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Articulação Público Privado PDF
Articulação Público Privado PDF
Abstract Resumo
1 Instituto de Saúde Coletiva, This article draws on a previous review of 270 Este artigo parte de uma revisão de 270 textos
Universidade Federal da
Bahia, Salvador, Brasil.
articles on private health plans published from sobre saúde suplementar publicados entre 2000
2 Tribunal Regional do 2000 to 2010 and selects 17 that specifically ad- e 2010, e seleciona 17 que abordam a questão
Trabalho da 5 a Região, dress the issue of the relationship between the da articulação entre o público e o privado na
Salvador, Brasil.
3 Instituto de Estudos em public and private healthcare sectors. Content assistência à saúde. A análise do seu conteúdo
Saúde Coletiva, Universidade analysis considered the studies’ concepts and considera os conceitos e expressões utilizadas,
Federal do Rio de Janeiro,
terms, related theoretical elements, and predom- os elementos teóricos relacionados e as linhas
Rio de Janeiro, Brasil.
inant lines of argument. A reading of the argu- argumentativas predominantes. A leitura das es-
Correspondência mentative strategies detected the existence of a tratégias argumentativas aponta a existência de
J. A. F. Sestelo
critical view of the modus operandi in the pub- uma visão crítica sobre o atual modus operandi
Instituto de Saúde Coletiva,
Universidade Federal da lic/private relationship based on Social Medicine da articulação público/privado, fundamentada
Bahia. and the theoretical tenets of the Brazilian Health na Medicina Social e nas bases teóricas do movi-
Rua Basília da Gama, s/n,
Salvador, BA 40110-040,
Reform Movement. The study also identified mento da Reforma Sanitária Brasileira, ao lado
Brasil. contributions based on neoliberal business ap- de contribuições que, apoiadas em visões empre-
sestelo.jose@gmail.com proaches that focus strictly on economic issues to sariais inspiradas por uma perspectiva neolibe-
discuss private health insurance. Understanding ral, tomam os aspectos econômicos em seu sen-
the public/private link in healthcare obviously re- tido estrito como foco da discussão sobre saúde
quires the development of a solid empirical base, suplementar. Resta evidente que a compreensão
analyzed with adequate theoretical assumptions da articulação público/privada na saúde requer
due to the inherent degree of complexity in the o desenvolvimento de uma sólida base empíri-
public/private healthcare interface. ca, analisada com base em pressupostos teóricos
adequados ao grau de complexidade inerente à
Supplemental Health; Public-Private zona de fronteira da articulação entre o público
Partnership; Health Public Policy e o privado na assistência à saúde.
sob regime especial. Na área da saúde, foram De fato, depois dos trabalhos pioneiros de
criadas a Agência Nacional de Vigilância Sanitá- Braga & Paula 11 e de Cordeiro 7, a produção
ria (ANVISA) e a ANS 17. acadêmica crítica reflui e, ainda no período ime-
Essa última, desde o início de sua atuação em diatamente anterior à aprovação da Lei no 9.656
2000, fez valer um viés de regulação com ênfase (1998), toma corpo uma prática discursiva que
no aspecto econômico/financeiro das operado- adota o termo “assistência médica supletiva” 21
ras de planos e seguros de saúde. Acrescente-se para tratar das empresas médicas que vendiam
que, cinco anos após a sua criação, o processo planos de pré-pagamento. O conjunto das em-
de regulação da assistência à saúde dos clien- presas passa a ser tratado, alternativamente, co-
tes de planos 18 ainda era pouco efetivo. Entre mo “setor” (da economia) ou como “subsistema
as evidências sobre a incipiência da aplicação privado” (do sistema de saúde), indicando uma
da legislação estão os resultados do Índice de separação entre análises de caráter estritamente
Desempenho Assistencial (IDAS). Em 2005, o econômico e outras de caráter político. Configu-
valor do IDAS foi 0 para 54,1% das empresas, ra-se, assim, uma trilha diversa da que percorria
sendo que 70,7% delas por inconsistência das a literatura caudatária da matriz teórica do movi-
informações. mento da Reforma Sanitária Brasileira.
