a forga sao feitas no curso dos acontecimentos Verdadeira é 0 nome para qualquer idéia que inicie 0 processo de verificacao, titil ¢ 0 nome para s (James, 1907: 73 fungao completada na experiéncia Exposto em breves linhas o pragmatismo, deve-se em seguida perguntar: Jo as relagdes dessa forma de pensar o conhecimento com 0 movimento quai funcionalista? Mais do que a mera presenga de alguns autores, como Dewey, nos dois movimentos, para alguns comentadores a relagdo entre pragmatismo, ¢ funcionalismo é de pura semelhanga. Seriam, pois, duas faces de uma mesma moeda: 0 pragmatismo scria o funcionalismo filos6fico, assim como 6 funcionalismo seria o pragmatismo psicolégico. E deste modo que Angell se pronuncia: Nao desejo comprometer qualquer das tendéncias ao afirmar que a psicologia funcional ¢ o pragmatismo sao a mesma coisa. Na verdade, como 129 psicélogo cu hesitaria em atrair para mim a torrente de criticas metafisicas, provocadas pelos autores pragmatistas [...] De qualquer forma, sustento apenas que os dois movimentos decorrem de motivagao légica semelhante €, para sua vitalidade e propagagao, dependem de forgas muito semelhantes (Angell, 1906: 622). Contudo, mais concretamente, que implicagdes 0 pragmatismo tem para a constituig&io dos funcionalismos? A tese aqui defendida é que, dentro desses novos referenciais, a consciéncia e a experiéncia nao s40 mais abordaveis no afa analitico de decompé-las em seus elementos minimos, a fim de distinguir a verdade das ilusdes (como almejava a psicologia alema). Como nao ha verdade prévia, mas apenas efeitos de verdade, deve-se tomar a experiéncia consciente a partir de seus processos ¢ efeitos. E desta mancira que ela passa a ser considerada a partir da sua fungao em um duplo sentido: enquanto um Proceso dinamico (um ato) e como proceso organico dotado de finalidade adaptativa. Aqui, a experiéncia consciente se coloca conforme uma nova questo: para que serve? Como opera? Qual é a sua fung3o biolégica? Ainda que 0 objeto da psicologia se assemelhe bas! alema, a experiéncia passa a ser vista a partir de uma nova questao (a adaptacao), através de métodos diversificados que fogem da monotonia nte ao da psicologia da introspeccao controlada (os métados comparativos com os animais, as psicometrias, a observagao natural) ¢ regulada por um novo modelo de cunho estritamente darwinista. Essa guinada é crucial na historia da psicologia porque encarna o sujeito da experiéncia, avalizado pela psicologia classica como sujeito dos erros ou das ilusées do conhecimento em um corpo en adaptacao. Se a psicologia clissica, mesmo apoiada na fisiologia sensorial, estudou a nossa experiéncia imediata a partir do referencial de verdade da experiéncia mediata da fisica, tomando esse sujeito desencarnado do conhecimento como modelo, © funcionalismo denunciou essa ilusao, pass ando a conceber a verdade ¢ a 0 processos da vida, adaptagao e desadaptagiio. Em outras palavras, 1 fisiologia cede & biologia a fungao de ciéncia-guia da psicologia. Com isso, a cia com o mundo passa a ser de adaptaciio € nao mais de ilusao c ‘Felagao da con adequagio (como estabelecido pela psicologia alema). Vejamos de modo mais detalhado a encarnagio desse projeto da psicologia no proximo item. 130 As escolas de Chicago e Columbia Neste momento, podemos nos deparar mais claramente com a questao proposta no inicio do artigo, a saber: como 0 movimento funcionalista norte-americano deu uma feicio mais organizada e sistematica ao projeto da psicologia enquanto ciéncia e técnica de adaptagio. Apesar de nao possuir 0 ca ou © estruturalismo de Titchener (¢f capitulo 5), 0s principios funcionais se convertem em escolas no final do século XIX, ¢ justamente em duas das mais novas universidades americanas: Chicago ¢ Columbia. A primeira, como visto, ter engessado de um sistema como o voluntarismo de Wundt com Dewey (que se manteve ligado a psicologia apenas até a passagem para 0 século XX), Angell ¢ Carr; e a segunda com Thorndike e Woodworth. Nessas escolas marca-se 0 que poderiamos designar como orientagio funcionalista propriamente dita. O que seria essa abordagem? Deve-se lembrar, antes de tudo, que nesse periodo inicial da psicologia institucionalizada nenhum, psiclogo se distinguia nitidamente dos demais por sua escola, isolando-se do convivio com os demais, ou utilizando algo como uma etiqueta ou crach4, revelando a sua orientagdo. O que caracterizava uma escola era entao 0 convivio institucional de um grupo de psicélogos que operavam mais ou menos dentro de uma mesma linha, como no caso dessas escolas funcionalistas. De miais a mais, deve-se lembrar que 0 batismo dessa escola deve-se ao grande opositor dessa abordagem e paladino da psicologia germanica nos Estados Unidos, Titchener, na tentativa de distingao entre as abordagens estrutural ¢ funcional. Apesar de estas nao serem vistas como antagonicas, demarcam uma. tomada da consciéncia mais voltada para a decomposigao em seus elementos (abordagem estrutural, mais semelhante a anatomia), ou mais direci para seus processos ¢ efeitos adaptativos (abordagem funcional, mais proxima jonada A fisiologia), ou ainda voltada para a hist6ria da evolugao dos seus componentes (abordagem genética, andloga 4 embriologia). Contudo, essa disting’o se aprofunda, dividindo o campo da psicologia americana. ando a nascente psicologia funcional? Na seqiiéncia, demarcaremos algumas caracteristic: psicolog' nas suas duas principais escolas. A Escola de Chicago servird de linha mestra, Como foi se especifi s de! a , tal como se apresenta ainda que a de Columbia se imponha em certos temas. A primeira caracteristica dessa psicologia é a sua assistematicidade. p asslsLeDmaucIee Certamente isso facilitou a sua difusao € a delimitagao de modo mais amplo da psicologia como ciéncia e seni ca de adaptacao. Esse carater assistematico é reconhecido por seus proprios membros, como Angell (1906: 617-618): 131

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