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O TE DEUM CPM 92 DE JOSÉ MAURÍCIO NUNES GARCIA: PROCESSO DE


TRANSCRIÇÃO/EDIÇÃO

Jetro Meira de Oliveira (UNASP)


jetro.oliveira@unasp.edu.br

Elton Leandro Machado (UNASP)


elton.machado@unasp.edu.br

Gabriel Iglesias Martins (UNASP)


bieliglesias@hotmail.com

Resumo: Este artigo apresenta uma perspectiva histórica e considerações do processo de transcrição/edição do Te Deum
CPM 92 de José Maurício Nunes Garcia (1767-1830) desenvolvido pelo grupo de pesquisa em Linguagem Musical

autógrafas e não autógrafas utilizadas neste trabalho, assim como explanações do caminho percorrido nas decisões
editoriais.
Palavras-chave: Música colonial brasileira, Te Deum, José Maurício Nunes Garcia, Edição musical.

The Te
T Deum CPM 92 of José Maurício Nunes Garcia: Transcription/
T Editorial Process

Abstract: This article presents a historical perspective and considerations about the transcription/edition process of the Te
Deum CPM 92 of José Maurício Nunes Garcia (1767-1830) developed by the research group on Brazilian Musical Language
of the Music Education degree at UNASP, Campus Eng. Coelho/SP. There are descriptions of autograph and non autograph
manuscript sources and explanations of the path taken in the editorial decisions.
Keywords: Brazilian colonial music, Te Deum, José Maurício Nunes Garcia, Musical edition.

1. Perspectiva Histórica

José Maurício Nunes Garcia (1767-1830) musicou o texto do Te Deum sete vezes (CPM 91, 92, 93,
Te Deum sem informação de autor
cuja autoria tem sido sugerida a este compositor1. Este trabalho tem seu foco no processo de transcrição/edição
do Te Deum CPM 92, datado de 1809, desenvolvido pelo grupo de pesquisa em Linguagem Musical Brasileira
na UNASP, Campus Eng. Coelho/SP, como parte integrante de um estudo de todas as composições sobre o
texto do Te Deum feitas por José Maurício.

sobrevive em manuscritos autógrafos e não autógrafos que formam conjuntos de partes, não havendo uma
grade completa da peça no conjunto de manuscritos. Estes manuscritos fazem parte do Acervo Musical do
Cabido Metropolitano do Rio de Janeiro que foi digitalizado e disponibilizado através do endereço eletrônico
<http://acmerj.com.br/
http://acmerj.com.br/
trompas, clarins, sexteto de cordas (com duas partes de viola), continuo, coral SATB e solos de soprano e
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CPM Data T
Ton. Instrumentação Dedicação Observações
91 1801 Ré M Solos SB, coro SATB e BC Matinas de Assunção
92 1809 Solos ST, coro SATB, BC, Matinas de São Pedro Partes não autógrafas de percussão.

93 1811 Dó M Solos ST, coro SATB, BC, Para 7 de março


vcl, fag, CB I e II, Vla I e II, Fl, Cl I e II, Trp I e II,
Cor I e II e Tp. Versões não autógrafas
2
.
94 s.d. Dó M Solos SATB, coro SATB, Cópias não autógrafas com

135) Orquestração não autógrafa,

95 s.d. Dó M Solos SA, coro SATB, BC, Matinas da Conceição Orquestração não autógrafa, 22--2, Vln
vcl, CB I e II
96 1799? Ré M Solos ST, coro SATB, 2-2
97 s.d. Coro SATB, BC e pequena Cópia não autógrafa
orquestra
OAD11 s.d. Dó M Solos SATB, coro SATB, OAD = Obra de Autoria Discutível
BC, Vln I e II, Vcl, 2Tr
Exemplo 1: tabela dos Te Deum de José Maurício Nunes Garcia

O Te Deum

S. Pedro composto por Joze Mauricio Nunes Garcia em 1809”. Esta inscrição é uma pista para compreendermos

concebido para solistas, coral e continuo, tendo recebido uma orquestração posterior. A própria inscrição

a cor da tinta como a posição da inscrição na partitura.