A ênfase na regulação econômico-financeira Portanto, a atual saúde suplementar é um ob-
guarda relação com as peculiaridades encontra- jeto que ainda requer investigação, em especial,
das no processo de estruturação desse órgão. Ao sobre os conceitos utilizados na sua construção
contrário de outras agências criadas para atu- e sobre os referenciais teóricos utilizados em sua
ar sobre novos mercados (telecomunicações e abordagem, no sentido de explorar a extensa in-
energia elétrica, por exemplo) surgidos com o terface público/privada que articula a estrutura
processo de privatização de empresas públicas, a social e econômica às políticas de Estado na área
ANS encontrou um setor já estruturado, em cres- da saúde.
cimento e com fortes ligações com o mercado De fato, a opção pela não problematização da
financeiro 19. Embora a ANS esteja na esfera do questão fundamental da compra e venda de ser-
Ministério da Saúde, a sua atuação guarda com viços acaba contribuindo para a sua naturaliza-
o SUS uma interlocução precária, que se refere, ção, o que, em última instância, pode representar
principalmente, ao ressarcimento de despesas o abandono do projeto de um sistema único de
geradas por clientes de planos e seguros de saúde saúde, público e com acesso universal.
em hospitais da rede pública. Assim, sabendo-se que, dentro do conjunto
Tal mecanismo de ressarcimento, em si mes- da produção acadêmica especializada existem
mo estritamente econômico, além de não pro- trabalhos que, nomeadamente, tratam da arti-
ver compensações pecuniárias efetivas é, como culação entre as dimensões pública e privada na
salienta Menicucci 4, um potente indicador da assistência 20, cabe investigar o seu conteúdo, na
precariedade da regulação assistencial. De outra perspectiva de evidenciar o caráter crítico ou na-
forma, Santos 6, utilizando o conceito de mescla turalizador da sua visão sobre este tema.
(mix) público/privada, refere-se ao sistema de Dessa forma, com base em uma revisão de
serviços de saúde do Brasil como um sistema que textos relacionados à temática da articulação en-
promove uma cobertura “duplicada” apenas para tre o público e o privado na assistência à saúde 20,
a parcela da população que compra planos de o presente artigo procura identificar e analisar os
saúde, sem que a regulação pública atue efetiva- conceitos, os elementos teóricos e os argumen-
mente sobre este fenômeno. tos utilizados na sua abordagem. Ou seja, trata-
Embora a ANS não seja o marco de origem se aqui de destacar um segmento específico da
da dinâmica de compra e venda de planos e se- produção acadêmica sobre saúde suplementar,
guros de saúde, sua criação pode ter produzido e lançar um olhar em profundidade sobre a ma-
algum impacto sobre a prática discursiva relativa neira como é tratada a questão da articulação en-
a esta atividade. Mais especificamente, a atuação tre o público e o privado na assistência por esses
da ANS parece se refletir na produção acadêmi- trabalhos.
ca, que, como demonstram os achados de um
trabalho de revisão sistemática com análise dos
resumos de 270 textos do período de 2000 a 2010 Método
(pós-ANS) 20, se afasta da tradição crítica que
destacava as relações entre a saúde e a estrutura Foi realizada uma revisão sistemática sobre saú-
social para assumir um viés econômico-finan- de suplementar no Brasil, a partir do marco nor-
ceiro que naturaliza a existência da dinâmica de mativo/temporal da Lei no 9.656 e da criação da
comércio de planos e seguros de saúde no inte- ANS, de estudos publicados entre 2000 e 2010,
rior do sistema. disponíveis nas seguintes bases de dados: ban-
Tabela 1
Trabalhos selecionados com viés argumentativo crítico sobre o lugar do esquema de comércio de planos e seguros dentro do sistema de saúde no Brasil.
Andreazzi & Artigo em periódico Relações público/privadas; Economia Política; Aponta o caráter concorrencial do esquema
Kornis 25 indexado. Deriva da Regulação; Relação Estado/ Macroeconomia; de venda de planos em relação à lógica
Tese de Doutorado mercado; Processo de Teorias sobre regulação; sistêmica da saúde como direito de
intitulada Teias e Tramas: acumulação de capital; Medicina Social; Campo cidadania representado pelo SUS
Relações Público- Equidade; Direito de da Saúde Coletiva
Privadas no Setor Saúde consumo; Assistência
Brasileiro dos Anos 90 suplementar em saúde
(Andreazzi 22). Análise
macroeconômica dos
anos 90, ensaio de
economia política
aplicada à relação
Estado/setor privado em
saúde
Bahia 32 Artigo em periódico Inter-relações SUS-planos Economia Política; Aponta que a institucionalização dos riscos,
indexado. Revisão da privados de saúde; Economia da Saúde; ainda que gerida por agentes privados,
literatura, descrição Institucionalização dos Ciência Política; Teorias é, obrigatoriamente, revestida por um
e análise de dados riscos; Assistência médica sobre regulação em envoltório social. Distingue duas estratégias
de fontes oficiais/ suplementar; Regulação saúde; Campo da Saúde distintas de gerenciamento do risco de
entrevistas governamental da assistência Coletiva adoecimento individual: uma de caráter
médica; Esquemas mutual/sindical, onde relações sociais ou de
assistenciais privados; trabalho mediam o processo de transferência
Cidadania regulada; para o plano coletivo, e outra baseada em
Universalização excludente; relações contratuais estabelecidas entre
Cidadania invertida; Mercado seguradoras e indivíduos.
