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Isso quer dizer que 0 encontro do médico com © analista s6 possivel e pacifico a partir mesmo dessa antinomia radical das posigdes de cada um. O trabalho em equipe tem sido possivel por meio do reconhecimento das diferengas, e, conseqiientemente, do respeito e da consideracao pelo trabalho de ambos. E foi justamente partindo dessas diferencas que vim percorrendo o meu caminho até hoje, atuando no hospital como analista, percebendo o resultado do meu trabalho em muitos casos e analisando as limitagdes de minha agéo em muitos outros... Situado na Posi¢ao analftica e sem abandonar o discurso que lhe € préprio, 0 analista, quando pode lidar e intervir nas limitag6es existentes no hospital, sua atua¢ao pode ter um alcance e uma eficdcia muito maiores do que comumente pode-se imaginar.” MARIA LivIA TOURINHU MOKE1 TU. O QUE PODE UM ANALISTA NO HOSPITAL? MARIA LIVIA TOURINHO MORETT\. O QUE PODE UM ANALISTA NO HOSPITAL? \ AN N w | Casa do Psicélogoe = a Mania Livia Tourinto Morerro O QUE PODE UM ANALISTA NO HOSPITAL? oe Toa a Casa do Psicélogo® Re 4 5539999999999999960 (© 2007 Casa do Ptclogo Livia Etna Leda, E proia a eprougio toa ov prea desta publcagio pare qualquer lade, Sem avers poresrto doseitores Petits 2008 Baitores Ingo Bernd Gaer eS Dein Tot ‘Frodusio Grifica & Copa "Romta Via Nunes yseracto Copa Caleta de Vin Gogh (A cera 0 cachinbo) Revista acl Vs Sega altoragio Eletranica ab See Cacia ‘(Cimare Brasileira do Livro, SP, Brasil) ‘Wore, Mava Liv Touro ‘O que pe um sali no howl? / Mai Livia Toutsho Moret. — Boulos Cate do Piso, 201. Biogata BINS oe.sos Dados Internsclonas de Catalogo ma Publicagto (CIP) 1. Bespinis~ Aspens pcos 2. Pelagia clinca 2. Paco nia Forma prtiional olga como profi - Boalt ls o1at4 (0036211019 Tales para catibgo sintemitico: 1. Hosp Serger ages 36211019 2 Pilg el ar 3 1109 Impresso no Brasil rsd Bact “Se as coisas so inatingveis — ora! — isso Reservas ids os duiosde pblasoemngi pormgue ‘ndo & motivo para ndo queré-las.” casa do Psicslogo® Livraia Editora Lis, Mario Quintana us Mowto Colo. 1039 Vis Madsens~ 0547-01 ~ Sto Paulo - Bail “HL: (01) 3053600- B mai eaopsclogotieandepclogcom be ‘hep catadopsiolags come Dedicatéria Para Adriana e Femanda, que pela simples razdio de existirem me bermitem saber sobre 0 amor infinito, verdadeiro, leve... causas belissimas do meu feliz desejo. ‘hee RN OR TO "reer sn een ne AGRADECIMENTOS ‘Ao meu pai, por tudo que sempre foi. A minha mie, doce companheira, mio amiga que me condu- iu desde os primeiros passos, até hoje. Ao Toni, meu esposo, por estar do meu lado na luta da vida, € na festa também. ‘Ao Christian Dunker, amigo a quem tanto admiro, pela alegria ue me deu a0 ler e criticar 0 meu texto, ao escrever 6 preficio, Ao Prof. Dr. Lufs Claudio Figueiredo, meu orientador, pela Precisio com que orientou minha liberdade, por em fazer acredi- tar no valor das minhas idéias. A tantos ¢ tantos amigos, colegas, professores € alunos, médi- os € pacientes que contributram e ainda contribuem para a mi- he formagao. 7 AA79N27N7272999999399900 SUMARIO PrefCI0 2B Capitulo 1 O Que se Faz Quando se Faz Psicandlise? 0... 19 Capitulo 2 Capitulo 3 Pricanalista no Hospital: Obstaéculos, Limites e Aleances .... Capitulo 4 A Psicandlise no Cotidiano do Hospital ......snnnne Capitulo 5 Consideracées Finais—O Que Pode um Analista no Hospital? ... —— Q2I49355 9¥3999999399908 PREFACIO O Que Pode um Analista no Hospital? Maria Livia Tourinho Moretto, ‘Casa do Psicélogo, Sao Paulo, 2002. ‘Uma Aula Clinica Reconciliar a prética da psicandlise com o espago do hospital parece ser a tarefa maior deste livro. Curiosa reconciliacéo se pensa- mos que é-no hospital que ela aparece na heranga da tradicdo clinica francesa zepresentada por Charcot na Salpetriére, mas também por Freud no Hospital Geral de Viena e igualmente por Lacan em Saint Anne. Nao se trata de uma circunstfincia européia. Juliano Moreira, Franco da Rocha e Durval Marcondes eram ao que se saiba médicos ¢ reconhecidos como grandes clinicas. A histéria da psicandlise no Brasil mostra que bem antes do surgimento de cursos de psicologia ji no apenas se falava em psi ara que mais de 50 anos depois seja Preciso um livro como ode Livia Moretto para nos afimmar a pertinéncia ¢ incidéncia da psicanalise no hospital? Mudou a psicandlise ou mu- dou o hospital? A argumentacio de Livia 6 clara einretorquivel:fsica- nile. Nao psicoterapia de base analitica, escuta analitica ou trabalho vicissitudes, limitagdes € inquietagGes. Esse retomo parece trazer con- sigo algo que andava um tanto quanto esquecido tanto pela psicané- lise quanto pelo hospital, ago que marca profundamente a origem de ‘ambos 05 campos, ou seja: a cena clinica. 4 © Que Poor we Anausra no Hosa? ‘Uma cena que se vé subvertida e reinventada pela psicané se. Muito se diz que a cl é a supremacia do protocol ciondrio de regras anénimas. inicar requer um pensa- icada, logo desejo. Finalmente clinicar np E neste espago formado pela ética, pelo saber e pelo poder que Livia estabelece as bordas de uma experiéncia. © livro que se tem em mos € portanto, de safda, um livro propedéutico. Muito antes de ser apropriado pela mex \-se a0 que prepara pata o ensino mas também o que antecede uma formacéo ética. Neste sentido trata-se de um estudo que cria condicées, trava premissas e marca diferengas sem no entanto si periéncia ou fazé-la reduair-se a reprodutil Neste sentido o texto contém uma cur E um texto sumamente clinico que pode ser lido como uma recordacéo aos médicos sobre sua propria cena priméria. No entanto quando a psicandlise volta ao hospital a cena clinica j tra. E Outra cena. Agora ela chega como discurso em exterioridade a ordem médica, nao mais como intimidade anémal A diinica é soberana, mas 0 que é a clinica? Seria o seu rigor 0 rigor da cigneia? Seria sua ética a do hospital? Neste caso qual deles? ~0 da hospitalidade ou a do hospedeiro, ow ainda o do hospitalsmo? Seria sua forga extrafda ou deduzida da ordem médica? E realmente impressionante como ao estabelecer clara e dis- tintamente as premissas da aco do analista, ao retomar ponto a Ponto os princfpios de método e os fundamentos éticas da psicand- lise o presente texto ultrapassa questées cléssicas na rea. Vemos como nas relagdes entre medicina e psicandlise, assim como nas relagdes entre psicologia e psicandlise, pululam nao falsas ques- tes nem equivocos produtivos. O