Você está na página 1de 20
A EMERGENCIA DO ESTADO LIBERAL E AS CONTRADICOES POLITICO-ECLESIASTICAS (1832-1848)* Por Vitor Neto A implantacéo do liberalismo em Portugal foi um processo lento ¢ dificil em virtude das resisténcias materiais levantadas pelas Forgas absolutistas e da divisao estabelecida no seio dos préprios liberais, Se é certo que a revolugio de 1820 lancou as primeiras sementes do que viria a ser 0 novo modelo de sociedade, sé apés a guerra civil de 1832-1834 foram criadas as condicées para a emergéncia do estado bureués, Porém, a consolidacio definitiva do regime monarquico-constitucional apenas péde ser alcancada a partir de meados do século com a Regeneracdo. No decurso dos dois decénios anteriores a sociedade viu-se confrontada com a luta politica ¢ ideolégica travada entre liberais © absolutistas e com as contradigdes internas que a nova ordem politica nao deixara de manifestar. De qualquer modo a revolugéo liberal abriu caminho a uma transformagdo profunda da sociedade e do estado. A legitimacdo ideologica do poder politico nascente e os prineipios que * Por raz6es de limitagio de tempo impesta sos partcipantes no Encontro realizado em Lenincgrado este texto s6 péde ser parciaimente lido nessa reuniso cientiica. O estudo que aqui divulge deve ser entendido apenas como uma abordagem aproximativa a uma temitica anda, relativamente, nova para mim, Insere-se, no entanto ‘noms pesquisa mals alargada que estou a realizar sobre a problemstica politico -eclesidstica, no século XIX, em Portugal. A elaboracéo deste pequeno trabalho #6 fo} possivel com a ajuda generoca da Fundacdo Calouste Guibenkien, que me concede uma bolsa de estudo pars deslocaséoeestadia, em Roma, onde pesquiel nalguns Arquivos ex ‘Setembro de 1987, 281 serviram de fundamento & sociedade demonstram a existéncia de uma ruptura com o Antigo Regime’ No plano politico os liberais realizaram esforges no sentido da construgdo do estado-nagdo ¢ da destruicéo, simultanea, de todas as estruturas de poder que obstaculavam a uniformizacao politica do territério. O jusnaturalismo que desde hé muito alimentava a cons- ciéneia dos intelectuais de vanguarda, na nova conjuntura politics, fundamentou ideologicamente o estado burgués. Por autre lado, a doutrina econémica liberal era esclarecedora no que concerne & necessidade de libertagao da propriedade dos de Antigo Regime. Dai que se tivesse assistido a iniciacao de uma politica econémica desamorticadora em relacao aos bens de mido-morta. Transformou-se assim, qualitativamente, o sistema econdmico e simul- taneamente, criaram-se condigées objectivas para o desenvolvimento das burguesias. Porém, as mudangas ao nivel do poder de estado e das estruturas econémicas teriam que ser complementadas com reformas no campo da cultura e do ensino cuja incidéneia permitisse formar 0 cidadéo liberal. Nesse sentido, os intelectuais comprometides com a nova ordem politica — Almeida Garrett e Alexandre Herculano, sobre- tudo — pugnaram pela criagdo de um sistema de ensino adequado a difusio dos valores burgueses. Por outro lado, a producao literdria romantica e 0 papel pedagégico desempenhado pela imprensa —ex. 0 Panorama ea Revista Universal Lisbonense —tiveram uma influéncia, significativa no avango da civilizagdo € no surgimento de uma mun- dividéncia laicizante, Neste quadro pode verificar-se que a concre- tizagdo histérica deste modelo politico pressupunha uma reducio do poder da igreja catdlica na sociedade portuguesa. Com essa finalidade, 0s liberais procuraram atribuir um carécter subalterno a instituisao eclesiastica transformando-a num mero apéndice do estado. ‘Tentava-se, assim, por termo ao seu poder econdmico, & sua grande culos Sobre 