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MLTHUSSER, how Tae paws ubiifics di Thad Pepe Jad om. Rau 1 AS%4 Agel ah Pacey: hue Ynantig & OS APARELHOS IDEOLOGICOS DE ESTADO © que & preciso acrescentar & «teoria mar- xistas do Estado 6 pois outra coisa Devemos agora avangar com prudénc num terreno onde, de facto, 08 eldssicos do ‘marxismo nos précederam hi longo tempo, mas sem ter sistematizado, sob uma forma tedrica, os progressos decisivos que as suas ‘experiéncias € 08 seus métodos e processos (dénarches) implicaram. As suas experiéncias © métodos permanecerim de facto no terreno dda pratica politica De facto, na sua pritica politica, ov clés: sicos do marxismo trataram o Estado como uma realidade mais eomplexa do que a defini- io que dele se di na cteoria marxista do Estados, mesmo completada como a apresen- timos. Na sua pritiea reconheceram esta. com- uw plexidade, mas nao a exprimiram numa teoria eorrespondente | Gostariamos de tentar esbogar muito esque- maticamente esta teoria correspondente. Pai esso fim, propomos a tese soguinte, Para se avangar na tearia do Estado, & indispensivel ter em conta, nio $6 a distingdo entre poder de Bstale e aparelho de Estado, mas também outra realidade que se situa ‘manifestamente do lado do aparslho (repres- sivo) de Estado, mas no se confunde com ele. Designaremos esta realidade pelo seu concetto: os aparcthos idcoliyices de Bstado. Que so 0s aparelhos ideolégicos de Estado (ate)? ‘Nao se confundem com o aparelho (repres- sivo) de Estado, Lembremos que na teoria que © Estado nio se reduzia ao aparelho (ropressivo) fe Estado, mas compreendia, como ele dais, certo ale ro de imstituies da saocicdade cielo: a Igreh a Escolts, os sudicatns, ete. Geuunsel sip cheyen Inelie mente 4 ssteuatizar ray nelitulgGea que Peruanece uw wo estado ds notas perspec, ta pars (ef, Gramacit Oeuvrer Cole, Bad. Sociales, pp. 200-291 (nota 3), 285, 299, 486. Cr Lettres de Prison, Ed. Sola es, p. 313 z marzista, o Aparelho de Estado (AE) com- preende: 0 Governo, a Administragio, o Exér- cito, Pollcia, os Tribunais, as Prisdes, ete. que constituem aquilo a que chamaremos & partir de agora o Aparelho Repressivo de Estado. Repreasivo indica que 0 Aparelho de Estado em questio «funciona pela violéncias, pelo menos no limite (porque a repressio, por exemplo administrativa, pode revestir for- ‘mas mio fisieas) esignamos por Aparelhos Ieolégicos de Estado um certo niimero de realidades que se apresentam a0 observador imediato sob a forma de insttuigéey distintas ¢ especializadas. Pro- pomos uma lista ompirica destag realidadea que, 6 elaro, necessitaré de ser examinada por- menorizadamente, posta & prova, rectificada reelaborada, Com todas as reservas que esta cexigénela implica, po8emos desde ja considerar como Apareihos Tdeol6gicos de Estado as ins- tituigées seguintes (a ordem pela qual ss enun- ciamos ndo tem qualquer significado parti cular): —0 AIE religioao (0 sistema das diferentes Tgrejas), 4s —0 AIE escolar (0 sistema das diferentes escolas pilblicas e particulares), —o AIE familiar 0 AIE juridico*, 0 AIE politico (0 sistema politics de que fazem parte os diferentes partidos), —o AIE sindical, —o AIE da informagio (imprensa, rédio- stelevisio, etc.), —o AID cultural (Letras, Bela Artes, desportos, ete.) Dissémos: os AIE no se confundem com © Aparelho (repressive) de Estado, Em que consiste @ diferenca? Num primeiro momento podemos observar que, se existe wm Aparelho (repressivo) de Estado, existe uma pluralidade de Aparelhos ideolégicos de Hstado. Supondo que ela existe, DAR la desempenha