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COLECAO JUVENTUDE FEMININA CATOLICA SERIE | — ORIENTACAO ESPIRITUAL — VOL. 2 aca en ee A SIMPLICIDADE SEGUNDO O EVANGELHO 8) Jnsteugdes de senhoras e ds jovens BIBLIOTECA “Santa Teresinta™ POR Monsenhor de GIBERGUES Tradugdo de Rachel de Castroe Aida do Val ATIANTICA EDITORA RIO DE JANEIRO TRADUGAO DO LIVRO LA SIMPLICITE D'APRES L’EVANGILE Edicées Desclée de Brouwer et Cie PARIS-BRUGES Copyright 1945 by ATLANTICA EDITORA — Rio de Janciro DEDICATORIA A minha sobrinha Maria. .., que, aos 18 de julho de 1906, ingressou no Convento do Sagrado Coragdo Ent&o, Maria. tu nos deixaste!... Eras: a alegria e o orgulho de teus pais, a primo- génita, o exemplo de teus irmfos e irmas, a felicidade de todos! Eras feliz em nosso meio, e amava-nos {a0 cari- nhosamente! Afirmo-o, No supremo momento da par- tida, quando pai e mae, irmaos e irmas, ajoelhados 4 tua yolia, agarrados a teus vestidos, expandiam em pungentes adeuses os coracées transbordant tinhas os olhos cheios de lagrimas ardentes, 0 peito sacudi- do de solucos! E te desprendeste de tao ternos lacos, te arrancaste ads nossos, 6! nao sem um esfdrco sdbre-humano, mas com a coragem e a serenidade que te vinham do alto. Partiste!... Nao o podemos acreditar ainda. Nossos olhos te procuram e nado mais te véem: nossas vozes te chamam © nao mais respondes. Meu Deus! Que vazio profundo e doloroso! Quem te roubou aos encantos do lar? Que férca foi essa que te arrebatou, mais poderosa que todos os [ee le ae ee ¢ \ SIMPELICIDADE SEGUNDO 0 EVANGELHO liames da carne e do sangue, que tédas as atragées da natureza? A forea do amor! A férca que atrai a noiva, que a separa do pai e da m&e para uni-la ao espéso. Mas, que amor o teu! O amor do Infinito, do Eter- no: o amor daquele que é todo Amor. Ja de ha muito, o amor divine te ferira 0 coracao. Ouviras a yoz do Bem-Amado, a voz de Jesus: “Vem, espdsa minha, amiga minha, pomba minha! Vem ao meu Sagrado Coracio.”* E Cada dia esta yoz se tornava mais persuasiva, mais instante, Teu coracéo, abrasado de amor, suspirava pela hora das bodas com o Cordei- ro. Tuas asas de pomba palpitavam; bem que sentia- mos, Afinal, ao supremo apélo do celeste Espéso, abris- te-as e, sacudindo a poeira do mundo, alcaste o véo e te dirigiste para onde Jesus te chamava! Agora tudo acabou, nao mais estas aqui, Na reali- dade, tua lembranca é imperecivel, teus exemplos con- tinnam vivos e ¢ sempre suave o perfume de tuas yir- tudes, Tu, porém, amada pomba, nao mais estas no lar paterno. Nao mais te podemos ver o rosto nem te ouvir a voz. E temos os olhos rasos de lagrimas, os coragées transbordantes de tristeza. Nao nos reyoltamos, nao te queremos disputar a Deus: adoramos Sua Sabedoria e Sua Vontade; reconhecemos a graca e a honra que Ble nos féz ao te chamar, Mas, seja-nos ao menos per- mitido sofrer e derramar lagrimas: pelo que nfo nos podes condenar, tu, a espdsa de Jesus, o qual chorou pelos amigos. 4) G&ntieo, 1, 14, — Literalmente: “Vem a%s aberturas da wedra, na eoneavidade do muro”; ¢ assim que a Eseritura designs as chagas do Salvador e sen Sagrada Coracéo, — Sio Bemarde chamia o Sagrado Co- xagio de “ninho de pombas”. DEDIGATORIA a © Jesus, esposo de nossa Maria, que a conquistas- tes e a atraistes com os vossos encantos, nds vo-la entregamos de bom grado, Nés a oferecemos a Deus, por vos e convosco, como a divina Mae vos ofereceu ao Pai pela Redencio do mundo. Que nosso sacrificio, amido ao vosso, recaia em béncdos sébre nossa familia e nossa patria! E tu, querida. Mariazinha, féste entre nds um mo- délo de simplicidade. E. sé-lo-4s mais do que nunca no seio de tuas novas irmas. Os trés yotos que em breve fards, e que ja estio decididos em teu coracao: votos de pobreza, castidade e obediéncia, nfo serio porven- tura as formas sublimes da perfeita simplicidade de nma alma forie e generosa que a tudo renuncia por Deus; tudo, isto é: os bens da terra, os prazeres € a si mesma? Melhor do que ninguém, sabes que nem a simplici- dade nem os yotos religiosos excluem as legitimas. afeicoes. Doravante, separada de nés pela tua vida toda dedicada a Deus, nado nos) quereras menos. Amar-nos- mais e melhor; e, pelas tuas preces € peniténcias, nos obteras gracas privilegiadas que nos consolarao de tua auséncia. Nao esquecerdés a Franga, nossa muito amada patria, que geme sob 0 jugo da impiedade e que tene- brosa conjuracao gostaria de aniquilar; com teus rogos, apressaras a hora da libertacao. O melhor consdlo de teus pais e a sélida recompensa do amor e dedicagio que tém por ti sera a gléria que dards a Deus, todo o bem que vais fazer, o trabalho que teras na forma- ¢4o moral das joyens, para tornd-las verdadeiras cris- tis, mulheres exemplares, perfeilas espdsas, mies completas, Vai Maria, vai, pomba de Deus; abre bem largas as tuas asas e eleva-te ao Mais alto dos céns, sem nunca 8 \_SIMPLICIDADE SEGUNDO 0 EYANGELHO perder de vista aquéles que te amam tao carinhosamen- te neste mundo. A ti dedico éste livrinho: todo perfumado de tua lembranea. Possa éle fazer aos que o lerem o bem que nos fizeste, quando yivias ao nosso lado! Dedico-o 4s almas que precisam de asas para pai- var acima das tristezas desta terra de exilio e das provocacdes déste vale de lagrimas. Dedico-o as almas avidas de perfeicdéo, as almas generosas e amantes que aspiram a se elevar, que tém séde de uniao com Deus. Dedico-o as almas que se arrastaram até agora n& vulgaridade e na inutilidade de uma vida morna e egoista, mas que sofrem nessa situacdo e que se su- focam nas baixas regides, onde lhes falta ar e luz. Dedico-o as almas desalentadas, porque exageram as dificuldades da yirtude e se amedroniam ante a enormidade da tarefa. Dedico-o a t6das as almas de boa vontade: joyens, espOsas, maes, viuvas ou religiosas, que buscam a forma evangélica de ir a Deus com seguranca e pres- leza, A simplicidade ¢ o caminho — no direi facil, seria contradizer o Eyangelho, segundo o qual o ca- minho que conduz & vida ¢ aspero e estreito — mas © caminho possivel a todos e que esta ao aleance de vada um, o caminho de que Jesus falaya, ao dizer: “Meu jugo é suave e o meu fardo ¢ leye.” A simplicidade é 9 caminho do perfeito amor, que “Suprime a pena ou a transforma em alegria”; que “se fatiga, mas jamais se cansa”. E’ a maneira mais pratica de muito e sempre amar. Segue, pois, pequeno livre, segue com a béncac daquela que te. inspirou, segue! E penetra do espirito de Deus todos os que lerem as tuas paginas. DEDICATORIA Jesus, quando enviaya seus discipulos para oo verter o mundo corrompido, dizia-Ihes: Sede simples como as pombas!” bs ‘ : , Que a simplicidade viva e se irradie no coragao das cristas! Que as almas simples se mun Tap ners: para edificagao de muitos e para a gloria de Deus! PRIMEIRO CAPITULO DEFINICAO E IMPORTANCIA DA SIMPLICIDADE Por que o Evangelho apresenta a pomba como mo- délo e ideal da simplicidade cristi com as seguintes palavras: “Séde simples como as pombas?”* Para compreendé-lo, é necessdrio que se tenha da simplicidade uma idéia nitida. No dizer de Fénelon, “existe a simplicidade que é defeito e a simplicidade que ¢ maravilhosa virtude.” Falemos apenas da virtude, pois que ¢ dela que trata o Evangelho, De acérdo com o Eyangelho, a simplicidade nada mais é do que a pureza de intencado: as duas express6es sao sinédnimas e usadas uma pela outra. Na verdade, puro signi mistura. Diz-se que a Agua é pura, quando nao esta misturada a0 vi- nho ou a outra qualquer substancia. Igualmente, simples quer dizer o que nao é multi- plo, nem sequer duplo, o que é uno. Diz-se que uma yestimenta ¢ simples, quando de uma s@ cor, sem enfeites ou acessdrios, que as sobrecarreguem. Diz-se que uma pessoa é simples, quando nao ¢ afetada, dissi- mulada e cheia de reservas; se fala o que pensa € mostra-se tal qual é; se nao se assemelha