0 liberalismo, nesta fase, pode lense, por exemplo: Olisira Mertns Portugal Contempordnco,Lsbos, Guimrses¢ C2 Eaitores.8* ed. 1977 pp. 7.266; Victor de Sa crise do Liberlismo eas primeiras manifstaes das tas socialists em Portugal 11820-1852), Lisboa, Sara Nova,2*ed. 1974, p, 35 ess; Jel Sexo, Demoerarinaversos Tiberlisme, in Lberalisma na Pentnula There na primeiva metade do séewlo XIX ‘Camunicasio a0 Coléquio organizado pela Centro de Estudos de Histria Contempo- ‘Hinea Portuguesa 1981, 1° volume, Lisboa, $8 da Costa Editor, 1982, pp. 3-18. dom, Temas oitocentistas, I, Lisboa, Livros Horizonte, 1980, pp. 47:98. M. Villaverde Cabral © Desenvolvimento da capitaliamo em Pongal no siculo XIX, Pore, A Rega do jogo, 1974, pp. 87-243, 282 influéncia politica e & sua tradicional hegemonia no campo das ideolo- gias. No entanto o regalismo liberal nfo era uma novidade no nosso pais, Pelo contrério, representava uma certa continuidade em relagio a Pratica politica iniciada no século XVIM, com o Marques de Pombal. 2. Sob o ponto de vista doutrindrio o liberalismo decorria, em primeiro lugar, de uma concepeo nominalista da sociedade. Nessa perspectiva, se este sistema politico atomizava os individuos criava também condigSes para a realizacdo da liberdade. Por outro lado, a sustentagao filoséfica da autonomia individual pressupunha a liber- tagio do homem das forgas transcendentes ¢, esse facto, levava as sociedades, no plano pratico, 4 necessidade de realizarem um esforgo de secularizagao. Assim a afirmacéo dos direitos naturais subtraia 0 indi- viduo as formas absolutistas do poder. Se o liberalismo representava, a0 nivel dos principios, uma nova racionalidade politica, aconfigurago do estado limitava-o, enquanto instituicéo, a garantir a liberdade individual, a propriedade ea seguranca pessoal. No plano das ideologias, © novo sistema, implicava o recuo da religiosidade tradicional substi- tuida pelos valores terrestres e humanos? ‘A nova estruturacio do poder. no nosso pais, consagrada na Carta Constitucional nao colidia, naturalmente, com o catolicismo. Pelo contrario, a religido catélica era definida como religiéo de estado no Artigo 62° do texto constitucional. Ai se explicitava que «a religiio Catdlica Apostélica Romana continuaré a ser a religido do Reino»? 0 poder politico definia-se assim, constitucionalmente, como um estado confessional. No entanto, creio que a teoria politica regalista, que fun- damentava a subordinagio da igreja em relagio a0 estado, est implicita no novo cédigo juridico da nagao. Se, de acordo com esse ‘estatuto, cabia ao poder temporal a nomeagio dos bispos e a provisio dos beneficios eclesiasticos (art. 75 § 2°), a publicagao dos documentos emanados da ciria romana 86 era possivel apés © beneplicito do poder 2 André Vachet, Ldeologie Liberal Lindividu ot sa proprité, Patis, Editions Anthropos, 1970, pp. 3380, Sobre o liberalism pode ler-e ainda, com proveito, Haro 3. ask O Liberalism europeu, 8. Palo, Editors Meste Jou, 1973; 6. Burdeau,O Liber smo, Lisbos, Publicagées Europa-América, sd, © Guide de Ruzsiero, Storia del berlisme Europeu, Bai, Bitore Laterra, 1959. 5 Jonge Miranda, As Constiides Portguesas 1822-1826-1838-1911-1976, Lisos, Livraris Peteony, 1976, p. 81. Sobre as teornsconstituclonlistaslberas, vee: Jose Joaquim Gomes Canotilho, Dieta Constitucinal, Coimbra, Livraria Altvedina, 1977, 3p. 95-128, 283 (art. 75 § 142)*. O regalismo sempre presente como teoria e pré- tica ao longo de todo o século XIX, era como se sabe, herdeiro das ideologias politicas do periodo Pombalino, Nessa fase hist6rica, foram abandonadas as teses vindas da Contra-Reforma que tendiam a identi- ficar os objectivos da igreja com os do