artificialmente expandido; Examina a hipótese de adequação de uma
Empresariamento da mesma base de provedores de serviços à
assistência médica; Interfaces segmentação da demanda e refuta a ideia
público/privadas da gestão simplista da existência de uma única linha
dos riscos à saúde demarcatória no sistema de saúde brasileiro
estabelecida entre usuários clientes de
planos de saúde e usuários sem planos de
saúde
Bahia 33 Artigo em periódico Segmentação do sistema de Economia Política; Ideia de que não existe, de fato, na assistência
indexado baseado em saúde; Subsistema privado; Campo da Saúde à saúde, uma clara separação entre elementos
análise documental Padrão híbrido e competitivo Coletiva; Teorias sobre públicos e privados, mas antes uma extensa
de financiamento e regulação regulação em saúde zona nebulosa onde, de forma sub-reptícia,
ocorre uma apropriação privada de recursos
públicos. Além disso, as agendas dos
principais fóruns de debate sobre políticas
de saúde, como as conferências e instituições
governamentais ligadas diretamente ao
sistema de saúde, teriam assumido pautas
especializadas no componente público do
sistema, permitindo a constituição de outras
arenas especializadas no componente privado
e passando ao largo da nebulosa zona
de interseção entre o público e o privado
apontada
(continua)
Tabela 1 (continuação)
Castro 34 Tese de Doutorado Relação entre o público e o Economia Política; Delineia a hipótese de que, para avançar na
(IMS/UERJ) privado; Falhas de governo; Políticas de Saúde; construção do sistema de acesso universal
Regulação econômica; Teorias sobre regulação com financiamento e provisão públicos, é
Regulação na saúde; pública; Campo da preciso alterar a ótica de análise, passando
Mercado; Governança; Saúde Coletiva de uma lógica de definição do tamanho do
Estado Estado para “qual o tamanho do mercado
que se deseja”
Gerschman 35 Artigo em periódico Política de saúde Políticas de saúde Evidencia a vigência de uma política de
indexado baseado em suplementar; Atenção à comparadas; Campo da estímulos sub-reptícios à expansão do
análise comparativa de saúde por meio de planos Saúde Coletiva; Teorias esquema dos planos ao lado de uma
políticas públicas privados; Relação do sistema sobre regulação em mitigação do caráter público e universal
de saúde público com o saúde do sistema de saúde que, configura-se
privado no contexto de como um sistema, de fato, segmentado e
sistemas de saúde públicos focalizado nos aspectos menos rentáveis
e universais; Cidadania da atividade de provimento de serviços de
social; Sobreposição aos saúde.
