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Que vendo-vos vejo Mil magoas crescer Ese vos nio vejo Nao posso viver Fiécnica poética mais caracteristica desta poesia cortesa ¢ conhecida pelo fame de glosa, processo que consistia em desenvolver ou variar um mote ou rena que era colocado A cabega da composicao e repetido depois como refro. Conforme a mancira de encadear 0 mote eas voléas, distinguem-se os seguintes géneros, que entroncam na forma tardo-medieval francesa do virelai 4) vilancico ou vilancete (em espanhol villancico) mote, refrao, estribilho ou eabeca de dois ou trés versos; copla, glosa ou pé,com uma quadra de dois pares de versos (mudangas)e volta ou torna de trés'versos, sendo os dois iiltimos uma repeti¢ao, com ou sem variantes, dos versos finais do mote; b}._cantiga, de tom mais sério ¢ convencional (em espanhol cancién): mote de quatro a seis versos; copla de oito, nove ou dez versos, também ‘com repetigao parcial ou total do mote no final; um outro género tem varias voltas, no final das quais se repete © mote, com mais ou menos variantes. Sob o ponto de vista musical, o vilancico e a cantiga foram tratados da mesma maneira pelos compositores ibéricos. Constam normalmente de duas seeges musicais, A ¢ B, ordenadas segundo o esquema ABBA: com a sec¢io A canta-se o refrdo ea volta, coma B cada uma das mudangas. Outras variantes poético-musicais sio ABBBA ou ABBCCA. Podemos admitir a hipétese de que a melodia dos refrGes pudesse em certos casos ser cantada em coro pelas pessoas que assistiam aos serdes da corte, e que fossem também executados ritornelos, ou seja breves interliidios instrumentais, entre cada estrofe. Um terceiro género poético-musical profano é o romance, género narrativo que remonta ao século XIV, podendo estar relacionado na sua origem com as antigas cancdes de gesta, ¢ que sobreviveu até aos nossos dias na tradi¢ao popular ibérica. Enquanto composigao polifénica culta a sua voga vai das lltimas décadas do século XV até finais do século XVI. Na sua forma mais antiga possui quatro frases musicais, uma para cada um dos quatro versos di primeira estrofe, que se repetem pela mesma ordem em todas as estrofes. A Ultima silaba de cada verso ¢ encimada por uma suspensdo. Em variantes mais tardias, o Ultimo de cada quatro versos é repetido coma mesma ou com miisica diferente, podendo a suspensio ser aproveitada para introduzir glosas instru- mentais (variagdes ou passagens contrapontisticas), ou ent&o entre cada qua~ to, oito ou dezasseis versos s&0 intercalados refrdes ou estribilhos, no que representa uma dbvis contaminagdo do vilancico. " ambos 0 eomaness foram pubtwados modernamente por Manucl Morais em Vilancetes. Cantigas e Romances do Seodo XVI, Lisboa, Fandaclo Calouste Gulberaun. 1986 Rortga- fuse Musica XLV). Bp CRLIGCXLIL 7 Para um estado mais desenvolsido a estruura poetco-musieal deste reper- tone vet-seasntroduct de Manuel Moras publicacso ‘ovo atada, em eepecial pp. XV XXV “ Edigdes modernas de Manvel Joaquim (0 Cane sioncira Musicale Poeicode bibhoreca Pabla Hortens, Commbra, Instaute pars = Ak Cultura, 1940), Manel Morais (Cancionero Mast (ald Bives. Lisboa, Funds 0. Calouste Gulbenkian, 1977, Portugaiiae Musica XXXH)¢ Gil Micands (The £Eivay Songbook, Neuhausen Siugart, American Ins tiute of Musicology — Hinsler Verlag, 1987); ed ‘ho facsimitala de Manuct Pedco Fetters, Cencioniro io Bidlosva Piblia Horine sia de Eas, Usboa, Pres bnera do Conselho de Ministeos, Secretaria de Estado da Cultura tasituro Portugués do Patriméaio Cultweat, 1989 (Lusiana Musica \/Opera Mvstca Selecta 03) © 0 conteudo deste dois times for publicado por Manuel Morais em Videee es, Cangas ¢ Romances de Steulo 4, Lisboa, Fund lo. Calouste Gulbenkian 1986 (Pariugoliar stusien XLVI, “Edi modera de Mane Morais, Mase Portuguese Manerriia Concioneiva Mustcol de Bele, Lisboa Iipiensa NacionaeCasa da Mocs, 1988 cameo Um romance desta época que tem para nds uma grande importancia historica 0 que publicou Miguel Leitio de Andrade na sua Miscelanea de 1629 em versio a trés vozes ou partes. Tem por titulo ou incipit Puestos estan frente a frente, ¢ descreve-nos a batalha de Alcécer-Quibit e 0 modo como o rei D. Sebastiao nela encontrou a morte. Um outro romance retacionado com um acontecimento histérico, Nita era la Infanta, é incluido