estado, como forma de obtencso da supremacia do espiritual sobre o temporal. A fundamentacao ideolé- gica do absolutismo levada a cabo, nessa altura, por autores como Ant6nio Pereira de Figueiredo, Ribeiro dos Santos e Seabra da Silv apontava também no sentido da transformacéo da estratura eclestéstica ‘num braco do estado, Procurava-se, desde modo, legitimar teoricamente a instrumentalizagio da igreja pelo poder o que prefigurava o modelo das relagées politicas entre as duas instituicées concretizado com 0 liberalismo® 3. A instauragdo dos liberalismos na Europa encontrou naturais resisténcias politicas e diplomaticas por parte das poténcias absolu- tistas—a Austria, a Prissia e a Riissia—que também tentaram influenciar 0 curso histérico dos paises ibéricos. Por outro lado, a politica externa da Santa Sé condicionada por uma posigao de fragili- dade e, em certa medida, dependente da Austria expressou-se no sentido da condenagdo destes sistemas. Julgamos que o caracter absoluto do estado Pontificio e razdes doutrinarias de fundo estiveram na base da rejeicdo pela Caria Romana do racionalismo liberal vindo da época das, luzes. Nos conflitos que se desencadearam, os Papas, mostraram preferéncia pelos representantes do absolutismo. Assim, para além dos aspectos pontuais ¢ concretos que estiveram na origem da ruptura das relagées diplomaticas entre Paris, Lisboa e Madrid com o Vaticano, no decurso das revolugées burguesas, a razio tiltima do dissidio deve ser encontrada no confronto entre os modelos da sociedade absolutista e liberal, defendidos por cada uma das partes. Desse choque de concepcoes ¢ de atitudes politicas resultaram consequéncias graves para as igrejas, dos respectivos paises 4. A revolucdo francesa de 1789 trouxe consigo profundas alte- ragdes no dominio eclesidstico, que se repercutiram ao nivel das menta- lidades sociais. Se a expropriagao dos bens da igreja retirou a instituicéo Jonge Micanda, Ibidem, pp. 98 ¢ 98. 5 JS. da Silva Dias, Pombatsmo e Teoria Poltica, Lisboa, Centro de Historia da ‘Cultura da Universidade Nova Lisboa, 1982, p.3 ess, 284 a sua base econémica tundamental, a extingao das ordens religiosas e, especialmente, a publicacao da Constituicéo Civil do Clero abriu fracturas insandveis no seio desta classe. Nessa conjuntura de crise revolucionéria, a Franca dispunha de duas igrejas. De um lado a igreja dos refractarios que recusava as reformas eclesiasticas e que persistia na sua obediéncia a Roma. Do outro a igreja dos ajuramentados que procurava inserir-se na nova ordem politica. Estas profundas clivagens Sociais que criaram um cisma —agudizado com 0 avanco da descris- tianizagio do Ano II—nao impediram, todavia, a sobrevivéncia do catolicismo romanot. Apés 0 golpe de estado napoleénico 0 novo Cénsul, manifestando o seu usual maquiavelismo politico, procurou por termo as divergéncias religiosas ¢ utilizar a igreja catélica como instru- mento do poder politico e como factor de estabilizagao e consolidago do novo regime. Dai, o inicio das negociagées com a Santa Sé. Esses encontros diplomaticos foram longos ¢ dificeis e os projectos de acordo sucederam-se, Bonaparte nao s6 recusava qualquer forma de subordinacao a religido como procurava servir-se dela, Neste peri dificil para a igreja Romana o Papa, Pio VII, viu-se forcado a ace rincipios da revolucao como os da laicidade do estado ¢ da liberdade de cultos acabando por assinar a Concordata de 1801.0 novo acordo significava a morte da igreja de Antigo Regime. No entanto, no decurso. das negociacdes com as autoridades francesas, a institui¢do eclesiastica também retirou algumas vantagens. Os cultos revoluciondrios foram abandonados e o catolicismo foi definido no Convénio