que vemos so simplesmente problemas mal colocados. Vemos desconhecimento mais que igno- Fancia. Depois do trabalho de Livia fica um certo rubor nessa his- ria, Como, durante tanto tempo motes vazios tais como “Nao se faré psicanilise no hospital, afinal nao h4 condigdes para isso” pu- deram funcionar longe de qualquer exame mais apurado da ques- ee cane i | i i | | i 5379900 Pasrécio 1b ie se pede 14”. “Nao é isso que se precisa 1." inte se fard em relacdo & escola, As instituigdes mesmo 20 hospi desta interpelagio: perguntar. Que psicanglise é esta q de uma profiss4o e aos conformes de sua integracdo so Neste sentido Livia subverte a légica do territério e da disci- plina que condena cada um ao seu lugar e o seu lugar a cada um. Légica cujo produto é a luta pela hegemonia, pelo lugar do outro. Com elegancia ¢ ponderago vemos candlise que nao € nem a de concorréncia & medicina nem propria- mente de submisso. © que se acompanha surgir € a forga da clinica Mas isso nao sera feito por solugées bio-psico-sociais, nem qual- quer mistura com! de posigao, distincao de meios, reconhecime da hierarquia. A diferenga, portanto, funciona de modo cons tivo ¢, curiosamente, pacificador. A rtorialidade nao indica ara a ago, mas ne- cesséria exclusdo, reflexdo constante sobre a assimilagao ¢ justifi- cago de seu fazer. Nao é preciso responder a demanda, da ordem médica nem do paciente ... mas também nfo € preciso recusécla, E isso que Livia mostra, verdadeira experiéncia dialética forma sobria e humilde ela nos dé um testemunho de como faz. Como em qualquer outro lugar est af o psicanalista: ndo integra: do, nao adequado, impostura necessdria, entio que € este procedimento de coragem intelec- tual que permite apreender Psicanalitico de uma prética. Isso intermédio de uma apresentagio do préprio trata- ria € feita tr8s vezes ao longo do livro, Primeiro através de uma exposigdo teoricamente rigorosa € extremamente acessfvel do desenrolar do tratamento. Segundo por um reexame desta trajet6ria considerando minuciosamente as con: dig6es particulares do hospital e da ordem médica que o constitui 16 (©.Qve Pove un Anausra No Hose ‘como sistema simbdlico. Terceiro pela apresentacdo circunstanciada de doze casos clinicos onde pode-se verificar os temas, problemas ada, em acordo com a experiéncia que ele testemunha. Aqui Livia revela sua destreza como pesquisadora. Afinal trata-se de uma dissertagdo de mestrado pela PUC-SP. Dissertacdo em primeira pessoa, densa em conceitos préxima no estilo enunciativo. Adequado portanto tanto a textura do problema quanto a natureza da argumentacéo: teste- ‘munho clinico. Evita-se assim equivocos comuns. ‘mento tem se a impressio de que 0s casos funcionam apenas para ilustrar 0 j& sabido, ou que as discussées em tomo da ordem médi- ca so meramente acess6rias a uma posigio ja resolvida. Pelo con- trério € sempre a clinica quem da a muitas vezes 70. Acompa- nha-se passo a passo a vide das pessoas em torno do transplante, 0 drama da internacdo, a tragédia da finitude. Inversamente de- cantam-se nessas histérias clinicas as boas e mas intengSes, 0s acasos constitutivos, as formas mais cruéis da repetigao e do Real Aqui cabe mencionar o lugar crucial que um texto como este assume no atual panorama da producéo brasileira no campo da psicandlise de extracfo lacaniana. Apés um primeito momento caracterizado pela decifracao e apresentagio dos conceitos funda. mentais tivemos uma segunda etapa dominada pelo tema das co- nexdes. Enc ‘se pouca noticia sobre a pratica clinica, uj apresentacéo parecia estar precedida de intermindveis prologos condicionantes. Isso se compreende na medida em que se formara ‘uma reserva consensual com relacio & retGrica do experienei: caracteristica de algumas préticas psicanal légicas. Estamos v empirista em psicandlise. Mas, eis 0 equivoco: experiéncia nao é empiria. Se 0 caso nao diz nada em si mesmo, se o mero relato, descrico ou apresentagio vivencial simplesmente no é argumento, coloca-se entdo a questao: como testemunhar esta experi Como transmiti-la no universo pat critico se pode dar aos proclamas de eficécia ¢ retido metodolégi- ca, Para que a clinica tenha a cltima palavra é preciso saber pro- 22929900 rhc " duzir a experiencia do conceito € 0 conceito da experiéncia, £ preciso trés voltas como o fez Livia, todas elas diferentes em sua identidade estrutural. © conjunto fica portanto com este formato de um auténtico romance de formagio (Bildumgsroman) onde de forma espiralar re- encontramos os principios elementares se repetindo produtivam te, No caminho comeca a falar aqui e ali o cotidiano do b ital Na mais pura tradicdo freudiana vemos reaparecer os conselhos 40s jovens psicanalistas diante do desafio da cl como conseqii nao o sintoma pré constitufdo, a formagéo da demanda, a localizae io do sintoma, @ atenedo transferéncia: temas que véo forman- do uma trama sem regras, uma regularidade sem normas. Os casos apresentados sio, nesta medida uma aula clinica. Nao se vé a marcha triunfal de um saber em exercicio retiineo, nem a ret6rica do sucesso. Muito mais préprio para a cena de que se trata o tom predominante 0, de investigagéo criativa, de hesitacao refletida; uma verdadeira aula — 229939009 Capitulo 1 O Que sz Faz QuANDO SE Faz PsICANALISE? dida: no se pode fazer Psicandlise no hospital. Di @.uma certa altura da minha caminhada profis envolvido intimamente com a teoria e a pritica psi 4 a0 ser contratada para trabalhar num hospital, e ndo sabendo enxer- gar os fatos com outra lente que néo fosse a da Psicandlise, me Perguntei o que entdo faria um analista no hospital, tendo de dei- xar de lado aquilo que sabia fazer? Diante da variedade de propostas psicol6gicas, me deparei com a inconsisténcia das mesmas. Jamais acreditei que fosse pos- sivel um caminho psicanalitico reversivel, muito menos que fosse possivel um desvio da estrada psicanalitica durante as horas que © profissional estava no hospital, bem ou mal, escutando qual- quer coisa que se dissesse. Mas se eu estava num hospital me propondo a trabalhar, foi Porque assim escolhi. E, portanto, tomando desejo “proibigéo” da atuacao psicanalitica como urna questo inclusive e, principal mente, de andlise, comegou a nascer este trabalho. Figuei a me perguntar vérias coisas. Primeiro, talver numa de- monstracéo de teimosia peculiar, se néo era mesmo possivel fazer re 4 1.1. Em busca de um lugar A questio surge a partir de uma