Exemplo 2: inscrição do Te Deum CPM 92, autógrafo SATB e BC

José Maurício ingressou na Irmandade de São Pedro dos Clérigos em 7 de setembro de 1791,
Te Deum CPM
92 como parte integrante das Matinas dedicadas às festividades de São Pedro (29 de junho). José Maurício
compôs mais dois Te Deum
três somente um quarto Te Deum
comemoração do dia da chegada de D. João ao Rio de Janeiro. O próprio príncipe regente estabeleceu esta
Te
Deum para esta comemoração que foi mantida anualmente de 1809 até 1822 (MATTOS, 1996: 75).

em 1809 era de José Maurício, nós não temos informações de qual de seus Te Deum teria sido apresentado
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pode ser uma indicação do uso de orquestra. Seguindo este raciocínio podemos descartar o Te Deum CPM
91, o único escrito exclusivamente com acompanhemento de basso continuo. Também podemos descartar o
Te Deum CPM 93, pois foi escrito em 1811 justamente para as festividades de 7 de março. Das cinco obras
Te Deum
Te Deum CPM 94 e 95 com orquestrações não autógrafas.
Podemos assim considerar como plausível que o Te Deum CPM 92 tenha sido utilizado por ocasião

justamente em função das instruções de D. João que requeria grandes instrumentações para a celebração do
dia 7 de março de 1809. Isto poderia ajudar a explicar a quantidade de erros contidos nas partes autógrafas de
orquestra em função da possível pressa em que o material precisou ser produzido. De qualquer forma isto não
passa de uma hipótese sem prova documental.

2. Fontes: manuscritos autógrafos e não autógrafos

O Acervo Musical do Cabido Metropolitano do Rio de Janeiro possui nove conjuntos de


manuscritos do Te Deum CPM 92. Estes são divididos em manuscritos autógrafos, parcialmente autógrafos

O conjunto um
partitura vocal, com solistas, coro SATB e basso continuo, e partituras avulsas das partes instrumentais de

clarim 1 e 2. O conjunto dois


O conjunto três
um dos alunos do compositor que trabalhou sob sua supervisão. Possui uma parte de violino que é igual
ao exemplar autógrafo. O conjunto quatro
autógrafas, possui partes de violino 1 e 2 e de contrabaixo. O conjunto cinco é uma parte de violino 2
conjunto seis é de copista não

conjunto sete conjunto oito é de copista


conjunto nove
partes de bumbo, pratos e tímpano.
Consideramos o conjunto um como a base para o trabalho de transcrição por se tratar do conjunto
mais completo, com o maior número de partes, e também por ser o único totalmente autógrafo. No conjunto
um temos essencialmente toda a instrumentação da peça, especialmente se considerarmos que a parte de

trechos a serem executados somente pelo violoncelo. As partes repetidas nos demais conjuntos não possuem

escolha de incluí-las em nossa transcrição/edição por seu valor musicológico, apesar da obra funcionar
esteticamente muito bem sem estas partes de percussão. As partes de bumbo e pratos seguem basicamente
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o ritmo da parte de tímpano e provavelmente foram preparadas para apresentações ao ar livre. Também
conjunto um (autógrafo) uma

Exemplo 3

Seria esta uma indicação de que em algum momento foram preparadas partes independentes de
oboé? Até o momento não encontramos qualquer indício disto, mas suspeitamos que possivelmente os oboés

estudo sobre as técnicas de orquestração presentes na obra de José Maurício, justamente para averiguar se o
compositor habitualmente escrevia partes independentes de oboés e clarinetas.

3. Questões editoriais

O primordial motivo de prepararmos uma transcrição/edição do Te Deum CPM 92 é disponibilizar


uma grade completa desta peça através de publicação tradicional ou eletrônica. No processo de transcrição
dos manuscritos nos deparamos com o recorrente problema de número de compassos de pausa incorretos
nas diversas partes instrumentais. Como os manuscritos consultados mostram terem sido usados repetidas

Imaginamos que no decorrer de um ensaio o problema seria rapidamente detectado e corrigido. Assim
anotações de correção teriam sido feitas nas partituras, mas este não é o caso, com uma possível exceção

direita que corresponde ao número de compassos de pausa que estão faltando na partitura. Em função disto
e de pequenas inconsistências encontradas nos manuscritos das partes orquestrais foi imperativo fazermos
intervenções editoriais.

No autógrafo vocal, por exemplo, as vozes de soprano, contralto e tenor estão em claves de Dó e as partes

apresentar esta peça. Sendo assim, estamos trabalhando também na realização do baixo cifrado.
Para alcançarmos um resultado coerente, procurou-se desenvolver a realização do baixo cifrado
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do baixo cifrado e haja consenso quanto a sua realização, cada compositor demonstra características próprias

encontra em RAMEAU, por exemplo. A cifra 3, cuja presença denota a resolução melódica de

7
5
e 73, o que contribui para
que a cifragem seja carregada. Isto não foi praticado apenas pelo Pe. José Maurício (ESTEVES,
2000, p. 86).