como a ereligiao da maioria dos Francesess?. Porém, esta reconciliagio entre os dois © A Latwwille © R. Rémond, Histoire du Catholicione en France. La Perode Contemporaine, Pati, Editions Spses, 1962, p. 77-159. Sobre o mesmo assinto pode vere, também, a obra clssica de: Advien Dansett, Histoire Relipiuse de la France Contemp rine. L'Eglse catholique dans ta me politique e social, Pars, Flammarion, 1965, pp. 55: 168, Para o conhecimento da histérla da Franca contemporinea, uma perspectiva ‘menos insttucionalistae mais ao nivel dareligiosidade popular, vejn-se: Gerard Cholyy¢ Yves-Marie Hilaire, Histoire Rliieuse de fe France contemporaine, Paris, Bibliothéque Historique Privat, 1985. Para a compreensio do impacto da Revolugdo Francesa le 1789 na Igreja galicans, consultese: A, Latrolll, ’Bglse cathe tl rvolution Frangalse, ‘Tome Ie 2, Pars, Les Editions du Cer, 1970, Sobre a mesma tematca leave, também, Bugéne Jarry, 'Epliseo face des Revolutions, Paris, LibrareArteme Fayath, 1966. 7” A, Dansete, ob, cz, pp. 127-189; Sobre o mesmo ass vejose ait A, Late, 2b, cit, Tomo 2, pp. 55.93. Para o entendimento do novo quadro das relagies entre 0 sstado ea grea, estabelecido a partir da assinatura da Concordata de 1801, lias: Fan Tulare, Le Concordat de 1801 in «Administration et Elise. Bu Concordat la Separation de Else et de Etats, Geneve, Libraicie Droz, 1987, pp, 11-15, 285 estados ndo acabou com a agitagao eclesiéstica em Franca, — isso s6 ocorreu a partir de 1815 com a Restauragéo —mas criou condicées para a pacificagao religiosa do pais. Por outro lado, o texto da Concordata passou a funcionar como modelo para outros estados que, ‘em circunstancias historicas semelhantes, tiveram também que negociat acordos com a Santa Sé. 4. A auséncia de unidade politica em Italia tornou 0 processo de transicéo do Antigo Regime para o liberalismo bastante diferente. A peninsula era, nessa altura, um puzele de estados e soberanias diversas. Por isso, 0 século XIX foi palco, nesse pais, de conflitos violentos entre a ideologia liberal e a mundividéncia absolutista Enquanto isto, a Santa Sé procurou conservar, no Estado Pontificio, a sua forma tradicional de poder a0 mesmo tempo que condenava liberalismo catélico emergente em Franca com o jornal L’Avenir. Por outro lado, se até 1814 a aspiracao a unidade italiana era ainda algo confusa e vaga, apés 1830 alargaram-se os meios favordveis & criacio de tum estado para a nacdo. Foi neste contexto que surgiu 0 movimento neo-guelfista cujo idedlogo era o padre do Piemonte, Vincenzo Gioberti. Para este autor a unidade e a independéncia de Itélia passava pela constituicdo de uma confederacdo de estados presidida pelo Papa. A estas teses federativas opunha-se o movimento da jovem-Itdlia, inspirado em Mazzini, que defendia uma solucéo unitaria para a questi da nacionalidade. Se no plano ideol6gico os dados estavam langados, um. dos artesdos dessa autonomia foi sem divida Cavour que, =ntre outros aspectos, procurou elaborar uma doutrina das relacdes entre o estado e a igreja. Nessa altura o autor divulgou a célebre formula wna igreja livre num estado livre*. Como consequéncia do movimento politico, social e ideolégico que pretendia fundar 0 estado-nagio Roma acabou por cair, em 1870, nas mios de Vitor Manuel”. A queda da Cidade Eterna significava, de igual modo, o desaparecimento do poder temporal do Papa, Pio IX. Isto acontecia, paradoxalmente, na mesma altura em que © Coneilio Vaticano I ento reunido, aprovava a tese da infalibilidade Sobre © caso italiano lease, por exemplo, a obra cissia, veeditads j6 por diversss vezes de: Arturo Caro Jemolo, Chiesa e Stat in Italia. Dalla unificacione a Gian Nostri, Torino, Giulio Einaudi