por Gil Vicente nas Cortes de Jipiter, representadas por ocasiiio do casamento da [nfanta D. Bea- triz com o Duque de Sabsia en 1521, € aparece também no chamado Cancio- neiro da Biblioteca Nacional de Lisboa. Nele se deserevem as qualidades da noiva, de seus pais, do seu séquito, e do proprio noivo' Musicalmente, tanto 0s vilancicos como as cantiges ¢ 0s romances fazem uso de diferentes tipos de escrita, desde 0 contraponto mais elaborado, segundo 0 modelo franco-flamengo, com ritmos complexos ¢ passagens sincopadas, apresentando uma parte superior vocal e ornamentada ¢ duas ou, por vezes, 11s partes instrumentais (havendo casos em que a terceira parte instrumental foi acrescentada posteriormente),a escrita silabicac homoritmica, isto é, com todas as vozes cantando uma nota para cada silabae movendo-se simultanea- mente, por acordes. Este tltimo estilo, que & aparentado com o da frottola italiana, e que poder ter tido origem na corte aragonesa de Napoles, é habi- tualmente em ritmo vivo, muitas vezes com caracteristicas dé danga. As melodias do refrao, assim como o pr6| -xistentes, € tm, como aquele, um certo sabor popular. A escrita é normalmente a trés voues ou partes, assumindo a parte mais grave o cardcter de suporte tonal € harménico! © repertério de vilancicos, cantigas € romances € comum a Espanha e a Portugal, pelo que se justifica fazer aqui uma breve referéncia as fontes espanholas em que ele se conserva. A miisica vocal profana espanhola esta reunida em seis cancioneiros principais. Quatro destes, os Cancioneiros da Biblioteca Colombina, de Palacio, da Casa de Medinaceli e de Segovia sio manuscritos, os outros dois io impressos: Recopilacién de sonetus y villancicos ad4ea5 vozes, de Juan Vasquez, e Villancicos de diversos autores... (Veneza, 1556), conhecido como Cancioneiro de Uppsala por se conservar na Biblioteca da Universidade de Uppsala. O primeito é de cerca de 1490, 0 de Palacio é de finais do século XY, inicio do XVI, ¢ é 0 maior de todos, com quatrocentas cinquenta e oito pegas, das quais trezentas e oitenta e nove so vilancicos. O Cancioneiro da Casa de Medinaceli tem cento e setenta e sete pegas, cento & uma das quais profanas. Nos cancioneiros espanhis, tal como nos portugue- ses, 0 género dominante é 0 do vilancico. Por sua vez as fontes portuguesas so 0 Cancioneiro de Elvas’ que contén sessenta ¢ cineca pegas, o Cancioneiro da Biblioteca Nacional de Lisboa, com dezanove pegas profanas insetidas num repertéric de cardcter essencialmente religioso, o Cancioneiro da Biblioteca da ficole Supérieure des Beaux-Arts de Paris‘, e 0 Cancioncito do Museu Nacional de Arqueologia ¢ Etnologia de Belém, com dezoito pecas’. O Cancioneito de Paris, provavelmente da segunda metade do século XVI, é 0 mais extenso dos cancioneiros portugue- ses, contendo cento e trinta e uma pegas, setenta ¢ cinco das quais s6 tén anotada a melodia. Vérias destas melodias constituem o tiple ou voz superior de versdes polifénicas dos mesmos vilancicos que apatecem noutros cancio= neiros ibéricos, o que poderd significar que essas versdes polifénicas so Posteriores & eriacdo ou fixagao escrita da melodia, ou que, ao contrario, neste Cancioneiro s6 foi registada a melodia das versbes polifénicas pré-existentes. O numero total de pecas musicais reunido nestes quatro cancioneiros parece diminuto quando comparado por exemplo com as varias centenas de poemas do Cuncioneiro Geral dos quais no se conhecem verses musicais. E de admitir, no entanto, que para muitos poemas $6 tera existido a melodia, que nao chegou a ser registada por escrito, que outras verses musicais foram s6 registadas em folhas volantes que se perderam itremediavelmente, e que ers muites outros casos ainda nunca terd de facto existido nenhuma versio musical des poemas. Por outro lado, ¢ em contraste com o que ficou dito acima acerca da tematica anedética e efémera cultivada por muitos poetas do Cancioneivo Geral, 0 que domina de um modo geral nos nossos cancioneitos musicais so poemas de cardcter amoroso, o que esta decerto relacionado com © facto de 0 género litico ser 0 mais apropriado para ser posto em miisica Algumas excepedes existem contudo, como o vilancete Néo tragais borzeguins pretos, que aparece no Cancioneiro de Paris, ¢ que parece aludir, de modo satirico, as severas pragmiéticas