Tendo em vista que outros estudos demonstram que o compositor possuía conhecimento e o

segundo movimento do Te Deum CPM 92, José Maurício optou por utilizar acordes menos complexos. Nota-

progressão subdominante–tônica nos compassos 5 e 6.

Exemplo 4: Te Deum

Do compasso 22 ao início do compasso 30, acordes e melodia são escritos pelo próprio compositor

as vozes, num tipo de nota pedal de dominante, formando a sequência subdominante–dominante– tônica. No
compasso 26 o acorde de quinto grau com quarta e quinta segue para o mesmo acorde em primeira inversão
e resolve no acorde de tônica, caracterizando uma cadência autêntica.

Exemplo 5: Te Deum
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De maneira geral, o baixo cifrado foi realizado tendo em vista a distribuição das vozes do coro
e da orquestra, evitando paralelismos no encadeamento. Em alguns casos foi feita a harmonização de notas

não-cifrado não quer dizer que ele não deva ser realizado; isso somente transfere toda a responsabilidade
para o intérprete” (p. 56). Admite-se que a realização do baixo cifrado seria muito diferente caso este fosse
considerado o único instrumento de acompanhamento e apoio ao coro.

Exemplo 6: realização do baixo cifrado, 2º mvt, cc 9-13

exemplo abaixo referente ao terceiro movimento.

Compasso Voz/parte
V Alteração
77 CB 2º tempo de Mi para Ré Exemplar 2 e continuo do conjunto um, e violoncelo do conjunto
dois contêm nota Ré
96 CB 1º tempo de Dó Exemplar 2 e continuo do conjunto um, e violoncelo do conjunto
dois
19-20 e 23-24 Tr II Adição de ligaduras
compassos 17-18 e 21-22 com ligadura
76-77 Trp II Adição de ligaduras
43-59 Cl I e II Número de compassos de
pausa, de 16 para 17 solucionado inserindo-se um compasso de pausa no compasso 59
Exemplo 7:

4. Conclusão

O estudo dos manuscritos revelou até o presente momento que o Exemplar 1 da parte de basso
do conjunto um
conjunto não contém estes erros. Observamos também peculiaridades de escrita da época nos autógrafos,

armadura de clave incompleta, onde não aparece o acidente de uma nota não presente na parte. Nosso trabalho

uma cópia. Nas próximas etapas estaremos concluindo as intervenções editoriais assim como a elaboração do
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Notas

1 Ver: MATTOS, Cleofe Person de. Catálogo temático das obras do padre José Maurício Nunes Garcia. Pg. 354, e MONTEIRO
NETO, Antonio Campos et al. O Projeto de Digitalização do Acervo Musical do Cabido Metropolitano do Rio de Janeiro: Inter-
Pgs. 15-16.
2 Ver: MATTOS, Cleofe Person de. Catálogo temático das obras do padre José Maurício Nunes Garcia. Pg. 133.

Referências:

DINIZ, Jaime. A Presença de José Maurício na Irmandade de São Pedro. IN: Estudos Mauricianos. Rio de
Janeiro: Funarte, 1983.

A Obra Vocal De Capella de Padre José Maurício Nunes Garcia: Seis Edições
e Seus Elementos de Escrita. Dissertação de Mestrado. UNICAMP, 2000.

GARCIA, José Maurício Nunes. Te Deum CPM 92. 1809. Conjunto de manuscritos. Disponível em: <http://
acmerj.com.br/CMRJ_CRI_SM46.htm>. Acesso em 25/5/2010.

MATTOS, Cleofe Person de. Catálogo temático das obras do padre José Maurício Nunes Garcia. Rio de
Janeiro: Funarte, 1970.

MATTOS, Cleofe Person de. . Rio de Janeiro: Ministério da Cultura,


Fundação Biblioteca Nacional, Departamento Nacional do Livro, 1996.

MONTEIRO NETO, Antonio Campos, HAZAN, Marcelo Campos e COTTA, André Guerra. O Projeto de
Digitalização do Acervo Musical do Cabido Metropolitano do Rio de Janeiro: Interseção Entre Arquivologia
Anais do VII Encontro de Musicologia Histórica (Juiz de Fora, 21-23 Jul.
2006).

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