serviços de atenção à Assume uma visão crítica sobre o atual
saúde do SUS; Nicho de esquema de relacionamento entre as
mercado; Seguridade social; dimensões pública e privada da assistência
Segmentação do SUS à saúde e propõe uma redefinição desta
articulação em uma perspectiva de
subordinação da dimensão privada à lógica
pública no provimento da assistência à
saúde
Gomes 36 Dissertação de Mestrado Relação público e privado; Medicina Social; Campo Compõe com o argumento que resiste à
em Saúde Coletiva Coberturas mediadas da Saúde Coletiva; simplificação de admitir a existência de
(UFRJ) pelas empresas privadas; Políticas de Saúde dois sistemas mutuamente excludentes,
Universalidade; Equidade; um de caráter público e o outro privado
Empresas de assistência para avançar na investigação da interseção
suplementar; Seguridade entre estes dois elementos a partir
social; Movimento sanitário; da manifestação dos depoentes e do
Subsistema de atenção posicionamento dos parlamentares sobre
médica supletiva; Inversão o tema
da complementaridade do
sistema
Ibanhes et Artigo em periódico Relação público/privado; Políticas de Saúde; A governança do gestor municipal sobre
al. 37 indexado, elaborado Governança como categoria Teorias sobre regulação; o seu território de saúde não inclui a
com base em entrevistas analítica; Regulação; Campo da saúde dimensão política do sistema de saúde nem
com secretários estadual Equidade; Público; Privado Coletiva se apropria da interface entre o público e o
e municipal de saúde, privado como objeto de regulação
membros do Conselho
Municipal de Saúde de
São Paulo e funcionários
do governo ligados ao
SUS
(continua)
Tabela 1 (continuação)
Menicucci 46 Tese de Doutorado em Configuração institucional Ciências Sociais; Constrói uma interpretação original
Ciências Sociais (UFMG) da assistência à saúde no Ciência Política; sobre a configuração institucional da
Brasil; Privatização; Regulação Políticas de Saúde; assistência à saúde no Brasil a partir de
do mercado privado de Novo Institucionalismo uma reconstituição histórica da trajetória
assistência; Mix privado/ Histórico das políticas públicas setoriais. Utiliza
público; Modelo dual de conceitos teóricos neoinstitucionalistas
assistência para argumentar sobre a persistência de
políticas de favorecimento da segmentação
do acesso à assistência pela capacidade de
pagamento simultaneamente à definição
constitucional clara com relação ao acesso
universal por direito de cidadania
Santos et al. 38 Artigo publicado Tipos ideais (Weber); Economia; Economia Assume uma crítica ao processo de
em periódico Asseguramento privado; da Saúde; Políticas apropriação privada da estrutura de
indexado, com análise Marco conceitual de Saúde; Economia prestação de serviços de saúde, com a
quantitativa baseada desenvolvido pela OECD; Política; Campo da virtual subordinação do interesse público
em dados secundários Mix público/privado do Saúde Coletiva ao interesse particular de determinados
provenientes de bases sistema de saúde; Cobertura segmentos populacionais e empresariais, e a
de dados oficiais duplicada; Corporativismo manutenção do padrão de desigualdade no
acesso aos serviços
Santos 39 Dissertação de Mestrado Público; Privado; Setor Administração e O foco na saúde do trabalhador permite
em Saúde Pública suplementar; Estado; Setor Planejamento em uma discussão sobre a posição do
(ENSP/Fiocruz) supletivo de assistência Saúde; Campo da saúde movimento sindical no desenvolvimento
médico-hospitalar; Setor Coletiva do esquema de comercialização de planos
supletivo de saúde; Mercado e seguros de saúde para trabalhadores do
privado de saúde mercado formal.
Examina a inter-relação entre o espaço
público e privado na assistência à saúde,
buscando explorar a nebulosidade dessa
interface e fazer uma crítica direta à
apropriação privada da esfera pública com
prejuízo para o conjunto da população
Santos 6 Tese de Doutorado em Cobertura duplicada; Campo da Saúde Propõe uma regulação sobre a articula-
Ciências na área de Regulação; Arranjo público/ Coletiva; Teorias sobre ção entre o público e o privado pautada
Saúde Pública privado do sistema de saúde; regulação em saúde; pela lógica do interesse público em saúde.
(ENSP/Fiocruz) Mix público/privado; Marco Saúde Pública; Políticas Aponta a limitação do viés focalizado em
conceitual desenvolvido pela de Saúde regulação econômica vigente na agência
OECD; Interesse público em reguladora e demonstra a contradição do
saúde; Estado de bem-estar argumento que pretende transferir a lógica
social sistêmica da integralidade na atenção para
o interior do segmento suplementar, sem
atentar para a questão fundamental do lugar
desse segmento no conjunto do sistema
(continua)
Tabela 1 (continuação)
Aciole 26 Artigo publicado em Privado; Público; Sistema Economia Política; Evidencia a relação dialética entre os
periódico indexado privado de atenção à saúde; Filosofia; Materialismo elementos da polaridade “público/privado”
com base em análise Pertencimento coletivo; dialético e sua crítica; e trata da complexidade da articulação
histórico/crítica Opinião pública; Mercado; Ciências Sociais; Campo que une/separa os dois termos. Ao mesmo
feita com base nas Relação público/privado; da Saúde Coletiva tempo, traz a discussão para o campo da
dimensões econômicas Estatal Saúde Coletiva percorrendo as dimensões
e políticas relacionadas pública e privada ligadas ao tema da saúde,
com os conceitos de e reafirmando que a construção de um
público e de privado sistema de saúde verdadeiramente público
e guiado por uma lógica pública não pode
prescindir de um diálogo com a totalidade
social e seus contraditórios
Silva 40 Tese de Doutorado em Globalização econômica; Direito do Estado; Assume uma visão crítica sobre as
Direito do Estado Sistema integrado de Políticas de Saúde perspectivas de desenvolvimento do
(PUC/SP) financiamento e provisão sistema de saúde como um todo, focando
dos serviços públicos nas contradições entre a norma legal e a
de saúde; Articulação realidade fática
público/privada; Livre
mercado; Sistema de saúde
suplementar; Focalização das
políticas públicas de saúde;
Universalidade
ENSP/Fiocruz: Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz; IMS/UERJ: Instituto de Medicina Social, Universidade do Estado do
Rio de Janeiro; OECD: Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico; PUC/SP: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; SUS: Sistema
Único de Saúde; UFMG: Universidade Federal de Minas Gerais; UFRJ: Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Tabela 2
Trabalhos selecionados com viés de argumentação naturalizador sobre o lugar do esquema de comércio de planos e seguros dentro do sistema de saúde no
Brasil.