sobre o trajar dos cortestios existentes na corte de D. odo II Ox quatro cancioneiros portugueses contém’um repertério contemporaine das cortes de D. Joao II (1481-95), D. Manuel I (1495-1521) e D. Joao tll (1521-57), mas que cobre igualmente ainda a segunda metade do século XVI. O mais recente € 0 Cancioneiro de Belém, que esté inserido numa miscelanea em que aparece a data de 1603. A maioria das pecas € andnima, mas é possivel identificar varias delas porque aparecem também nos cancioneiros espanhdis atribuidas a autores como Juan del Encina ou o portugués Pedro Escobar. ‘Como vimos acima, trés vilancicos deste iltimo que se encontram anénimos no Cancioneiro de Elvas aparecem identificados no Cancioneiro de Palacio. As pogas com texto portugués representam somente cerca de um quarto do total, sendo o castelhano a lingua que é mais abundantemente utilizada, como J# acontecia com bastante frequéncia nas poesias do Canciuneiro Geral. Nao Podemos esquecer que @ corte portuguesa era bilingue, nio sé devido & influéneia dos fidalgos emigrados, como ao facto de no século XVI todas as ainhas de Portugal terem sido espanholas de nascimento. Um pequens mero de vilancicos é de tema religioso, nomeadamente de Natal, ¢ encon- (ramos igualmente noutras fontes portuguesas, como € 0 caso de alguns manuscritos da Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, vilancicos de Natal de compositores como D. Pedro de Cristo que so 0s antecessores dos vilancicos religiosos do século XVII, No Cancionciro de Palacio aparecem ja de resto cerea de quarenta vilancieas de tema religioso, sob a designagao colectiva de Villangicos omaium sanctorum. ss 6 " t Re Viet Nery, op. eal » Op eit. 36 A relativa simplicidade de estilo € uma constante do repertério profano presente nestes quatro cancioneiros, se bem que no Cancioneiro de Paris e no Cancioneiro de Belém, que so aparentemente os mais tardios, encontremos j& certas caracteristicas préprias do estilo da Renascenga final, ov, de acordo com Rui Vieira Nery, do estilo maneirista. Essas caracteristicas sio nomeada- mente uma escrita contrapontistica mais complexa ¢ a intensificagao da compo- nente expressiva, utilizando processos como a dissondncia € 0 cromatismo a fim de traduzir musicalmente os sentimentos do texto, processos estes que traem a influéncia do madrigal italiano, e s4o por isso designados habitualmente de madrigalismos. E também no Cancioneiro de Paris que nos aparecem verses musicais de alguns poemas de Luis de Camées, como as cantigas Na fonte estd Lianor ¢ Foi-se gastando a esperanca € 0 Vilancico Menina dos olhos verdes. Num manuscrito de Romances y Letras existente na Biblioteca Nacional de Madrid ‘encontra-se igualmente uma versio musical do célebre soneto de Camoes Sete anos de pastor Jacob servia'. Referindo-se ao modo como era cultivado todo este repertério, Joo de Freitas Branco escreve: Podemos agora fazer uma ideia mais aproximada do que seriam os gabados serdes da corte [..] Fidalgos ¢ damas [...] divertiam-se no culto das artes, Havia recitagées, improvisagdes posticas, despiques e zombarias; cantavam- se sobre os versos melodias a uma ou mais vores concertadas, com alaiides, violas (da gamba], guitarras (vihuelas ou violas dedithadas] ¢ outros instru- ‘mentos; dangavam-se umas que outras dessas misicas.” De facto, na Renascenca a arte social por exceléncia era a dana, fosse ela de sali, religiosa ou popular, e o seu lugar respectivo era o p: rua. Como jé vimos, a danga, com asua componente cerimonial, era elemento indispensavel dos festejos de corte, e, como dissemos atrs, muitos vilancicos homoritmicos sugerem ou apresentam associagdes directas com dangas popu- lares ou de corte. Em certos casos, a propria partemais grave da composigio 6 uma sequéncia padrio de notas que est associada a um tipo de danca determinado, embora este processo s6 se apresente verdadeiramente clarifi- cado a partir do século XVIL. Um dos exemplos mais famosos € o da folia, danga popular portuguesa da Renascenca, cujo baixo iré ter uma enorme importancia na mésica instrumental do Barroco, ‘A danga ea cangio renascentistas ttm também um papel muito importante no teatro da época. Os autos € farsas de Gil Vicente incluem ou citam cerca de duzentos trechos musicais, nomeadamente vilancicos ¢ romances, uns vinte dos