negagéo amplamente CUBU = sche ae de gnloma a Loquea = OS Yortos tovaptulices pleliace 122 bem elan. Nae prev da cem 20 (Que Poor ws Anausra no Hosea? Psicandlise no hospital. Resolvi que no poderia aceitar isso como uma verdade irrefutdvel antes de testé-la. Tomei forcas empresta- das da frase lacaniana “No recuem diante da psicose” e modifiquei isso para mim: no recue diante do hospital, ai ha gente que fala e, mais ainda, que deseja, que precisa falar. Ora, se um fala e outro pode escutar, havia pelo menos uma “luz no fim do wine”, talver fosse possvel erabalhar. E avancei em diregio ao Inconsciente. Evidentemente, a0 mesmo tempo que resolvi iniciar esse ca- minho, até para testar a minha hipétese, procurei entender o ‘por- qué ndo da Psicanalise no hospital. Os argumentos que encontre, estes sim muito consistentes, eram também questées para mim. E com um estatuto de questo, careciam pelo menos de uma tenta- tiva de resposta pensada, Entre esses argumentos que poderiam impossbilitar a Psica- nélise no hospital ou, melhor dizendo, entre aquilo que para mim ram quest6es, estavam as seguintes: Como se pode fazer Psicanélise quanto entre paciente e ana- lista esté a instituiglo? Como fica a questo da transferéncia? + Como se pode fazer Psicanélise fora daquilo que se deno- minou setting analitico? * Como se pode fazer Psicandlise em tio pouco tempo de contato? + Como se pode analisar alguém & beira da morte? Qual seria a atuagdo do analista perante a equipe ultiprofissional? * Como fica a questo da demanda de anélise, se no hospital quem se oferece € 0 analista? Enfim, 0 que quero dizer € que transformel esses argumentos que poderiam imposibilitar a Paicandlise no contexto hospitalar em ques- tes minhas. E comecei o meu trabalho de pesquisa, praticando. Foi preciso definir ou talver redefinir a Psicandlise, a cada bstéculo que surgia no meu caminho. Talvez seja preciso explicitar a situagio que encontrei pela frente, para esclarecer o meu percurso. Diante do ainda desconhecido, uma coisa eu sabia, e isso me deixava tranqhila; 6 tinha de escutar, observar. Porque um analis- ee erence mance (0 Que se Faz Quan se Fae Panis? 2 ta pode no saber o que fazer, mas 0 que nio fa te, ele sabe. Percebi logo que néo viria um justo do que perguntar a quem me contrata “o que queres de mim’. Doce iluséo! Essa resposta nfo vem, pelo menos de forma clara ¢ Comecei a entender que era preciso interpretd-la, decifrd- io nao era de todo mau para um analista fazer isso, at a partir do siléncio do outro néo deixa de ser um risco grande, pois 0 perigo € que a conclusio seja fruto apenas do imaginério do analista e que ele comece a atuar referenciado no seu desejo, e nao na demanda de quem contrata 0s seus servicos. Essa é uma das coisas que um analista nao deve fazer. E necessario interpretar a partir do que se escuta; s6 mesmo a palavra se presta a uma interpretacao analitica Surpreendentemente, 20 perguntar literalmente “o que queres de mim2”, respostas vagas e imprecisas me levaram a supor que @ instituigo — ou aqueles que a representam — néo sabe de fato 0 que deseja (no sentido psicanalitico do termo desejo) de um psicélogo, ‘muito menos de um analista. Levando a sério o distanciamento que existe entre demanda e desejo, quer dizer, que nem sempre aquilo que se demanda corresponde a0 que se deseja, que na grande maioria das vezes quando se demanda néo se faz a menor idéia de qual € mesmo o desejo que determina essa demanda, percebi que a de- manda da instituicio € clara e objetiva, No entanto, para complicar a situaglo, é uma demanda que nio pode ser respondida tal como ela € formulada, porque, em cltima andlise, ela é distorcida. Comecei a fazer a analogia, que para mim foi o infcio da Psica- nalise no hospital, da instituigio com o pactente atrapalhado, que chega 20 nosso consultério sem saber muito bem o que quer do profissional, pensando apenas que ele pode resolver algo que ele, 0 Paciente, nao sabe exatamente do que se trata, mas que por si s6 ‘do conseguit resolver © que por vezes sequer tentou. Apurada a demanda da instituigdo, esta era da ordem do acal- mar, eliminar qualquer espécie de angistia que estivesse circulan- do no at, convencer os pacientes de alguma coisa que ainda no se conseguiu, de socorrer aquele, qualquer que fosse ele, que esti- vesse despencando, 2 (©.Que Pooe ws Anausta no Hosea? Pus-me a pensar nesses pedidos, nesses significantes: acalmar, 1, socorter, convencer. Decifeei isso como “tapar \ com © meu imaginério; nfo daria certo. Resalvi apurar 0 que, em iitima anilise, era eliminer angtstia. Eu sabia que a tnica forma para atender a esse pedido era provocando 4 fala, ¢ iso por um lado me trangiilizava, porque essa nfo é uma tarefa impossfvel para um analista; muito pelo contrério, € isso que ele tem de fazer. Mas, por outro lado, dizer prontamente “sim, eu eliminarei angtisti- as" seria estar me colocando numa posigdo de saber insustentdvel, ou, relhor dizendo, seria assumir a posigdo de um Outro absoluto, capac de obturar a fenda existencial inerente a cada ser humano e desta for- ma fechar qualquer possibilidade de “salvago” do suje ive, de salvar-me enquanto uma profissional recor , inclu- ‘da, no mini- mo, como promissora. Penso no paciente do consultério que chega nos pedindo que faga com que ele amanheca o dia seguinte sem angiistia, sem querer falar o que the angustia, que ele deixe de ser es relancar o discurso de la, € perder o paciente. Dizer ndo A instituiggo que Ihe ture buracos €, sem sombra de diividas, perder o empre~ lencio responsével, no sentido de que ele € demanda, que provoca no ouvinte a suposicao de saber. Pois bem, suposto o saber, ou, melhor dizendo, colocado o analista nessa posi- 40 de sujeito suposto saber (posigéo esta imposta pelo préprio ana- lista e que de certa forma nao deixa de ser uma impostura neces- uma resposta a essa 1 4 ‘ } 3399000 O.Que se Faz Quinvo st Fa Prcanuse? 