Santos et al. 18 Artigo publicado em Regulação; Mercado Teorias sobre regulação Aponta avanços, lacunas e perspectivas
periódico indexado, saudável; Tecnologias em saúde; Economia de no processo de regulação pública
valendo-se de dados sem cobertura atuarial; mercado; Economia da sobre as empresas de planos e
da ANS e baseado em Incorporação tecnológica; Saúde; Saúde Pública seguros de saúde. Para isso, utiliza
uma matriz de três eixos: Relação público/privado os eixos avaliativos propostos pela
estrutura e operação própria agência reguladora setorial,
do setor, regulação com algumas adaptações, em seu
econômica e regulação projeto de qualificação voltado para as
assistencial. Decorre da empresas denominadas operadoras do
Tese de Doutorado de setor de saúde suplementar
Santos 24 publicada em
2006
Cordeiro Filho 41 Dissertação de Mestrado Compartilhamento entre Teorias econômicas Propõe uma estratégia de capitalização
em Administração de o público e o privado; liberais (livre mercado) das operadoras de planos e seguros
Empresas (PUC/SP) Sistema privado de saúde; de saúde a partir da eliminação do
Acumulação de capital ônus do custeio da alta complexidade
na assistência à saúde, e transferência
deste risco para as contas públicas.
Ao mesmo tempo identifica na
perspectiva de expansão da base de
clientes de baixa renda, viabilizada pelo
barateamento do valor das prestações,
um fator de manutenção do ciclo
virtuoso de capitalização dessas
empresas
Lima et al. 42 Artigo em periódico Segmento hospitalar Administração e gerência Estabelece uma discussão pautada na
indexado, compara a filantrópico; de serviços de saúde; busca de soluções para viabilização
estrutura gerencial de uma Desenvolvimento Políticas de Saúde; econômica do empreendimento
amostra de dois grupos gerencial; Mercado de Economia da Saúde “hospital filantrópico” e sugere que
de hospitais baseando- saúde suplementar; a oferta de planos de saúde próprios
se em matriz com seis Regulação por estes hospitais poderia ser uma
dimensões de análise estratégia adequada à garantia da
sua manutenção, desenvolvimento e
maior integração do sistema de saúde
brasileiro
Pereira 43 Dissertação de Mestrado Economia do sistema Economia Doméstica; Adota o ponto de vista das
(Programa de Pós- familiar; Equidade; Economia da Saúde; empresas de planos de saúde ao
graduação em Economia Integralidade; Mosaico Teorias econômicas propor a subsegmentação do rol de
Doméstica/UFV) público/privado na saúde; liberais (livre mercado); procedimentos mínimos estabelecidos
Qualidade de vida; Políticas de saúde pela ANS para baratear o valor das
Regulação; Mercado; mensalidades dos planos e permitir
Parceria Estado/empresa o acesso de um maior contingente
populacional à sua clientela,
associando a expansão do esquema
de comercialização de planos de
saúde com um espaço relacional mais
humanizado
ANS: Agência Nacional de Saúde Suplementar; PUC/SP: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; UFV: Universidade Federal de Viçosa (Minas Gerais).
tingue duas categorias de hospitais: aqueles que lações entre si, o mercado financeiro e o Estado,
operam planos próprios de saúde e os demais 42. que requer um grande esforço de investigação
São citadas referências, na linha argumentativa, teórica e empírica para sua caracterização.
que remetem ao sistema de serviços de saúde dos Dentro de uma visão crítica, portanto, a per-
Estados Unidos e ao fortalecimento econômico sistente nebulosidade sob a qual se estabeleceu
dessas empresas hospitalares na perspectiva de essa rede complexa de relações constitui um de-
conjugar negócios com o exercício de função so- safio à pesquisa acadêmica sobre saúde suple-
cial na assistência à saúde. mentar 32. Mais do que isso, constitui um obstá-
culo ao planejamento das ações de assistência à
saúde, porque instaura uma dinâmica de articu-
Discussão lação fragmentada e pouco transparente, propí-
cia à apropriação privada do espaço público 33.