Fditore, 1977 Para oconhecimento dos acontecimentes que cilminaram na queda de Roma e na consequente onficagéo italiana visto pela diplomacia portugues. vejase: Eduardo Brazdo, Relapes de Portugal com a Sante Sé. A queda de Roma (1870), Lisboa, Academia Internacional da Culvers Portagoess, 1970 286 Papal. Tal facto significava que, no momento em que o poder espiritual do Papa era levado até as ultimas consequéncias, 0 sew poder temporal desaparecia quase completamente. interessam para a compreensio da re: o-eclesiistica portue guesa 0 entendimento da nossa realidade, pressupée, necessariamente © estudo do proceso de implantagdo do liberalismo em Espanha em virtude das semelhancas entre a histéria dos dois paises numa conjun- tura, cronologicamente, simultanea", Também na Peninsula Tbérica © triunfo dos liberalismos sobre as forcas de Antigo Regime teve, ‘como consequéncia, a ruptura das relagées diplométicas entre as Monarquias liberais e a Santa Sé cuja politica se integrava no absolutismo europeu restaurador. Com a morte do rei, Fernando VII, no pais vizinho ¢ com os problemas dinasticos que dai resultaram assistiu-se a_uma confrontacéo entre as forcas politicas que desencadeou a guerra civil. Porém, sob a regéncia de Maria Cristina (1833-1840), os liberais acabariam por derrotar 0s Carlistas e a Espanha péde iniciar 0 processo de instauragdo definitiva do liberalismo jé ensaiado em Cédis (1812) ¢ no triénio constitucional (1820-1823). Nesta fase de crise revolucionri caracterizada por grande violéncia, desencadearam-se profundas cisbes. na sociedade ¢ na igreja catélica. De um lado, D. Carlos Hf, irmo maior de Fernando VII com pretensdes ao trono e apoiado, entre outras forcas, por um largo sector do clero regular e secular. Do outro lado, os liberais, que nao s6 desejavam transformar as estruturas sociais, come apoiavam. a legitimidade ao trono de Isabel If, filha de Fernando VII, 0 acesso da burguesia ao poder trouxe consigo a possibilidade de realizagio de uma nova politica religiosa. Nesse contexto, foi criada uma Junta Eclesiés- tica cujo objectivo prioritirio era o de reformar o clero regular & "© "A historiografia espanhola tem chamado a steno para o paralelisme entre ot {ois pases. nclusivamente, no dominio ecleissticn Sobre ete sesunto, «pars oentendi _mento das relagesdiplomaticas de Portagal com a Santa Se obtde através da dacumen tapio expanhola, consulte-se, a série de tres artigos de: Jove Urbana Martine Carers, [Negaciaciones de Porugal com La Santa Sue (7857-1840), «Hispania, Revie Espafiol de Historiay. Madrid, 1972; Reconocimianto de Maria I! de Pornial por La Santa Sede (1840 1842}, Separata de «Reviia de La Universidade Complutenscn, volumen, XXII — Numero 87 — Julio Septiembre 1973. a Misi de Gonads rato en Lisboa (1884-1843) 1} la negoviaciones expatiolas con fa Santa Selo, Separaia de +Cuadernoe de Histéria Moderna y Contemporiness. Volume II, Editorial de 1a. Universidad Complutense, Madrid, 1981, 287 secular. Entretanto, os governos liberais, iniciaram a desamortizagio dos bens do.clero dando assim um golpe decisive no poder econémico da Igreja, Para além disso, reprimiram-se algumas ordens religiosas com a finalidade de reduzir 0 peso ¢ a influéncia dos regulares na sociedade, ‘Mas, na situacao de guerra civil que a Espanha atravessava, grande arte dos eclesidsticos, deixou-se envolver nos conflites e as violéncias praticadas contra alguns deles foram o pretexto para o Papa retirar 0 Seu representante em Madrid. Acclerava-se assim 0 processo de ruptura das relagées entre os dois estados o que viria a ocorrer em 1836 apés uma maior radicalizacao politica que levou a restauragéo da Constituicao de Cadiz de 1812. Numa