2B siria para que se faga Pai profissi- onal), descobri que hé ur ita na instituigao. E é 36 a partir desse lugar que ele pode operar analiticamente Que lugar € esse? 1.2. O percurso de Freud Eis af 0 xis da questéo: definir as condigdes necessérias para que uma Psicandlise seja, de fato, Psicandlise. Em que consiste 0 carter analftico de uma pratica? Essa questo toma-se fundamental porque quando escutamos alguém dizer que € psicanalista, nio temos elementos necessfrios, 6a partir da palavra psicanalista, para entender o que € que esse alguém quer dizer com isso, ou seja, o que € que ele diz que faz quando diz que é psicanalista, que faz psicanilise. A principio, imaginamos que no mfnimo é alguém que leu Freud e trabalha 0s conceitos de inconsciente, sintoma, resisténcia, transfe- € interpretagéo. Se isso fosse tudo, nao existiriam controvérsias entre psicana- listas, ndo existiriam psicandlises psicandlises, no existiriam as diversas insticuig6es, cada uma delas defendendo uma linha de trabalho, e cada uma delas afirmando com a méxima conviegio que aquelas que praticam é a verdadeira Psicanélise, € 0 fel cum- primento & descoberta freudiana ¢ que o outro que se diz psicana- lista e que no segue a cartilha da mesma escola € um impostor, um irresponsével, um charlatio, e coisas do género. (© que nos interessa no é “levantar bandeiras", mas é, a prin- fpio, examinar com clareza essa variedade de interpretacées que a partir da obra de Freud fez germinar tantas “psicandlises” e, con- seqiientemente, tantos tipos de psicanalistas, e o resultado disso é io no que diz respeito aos conceitos te6ticos, & articulaco destes, ou seja, & prética psicanalftica. Isto porque 0 que nos interessa é uma igo, se € que isto € possivel. Entao, diante dessa briga pela legitimacéo da Psicanilise, vale a pena ‘que nos decidamos, o mais criteriosa ¢ rapidamente possfvel, para 4 © Que Pove un Anausta no Hostras? podermos praticar E preciso que tenemos sempre saber o que estamos fazendo, para que néo fagamos “qualquer coisa”. O que € evi procedimento fr fica dizer que € preciso tomar ou retomar sempre Freud como referéncia. O que temos absoluta certeza & que os diversos psicanalistas néo discordam entre si no seguinte: ndo hd psicandlise sem transferéncia. E 0 que € a transfe réncia, esse elemento fundamental comum a toda e qualquer pré- tica psicanalitica? 3 comecar a tomar essas quest6es a partir de uma busca de rigor teérico, ético. Tentemos uma formalizagio tedrica do pro- cedimento freudiano, para que esta no seja confundida com um formalismo prético A descoberta freudiana no seria propriamente a existéncia do Inconsciente, mas a formalizacio deste como um fator determinante do psiquismo de um sujeito humano. O axioma do determinismo psiquico € 0 axioma da Psicanélise. O que Freud fez a partir dessa descoberta? Inventou o psicanalista, aquele que se propSe a analisar o psiquismo, aquele que, por meio de um proce: dimento bastante especifico, promoveria a revelagio do Inco ente com 0 objetivo terapéutico de livrar 0 sujeito da angéstia causada por aquilo que é seu, mas do qual ele nada sabe, Portanto, se a Psicanélise é um procedimento terapéutico, 0 que se pode considerar, a principio, € que ndo I andlise sem analis- ta. Um analista é aquele que se propoe a tratar de s do axioma do determinismo psiquico incons: te € que © que sustenta uma psicandlise € 0 iano. Isso si ica difere nitidamente de qualquer outra que no tenha ‘mento hipnético e da utilizacao da sugestio, esté na conviegio de que é preciso que o sujeito tome conscigneia de que ha nele pré. prio algo inconsciente, sob © que chamou de recalque, determi nando 0s seus sonhos, os seus sintomas. Os seus chistes, suas ativi- dades e seus atos falhos, enfim, o seu discurso. Isso quer dizer que © sujeito ndo é, de todo, senhor do que diz; hé um outro que fala o.Quese Faz Quan se Fea Pacaduse? 25 nele. Entdo, a proposta de Freud (que em verdade foi uma suges- tho de uma paciente) foi de que o paciente associasse livremente, falasse tudo que Ihe viesse & mente, pois s6 assim seria possfvel a0 analista detectar esses elementos inconscientes que apareceriam no seu discurso, quando menos 0 paciente esperasse. Foi essa convicedo que caracterizou um primeiro momento da co que Freud fez a respeito do analista. No infcio, para 10 tratamento, 0 analista freudiano precisaria ser sufici- observador, inteligente e sagaz para captar e decifrar os, 1e eram contados com sofrimento, ea partir dessa decifragio revelar para o paciente o xis de seu sinto- rma-enigma. ss0 demarca uma posigao do analista diante dos mis- itados na fala do paciente: a de que ele sabe e que vai saber para fazer desaparecer o sintoma. A Psicanalise foi, em primeiro lugar, a arte de interpretar. ‘Tudo teria continuado como estava se o Inconsciente, a princt- pio décil, nfo tivesse se fechado as intervengées analiticas, ¢ Freud teve, entdo, de se dedicar @ anélise das resistencias, pois ele logo percebeu que a forca que fazia com que o paciente desobedecesse a regra fundamental da associagio livre era a mesma que mantinha vivo o sintoma ¢ chamou essa forga de resisténcia. Era preciso entao que se encontrasse formas para superar essa resisténcia, esse fecha- mento do Inconsciente, curiosamente também promovido pelas in- tervengoes do analista. A partir do momento que essas resistncias fossem superadas, Freud acreditava que sobreviria a consciéncia do paciente esse outro, esse estranho a0 sujeito, mas que reside nele resto. A partir do momento que este estanho se tomnasse familias, isso promoveria a resolugio de todos os conflitos neuréticos, € 0 su- jeito poderia entdo considerar-se (ou ser considerado) curado. Um fato curioso ¢ que merece ser ressaltado que, apesar dos esforcos do analista para abrir o Inconsciente & decifragio, “pro- © Inconsciente se fecha, ¢ a0 se ia de Freud sobre o que seria no texto “Recordar, Repetir e Elaborar” de que para curar-se preciso que o sujeito recorde 0 que foi esquecido, preencha as lacunas de sua mem‘ a fim de trazer & consciéneia aquilo que, estando sob represséo, no 26 © Que Pove on Anausta no HoserraL? Inconsciente, provoe: entio, a partir da di 0s 0 seu ugestio hipnética, e assim que percebeur que 0 paciente ia as suas decifragées, i cago ao paciente. Se 0 paciente as decifracées do analis- ta, Freud acreditou que comunicando a ele que ele resiste e ori- dizer que isso The era nocivo, 0 pacien- se pot abandonar essa resisténcia dita maléfica para recordar-se do que havia esquecido. Convicto do que estava fazendo, pois seguia uma seqiiéncia Goes te6ricas, quando fica e terapéutica para os males da mente humana, para sua gran- de surpresa comeca a surgit um fato absolutamente inesperado; no entanto, perfeitamente Amor Transferenci: 1915) ele nos conta que suas pz uma certa altura do tratamento analitico, diziam que j ndo preeic savam recordar de nada, que jé estavam curadas dos problemas gue as