aqueles de quem o sabio disse que: “andam por dois caminhos” 1) ‘Sho Mateus. X, 16. e “tém dois coragoes”; em suma, quando nela nao existem duas bersonalidades: uma artificial exterior, que representa para o Publico; outra, tuito diferente, que se encobre € se esconde para na Taundo, mas a quem Deus yé e julga. Em ultima analise, a idéia de pureza e de simplici- dade € a mesma. Dela se exclui qualquer mistura, qual- quer complicacdo, qualquer duplicidade, tudo a que sao Paulo chama: “prudéncia da carne, sabedoria déste mundo,” A simplicidade ou a bureza de intencaio consiste, pois, em se propor um % poi D nico e€ mesmo objetivo, uma unica e mesma finalidade, que é a de agradar a Dens, ou melhor, fazer qa vontade de Deus em tudo o que Se pensa, em tudo o que se diz, em tudo o que se faz. * Assim compreendida, a simplicidade aparece logo como virtude essencial e de incaleulaye] alcance, “O homem foi eriado para Deus”, disse santo Ip cio, no inicio de seus “Exercicios Espirituais”, na pri- meira meditacao a que éle justamente denomina fun- damental, porque é o fundamento de toda a estrutura érista. O admirdvel livro dos “Exercicios” é inteiramen- te baseado nessa primeira e profunda palavra, de que todo éle 6, por assim dizer, 0 comentario e o desenvol- vimento. Na realidade, Deus é 0 tnico fim yerdadeiro, 0 fim ultimo do homem. Se o homem sé vé a Deu: sé pro- cura Deus, sé se prende a Deus; se volun ariamente dirige seus Pensamentos, palayras, agdes e téda sua vida para Deus; se de algum modo no se apega as criaturas que encontra, se delas apenas se utiliza como. de um meio; se nelas nao encontra repouso como em ntio o eu fim, porque sé em Deus quer Sepereat a ae Hameo vive na verdade e fa ordem, é€ j i e simples. | e ser perfeitamente si J fag oat O cates exprime a mesma idéia, ocean homem foi criado para conhecer, amar e si e assim alcancar a vida eterna. 2k i ‘to: Como, entao, dirigir a Deus nossos Hate TS palayvras € acdes? Pela intencdao, a Bele maya e inard, nos e a realiza-los livr y erminara nossa ventad: a HI ge em si mesmos, independent itive q é i sas es e NGS i s féz agir, nossas acées tc io motivo que nos ig i ee ee tém digatnerlo assim, valor moral algum corpos sem alma, ! ft a moralidade esta em nds, em: nossa ee ee que é a alma de tudo que fazemos e da sentido aos nossos atos. ' | aréncias. as javras Os homens julgam pelas aparéncias, peasnee He que ouvem e pelas acoes que véem. Eis ce Pp lantas yézes sao injustos, severos e ma sr ee! Mas Deus nos julga de acérdo com ae ae nosso interior: Olha-nes o coragao, a os ee tivos, as intengdes e por tudo isto nos ap siira, x os castiga. 5 ra, nos recompensa ou n fas) if al é o sentido da palavra do Son eed ra a 6 for si todo o teu corpo se 0, ieu 6lho for simples, : age eee Mas se fér man, todo o teu corpo neers as ae a 0 élho traduz a intengao: pois da sere oa que Os olhos nos dirigem oO andar, a eee ie a conduta da alma. A intencao ¢ 0 0 Sdo Mateus, VI, 22-23. doe ike 3 Ditengho, origina-se de intendere, que stgnifica: tender pa mu a A SIMPLICIDADE) SEGUNDO_0 EVANGELHO minha alma contem; pla Deus, se Lhe diri i ie Pre use eto Palavras e agées, encores hae is pa eee zune 0 que penso iinawsed, 5 € sobrenatural: 6 9 i : as palavras do Evangelho: “iodo o t ee tot aD A €u corpo sera ly- Portanto, t6da a moralidade do: Contida ne 4 aL s atos humanos estd a inteneao. Os atos valem exatamente 0 ae: valem as j ‘ mo Maen es. Afirmando-o, o Evangelho, ao mes~ 5 roi o farisaismo ¢ 0 substitui pela reli giao do espirito i i Sees Oe yerdadeiro reino de Deus que _ Dai tornar-se a sim Moral, A alma simples sempre agrada a Deus, porque sempre 0 contempla e Procura, sé ambicionando [6] Si cl cumprir sua vontade e buscar sua gloria. Ser si é Simples 6 yer, amar e querer a Deus em tédas 48 criaturas e em todas as coisas: € unificar em Deus a propria vida.

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