quais aparecem no Cancioneiro de Palacio, entre eles 0 famoso vilancico Nunca fué pena mayor, do compositor flamengo Johannes de Wreede ou Urrede, com que abre esse Cancioncito. © préprio Gil Vicente tera composto algumas cangdes, como uma que aparece no Auto da Sibila Cassandra «fcita e ensoada pelo autor». No teatro vicentino ha também entradas instrumentais com trombetas ¢ charamelas, sendo ainda referidos outros instrumentos, alguns dos quais de caracter popular, como as gaitas, as violas, o rabel € 0 f i t ° 2S Ss a ae eo er era CIE tamborim, Entreas dancas que aparevem nos autos podemos citar a chacotae afol Bibliografia sugerida ALEGRIA, José Augusto, O ensino ¢ prética du misica nas Sés de Portugal (da Reconquista aos fins do século XV), Lisboa, Instituto de Cultura e Lingua Portuguesa, 1985, NERY, Rui Vieira e CASTRO, Paulo Ferreita de, Histéria da Musica, (Sinteses dr Cultura Portuguesa}, Lisbo, Comissariado para a Europalia 91-Portugal/ ‘Amprensa Nacional-Casa da Moeda, 1991 VALENG §. Pe. Man /Braga/Porte 4 Arte Organistica em Poriugal (¢. 1325-1750). Montrio? Editorial Franciscans, 1990. Discografia sugerida A Misica no Tempo de Camdes, Segreisde Lisboa, EMI/Voz do Dono, 1979, 8E17140, 311/12, 2LP, M inimas do Natal. Responsdrios « Vilancicos dos séc, XVI-XVIL, Coral Vertice, EMI, 1988, 7917342, CD. Mistca Ibérica da Idade Média e do Renascimento, Segréis de Lisboa, A Vor do Dono, 1974, 8063-40337, Misica Polifinica des séculos XVI, XVIT € XVIH, Os Madrigalistas do Conservatdrie Nacional de Lisboa, Lusitana Musica/A Voz do Dono, 1977, 11¢07340445, Lp, Misica Pormguesa Mancirisa, Cancioneiro Musical de Belém, Segrcis de Lisboa, Manuel Morais, Movie Play Classies, 1988, 311001, CD. Misica Vocal ¢ Misica de Orgdo dos sée. XVI, XVII © XVIII, Os Madtigulstas do Conservatério. Gerhard Doderer, Lusitana Musica/A Voz do Dono, 1976, 10073-40427, LP. © Lastano, Portuguese vilancetes,cantigas and romances, Gerard Lesne, Circa 1500, Nancy Hadden, Virgin Classies, 1992, VC7915002, CD. 0 Orgdo da Sé Catedral de Evora, Joaquim Simdes da Hora, Lusitana Musica/A V ‘on do Dono, 1975, 11C073-40391, LP. 2 8 0 Orga da Sé Catedral de Faro, Wsabel Ferro. Lusitana Musica/A Voz do Dono, 1975,11C073-40390, LP. 0 Organ da Capeta da Catversidade de Coimbra, Geitard Doderer, Lusttana Musi- ca/A Vor do Dono, 1977, 110073 41393, LP 0 Grgiio te Santa Maria de Obddos, Joaquim Simbes da Hora, Lusitans Musica/A Vor do Dono, 1981, 11COTS-40566, LP. an 3. Aspectos musicais da Expansdo portuguesa sR ea ee RLU I TS Registe-se por outro lado que na bagagem das naus, para além de instrumen- tos de cardcter militar, protocolar ou littirgico, iam outros de caracter clara mente popular. Assim por exemplo, a expedigao de Pedro Alvares Cabral que artiu de Lisboa com destino a india em 8 de Marco de 1500, com treze navios e mil e duzentos homens, levava a bordo trombetas, atabaques, tambores, séstros (sistres), Nautas, tamborins ¢ gaitas de foles, uma das quais, como vimos, foi uutilizada nos primeiros contactos com os indios brasileiros! ‘A misica de corte tinha também 0 seu lugar nos contactos diplomaticos. Disso Sexemplo o banquete, referido por Ferndo Mendes Pinto, que foi oferecido na itha de Upeh pelo Bendara de Malaca, a mando do portugues Péro de Faria, 20 embaixador do rei dos Batas de Sumatra, O som das charamelas, trombetase ‘eabales, ¢ a miisica & portuguesa com harpas, dogainas e violas de arco, fizeram com que o embaixador metesse o dedo na boca, em sinal de espanto’ HA dois episddios na Peregrinacdo que ilustram de um modo especialmente Mico o encontro entre a miisica portuguesa ea musica oriental. O primeiro é0 Gay festas que os comerciantes portugueses do porto de Ningpo (Liampé), a Sul de Xangai, fizeram ao corsario Anténio de Faria: lum domingo antemanha, [..] Ihe deram wma boa alvorada com uma miisica de muitos instrumentos suaves [..] E sendo pouco mais de duas horas antemanha, com noite quieta € de grande luar, se fez @ vela com toda a armada, |...]acompanhado de muitas barcagas de remo,em que havia muitas rombetas, charamelas, flautas, pifaros, tambores,¢ outros muito insteum: tos, tanto portugueses coma chins, [..] Em cima do toldo desta embarcagéo vinha (..] uma rica tribuna [..J, ¢ ao redor dela seis mogas de doze até quinze anos, muito formosas, tangendo