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i 12. Livros Essa escrita que reflete sobre a escrita, essa “metaes- rita”, chegou involuntariamente & conclusio que temos de esperar o desaparecimento da escrita ~ por motivos que, vindos de diferentes horizontes, convergem para essa conclusio. Esse conjunto de motivos pode ser resumido assim: uma nova consciéncia encontra-se em gestagio. Para se expressar ¢ ser comunicada, cla nao desenvolveu «um cédigo alfanumérico,¢ reconheceu o gesto de escrever como um ato absurdo do qual deve se livrar. A questo & se essa conclusio a que chegamos involuntariamente € definitiva ou se nao ¢ possivel evité-la. Preocupamo-nos, assim, uma vez. que também é possivel privar-se da capa cidade critica com o desaparecimento da escrita Seja esse motivo legitimo ou nio, é forte o suficiente para introdu- zit aqui uma nova abordagem acerca das reflexoes (seja racional ou ndo 0 nosso engajamento pela continuagio da escrita esteja acritica vinculada ou nao ao escrever, ou seja um modo de pensar de alguma maneira desejivel ou no). Refletiremos nao mais acerca do gesto de escrever: 0 contrétio, o faremos sobre as manifestacGes concretas do que foi escrito. Se devemos abrir mio da escrita, ent4o nao haverd em nosso meio-ambiente qualquer tipo de papel a nio ser ode embalagem, Movida pela saudade, a celulose tetorna- 4 a suas células; as florestas ficatao mais verdes; ¢ 0 junco nao balangari mais ao vento matinal apenas is margens do Nilo, mas em todos os rios da terra. © puro horror ‘io envolve a nds, tragas de livros e cupins que devoram 5 papéis, nessa utopia verde? Certamente, havers entio outras ¢ melhores memé- Tins artificiais do que as bibliotecas. Tudo aquilo que até hoje € mantido em bibliotecas seré transposto para essas novas memérias. O contetido da Enciclopédia Britini- «a vai exigir menos do que um centimetto etibico, ¢ cada informasio ali contida estaré & disposigio num ripido toque de uma tecla. Haverd aparelhos em que aparecerio em forma de imagens sonoras quaisquer segmentos de in- formacio desejada, para testé-los depois automaticamente de diversas perspectivas ¢ derivé-los até a tiima consequ- éncia. Todas esses testes e derivagées serdo realimentados entio automaticamente nos centimettos ciibicos da “En- ciclopédia”. Ela crescer por meios puramente mecanicos sem constituir mais do que uma mindscula fragio de in- formagées armazenadas nas memiérias artifciais. Isso, em conjunto com as florestas verdes ecom o junco que balanca ao vento, deveria nos alegrar a0 invés de nos horrorizat. bis Contudo: memérias automacicas altamente funcio- nais, por um lado, e lorestas verdes, por outro, sio lugares de passcio ¢ nio de moradia para homens afeitos a papel, como nés. Nés habitamos o papel, estamos acoscumados ¢,uma vez que é tio comum, tio simples, nés 0 tornamos divino, para podermos percebé-lo ainda sob a cobertura de sua habitualidade. “Biblia”, por exemplo, origina-se do grego “byblas”. Isso éa forma como os gregos pronun- ciavam “papyros”. Nos mascamos o papel tantos milhares de anos até que esse papel maché, impregnado com nossa saliva, vornou-se parte de nosso ser. Sem papel, nao estari- amos mais certamente ld e nio poderiamos mais de modo algum fazer excursies 4 terra das memérias artificiais ¢ 4s florestas verdes. O papel é qualquer base que absorve todas as nossas experigncias e todos os nossos conheci- mentos, sejam os novos sinais excéncricos das memérias artificias, sejam os borrdes verdes das florestas. Suspeita- ‘mos de que tudo aquilo que nao se pode por no papel nao seja nada. O papel é nossa patria, até mesmo quando essa patria ameaca nos inundar como um mar agitado. Po- deriamos dizer, por isso, que a revolugio da informatica niio salva apenas as lorestas, mas também nés mesmos do perigo de sermos inundados por papéis. Mas somos cer- tamente tragas de livros, ¢ nos alimentamos daquilo que nos devora. Vivemos de livros e para os livros. O livro é, pode-se ver assim, um estigio intermedid- rio no caminho que procede da loresta em diregio & verra das inteligéncias artfciais. Ele & sempre um pedago da Aoresta:“livro” é um nome de uma aevore, “Liber” signifi- ca cértice de érvores ¢ origina-se do grego “lepis” (casca), ‘que por sua vez origina-se do antigo “ep” (descascat). O livro foi descascado da florestae suas folhas dizem o que juustamente dizem, Mas o livro j4€ também um pedago de inceligencia artificial, pois é um suporte de meméria artif

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