manifestamente outras sungbes a dag de wm AIE, Jatervem na repro. ‘dupho da forga de trabatho, B, seguudo os modos de ‘producto, waldade de produto e (ou) unldade. de +0 ebirettos pertence stmultancamente 40 Apare: Iho (repressive) de Estado e 30 sistema dos ALB, 4 ‘8 unidade que constitui esta pluralidade de ATE ‘num corpo tinico no é imediatamente visivel. ‘Num segundo momento, podemos constatar que enquanto o aparelho (repressive) de Es tado, unificado, pertence inteiramente ao dom{- io publico, a maioria dos Aparelhos Ideols- gicos de Estado (na sua dispersio aparente) eleva pelo contrério do dominio privado, Pri- ‘vadas sio as Igrejas, og Partidos, o8 sindicatos, as familias, algumas escolas, a maioria dos jornais, as empresas culturais, ete., ete Por agora deixemos de parte a nossa pri- meira observacdo. Mas o leitor nao deixaré de rolevar a segunda para nos perguntar com gue direito podemos ‘considerar como Apare- Thos Ideologicos de Bstado institulgdes que, na sua grande maioria, nfo possuem estatuto priblico, e sio pura e simplesmente instituigdes privadas. Como Marxista consciente que era, Gramsci ja saliontara esta objeceio. A distin- ‘gio entre 0 piiblico e o privado é uma distingéo Interior ao direito burgués, e valida nos dom!- nnios (subordinados) em que o direito burguéa ‘exerce 08 seus epoderess, O dominio do Estado escapa-Ihe porque esta epara além do Direitos: © Estado, que & o Estado da classe dominante, io é nem piiblico nem privado, € pelo con- 45 tririo a condigio de toda a distingio entre plblico ¢ privado, Podemos dizer a mesma cola partindo agora dos nossos Aparelhos Ideo- logicos de Estado, Poueo importa que ax ins- tituigdes que os realizam sejam «piblicas> ou eprivadass. O que importa é o seu funcions ‘mento. Instituigoes privadas podem perfeita- ‘mente efuncionars como Aparelhos Idcolégicos de Estado. Uma analise um pouco mais pro- funda de qualquer dos AIE seria suficiente para provar o que acabimos de dizer. ‘Mas vamos ao essoncial, O que distingue 9s ALE do Aparelho (repressive) de Estado, Ga diferenga fundamental seguinte: 0 Aparelho repressive de Estado «funciona pela violéncia>, fenquanto os Aparethos Idzologicos de Estado funcionam «pela ideologias Podemos precisar rectificando esta distin- ao. Diremos de facto que qualquer Aparelho de Estado, geja de repcessivo ou ideolozico, sfuncionay simultaneamente pela violéncia e ‘pela ideologia, mas com uma diferenea muito importante que impede a confusio dos Apare: Ihos Ieolégicos de Estado com o Aparelho (repressive) de Estado, E que cm si mesmo 0 Aparelho (repressivo) de Batado funciona de uma mancira massivi 6 mente prevalente pela repressdo (inclusive ff- fica), embora funcione secundariamente pela fdeologia. (Nao ha aparelho puramente repres- sivo). Exemplos: 0 Exéreito e a Policia funcio- fam (iambin| pela ideologt, me para ascagurar a sun propria eoeifo e repro {Tgho'e pelo valores que projctam no exterior. Da mou maneira, mes inversumente, deve: rmos dlr que, em si meamos, os Aparelhos | Ideolégicos de Estado funcionam de um modo | massivamente prevalente pela ideologia, em- fora, funelonando.secundariamente pela re- iprensio, mcome que no limite, mas apenas no Mite, esta soja bastante atenuads, dlesimue \lada ou até simbdlica. (Nao ha aparelho pura ments idcolgico), Assim a escola as Igrfaa ‘oducams por méiods apropriades de sang de exclusen, de selegio, ele, rho a6 on a8 ofciantea, mas a suas ovelhas, Assim a Fam Tian Assim Aparelbo Ii cultural (4 cen furs, pera 16 menclonar eats), ete "Seth GU refer que eata dterminagho o (duple