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Naquela época, quando meu irmao despareceu, eu devia ter uns onze anos. Era 0 comego dos anos 90; uma época préxima porém distante. Bastante diferente da nossa. Eu e toda a primarada passdvamos as férias de “veréo” (as de julho) na casa da vové Jaynete, 0 nosso préprio sitio do Picapau Amarelo, perto de Belém, na Ilha do Mosqueiro. Era normal o “Pingo” (diminutivo de “pingo de gente”, que era assim que chamavamos o Henrique) desaparecer pelo enorme terreno. Ele gostava e conhecia a natureza. Colecionava pedras, conchas da praia, sementes e raizes. Também era comum ele voltar para casa com algum animal de pequeno porte, geralmente um quatipuru. Ele insistia em chamar 0 bicho de “esquilo”, acho que queria imitar os sobrinhos do Pato Donald e seus mascotes que via na TV. Mas a mamée sempre o obrigava a devolver o bicho a natureza. Mas o dia em que ele nao apareceu para o jantar foi preocupante. Ele sabia que nao era para ficar pela rua depois do anoitecer. Até porque era uma hora terrivel para se estar ao relento, hora do ataque dos carapanas (mosquitos). Apés a janta, todos saimos pelo terreno com lanternas a procurar, mas nada achamos. Alguém lembrou de te-lo visto indo no caminho da praia mais cedo. A praia ficava a apenas um quarteirao dali. Descemos para la. Tinha um cantinho todo especial no final da praia que costumavamos visitar: a Ilha dos Amores. Esta ilha tinha um qué de encantada. Era ligada a praia por um istmo rochoso que desaparecia na maré cheia e reaparecia na vazante. Tinhamos de ficar alertas a esses horérios para nao ficarmos presos a ilha. Voltar nadando era muito perigoso: havia um redemoinha na Baia do Marajé que ficava bem por tras da ilha. Traicoeiro, na maré cheia puxava para la. © Pingo adorava a ilha, 14 podia coletar pedras e pedregulhos de todo formato, argila, frutos... Mas o principal é que apesar de rochosa, no centro da ilha haviam frondosas arvores. Dentre elas um antigo jambeiro. E era 14 que ele gostava de subir para ver 0 mar, os barcos e apanhar frutos. Muitas vezes voltava para casa com uma sacola apinhada de jambos. ‘A maré estava cheia e havia comecado a chover forte na baia, entao era impossivel passar. Os adultos acionaram os guardas salva-vidas que foram de bote até a ilha, vasculhar. Eles nada encontraram e como o tempo estava perigoso adiaram as buscas para a manha seguinte. Enquanto isso nos reunimos na nossa cabana, ou clubinho, no fundo do quintal. Era feita de tabuas de madeira e o teto era forrado por grandes folhas de bananeira sobre papeldo. Chovia e haviam muitas goteiras. Todos estavamos muito preocupados com o Pingo. - A gente também precisa procurar, fazer alguma coisa - disse Zito, 0 mais velho. Ja tinha uns 13 anos e possuia um temperamento destemido. - Mas se os adultos nao acharam, tu achas que a gente vai conseguir? - Disse Leco, magrinho, moreno sempre um pouco mais medroso. Eu, ou Pétcha como era chamado, segurava e olhava fixamente para um caroco de jambo, vestigio de um fruto que eu mesmo havia devorado pela manha. Em seguida, soltei com sua voz forte e esparrenta de trovaozinho: - Ele andava indo muito ao jambeiro da Ilha dos Amores. Hoje de manha, ele trouxe mais um carregamento de jambos que distribuiu entre primos e funcionarios da vové. A gente tem que comecar a investigagao amanha de manha por la! Primeira coisa! - Eu também vou com vocés! - Disse o Testa, que nao era primo mas era como se fosse. As familias eram amigas e a sua mae © havia liberado para passar aquelas férias de verdo conosco, ficando na casa do Leco. - Entao fechou! - disse o Zito - Amanha de manha a gente toma café e todo mundo se encontra na saida dos fundos do terreno, pela cerca viva. Sim, porque pela frente os adultos nao vao deixar. Logo apos 0 café, como combinado, os primos se encontraram junto a cerca viva, cada uma trazendo a sua bike. A do Leco era a mais reluzente, uma “mountain bike”. - Ok ~ Eu disse - Temos de encontrar um caminho por onde dé para atravessar esse terreno baldio do vizinho com as bikes e entao possamos chegar a praia. Vamos dar um jeito! Com certa dificuldade criamos um caminho pelo meio do mato, conduzindo as bicicletas ao nosso lado. No final havia um muro e um portao de ferro enferrujado, nao muito alto. Zito e Leco pularam enquanto eu e Testa passévamos as bikes a eles por cima do porto, Ao final pulamos e j4 estavamos praticamente na rua da praia. Seguimos por ela por uns duzentos metros até chegarmos em seu final, a tal Ilha dos Amores. Ao contrario da noite anterior quando choveu muito, nesse dia estava muito calor, o sol estava forte 14 no alto. Foi entao que o Leco exclamou: - Ei, tem alguém ali atras das arvores nos olhando. Eu e Zito fomos investigar e nos deparamos com uma estranha mulher, toda molhada e segurando um guarda-chuvas. Sua pele era palida, o olhar perdido e a cabeca pendia um pouco para o lado. - Asenhora esta bem? - Perguntou 0 Zito. - Eu tenho pouco tempo. Eu nao estou realmente aqui. Essa 6 apenas uma projecio da minha consciéncia. Consegui escapar da atenco dele por alguns instantes. - Dele quem? - Do velho jambeiro maldito! Nesse instante, em que seu nome foi invocado, o vento comegou a soprar mais forte e os galhos e folhas do jambeiro a balangar. - Ele me viu e me chama de volta, Nao tenho escolha. Preciso ir. Nos salvem, por favor. Precisamos sair de 1a. Tentei agarré-la mas ela era intangivel e logo em seguida, transparente, desapareceu. Eu e Zito nos olhamos com espanto. Voltamos até aonde estavam Testa e Leco e dissemos que precisavamos ir até o velho jambeiro. Atravessamos 0 istmo pedregoso e ao chegarmos a ilha escalamos suas enormes pedras. Chegamos ao centro, as copas de varias arvores ocultava o jambeiro que ficava ao meio, nos dirigimos a ele. Leco tentou escald-lo, mas ele nao era tao bom quanto o Pingo nisso. Foi a vez de Zito tentar. Ele tentou fixar os pé numa protuberancia no centro da arvore quando algo nos chamou a atengdo: A protuberancia era apenas uma casca que se rasgou com © peso do Zito, parecia haver alguma coisa por tras. Descascamos e encontramos para nossa surpresa um estranho objeto: um circulo feitos de madeira com fios trangados no meio e adornado com penas de aves. Identifiquei depressa: “é um apanhador de sonhos!” Tentei toca-lo, minha mao atravessou os fios como se eles fossem agua! Corajosamente enfiei o outro braco e vi que poderia atravessar tal portal. Talvez um adulto nao fosse pequeno o suficiente, mas nés podiamos. E tinhamos de resgatar o Pingo. Meti os bracos, depois a cabeca e passei. Entrei em uma espiral verde e azul e meus primos me seguiram. Ao fim daquele tunel avistava-se uma pequena vila entre as montanhas e prosseguimos por entre os arbustos e galhos de jambeiro da espiral. Fazia frio, frio como nao faz normalmente no Para e a pequena vila, que ficava ao final do curso de um rio era feito de casas de pedra. Caminhamos até a Vila e descobrimos que ela se chamava Abrigo do Inverno e que estavamos em um outro mundo. Nele, Pingo e outras criancas haviam sido sequestrados por um ogro e os sébios e ancides da vila estavam esperando pela chegada de forasteiros, nés no caso, para resgata-los.

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