A delimitação do escopo deste artigo a partir de É possível perceber também uma linha de
uma pesquisa preliminar mais ampla relacio- continuidade entre o nicho de discussão críti-
nada com a análise do conjunto da produção ca na saúde suplementar posterior ao advento
acadêmica marcada pelos descritores “saúde do marco regulatório e as referências teóricas e
suplementar”, “planos de saúde”, “mercado de políticas adotadas pelo movimento da Reforma
saúde” e “seguro saúde”, situa esta discussão no Sanitária Brasileira, quando se estabeleceu uma
âmbito da produção interessada na investigação clara ligação entre a questão sanitária e suas di-
do esquema de comércio de planos e seguros de mensões econômicas e políticas, com ênfase nas
saúde, sem incluir, necessariamente, a volumo- peculiaridades dos países da periferia do sistema
sa produção sobre os conceitos de “público” e econômico capitalista.
“privado” per se presente em diversos campos de Tanto quanto antes, a investigação sobre o
investigação. processo de acumulação setorial de capital 25 pa-
A identificação dos conceitos utilizados ou rece ser uma trilha promissora para a diminui-
introduzidos pelos trabalhos analisados, bem ção da nebulosidade, com a identificação mais
como a delimitação do seu referencial teórico precisa da estratificação social existente no setor
principal, permitem um mapeamento do pano- privado de saúde, seus respectivos interesses ma-
rama da discussão em torno da articulação en- teriais e formas de organização, assim como dos
tre o público e o privado na assistência à saúde, correspondentes posicionamentos de seus dis-
em particular no que se refere ao lugar ocupado tintos agentes, em face das políticas de Estado.
pela dinâmica de comércio de planos e seguros De outra forma, a investigação sobre os fenô-
privados. menos de aprisionamento 4 (lock-in), represen-
A análise das estratégias argumentativas uti- tados pela inibição de mudanças no processo de
lizadas possibilita a delimitação de duas linhas, elaboração de políticas setoriais, representa uma
definidas aqui como de caráter crítico ou natu- estratégia igualmente interessante de pesquisa.
ralizador quanto à existência de um mercado de Sem negar que a conjuntura internacional nas
planos de saúde. décadas de 1980 e 1990 era de crise fiscal dos Es-
No interior da linha crítica, existe uma varie- tados e de disseminação de políticas neoliberais,
dade de ferramentas conceituais desenvolvidas com ênfase na abertura dos mercados de servi-
como elementos de prática teórica ou como es- ços para empreendedores privados e na privati-
tratégia de aproximação a um objeto de estudo zação de empresas estatais (o que seria um obs-
dotado de notável complexidade. táculo ao adequado financiamento público do
As metáforas utilizadas por alguns autores SUS), é possível trabalhar com o argumento de
para caracterizar a articulação público/privada que as bases históricas privatistas no provimento
ilustram bem um cenário de relações comple- da assistência, desenvolvidas desde a década de
xas e não claramente explicitadas: “teias e tra- 1960, acabaram por determinar a persistência re-
mas” 22, “luzes e sombras” 32 são duas das mais novada de uma política favorável às empresas de
significativas. planos e seguros de saúde de forma contraditória
A complexidade do campo relacional que à lógica do sistema público universal.
constitui a articulação público/privada, nesse Esse argumento remete à discussão sobre o
caso, reside na grande quantidade de atores e papel do Estado. A diminuição da capacidade de
na multiplicidade de interesses envolvidos no governança do Estado brasileiro 34,37 sugere a ne-
financiamento e na alocação de recursos para cessidade de revisão das bases da relação Estado
a assistência à saúde. Empresas prestadoras, vs. Mercado. Deveria se discutir, antes, o tama-
operadoras de planos de saúde, agenciadoras e nho que se deseja conferir à iniciativa privada no
intermediários na relação de compra e venda de âmbito da assistência à saúde ao invés de focar
pacotes de serviços estabelecem uma teia de re- o debate no tamanho que se deseja dar ao Esta-
do nessa equação 34. Trata-se de uma mudança (mix) público/privada no interior de organiza-
importante de perspectiva. No primeiro caso, o ções multilaterais de fomento.