stunclonamentor (de manelra prevalent, dde'mancira secundiia) pla repressto ¢ pela \deologin, congoante ee trata do. Aparelho (Fe- presaivoy de Eatedo ou dos Apavelhon Tdco- Migicos de Hstado, permite comprecnder 0 facto a de constantemente se tocerem combinacdes nuit subtis explicitas ou ticitas entre 0 jogo Bu Aparelho (repressiva) do Estado € o Jogo dos Aparelhos Ideoldgicos de Rstado? A vide Ghotidlane oferece-nos inimeros exemplos disto {Que € preciso estudar em pormenor para ixmos fais além da simples observagio. ata observagio obre-nos a via da com- preensio do que constitui a unidade do corpo Uparentemente dispar dog AIB, Se os ALE Tfanelonams de maneira massivamente gpeva- dente gela ideologia, o que unifica a sua diver- tidade 6 precisaniente este funcionamento, ne medida em que « ideologia pela qual funcio- quam € sempre unificada epesar das suas cou- fradigoes eda sua diversidade, na ideologia Tominante, que & a da «classe domiinantey Serglistrnes considerar que em principio & Sclamse dominantes detém 0 poder de Estado (Ge wina forma. franca ou, na maiorla das esos, por mio de Aliangus de classe ou de Tracgbes de classes), e dispoe portanko do Aps- reino (repressivo) de Watedo, podemos admtir {que a mesma classe dominente & activa nos Syarelhos ideologieos de Estado, & claro, a por leis e decretos no Aparelho (repressivo} fe Estado e eagire por intermétio da ideoliit 48 dominante nog Aparelhos ideoldgicos de Estado ‘slo duas coisas diferentes. Sera preciso entrar no pormenor desta diferenca,—mas ela nio ‘poder esconder a realidade de uma profunda identidade. A partir do que sabemos, nenhuma classe pode duravelmente deter o poder de Es- tado sem exercer simultaneamente a sua hege- ‘monia sobre © nos Aparelhos Ideoldgicos de Egtado, Dou um tinico exemplo e prova: a preo- ‘cupagio lancinante de Lenine de revolucionar © Aparelho ideologico de Estado escolar (entre outros) para permitir ao proletariado sovié- tea, que tinha tomade o poder de Estado, asse- gurar 0 futuro da ditadura do proletariado & ‘@ pastagem ao socialismo ’. Esta tltima nota permite-nos compreender que os Aparelhos Ideologicos de Estado podem ser nio 86 0 alvo mas também 0 local da luta de classes © por vezes de formas renhidas da luta de classes. A elisse (ou a alianca de classes) mo poder nio domina tao facilmente 1 Num texto patetico datado de 1937, Kroupskala conte histrla d08 esforgos deteaperados de Lenine daqullo que ela considera como o eu fracasso («Le ‘Chemin parcouras) : 49 08 AIIE como 0 Aparetho (repressive) de Es- tado, e isto no s6 porque as antigas classes: dominantes podem durante muito tempo con- servar neles posigdes fortes, mas também por- que a resisténcia das classes exploradas pode encontrar meioa © ocasides de se exprimir neles, quer utilizando as contradigdes existen- tes (nos AIE), quer conquistando pela Iuta (nos AIE) posigées de combate Resumamos as nossas notas, + 0 que agul ¢ ako rapidamente, da tuta de clastes nom Aparclios Ideoldgicus de Estado, esta evi ‘entemente lange de esgotar a questao da lula de ‘Para abotdar esta questio € preciso ter presente no eaprito dois principos, 1 primciro principio fol formulado por Marx no Profécio 4 Contribuigdo: «Quando se consideram tals perturbagées (uma revolugio social) € preeso alstin- {ule sempre catre perturbagao material — que se pode Constatar de uni aneira ckntficamente rigorosa — fdas condigbes de produgto econdmicas, eas formas Jul ficas, politieas, religious, artisticas ou flosofieas nas {duals Os homens toma’ consciéncia deste contlito © © levam ate ao fim» Portauto, @ Iuta de classes ‘exprimese exerce-de nas forinan Weologicas e assim amie mas forias ieldgleas dos ALE. Mad a lata 50 Se a tese que propusemos 6 fundamentada, ‘somos conduzidos a retomar, embora precisa do-a num ponto, a teoria marxista clhssica do Estado. Diremos que por um lado é preciso dis- tinguir 0 poder de Estado (e a aua detengio por...) @ 0 Aparelho de Estado por outro lado, Mas acrescentaremos que o Aparelho de Ea- tado compreende dois corpos: 0 corpo das Instituigdes que representam o Aparelho re- pressivo de Estado, por um lado, @ © corpo das instituigdes que representam 0 eorpo dos Aparelhos Ideol6gicos de Estado, por outro lado. Mas, se assim 6, nio podemoa deixar de colocar a questo soguinte, mesmo no estédio, de classes “ultrapassa largaimente estas formas, ¢ ¢ Porque as ultrapasia que’ a lute daw classes explora fas pode tambim exereerae. nat formas doa” ATE, portant virar contra ag clastes no poder a arma da Hologia slo em vietude do segundo princffo: a lute de classes ultrapassa op AIK porque estd enral ada em qualquer outra parte que ako na Ideologi, ‘nu infracatrutura, nas relagdes de produgdo que aio FolayOes de exploragio «que constituem a base das elugdes do clase. 61 ‘muito sumério, das nossaa indicagdes: qual & exactamente a medida do papel dos Aparelhos Ideolégicos de Kstado? Qual pode ser 0 fun- damento da sua importineia? Noutros termos, ‘a que corresponde a «funcdo» destes Aparelhos Ideolégicos de Bstado, que niio funcionam pela repressio, mas pela ideologia’? se SOBRE A REPRODUCAO DAS RELAGOES DE PRODUCAO. Podemos agora responder & nossa questiio central que permaneceu em suepenso durante Jongas paginas: como é assegurada a reprodu- ‘edo das relagdes de produgiot Na linguagem da t6pica (infraestrutura, superestrutura), diremos: é em grande parte assegurada' pela euperestruturs, jurfdieo-poll- tlea e ideolbgica. ‘Mas visto que considermos indiapensével ltrapassar esta linguagem ainda descritiva, 1 Em grande parte. Porque as relasbes de produ. so sto primero reproduzidas pela materialiade do Drocesso de producto’ do proceaso de clreuagho, Mes ‘lo se pode eaquecer que as relagdenldeolégieas entho Imediatemente presentes uestes meamos procedsas, 5s diremos: é, em grande parte, assegurada pelo exercicio do poder de Estado nos Aparelhos de Estado, no Aparelho (repressivo) de Eatado, por um lado, e nos Aparelhos Ideoldgicos de Estado, por outro lado. Poderemos agora reunir 0 que foi dito ante- viormente nos trés gublinhados seguintes: 1) Todos os Aparelhos de Estado funcio- nam simultancamente pela repressip e pela ideotogia, com a diferenga de que 0 Aparelho (repressive) de Estado funciona de maneira massivamente prevalente pela repressio, en- quanto og Aparelhos Ideologicos de Bstado fun- cionam de maneira massivamente prevalente pela ideologia, 2) Enquanto 0 Aparelho (repressivo) de Estado constitul um todo organizado cujos diferentes membros esto subordinados a uma wunidade de comando, a da politica da luta de classes aplicada pelos representantes poll ticos das classes dominantes que detém o poder de Estado, —os Aparelhos Ideol6gicos de Es- tado sio miltiplos, distintos, «relativamente auténomos ¢ susceptiveis de oferecer um campo objectivo a contradigdes que exprimem, 54 sob formas ora limitadas, ora extremas, 03 ‘efeitoa dos choques entre a luta de classes capi- talista ea luta de classes protetéria, assim como das suas formas subondinadas. 