em Scus instrumentos musicais, ¢ cantando com muito boas falas, que por inheico se trouxeram da cidade de Liampé, [..] Nesta lantea se embarcou Anténio de Faria, ¢ chegando ao cais com grande estrondo de trombet: ‘charamelas, atabales, pifaros. © outros muitos tangeres de chins, malaios champas, siameses, bornéus. icquiios, ¢ outras nagdes que ali no porto esta. ‘vam a sombra dos portugueses, por medo das corsarios de que o mar andava cheio [1 Euo dingit-se Antonio de Faria para a Ipreja de Ningpo, ‘evava diante de si muitas dangas, pélas, folias, jogos, ¢ entremeses de muitas, ‘maneiras que a gente da terta que connoseo tratava, uns por rogos, outros orgados das penas que thes punham, também fazia como os portugueses, ¢ tudo isto acompanhado de muitas trombetas, charamelas, flautas, orlos, \logaiinas, harpas, violas de arco, e juntamente pifaros ¢ tambores, com um labirinto de vozes 4 charachina [a moda da China], de tamanho estrondo que Parecta coisa sonhada. Chegando a porta da igreja sairam a o receber vito padres |..], com procissio cantando Te deum laudamus, 2 que outra soma de cantores [..] respondia em canto de orgio to concertado quanto se pudera vet na capela de qualquer grande principe. F |...) ouviu missa cantada oficiada com grande concerto, tanto de falas como de instrumentos musicais "ode ines Peat ise, Decade 10882), Lis hoa. Litatt $a ds Costs, 1945, p19 oi in Raber Stevenson, Fist Portuese Neo Wotid Ensoonets i bern Muveut Outreeh Belore Liconntcr eth the New Work dner-Anerican Mase Reven VOL? thos Angcles, Spring-Summer 197, p99 Fesnio Mendes Pn, op BAD percussio popular), ferrinhos com argolinhas dentro, pandeiros com soalhas, € se possivel alguns tamborileiros e gaiteiros, com os quais iria seguro 0 Pc, Nobrega 4 conquista dos sertes', Organizavarn-se procissdes em que participavam os indios convertidos ¢ que se metiam pela selva dentro com os meninos indios cantando misica religiosa, ¢ regressando seguidos pela indiada, que se deixava prender pela misica pelo cortejo’ Quatro meios principais utilizavam os jesuitas para esta catequizagio musical: +a adopcdo dos cantos dos indigenas, com a substituicdo dos textos ‘originais por textos religiosos traduzidos em lingua tupis j +o ensino de cAnticos religioso» europeus, com o texto traduzido também em lingua tupis +a permissdo de que os indios utilizassem as suas dancas nas procissées ¢ provayelmente dentro dos templos; + arepresentacdo de autos com musica, que incluiam, ao lado dos santos, personagens retiradas do mundo e dos mitos amerindios. Referindo-se a Baia em 1583, 0 Pe. Ferno Cardim diz-nos que em trés aldeias havia escolas de ler¢ escrever, onde 0s padres ensinavam os meninos indios ¢ @ alguns mais hdbeis também ensinavam a contar, cantar e tanger, havendo ‘muitos alunos que tocavam flauta, viola e cravo ¢ oficiavam missas polifni- cas, coisa que os pais estimavam muito’. Dentre estes cantores sc escolhiam posteriormente os mestres de canto, ou Nheengaraibos, que por sua vez ensi navam outros indios «por papel» isto € através de misica escrita, Escrevendo am 1660, 0 Pe. Simao de Vasconcelos afirma que os indios Sao afeigoadissimos 4 miisica, eos que so escolhidas para cantores da igre} prezam-se muito do oficio, e gastam os dias e noites em aprender e ensinar os outros, So destros em todos os instramentos miisicos, charamelas, flautas, trombetas, baixdes, comneias ¢ fagotes: com eles beneficiam em canto de orgio, vésperas, completas, missas, e procissGes, tio solenes como entre os Portugueses." ‘Até& segunda metade do século XVIIT os indios do estado de Pernambuco sinda se encarregavam da musica de igreja das suas aldeias, tocando érgao ¢ santando. No entanto, a absorgao pela catequese © 0 aniquilamento pela vidio contribuiram para que o amerindio, apesar de ter concorrido em ade parte para a formagao do homem brasileiro, deixasse poucas marcas, identes nos seus costumes musicais. Por outro lado, a campanha jesuitica eo ta a escravidao do indio e a pouca eficiéneia do trabalho deste, prejudi- ia jo pela transferéncia brusca do nomadismo em que vivia para a fixagao da acia agricola, determinaram a entrada de escravos negros afticanos no Brasil los. 0 inicio do cultivo da cana de apicar ma pos uns do Sudo e do Golfo da Guiné e outros de Angola, do Congo ede onal