fizeram buscar um analista e que agora se encontravam em estado de paixio, amando aquele que as escutava, © que, portan- to, j4 no se interessavam mais pela anslise, e sim pelo analista Poderiamos arriscar dizer que isso que Freud veio a chamar de amor transferencial nao estava, de forma alguma, previsto em sua teoria. No entanto, ele se sai muito bem, a partir do momen- to que interpreta esse novo elemento como fazendo parte dessa relagio mesmo entre analista ¢ paciente, endo como um obsté- culo externo, que, entanto tal, seria impossivel de ser alcangado ¢ tratado pelo préprio dispositive que havia criado, 0 dispositivo eud, ainda em “Observacées sobre 0 Amor ‘Transferencial” (1915), nos diz que esse elemento surge, a prin- ipio, como um elemento parasitirio do trabalho analitico, que € Praticamente a criagao de uma nova neurose no lugar da primei- 1a, € diz também que isso seria um fenémeno inevitével, pois €, antes, a mais pura expresséo da resisténcia. E ficamos a nos perguntar por que, no momento em que o analista, confiante na boa vontade, no empenho, e no desejo de 99990 Que se Fez Quan se Far Pacansise? n cura que paciente teria, se propde a realizar os esforcos terapeu- ios para atender a demanda de cura que Ihe fot fei- esse momento que o paciente resiste a0 tratamento? Por que ele age com o analista como se 0 analista nao fosse um profissional que esté ali para traté-lo, mas uma pessoa que the € familias, como se com ele tivesse intimidades e estivesse absoluta- mente & vontade para cobrar-lhe o amor que acha que merece! Se Freud entendeu esse surgimento do amor transferencial como uma expressio de resisténcia, © que podemos nos perguntar é: a que havia detectado a resi le comunicava ao paciente que ele resistia. O que € cutioso e importante € que apés essa comunica- fo € que o paciente passa a expressar essa afeicdo peculiar pelo seu sta, 0 que significa dizer que a inesperada transferéncia tem io evidente de satisfazer & resistencia. Portanto, conclui- ‘mos: diante da resistencia, quanto mais a tocamos, mais ela aumen- ta. Se comunicarmos ao ego do pacier sse que pediu desespera- do uma ajuda terapeutica) que ele resiste & cura, ele vai, em segui- da, “desist” dela, através da criagio disso que Freud denominow de uma nova neurose, da neurose transferencial. Mas, voltando & questo acima, a que o sujeito resiste? Freud percebeu que desde 0 comeco o paciente vem resistindo as suas inter- vengoes parece que ele resiste a um sofrimento Ora, se 0 paciente era forcado por seu analista a desstir de sua resisténcia para recondar-se do material que estava sob a forma da censura, ¢ mesmo assim ele continua a resistir também pela neurose transferencial, de- dluzimos daf que o paciente resiste & revelagéo de um saber. Portanto, para ele, a revelagdo desse saber, as custas da superacio das resistén- clas, estaria significando um sofrimento maior. No entanto, sabemos que 0 sofrimento maior para qualquer eur6tico tem sempre a ver com a reedigdo de sua castragao constitutiva; quer dizer, 0 neurGtico & aquele que no suport der nada, € aquele que vive maquinando formulas e estratégias Para nao perder mais nada, de nenhum lado. Ao passar pelo pro- cesso da castracao (0 que evidentemente é o que estd sob recalque), cle deixou de ser objeto félico da mie, objeto primordial do desejo ae 28 (© Que Pove us Axausta no Hos wgularidade de cada caso, a trama neurética sempre vai girar no sentido de recuperar (tentar recuperas, melhor dizen- do} 0 que ficou perdido para sempre Sendo assim, o paciente neur6tico resiste a revelago de um saber que tem a ver com a sua castragéo, com a sua falta primordial. Poderfamos dizer que 0 neur6tico nio se sabe faltante, embora sinta pr6prio anal alguma coisa, ele se deixaria passar de novo pelo dissabor da lem- branga da castragéa? Em roca de amor (e no do saber que Freud propunha), em troca de encontrar o objeto que vive a procurar ¢ nunca encontra, 0 objeto que quando pensa que encontra logo des- cobre que no € exatamente ele que the propor: filca de ter encontrado o par perfeito. Enfim, passamos a entender melhor como é que o paciente passa da pura resisténcia para express4- la por meio da neurose transferencial (“nao quero saber de nada, ‘quero amar e ser amado"), atualizando, a0 mesmo tempo, sua proble- imdtica estrutural: ele no quer saber-se faleante; prefere a ilusio de ser completo, se é em toca disso, de ser objeto de desejo do Ou- tro, amado ¢ amante, sentindo-se néo-faltante, ele abendonaria toda yna a sensaco psasse esse “esforco”, col cando-se como par amoraso do paciente. Isso nos faz pensar que, de certa forma, 0 desejo expresso por seu paciente, a revelacio desse desejo pessoal que, ra a expressio de uma necessidade de reconhe- cimento pessoal foi fator determinante para que as coisas chegassem a tomar esse rumo. Quem de nés nunca percebeu, em nossas clini- cas, que quando desejamos muito a “melhora” de um determinado paciente, € num determinado momento da andlise deixamos esse imbuir-se em nossa fala, promovernos essa “melhora" com uma facildade assustadora? Por que isso acontece? Porque tudo que um neurético deseja é ser objeto do desejo do outro. E € nesse momento (0. Que seat Quanvo s Far Pacasiuse? 2» de suposta “melhora” que podemos imaginar que ele regride no ca- minho que vai em direcdo A cura, porque ele, a0 supor-se individuo completo, sem faltas, se distancia do que Freud propunha, logo no inicio, que viesse a ser um sujeito tratado, aquele que se sabe divi- dido, que tem um inconsciente que the determina. Podemos ento desde j, que 0 caminho da cura analtica nfo propoe a inte- gragio do sujeito que é estruturalmente, dividido. Portanto, haveremas de ter cuidado com 0 nosso desejo pesso- al quando nos propomos a dar inicio a uma andlise, porque se a cura analitica fosse apenas, como Freud pensou no inicio, a elimi- nagéo do sintoma original, se nfo tivéssemos de tratar dessa nova eurose, a Psicandlise seria uma tarefa terapéutica bastante sim- ples, e, sabemos, isso nao € verdade. Pois bem, no era o que Freud esperava como resultado de suas pesquisas ticas a criagao dé que € importante assinalarmos nesse momento é que esse fendme- no amoroso fez Freud descobrir que analista néo exterior a0 psiquismo daquele que vos fala. O analista faz parte da economia psiquica © pouco sabe sobre ela ‘Mas estamos percorrendo esse caminho para tentar der & pergunta: “O que se faz quando se faz