3) Hnquanto a unidade do Aparelho (re- pressive) de Katado 6 sssegurada pela sua organizagio centralizada unificada gob a direc- glo dos representantes das classes no poder, exeoutando a politica de luta de classes das classes no poder,—a unidade entre os dife- rentes Aparelhos Ideolégicos de Hatado 6 asse- ‘gurada, na maioria das vezes em formas con- traditérias, pela ideologia dominante, a da classe dominante. ‘Tendo em conta estas caracteristicas, pode- ‘mos entio representar a reprodugio das rela- ges de produgio” da maneira seguinte, se- gundo uma espécie do «divisio do trabalho»: © papel do Apareltio repressive de Estado consiste essencialmente, enquanto aparelho re- pressive, em assegurar pela forga (fisica ou + Na parte da reprodugto para que contribuem 0 Apareino repressive de Eatedo ¢ of Aparelhog Ideolé- ‘cos de Estado. 55 nfo) as condigées politicas da reprodugio das relagiea de produgio que sido em altima anélise relagdes de exploragdo. Nao 6 0 aparelho de Estado contribui largamente para se reprodu- zir a ele proprio (existem no Estado capitalista @inastias de homens politicos, dinastias de mi- litares, ete.), mag também e sobretudo, 0 apa- relho de Estado assegura pela repressio (da mais brutal forga fisica &s simples ordens © interditos administrativos, & censura aberta ou tacita, ete.), as condigdes politicas do exereicio dos Aparelhos Ideolégicos de Estado. ‘Sdo estes de facto que asseguram, em grande parte, a propria reprodugio dag rela- dea de produgio, (por vezes previria) entre 0 aparelho repressivo de Estado e 03 Aparelhos Ideologicos de Bs- tado, © entre os diferentes Aparelhos Ideol6- ics de Estado. ‘Somos assim conduzidos a encarar @ hip6- tose seguinte, em fungio da prépria diversidade dos Aparelhos Ideolégicos de Estado no seu 56 papel tinieo, porque comum, da reprodugio das relagdes de_produgio. ‘Enumerdmos nas formagoes sociais capita: lists contempordness, um nimero relative mente elevado de aparelhos ideolégicos de Estado: 0 aparelho escolar, 0 aparelho reli- ivs0, o aparelho familiar, o aparelho politico, © aparelho sindical, 0 aparelho de informagio, © aparelho «cultural, ete. Ora, nas formagies sociais do modo de produgio «servagistas (normalmente dito feu- dal), observamos que, se existe um aparelho repressivo de Estado tinico, formalmente muito semelhante, a verdade 6 que no s6 a partir da ‘Monarquia absoluta, como a partir dos primel- ros Estados antigos conhecidos, a0 que nés cconhecemos, 0 niimero dos apareltios ideolégicos de Hstado 6 menos elevado e a sua individuali- dade diferente. Observamos por exemplo que na Taade Média a Igreja (aparelho ideolégico de Estado religioso) acumulava muites das fungSes hoje atribuidas a varios aparethos ideolégicos de Estado distintos, novos em relagio ao pas- sado que evocemos, em particular fungées esco- lares © culturais. A par da Igreja existia 0 Aparelho Ideolégico de Estado familiar que desempenhava um papel considerével em eom- 57 ‘paragio com 0 que desempenha hoje nas for- magées sociaig capitalistas, Apesar das aperén- clas, a Igreja oa Familia néo eram os tinicos ‘Aparelhos Ideolégicos de Hstado, Existia tam- bém um Aparelho Ideoligico de Estado politico (as Cortes, o Parlamento, as diferentes facgoea e Ligas politicas, antepassados dos partidos po- IMticos modernos e todo o sistema politico das ‘Comunas francas e, depois, das Cidades). Kxis- tia também um poderoso Aparelho Ieol6gico de Estado «pré-sindieals, arriscando esta expres- slo forgosamente anaerénica (as poderosas ‘eonfrarias doa mercados, dos banqueiros tam- ‘bém as associagses dos companheiros, ete.) Até a Haigio ¢ a Informagio conheceram um desenvolvimento incontestivel, assim como os especticulos, primeiro, parte integrante