bigue, todos eles tinham jé uma cultura mais desenvolvida que a dos say priciest Brastly rover XUV (1987), pe MD, «Caos. aie dangasnis Aas (4 Brasil 6c XVI Bre i XXW (19871 ph Oneyca Alarenes, Mien Paper Broviena, Rio de ro. Fahonit Globo, 1500, p20 Sevan Lone, =A Musica nas. priinis escohss do Brasile Brera XLIY 11987), 9.399 Met py 99% 6 Oneyua Aatengasen ca (F Franc Curt Lange. {a acts mosiel en (Copnate Genta de Minas Gera (Brus, La Forma fn ale Jos Composores rulatoon an René. Mayer fib Magu 7 nflences fares revipsogues etre CE opees! Airs Laine let Temes Whee eee {Aetesda Congres Braves, 198310 Te tases Museu of Musa Pavrments. Bu Fen 8 8119869. 99.1459 on. Las hsrmandates UdeSanta Ceka 8 prepa fein onde Lispoa natal Brin tal pp. 108-2 indios brasileiros. A sua presenga constantc na vida dos brancos ea mestiga- gem intensa estiveram na origem de uma interinfluéncia cultural e musical muito mais ampla e profunda que a do amerindio, a qual foi determinante para o desenvolvimento da misica popular do Brasil até aos nossos dias. Além das bandas ou ternos de negros, que até a0 século XIX constituiam um elemento obrigatério das festas populares, existiam também orquestras de negros manti~ das pelo luxo de alguns senhores, para gosto proprio e admiragio dos visitan tes. Esse costume manteve-se igualmente desde o século XVI, altura em que jé existia ao que parece um conjunto instrumental regido por um marselhés num ‘engenho da Baia, até ao século XIX", Ainda em 1863, em Minas Gerais, » Bardo de Bertiago ofereceu a uns missionarios americanos um concerto no sali da sua fazenda executado por uma orquesira formada por uns trinta negros e negras, que tocaram uma abertura de Rossini, 0 Stabat Mater de Pergolesi e, em homenagem aos convidados, a Marcha de Lafayette’ Em Minas Gerais a pritica e 0 ensino da misica passaram progressiva predominantemente para as maos de mulatos, que formaram as suas prépi corporacdes, ou Irmandades de Santa Cecilia, segundo 0 modelo existente em Lisboa. Na capital, Ouro Preto, no século XVIII, muitas criancas mulatas, 6rfas ou abandonadas, eram entregues pelo Senado da cidade a mestres de miisica na sua maioria também eles mulatos, um pouco a mancira do que acontecia nos célebres Conservatorios napolitanos. Era também entre as mulatas que, pela sua condigdo social, tinham uma vida mais livre que a das mulheres brancas, que se formavam as actrizes ¢ até cantoras de opera, como Joaquina Maria da Conceigao Lapinha, que nos finais do século XVIII se apresentou com sucesso no Teatro de S. Carlos de Lisboa. Entre os mulatos da colénia vamos encontrar compositores de grande qualidade, como é o caso de -0 Lobo de Mesquita ou do famoso Pe. José Mauricio Nunes Na histéria da Expansto portuguesa 0 caso do Brasil € obviamente excepeio- nal, uma vez que se trata do tinico territério que foi extensivamente colonizado que veio a dar origem @ uma nagio multiracial 33.2. 4 Africa Os testemunhos histéricos da nossa presenga musical em Africa parecem por exemplo mais dificeis de reconstituir. A pouca informagio até agora disponi- vel mostra-nos no entanto que também af a catequizacao foi acompanhada por uma educagio musical que faria ainda hoje inveja aos nossos Conservatories. Vejamos a titulo de exemple o que escreve o governador de Angola Paulo Dias de Novais numa carta enviada de Luanda em 1578: Co as Frautas Folguey em estremo. Vier3o a muyto bom tempo. Os ne cadtad toda a missa pequena de Morales omotete de Sudto Andrée ee Ses tN ETT TEES ordinarias com braua abilidade e muyto afinados;[...]Sel poder aver Joam Castanino hum par de sacabuchas e alglas charamelas velhas a bom prego, venhio que sad muyto necessarias pera aprederem, porque sad doze ou treze tendo todos 0s instrumentos aprendem muyto mais. O mestre hé o mais pintado homem pera os ensinar que pode ser.’ Para melhor compreensao do significado deste texto anote-se que Cristébal Morales e Francisco Guerrero so dois dos maiores compositores quinhentistas espanhdis, Da Abissinia sabe-se por sua vez que a alta nobreza, ¢ o préprio Imperador. colocavam 05 filhos a estudar com os missionarios portugueses, porque que- riam que eles aprendessem a nossa misica. Ali o jesuita Pe. Luis Cardeira Em seis meses formou hua capella de baixos, tenores, & typres, cousa ¢ igualmente espanta, & consola, assi aos de casa, como de fora, Preparou [. hhuas vesperas, & Missa. cinco vozes, com grande suceesso ...]O Emperadot em particular gostou tanto destes aios, que com se Ihe repetirem muytas vvezes. nam se fartaua de os tarnar a ver, & dizia. Nam fora eu agora come estes, pera os Padres me cnsinarem, & 0 mesmo dizia de seus filhos, ¢ priuados. desejandolhes idade pera aprenderem aquellas cousas; & de hum Filho pequenino que te, disse daqui por diante o entrego aos Padres (...