Estado, baseado na visão republicana, traça os A visão sobre o caráter duplicado da arti-
limites de conveniência para os elementos de culação entre o público e o privado no sistema
mercado na prestação da assistência à saúde. de saúde baseia-se no modelo de taxonomia
No segundo, é o mercado quem traça os limites de sistemas de seguros privados utilizado pela
de atuação para o Estado, transformado em ele- OECD 44. Essa organização foi criada no período
mento de conveniência quando legitima e nor- pós-guerra, como órgão de fomento ao desen-
matiza práticas dissociadas do interesse público volvimento econômico dos países da Europa
em saúde. Ocidental e do Atlântico Norte, e atualmente
A denominação “assistência suplementar em expande sua esfera de influência sobre países
saúde” foi utilizada por agentes do mercado, nos do hemisfério sul como o Chile.
anos 1990, para designar a parcela do setor pri- O foco no desenvolvimento econômico e na
vado que operava de modo exógeno às relações padronização de estruturas de cooperação que
contratuais com o SUS 25. Com isso, instaurou-se possibilitem o intercâmbio de mercadorias e ser-
uma retórica que compatibilizava a visão da saú- viços entre os países membros define o viés dos
de como bem de relevância pública e direito de elementos conceituais veiculados por essa orga-
cidadania com a dinâmica de compra e venda de nização. O conceito de mescla (mix) público/pri-
planos e seguros de saúde. O termo “suplemen- vada, por exemplo, carrega uma visão que toma
tar” compôs, claramente, uma estratégia retórica sem distinções qualitativas os elementos públi-
que apresentava o comércio privado de planos cos e os privados do sistema de serviços de saúde
como elemento conceitualmente convergente para compor um cenário, onde cada país elabora
a um sistema público, dotado de legitimidade um esquema próprio para a sua população.
política e institucional. Na prática, entretanto, Em 1993, a Associação Latino-Americana de
o polo privado ligado ao comércio de planos de Medicina Social (ALAMES) publicou uma críti-
saúde contrapunha-se ao SUS com uma estraté- ca 45 à transposição para a América Latina do
gia operacional concorrencial, típica da visão de conceito de mescla (mix), elaborado e utilizado
mercado 39. por organizações multilaterais, como o Banco
Embora oficialmente denominada de “suple- Mundial, dominadas pelos países do núcleo do
mentar” ao sistema público, o modelo de arti- sistema econômico. Em lugar de mescla (mix)
culação entre as empresas de planos e seguros público/privada, propôs o conceito de “articu-
e a rede de serviços de saúde do SUS baseia-se, lação público/privada”, mais adequado para a
em grande parte, na duplicidade 6 e superposição investigação da trama que articula elementos
da oferta de serviços pelos prestadores públicos públicos e privados – que são, de fato, qualita-
e privados. Caracteriza-se, desse modo, uma re- tivamente distintos – no sistema de serviços de
lação de complementaridade invertida, em que saúde de países periféricos.
o sistema público funciona como um suporte Ademais, a ideia de “articulação”, coerente
assemelhado a um resseguro para as lacunas com os fundamentos teóricos da Medicina Social
na assistência oferecida pelos planos de saúde, e da Reforma Sanitária Brasileira, ao colocar o
subvertendo o sentido original do termo “com- foco na interface entre os processos econômicos
plementar” utilizado pelo texto constitucional. e sociais no campo da saúde, permite escapar
Dois fenômenos são a expressão mais concreta da armadilha conceitual que, ao não distinguir
dessa situação: a dupla porta de entrada em hos- qualitativamente os espaços público e privado,
pitais financiados com recursos públicos com a subordina o primeiro ao segundo, ou melhor,
correspondente segregação da clientela que não submete todos os aspectos da vida social à lógica
detém a posse de planos de saúde, e a figura do da acumulação do capital.
ressarcimento das despesas realizadas por clien- Essa, de fato, tem sido a tônica (e a lógica)
tes de planos em hospitais públicos. Essa última, da ação regulatória prevista na legislação e apli-
vale reafirmar, além de não promover resultados cada pela ANS sobre a dinâmica do comércio de
pecuniários efetivos é, na verdade, um potente planos de saúde. Mesmo quando assume uma
indicador da precariedade da regulação assisten- retórica de regulação do processo assistencial
cial praticada 4. praticado pelos prestadores, a precariedade de
Para entender a origem do conceito de mo- sua base de dados, alimentada pelas operado-
delo duplicado de articulação, assim como o sig- ras 18, estabelece limites objetivos às iniciati-
nificado do termo “suplementar” como relativo a vas de ampliação do espectro da intervenção
“serviços adicionais e não cobertos pelo esque- governamental.