conjuntura caracterizada por conflitos entre a igreja ¢ 0 estado e tendo por pano de fundo uma guerra civil na qual se empenhara 0 proprio clero, dividido entre dois exércitos, 0 Papa desejava 0 triunfo de Carlos If que protagonizava 0 absolutismo, Alias, Gregorio XVI jamais reconheceu Isabel II e, para essa atitude, certa- mente contribuiram as presses diplomaticas sobre a Curia Romana por parte da Austria e da Prissia. Mais tarde, durante a Regéncia de Espartero (1840-1843), a Espanha comecou a realizar uma politica de aproximacao progressiva em relagdo a Santa Sé que acabaria por dar os seus frutos com a assinatura do Convénio entre as duas cortes em 1845", Nessa altura, a diplomacia espanhola manifestava um grande interesse pelas negociagées de Portugal com Gregorio XVI procurando infor- mar-se sobre a sua evolucéo através do representante diplomatico acreditado em Lisboa e do seu encarregado de negécios em Roma. 6. Cremos que com este pano de fundo se torma agora mais facil compreender o processo histérico portugués que esteve na origem da edificagao de um novo poder de estado ¢ da inauguracdo de uma nova politica religiosa. Nesse contexto 0 objectivo das forcas socials propul- soras do liberalismo, nos inicios da década de 30, era o da criagdo de condigées para instaurar a modo de produgao capitalista. A emergéncia, 1 Vicente Cércel On, El ibealino en l Pode (1833-68), in Historia de a Iles cn Bspatiae, V ola Iylesia en la Expata contomporineas, Direcsto de Ricardo Garcia — Villoslada, Madd, La Editorial Catolica, 1979, pp. 122-158, Do mesmo autor vels-e também: Politica Ecleial de los Gobiemas Liberals Espanoies (1830-1840), Pamplona, Ediciones Universidade do Navarra, 1975, pp. 91 e ss, Parn 0 eatudo das velagdes politico-clesisticas, em Espanhs, na Spoca contemparsnes pode ler-sea pequenn sites fe: José Manuel Caenca Toro, Relaciones plsia- Estado on la Expata Contmpordnes (1833-1985), Made, Editorial Alhambra, 1985. 288, de uma nova «matriz espacial», o estado-nagéo, tornave-se indispen- sdvel a criagdo de um modelo econémico baseado na liberdade da pro- priedade e na livre circulacéo das mereadorias. 0 liberalismo mostra- va-se desde 0 inicio, na teoria e na pratica, incompativel com a existéncia das ordens religiosas do regime de propriedade que as sustentava, No decurso da primeira experiéncia liberal portuguesa (1820-1823) ja se desencadeara, alias, uma polémica sobre as congre- gagbes religiosas!*. Porém, seria o politico reformista, J. X. Mou- zinho da Silveira— inspirado nas teorias cconémicas de autores como A. Smith, Ricardo ¢ Say —a iniciar, nos Agores, 0 processo de demoli¢ao das instituigdes e das estruturas econémicas do Antigo Regime. Mais tarde, com os liberais instalados no poder suprimiram-se as Ordens religiosas masculinas (1834) e expropriaram-se primeiro venderam-se depois, em hasta publica, os bens do clero regular, Deste modo, a nova classe politica, ao retirar a base material & igreja, desencadeou naturais aposigées dos sectores conservadores ¢ reacendeu a «questo religiosa». No entanto, no decurso da guerra civil. — antes de ocorrerem estes factos —abriram-se clivagens no seio do cato- licismo que estiveram na origem do chamado «cisma» religioso que nessa altura surgiu. Apés 0 desembarque dos liberais, vindos dos Acores, no Mindelo os prelados abandonaram as suas dioceses apoiando, hha sua quase totalidade,—a excepgao foi a do Bispo de Elvas—o absolutismo". Por outro lado, enquanto o clero regular, na sua esmagadora maioria, sustentou a causa de D. Miguel, parte do clero secular nao deixou de mostrar alguma expectativa © esperanga em TE Sobre este assunt, leia-se: Joeé Eduardo Horta Correa, Libmaliemo e cao cismo, © Problema