da Igreja e depois cada vez mals independentes dela, Ora, no perfodo histérico précapitalista, ‘que examinamos a tragos largos, 6 absoluta- mente evidente que existia um Aparciho Ideo- légico de Estado dominante, a Igreja, que concentrava no a6 as fungoes religiosas eas também escolares, e uma boa parte das fun- ges de informagio e de a repiiblica de Weimar ¢ de se confiar ao nazismo. ‘Cremos portanto ter fortes razdes para pen- sar que, por detris dos jogos do seu Aparelho Tdeolégico de Estado politico, que estava a boca de cena, o que @ burguesia eriow como Aparelho Ideolégico de Estado n.* 1, e portanto dominante, foi o aparelho escolar, que de facto substituiu nas suas fungGes 0 antigo Aparelho [deolgico de Estado dominante, isto 6, a Igreja. Podemos até acresecntar: 0 duo Hscola-Fami- lia substituiu © duo Tgreja-Pamili Porque & que 0 aparelho escolar é de facto ‘© aparelho ideolégico de Estado dominante nas formagies sociais capitalistas e como & que ‘le funciona? Por agora, basta dizer: 1, — Todos os Aparelhos Ideol6gicos de Es. tado, sejam cles quais forem, concorrem para ‘um mesmo resultado: a reprodugio das rela- 62 Ges de produgio, isto 6, das relagies de explo- ragio capitalistas. 2,—Cada um deles concorre para este resultado tinico da maneira que the é propria. © aparelho politico gujeltando os individuos & ideologia politica de Hstado, a ideologia «demo- critica, sindirectas (parlamentar) ou «di recta (plebiseitaria ou faseista). O aparelho de informagio embutindo, através da imprensa, dda radio, da televisio, em todos os «cidadios», doses quotidianas de nacionalismo, chauvi- hisino, liberalismo, moralismo, ete. O mesmo faconteee com 0 apareiho cultural (o papel do esporto 0 chauvinismo é de primeira ordem), ete, O aparelho religioso lembrando nos ser~ ‘oes © nouteas grandes ceriménias do Nasel- mento, do Casamento, da Morte, que 0 homem rio é mais que cinza, a no ser que saiba amar 08 seus irmaos até ao onto de oferecer a face esquerda a quom ja 0 esbofeteou na direlta. (© aparolho familiar..., ete. 3.0 concerto 6 dominado por uma parti- tura tiniea, perturbada de quando em quando por contradicdes (as dos restos das antigas classes dominantes, as dos proletirios ¢ das 63 suas organizagSes): a partitura da ideologia da classe actualmente dominante, que integra na gua mdsica os grandes temas do Huma- nismo dos Grandes Antepassados, que fizeram antes do Cristianismo 0 Milagre grego, e de- pois a Grandeza de Roma, a Cidade eterna, € 0s temas do Interesse, particular ¢ geral, ete. Nacionalismo, moralismo e economismo, 4. —Contudo, neste concerto, hi um Apa relho Tdeol6gico de Estado que desempenha incontestavelmente o papel dominante, embora ‘em sempre se preste muita atengio & sua miisica: ela é de tal maneira silenciosa! Tra. ‘tase da Bacol Desde a pré-primaria, a Escola toma a seu cargo todas as criangas de todas as classes sociais, e a partir da Pré-Priméria, inculea~ -lhes durante anos, o anos em que a crianga ‘esté mais «vulnerdvel», entalada entre o apa- relho de Batado familiar e 0 aparelho de Estado Escola, esaberes praticoss (des «savoir faires) envolvidos na ideologia dominante (0 francés, 0 caileulo, a histéria, as cifneias, a literatura), ou simplesmente, a ideologia dominante no estado puro (moral, instrugio civics, filosofia).. Algures, por volta dos dezasseis anoa, uma 64 ‘enorme massa de criangas cal ena produgios: sio og operirios ou og pequenos eamponeses, ‘A outra parte da juventude escolarizavel con- tinua: e seja como for faz um trogo do cami ho para cair sem chegar ao fim e preencher os