} 333° 0 Oneme Virando-nos agora para o Oriente, Anténio de Gouveia refere como 0 Xa da Persia apreciava a misica dos missionarios portugueses, tendo ido ouvi-la no Natal de 1608, acompanhado da sua comitiva, e como chegou mesmo a p comigir 0 harpista, que teve de confessar o scu descuide. Os portugueses usavam também 0 cravo € a citara para acompanharem o canto polifénico, de que o Xa, & oy seus mastraram muyto grande contentamento. O principe Manucharham se levitou de seu lugar, & se foy perao Choro onde cantauam, ‘mostrando tanta alegria que segundo nos confessou, Ihe parecia estar no Parayso,” E A india representa naturalmente por si sé um capitulo importantissimo da E- presenca e interacgo musical portuguesas no Oriente. Aqui também coube um papel relevante & Companhia de Jesus, que nos seus Colégios, escolas ¢ igtejasutilizava a musica e o teatro com o mesmo fervor missiondrio com que 0 {azia noutros locais do mundo. J4 nas naus da india, durante as viagens, nao s6 fsesuitas, como também os soldados e os passageiros representavam didilogos stautos sacramentais’, Desde 1558, pelo menos, ha noticia da represcmtagao de 1564 cantou um coro acompanhado por um cravo e uma viola de arco. ‘bém em Cochim, no mesmo ano, se representou uma tragédia no dia da Ps, flautas, charamelas ¢ violas de arco’ RROD "Caan Anton Asante Bupa. Granilasee che cer Miko mdr au sercaropariehon Weld der Newser Dor Rew des fae remporrgie rhe Paronat techs in Mower Aptatio Liber Aaearin — Sarah, Colina, bia forgo: logscte und musikeinaloe sce Studion/Roma, Con sociatiw Internationales Musicae Saceae. (1987/ 21989), 11> Manust da Wega, Releyanr Grud sta ds Chan dade ale Febvopia, Usb Mattheus Pato 163510 Wout in Robe Sievano, orguese Mt and Mos ans Abvalr0 50), Lis Puctic Pro. 19K, pp. Redagan on gre ve vatum yu alan u grade Kes dr Pov, Usha, Paseo Cri Powe, 1611 fo 207, en Steven a. 4 Mario Martin, Teta Gamtontvr nas ens de Lou Lites Br0- im Mane Maruins, test Sagrado ay Crisandades a Inds Porugoss (Sie Bara das aulas, no fim de cada um dos cinco actos da qual havia musica de XV Didabale ¥ (Cosmm es 18) 9p. 188190. SASSER TE Amtémis dy Sis Rego. ocunensas pare a hts mado sis a pao ports do Orente c ida € ids pat. 2 Vol. (1572-1882), Lisboa, a ald Ulta 195, pp. 823 Manip Marans. =Teato Sagrado nas. Cratandades fy India Portugues (See XVI Didarbaia ¥ (Cou tno Jove Gabel Sal ana vltuesdz nasca fewopens em Goa Esados ier nos N95, C4 Caspar Feauo%e. Lore Sevan das Sales da Tera Ponts sigadla, Ensbiuta Caltral de Ponta Delgada 107% p 2) Pe Manuel Tetxerra Mucuw ne Séruio AVE aca Drsagie doy Ss owe Edis Cua Goad Cant, thn maou pontuguin diva RV nage de Paquin — © Padre Tous Pereira oie ay twweceae Por vows Fad sca! S$ (Lisboa, Ouiudro/De resbia FST, p10 Polo que diz respeito & masica religiosa, num cclatério de 1579 0 Pe, Alessan- dro Valignano refere-se por exemplo a misica no Colégio de Bagain, dizendo {que na sua igreja se cantavam as missas em polifonia e se faziam todos os demais oficios como em Goa, mas que, ao contrario de Goa, nao havia ali a comunidade dos meninos cantotes portugueses, sendo necessario arranjar cantores de fora, 0 que dava muito trabalho'. Certas representagdes eram aparentemente feitas e cantadas nas linguas locais, como a que se realizou em Couldo, doze léguas a Sul de Cochim, no Natal de 1567. Alio Pe. Manuel de Barros fez um presépio e ensaiou alguns meninos da terra em figuras de pastores, e outros a cantar prosas de festa, possivelmente em timul A atitude face & misica indigena é por outro lado ilustrada pela determinagao do 3.