Psicandlise?". Jé vimos que no inicio fazer Psicandlise era decifras, interpretat o Inconscien- te. Logo depois, fazer Psicandlise passou a ser analisar as resisténcias que impediam a decifracéo do Inconsciente. Freud achava que su- peradas essas resisténcias via comunicagéo do analista ao ego do Paciente, este decidiria por abandoné-las em troca de lembrar do que, por alguma rario, havia recalcado. Freud chegava a insistir com o paciente que se antes ele havia recalcado 0 material porque sofreria com a tomada de conscigneia dele, que hoje, com a ajuda dele, analisea, o paciente teria garantia de que o softimento, se vies- se 8 tona, seria menor do que o softimento que ele estava tendo com © sintoma atual. E nem assim Freud conseguiu ter sempre éxito em sua tarefa terapéutica, tomando, a partir de entio, como iiltima es- Peranga aquilo que chamou de neurose transferencial lo ele percebeu a emergéncia do amor transferencial como uma expresso da resisténcia, também conseguiu perceber 2 (O.Que Pove wm Axausta no Hosea? outras formagdes do Inconsciente ¢, portanto, seria ser interpretado como as outras. E talvez de mat gosa, pois, segundo Freud, se na neurose origin quando o desejo se aferra a um elemento muito particular, que € a figura (endo a pessoa) do analista Em ‘A Dindmica da Transferé tiglo € descreve 0 sujeito como possuindo clichés esterestipicos, que se repetem de forma constante, reimpressos no decorrer da ida de cada um. Diz que a transferéncia € 0 momento em que o cluido nesses esterestipos, 0 momento em que a carga roduz 0 analista numa dessas séries psfquicas que 0 paciente constituiu no decorrer de sua existéncia ta como mais uma formacao do Inconsciente € preciso lembrar que a relacdo analista-paciente néo comporta a mesma exterioridade, por exemplo, que conserva a observacio psiquidtrica, O analista € colocado num lugar no psi- quismo do paciente, ¢ ele precisa fazer um born uso disso, pois é a partir desse lugar que ele vai poder operar, lugar este qu comunicado pelo paciente como conseqiiéncia da oferta que f cle de escuté-lo, na medida em que diz o que the vier & mente. Freud, entdo, nos diz que € s6 no campo da transferéncia que ‘8 neuroses podem ser combatidas e, portanto, nos pede que s6 interpretemos quando a transferéncia jé tiver se manifestado, pois a emergéncia da transferéncia indica que os processos inconscien- tes foram ativados. E nesse sentido que, para definirmos quais sho as condigdes necessérias para que uma anélise se dé, partimos do principio que ndo pode haver andlise sem analista, e que um analista para fazer Psicandlise, tem de levar em conta a transferéncia, por que sem isso ele ndo tem instrumento posstvel de trabalho. 999399080 (0 Que Faz Quanvose Fas Pacanause? 3 notarmos a evolugéo de Freud, ao longo de sua obra, e da postura dele ec ‘lacdo a esse combate. Na Conferéncia XXVII: “A Trans- 1917), ele diz que o fato de o paciente deslocar a sua libido para o analista desenvolvendo uma nova neurose nfo € 0 pro- blema maior porque a partir desse momento o problema maior esta- va resolvido; ele podia dizer que o sintoma criginal, motivo pelo qual o paciente procurara 0 analista, este sim estava resolvido, ¢ gue era isso 0 que importava. Ele achava que muito provavelmente “uma pessoa que se tornou normal ¢ livre da ago de impulsos instintuais reprimidos em sua relagdo com 0 médico assim permane- cerd em sun propria vida aps o médico haver se etirado dela” (Freud, 1979; p. 518). Doce ilusdo de Freud, pois no foram poucos 0s casos de “recafda” da doenga, de retomo dos sintomas anteriores ou de- ento de novos sintomas, apés o dito final do tratamento 0. Se a libido abandonou os objetos anteriores em troca do objeto analista, por que razio ela teria de abandonar esse novo obje- to? Isso € uma questdo complicada, porque diz respeito a questdo do final da andlise. Como findar essa relagao se ela foi o motivo pelo. qual o paciente se livrou de sua neurose original? Entio, fazer Psicandlise no é exatamente analisar resisténcias, ‘mas € tratat, em ltima instfineia, da relagdo do sujeito com esse Outro (analista) sendo que, se a transferéncia é a atualizagéo do Inconsciente, poderfamos considerar que € essa mesma relagao, do sujeito com © Outro (que no momento da andlise é encamado na figura do analista), a prépria patologia. E, portanto, na relacdo com esse Outro que o constitu, que reside toda a patologia humana. E é a partir desse modo peculiar de relagdo que podemos diagnosticar um paciente em sua estrutura; estrutura que se repete, se atualiza na relago com o analista. Fazer Psicanilise passa a set, entio, ma- nejar essa relaco transferencial em direcdo & cura 32 ©.Que Pove ws Anausta no He 1.3. Sobre a diregao do tratamento Sabemos desde entio que ocupa um lugar na estrutura psi- quica do paciente a quem escuta. A partir dai, o que tem de fazer © analista? A resposta é uma s6: dirigir o tratamento. Mas questoes que surgem so varias. Dirigir para onde? Qual io da cura? O que exatamente pode e deve fazer 0 analista por aquele que se queixa em sua frente? O procedimento freudiano no deixou margem a dévidas so- bre “o que fazer” do paciente. Ele tem a sua regra fundamental e, ia pois pressupée um esforgo 0 fato € que ele deixou uma regra a ser cumprid: nao) pelo paciente que se propde a fazer andlise, Bem ou mal ele tem de fazer. E, o analista, o que tem de fazer? Diferentemente do seu paci- ente que no fica sem saber 0 que tem de fazer, Freud néo deixou para o psicanalista uma regra findamental. Poderfamos entender como © correspondente da regra fundamental da associacdo livre do pacien- te 0 que Freud chamou de atengao flutuante. Segundo Laplanche ¢ Pontails (19775 p. 74), isto €: “Modo como, segundo Freud, o analis- ta deve escutar 0 analisando: nfo deve privilegiar a priori qualquer elemento do seu discurso, livremente possvel a sua atividade inconsciente e suspenda as motivagées que diriger itualmente a atencio”. O conceito de atengao flutuante nos remete & mesma utopia e contradigao que observamos na associacao livre, mas no caso do paciente que vai nos pedir tratamento ele regra, pois € a este prego que ele supbe que vai curar-se. O paci- ente submete-se & regra que 0 Ihe dé em troca de cura. No entanto, a questo para o analista é um tanto mais complexa para no se esforcar enquant 19399008 Faz Quan s¢ Faz Pacanst? 