ma público” 44, é importante percorrer a trajetó- Entre os trabalhos revisados, aqueles que
ria de desenvolvimento do conceito de mescla utilizam conceitos referenciados por teorias li-
locar essa tarefa para uma instância que não para o atendimento das necessidades da popu-
dialoga com os diversos níveis de gestão do SUS, lação, mas de uma situação na qual se articulam
a ANS. Em 2010, aponta-se que a tendência à elementos dotados de lógicas contraditórias que
expansão ilimitada desse comércio se configura devem ser compreendidas e explicitadas para
na primeira e principal falha da regulação, por- que assim se possa instaurar um regime regula-
que ameaça subverter o princípio da saúde co- tório que contribua para fortalecer o caráter pú-
mo direito de cidadania. Regular, no sentido da blico e a unicidade do sistema de saúde.
efetivação do direito à saúde, seria estabelecer Para avançar nessa discussão e se colocar
limites ao processo de apropriação privada do como elemento ativo da transformação social,
espaço público na assistência à saúde de forma a produção acadêmica sobre a dinâmica de co-
que o empresariamento privado se ativesse aos mércio de planos e seguros de saúde precisa de
aspectos de fato suplementares a um sistema uma sólida base empírica, capaz de lidar com a
integral e efetivo. nebulosidade e a dissimulação, e de uma base
Assim, a crítica ao atual modelo de regula- teórica adequada ao grau de complexidade ine-
ção da articulação entre o público e o privado rente à zona de fronteira da articulação entre o
na assistência à saúde encontrada no material público e o privado na assistência à saúde. Para
revisado, reafirma a concepção de que o esforço isso, pode se beneficiar do conhecimento acu-
regulatório mais efetivo seria aquele voltado à re- mulado na fase que precedeu o estabelecimento
visão das interferências indesejáveis da dinâmica do modelo de agências regulatórias como polí-
de compra e venda de planos de saúde sobre o tica de Estado, reconhecendo as peculiaridades
conjunto do sistema 6. Ou seja, não se trata sim- e assimetrias nas relações entre os agentes en-
plesmente de uma mescla (mix) público/privada volvidos na formulação de políticas públicas de
de recursos assistenciais usados indistintamente saúde no Brasil.
Resumen
Este artículo parte de una revisión de 270 textos sobre – apoyadas en visiones empresariales inspiradas por
salud suplementaria, publicados entre 2000 y 2010, y una perspectiva neoliberal – toman aspectos econó-
selecciona 17 que abordan la cuestión de la vertebra- micos en su sentido estricto como foco de la discusión
ción entre lo público y lo privado en la asistencia a la sobre salud suplementaria. Por ello, es evidente que la
salud. El análisis de su contenido considera conceptos comprensión de la vertebración pública/privada en la
y expresiones utilizadas, elementos teóricos, así como salud requiere el desarrollo de una sólida base empíri-
las líneas argumentativas predominantes relaciona- ca, analizada fundamentándose en presupuestos teó-
dos con la cuestión. La lectura de las estrategias argu- ricos adecuados al grado de complejidad inherente de
mentativas apunta la existencia de una visión crítica la línea divisoria en la vertebración entre lo público y
sobre el actual modus operandi de la vertebración pú- lo privado en el ámbito de la asistencia a la salud.
blica/privada, fundamentada en la Medicina Social
y en las bases teóricas del movimiento de la Reforma Salud Complementaria; Participación Público-
Sanitaria Brasileña, además de contribuciones que Privada; Políticas Públicas de Salud
Colaboradores Agradecimentos
J. A. F. Sestelo teve substancial contribuição na concep- Ao Prof. Jairnilson Silva Paim pela leitura crítica do
ção do artigo, coleta, análise e interpretação de dados, manuscrito.
redação, revisão crítica de seu conteúdo e aprovação
da versão final para publicação. L. E. P. F. Souza teve
substancial contribuição na concepção e desenho do
artigo, análise e interpretação dos dados, redação, revi-
são crítica importante do seu conteúdo e aprovação da
versão final para publicação. L. Bahia contribuiu com a
análise e interpretação de dados, redação, revisão crí-
tica do conteúdo do artigo e aprovação da versão final
para publicação.
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