postos dos quadros médios e pequeno: empregados, pequenos ¢ médios funcionérios pequeno-burgueses de toda a espéeie, Uma lillima parte consegue aceder aos cumes, quer para cair no semi-desemprego intelectual, quer para fornecer, além dos eintelectuais do traba- Thador colectivos, os agentes da exploragio, (capitalistas, managers), o8 agentes da repres- sio (militares, policias,” politicos, administra- dores) ¢ 08 profissionais da ideologia (padres de toda a espécie, a maioria dos quais sio laicos> convencidos) Cada massa que flea pelo camino esté raticamente recheada da ideologia que con- ‘vem ao papel que ela deve desempenhar na sociedadde de classes: papel de explorado (com consciéneia profissionals, , «civicas, emaeignals ¢ apolitiea altamente «desenvol- vidas); papel de agente da exploragio (saber mandar © falar aos operirios; as «relagies humanas+), de agentes da ropressio (saber mandar e ser obedecido «sem discussYfos ou . 65 saber manejar a demagogia da retérica dos dirigentes politicos), ow profissionais da ideo- Jogia (que saibam tratar as consciéneias com © respeito, isto é com o desprezo, a chan- tagem, a demagogia que convém, acomodados as subtilezas da Moral, da Virtude, da «Trans- eendéncias, da Nagio, do papel da Franga no mundo, ete.) B claro, grande nimero destas Virtudes contrastadas (modéstia, resignagdo, submissio, (por um lado, cinismo, desprezo, altiver, segu- anga, categoria, capacidade para bem-falar € hhabilidade) aprendem-se também nas Familias, naa Igrejas, na Tropa, nos Livros, nos filmes @ até nos estidios. Mas nenhum Aparelho Ideo- logico de Estado dispde durante tanto tempo da audigncia obrigatéria (e ainda por cima gratuita...), 5 a 6 dias em 7 que tem a semana, & razio de 8 horas por dia, da totalidade das criangas da formagio social capitalista, Ora, é através da aprendizagem de alguns saberes préticos (savoir-faire) envolvides na inculeagéo massiva da ideologia da classe domi- ante, que sio em grande parte reproduzidas as relagdes de produgdo de uma formagio social capitalista, isto 6, as relagdes de explo- rados com exploradores e de exploradores com! 66 explorados. Os mecanismos que reproduzem este resultado vital para o regime capitalista sio Raturalmente envolvidos e dissimulados por uma ideotogia da Escola universalmente 1 hhante, visto que & uma das formes essenci da ideologia burguesa dominante: uma ideolo- gia que representa a Escola como um meio neutro, desprovido de ideologia (visto que... nico), em que os mestres, respeitosoa da sconsciéneias e da «liberdader das criangas que Ihes séo confiadas (com toda a con- flanca) pelos «pais» (os quais so igual- mente livres, isto 6, proprietétios dos filhos) os fazem acoder a liberdade, & moralidade e Fesponsabilidade de adultos pelo seu proprio exemplo, pelos conhecimentos, pela literatura © pelas suas virtudes slibertadoras», Peco desculpa aos professores que, em con- digdes terriveis, tentam voltar contra a ideo logia, contra o sistema ¢ contra as_priticas fem que este os encerra, as armas que podem encontrar na historia ¢ no saber que «ensi- Tams. Em certa medida so herdis, Mas sio Faros, e quantos (a maioria) néo tém sequer um vislumbre de divida quanto ao «trabalho» que o sistema (que og ultrapassa e esmaga) 08 obriga a fazer, pior, dedicam-se inteira- mente e em toda a consciéncia & realizagio desse trabalho (os famosos métodos novos!). ‘Tem t4o poucas davidas, que contribuem até pelo seu devotamento a manter e a alimentar ropresentagio ideologica da Escola que a torna hoje tio

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