33 to possivel de tudo aquilo que focaliza habitualmente a atenco; inclinagées pessoais, preconceitos, pressupostos tedricos mesmo dos mais bem fundamentados”. Ou seja, escutar sob atencao flutuante um paradoxo pratic ideal no coincide com o real. Parece que o que Freud propde é uma espécie de ignordncia: alguém que sabe coisas mas que, voluntariamente, apaga até certo ponto seu saber para dar lugar ao novo que vai ocorrer. Essa nfo & uma tarefa simples para uma pessoa. ‘Sabemos que 86 mesmo uma anélise produz um analista. Se ele fer sua andlise pessoal, ele sabe que nao é do lugar de pessoa que terd de dirigir o tratamento do seu paciente; as suas inclinagdes pessoais, os seus preconceitos pouco devem importar na diregdo da cura do paciente, pois 0 ideal é que haja s6 um sujeito em andlise, 0 analisando. Supde-se que as tendéncias subjetivas do analista j& foram analisadas, enquanto ele era analisando. Resta a ele os fun- damentes teéricos, ter critérios para ditigir 0 trata- mento. Qual 2 possi fem um analista de articular isso ‘que escuta com a teoria? O que tem ele de fazer com 0. que escuta para levar o paciente 8 cura? Como é, baseado em que ele tem de agis, porque sabemos, cle tem de agir enquanto o paciente se sub- mete a falar 0 que lhe vem & cabega, quando consegue? ‘A resposta poderia ser simples: ele tem de interpretar 0 que esté sendo dito, a fim de que possa descobrir af o que o Inconsciente est ‘scondendo. Seria uma resposta satisfatoria se nfo soubéssemos que no € uma regra fundamental do analista a da interpretacdo livre. Freud nos disse que € fungao sua decifrar, interpretar para levar & cura, mas no disse como efetuar essa fungio-interpretacio (Soler, 1991), Desta forma deparamos com essa tarefa, deixada por Freud, ¢ que nos faz questionar: o que € que regulamenta a intervencio analiti- ca? Como relacionar 0 que se escuta do paciente, 0 que foi caprado pela auencio flutwmte com 0 corpo tebrico? Esta € uma dificuldade deixada por Freud, sentida pelos ana- listas desde o inicio. Diante das incertezas comecaram a surgir, como respostas a essa dificuldade, as regras institufdas pela maio- ia, a instituigo do “como-fazer”, ou do “fazer como os outros fa- zem". No entanto, Freud alertou-nos contra as imitagSes; pedis ue nfo fizessem de sua prética uma regra. tu ANausra no Heerrat? As insttuigées comegaram a surgix, parece, com a pretenséo de suprir uma falta, como um “Outro do analista que supostamente garante a execucio de sua pritica por intermédio de imposigao de regras que devem ser cumpridas e propostas por meio de um con. ‘rato aos analistas” (Quinet, 1991; p. 10). Surge, entio, uma questio tedrica e, conseqiientemente, que concemne & prética analitica, que é a seguinte: “...] como pode- ‘mos propor ao analisante uma espécie de concretiza¢ao do Outro, sabendo que numa andlise condusida a seu término, o sujeito € levado a se confrontar com a falta do Outzo [S}, justamente por que © Outro falta?” (Quinet, 19915 p. 10) Essa questio tem sua importincia porque remete a outra ques- tHo fundamental: se o analista, como Freud nos ensina, ocupa um lugar na estrutura psiquica do paciente, qual o lugar que ocupa no dispositvo freudiano da cura? Se o paciente esté “doente” por no se conformar com a falta de objeto, falta que o faz ser desejante, que faz viver, € como objeto de gratificacéo de seus impulsos que © analista tem de se colocar diante do seu paciente? Claro que nfo, pois ele também ndo é o objeto que o neurético procura, pois ‘esse objeto esta perdido para sempre, a partir da castracio. Logo, 0 lugar que o analista ocupa nao pode ser de objeto que proporciona st, satisfac, pois essa € uma posigdo impossivel de ser systen- tada. O seu lugar € de objeto, mas objeto causa de desejo. E nao satisfazendo que ele pode fazer surgir 0 desejo do seu paciente. Sim, mas ¢ daf em diante? Que o analista interpreta, isso Freud rnos disse, mas quando ¢ “como fazer”... isso deu margem para 0 “fazer como”, para a imitacéo de regras instituidas. Sea formagao do analista esté baseada na imitacéo e obe- digncta a essas regras, ele ndo tem outra safda a nao ser deter- nninar ao seu paciente que imite e obedeca ao figurino, pois isso feito ele estaria, ao que imagina, constituido pela obediéncia do seu paciente, enquanto analista. Isso ndo é muito dificil de comer, pois o que o paciente paga para sentir que tem um Ou tro que 0 determina, que se responsabiliza ¢ sabe sobre ele, pois assim sente-se nao-faltante, alivia mas nao trata do seu softi- mento. Esse tipo de analista, se € que podemos chamé-lo assim, se coloca numa posigio de modelo ideal para o seu paciente 0 Quest Fae Quanvo & Bex Pacanie? presentifica o Grande Outro enquanto fecha a possibilidade desse paciente continuar desejando. Entéo, a partir do que vem sendo dito, 0 que podlemos come- get a concluir € que a diregao de um tratamento analitico vai para além do desaparecimento dos sintomas originais apresentados pelo paciente ao analista no momento do primeira encontro. O trata- mento analitico, como jé dissemos, centra-se no sintoma que € (re)produzido ali mesmo, na prépria relacdo entre paciente e ana- lista. Isto porque ele difere nitidamente de um tratamento do tipo rmédico, em que a cura se dé pelo desaparecimento dos sintomas, ¢ isso é, na maioria das vezes, suficiente. ‘Uma Psicandlise visa 8 mudanca da posigdo do sujeito em re- Iago 20 desejo do Outro. Considerando que o sintoma é uma resposta inexata ao desejo do Outro e numa tentativa de sistema- tizar © procedimento analitico, poderfamos arriscar uma metodizagao dos passos da anélise, pois 0 término desta tem sem- pre a ver com o meio € o comeco dela. Sempre que nos deparamos com questdes do tipo “como fazex” com um paciente, convém que voltemos ao inicio, para saber como foi feita a entrada, Desta forma, dizemos que na entrada estio as entrevistas pre- liminares. Preliminares a qué? A anélise propriamente dita. Eo que corresponde ao que Freud chamou, no texto “Sobre o Inicio do Tratamento” (1913), de tratamento de ensaio. Ele dizia que era @ tempo de conhecer 0 caso clinico e tentar diagnosticé-lo, fazer uma avaliagao clinica para saber se era um caso cujo diagnéstico correspondia as possibilidades de tratamento que a Psicanilise ofe- recia, pois era preciso que no se tomasse qualquer caso em andli- se 0 que poderia, naturalmente, vir a desacreditar o seu método. Segundo ele, se um analista erra em seu diagnéstico, incorreré hum erro de cardter pritico, impord esforco