Congrgasta (1820-1823), Coimbra, Publicagées do Seminério de Culeura Portuguese, 1973. Anténio Martine da Silva, A wend dashes nacional: & carta de Lat de 15 de Abril, de 1835. Aspactos Introdutorics e Gerais, Separata da «Revista Portuguesa de Histiriay, Tomo ALK, Coimbra, 1982, pp, 58-9. "Manuel Braga da Crus, A relaee ent a Ira eo Fado Libre! — do «Cima 4 Concordaia (1832-1848) in «0 Liberalismo na Peninsula Tbérica na pritweira meade do século XD%e, Comunicagées 90 Coloquis organizade pelo Centro de Estudos de Hisérla Contemporanes Portuguesa 861, 1 Volume, Lisboo, Si da Conte Editors, 1982, ppp. 223-225, Sobre o chamado «clsmas lelase: Fortunato de Almeida, Historia da Terja ‘om Portugal. Tomo IV 1750-1910, Parte MH, Coimbra, Imprena Académica, 1922 DP. 305 ess. Para o conhecimento da mesma problemética é de indispensive leitura I. Augusto Ferreira, Mesias para a stra uni Scisma (18321842), Braga, Criz eC ditores 1916, pp. 393 ¢ 58. 259 relacdo a0 constitucionalismo liberal'S. Nesta situacdo de «desordem> religiosa, D. Pedro IV, iniciou um processo de nomeacao de vi capitulares provendo, deste modo, as dioceses abandonadas pelos seus pastores. AS novas autoridades eclesidsticas, instituidas pelo poder politico, comegaram a exercer jurisdicao administrativa c religiosa, fembora nao dispusessem de legitimidade canénica, uma vez que ndo tinham sido confirmadas pela Santa Sé'6. Os antigos prelados, a0 abandonarem as suas actividades, deixaram representantes seus na administracao dessas dioceses o que gerou uma situacio caracterizada pela existéncia de dupla autoridade eclesidstica” E essa divisio na igreja que muitos autores qualificaram com o termo de cisma religioso Este conflito de competéncias jurisdicionais, em matéria de pol administrac&o religiosa, teve efeitos inevitiveis a0 nivel das relacées entre Portugal e o estado Pontif Nesta situacio de fractura no seio da igreja catélica alguns prelados seguiram 0 caminho do exilio. Frei Fortunato de S. Boaventura, Arcebispo de Evora e personalidade politica contra-revolucionéria, deslocou-se para Roma. Ai colaborou com os miguelistas, que viviam em Itélia exercendo, simultaneamente, influéncia apreciivel na Caria ‘no que concerne aos problemas portugueses. Por seu lado, 0 bispo de Viseu, D. Francisco Alexandre Lobo foi viver para Paris ¢ da capital francesa continuou a orientar, na medida do possivel,a vida eclesiastica da sua diocese publicando, para o efeito, diversas pastorais". Estes dois exemplos sio bem demonstrativos da atitude de rejeigdo do constitucio- TE Para o estudo do comportamento da classe eclelsistca no decurso da revolugio ‘pode lerse: Armando Rarreiras Malhsiro da Silva, O Claro Regelor ¢ a susurpardos Subsidio para uma histnia sciopoltica do Miguliono, In eRevista de Histria das ‘Heiss, n° 9, Tomo Il, Coimbra, 1987, pp. 528.55 16" Manvel Braga da Cruz ob. ct p. 227 17 A titulo de exemple da sitnaglo de ruptura eclesstica nas dioceses podemos refer uma passagem de uma carta eserita da prisio de Celorico da Belra er 1842, pelo clirigo encarregado pelo bispo da Guards de superintonder& vida religiosa dessa cidade ‘quando prelade a sbandenow:«_.acho-meem cadeas peso, sendo a tereera vez, qveos {nimigos de Deus me spanharam, apunhalaram e insultaram por me por em campo descoberto a batalbar contro cima em todo Reino tenho trabathado mas no Bispado de Viseu eneste de Guarda com mal atencia-efrut: levantando a vor nas pracs publicase ruitas verse me expus & morte, em mas otras eseape, ate que aqui estou cativo em Drisdes © debuino de Feros, Arguivo Sevrto do Vaticayo, Caixa 200, divisions 1. Posizione I TE Fortunato de Almeida, ob lt, pp. 326-528, 290

Você também pode gostar