instil ao paciente desacreditara sua terapia. Entlo, esta posta a importincia de poder se fazer, nas entrevis- tas preliminares, um diagndstico diferencial para que se possa direcionar o tratamento. © psicanalista deve set capaz de concluis, de maneira prévia, a respeito da estrutura clinica da pessoa que veio consulté-lo. Ou, melhor dizendo, a partir das entrevistas preli Iinares, af onde o sujeito fala e dirige a sua fala especificamente wu Bone ruRO nS Ure % ©.Q.e Poor ws Ava no Hos > ____0.2 ot nt vasa no Hosta? para o analsta (colocando-o no lugar que the convém), este a deve tentar responder 3s seguintes quest6es: & um caso de neurose coe ov perersio?E, de acordo com 0 ponto de vista lacaniane nove spender dendo que se trata de uma neurose com tragee pervenos podendo belrar a psicose. Lacan diz que no pode have recobrinento de estruturas, no dé para supor um 6 eujeite precisado. HA casos em que difctin, porque por vezes 0 a diersdade deles termina por confundir o analista, que, por sus ves temina diagnesticando o tal caso de “confuso". Ou, diante de estanheza dos fendmenos que The so apresentados, termina ado, tando 0 jargio psiquitrico e classifica 0 caso como “atipica” , enfim, estamos nas entrevistas preliminares no momen- to do diagnéstico diferencial de estrutura, Falo nica, ou estructura do sujeito, que me remete aual ee fof constiuido, E s6 podemos reconhecé-la por uma nice vin: @estrutura do discurso. Mais uma vez, 0 que tera de fer um adiente, a importncia capital para a diregao do tratamento, lugar que ocupa, na fala do paciente, este seu “parceito” anal 4s cosas ndo so independentes umas das utras, mas 36 pars tentamssstematicar um pouco mais: & nas entzevistas prliminares cpe rec também fazer a apuraglo da demanda, Afinal, 0 que demants ete raciente quando diz que quer andlise? Nem serapre € anil 0 que ele demanda, pois nem sempre ele sabe que a anise nga mudanas da sua posigdo subjetiva. E isso que tem de ser feito yor ie haa entrada em andlse. E uma egpécie de questionamento «pe onaita impte a syeto a espeto da posigo que ele oeupe, «gal asa partcipagdo na desordem da qual se queixa, disso pode ser, ¢ € na grande maioria dos casos, 0 surginento de uma demanda de anélise, porque € quando o 399299390 Quest Fee Queso se Fa Prone) 2 ogsaie Ques fePowimt tose vé dividido em seu sex, € quando ele percebe que hé algo que fala nele © que diz respeito a ele mesmo, mas ele nao sabe 0 que €, }) para saber. Tal qual Edipo Rei, quando imeras vezes a existéncia de alguns sinais que poderiam levé-lo a saber algo sobre si mesmo, num determina. do momento da trama, ele se dé conta rudo tem algu- ma coisa a ver com hg uma retificacdo das relacoes do 1m © Real) do casos em que o nndo paga para manda de saber (a safda € precipitada pela entrada), mas curiosa. mente slo pessoas que no ficam em anélise, porém saem bastante aliviadas quando se do conta que sé0 responsaveis por aquilo que chegaram chamando de destino ou de azar Nao foi o que aconteceu com Edipo Rei. Ele nio desiste e vai procurar saber de sua verdade, a qualquer custo (e sabemos que i até o fim. E mais ou menos assim: qualquer demanda e autorizar 0 ise. Ha de se ter um qué de Edipo para fazer juerer saber de qualquer je ficagéo subjetiva, poderiamos dizer que o tempo das entrevistas px inares seria suficiente e passarfamos ao se- gundo momento da diregéo do tratamento: o estabelecimento da transferéncia, que vem seguido pelo terceire interpretaco, con- forme nos ensina Lacan em “A Diregao do Tratamento ¢ os Princ. pios do seu Poder” (1958). E importante diferenciarmos a retificagio subjetiva que se d4 nas entrevistas preliminares do que é a interpretaco. A retifica- seria, por assim dizer, uma pré-interpretacao. Porque um ana- no pode interpretar nas entrevistas preliminares? Porque ele isa do estabelecimento da transferéncia para fazer uma inter. A interpretagio venha a ter o efeito calcula- — 90 38 no Hosa neutoticamente inibido parta responder de outra forma, conforme diz Freud no texto coma ¢ Ansiedade” (1926). E 86 a partir da transferéncia que o analista vai poder operar de forma a promover, com os dois manejos possiveis, interpretacio € ato analitico, a mudanga da posigo do sujeito em relacéo a0 Outro, para que se possa chegar 20 final da andlise. 1.4. Sobre a transferéncia em Percurso de Lacan: uma introducdo (1978; p. 12-13), nos diz: “O que € préprio da psicandlise € operar sobre o sintoma mediante a palavra, quer seja esta a palavra da pessoa em aniélise, quer seja a interpretago do analista. Isso € 0 que tem que ser ento de Freud € vélido [...] Em outras palavras, a pergunta central, com relagio & qual se mede a teoria da psicandlise, € a seguinte: Como pode o artficio freudiano, quer dizer, © procedimento da associagao livre e 0 dispositive da cura -a, afetar o real do sintoma?” interessante notarmos que, quando Miller nos prope essa pergunta, ao mesmo tempo ele est reafirmando o que diz Freud quando fala que @ Psicandlise tem como nica ferra trabalho a palavra, € precisamente a palavra dirigida 20 a palavra qt Nao ha uma entre a palavra que € dirigida para um médico para No entanto, Freud propée que o analista escute para além do contetido manifesto daquilo que se diz, caracterizando © falante como um sujei ito que ndo sabe de todo 0 que diz. da fala do que o agente dela. No texto “Sobre o Inicio do Tratamento” (1913), Freud situa as condigdes de entrada em anélise unicamente em relacdo & trans- feréncia. Espera-se do paciente que se “apegue” ao analista, dan- lhe a regra fundamental da associagZo livre, e, com relagio 20 ra, que ele nao fale mais que o indispensdvel para fazer com que © paciente relance o seu discurso. Freud insiste que a inter- 379006 (0. Quese Faz Quanve se Fae Pacashuse? 38 vengio do analista nio deve ser feita antes de se haver estabeleci: do uma poderosa transferéncia. 20 significa dizer que o sintoma-queixa s pode ser analisivel, ou seja, ser sintoma analitico, quando inclufdo na transferéncia. O que 0 queixante pede a qualquer um € 0 alfvio, pedido que traz em i o carter de representatividade do sintoma. Pedir alfvio nao € ir a decifragdo de algo; é pedir a extirpacio de algo que é tido como estranho ao sujeito, € este pedido € exatamente aquilo que o nao responde, ele © mantém, pois “é dado de experiéncia que © sintoma no concuz & andlise, a néo ser quando questiona,

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