° Concilio Provincial de Goa, de 1585, segundo a qual as mutheres 30 deviam aprender a bailar, tanger ou cantar Deghamins nem outros bailes € cantigas gentilicas, decerto pela mesma razdo porque, para resguardar os convertidos da contaminagao indi, se procurava afasta-los das escolas indiis, dos pagodes ¢ das suas ceriménias’, Alguns fidalgos portugueses na india mantinham x sua prépria capela musical privada. Hé por exemplo noticia de um tal Guilherme Pereira, que fora por capitio & China duas vezes, fe que tinha @ mor casa e aparato que nunca teve portuguis na India. de viso-rei abaixo, porque trazia mais de trezentas pessoasem sua casa, ¢ tirados alguns feitores seus, todos os mais eram sets cativos,¢ tinha sempre em sua casa mestve de capela com charamelas, frautas, violas de arco.” Voltando-nos justamente para a China, verificamos que em Macau, em 1584.2 escola dos Jesuitas, fundada doze anos antes, tinha mais de duzentos alunos que aprendiam a ler, escrever ¢ contar, ¢ também masica’, Mas 0 caso mais interessante de um miisico portugués na China é sem diivida o do jesuita Pe. ‘Tomi Pereira (1645-1708), o qual completou os seus extudos no Colégio de S. Paulo em Macau, onde teri em seguida leccionado. Em 1672foi chamadoa corte do imperador Kam-bi, por referéncias que da sua cigncia havia dado 0 astronomo belga Verbiest. Tendo passado 0 resto da vida em Pequim, ‘truiu diversos drgios, alguns por encomenda do préprio imperador, e entre eles tum 6rgao mecdnico, ou automtico, que tocava melodias chinesas ¢ incluia wm jogo de campainhas. De um dos érgéos que construiu diz Tomas Pereira, em carta de 1681, que {oi tal o aplauso ¢ concurso que teve, que fomos obrigados a por soldadesea na Lareja eseu pateo, para cvitar desordensdos gentios;[..sendo obrigadoo ‘Autor a tanger mais de ham mee intciro cada dia murtas haras,¢ muitas delas ‘a cada 4 para dar vasio a muita gente quecortia ¢ se renovava a cada quarto de hora.’ imperador Kam-hi mandou escrever um livro de teoria musical chinesa em quatro tomes, com um 5.° tomo, em apéndice, redigide por Tomas Pereira e pelo italiano Pe, Pedrini, sobre os elementos da misica europeia, ¢ fez traducit em (artaro um Tratado de Misica Prética e Especulativa do mesmo Tomas Pereira, Porventura a obra anterior. Porsua morte, o lnperador mandou-lhe construir tum rico tiimulo, para o qual escreveu ele proprio o epitafio’ © caso do Japio parece estar bastante bem estudado, ¢ a bibliografia & extensa, em virtude também do interesse dos priprios investigadores japone- ses pelo assunto*, As primeiras reaccdes dos portugueses 4 masica japonesa, tais como aparecem nos escrites do Pe. Luis Frois, que esteve no Japiio de 1563 2 1597, ou do Pe. Lourengo Mexia (1540-99), so bastante negativas: ambos considera dissonante e desagradavel, acrescentando que os prdprios japonc- ses tinham a mesma opinido em relagio & musica curopeia, Tendo em conta esse facto, resultante da incompatibilidade fundamental entre 0 sistema ou sistemas musicais japoneses, e o sistema ocidental, é tanto mais de admirar a rapidez e perfeigio com que os japoneses convertidos aprenderam a misica curopeia ensinada pelos jesuitas, tornando-se bimusicais e dando desde essa altura jus também na mmsica & sua reputada curiosidade cultural ecapacidade Ge assimilacao. Na sua primeira visita ao Japio em 1549, S. Francisco Xavier ofereceu um rel6gio musical e provavelmente um clavicérdio ao daimyo de Yamaguchi, ¢ em 1551 Duarte da Gama desembarcou em Funai ao som de flautas e chara- melas, instrumentos esses que poucos anos mais tarde eram jé utilizados nas escolas jesuitas no acompanhamento de coros religiosos. Na mesma cidade, em 1565, os discipulos dos jesuitas cantavam cantigas ao sdbado acompanha- dos de viola de arco, ¢ aos domingos e dias de festa motetes polifénicos. Note-se que o kokyu japonés, um violino de 3 ou 4 cordas que aparece somente nos inais do século XVI, tem origem na rabeca portuguesa. Existem diversos testemunhos da admiragao dos japoneses pelos cravos ¢ violas ¢ sobretudo pelos érgios europeus. Entre os discipulos do semindrio de Arima conta-se o Pe, Luis Shiozuka (1576-1637), que se tornou famoso como instrumentista € mestre de capela, e esteve em Macau ¢ em Manila, antes de voltar ao Japao, onde foi martirizado. Um episddio famoso da missionagao jesuita no Japao ¢ o da embainada & Europa de quatro jovens principes japoneses, organizada pelo Pe. Valignano, de que se publicaram na Europa mais de oitenta relatos diferentes. Saidos de Nagasaki em 1582, os quatro jovens demoraram-se dois anos ¢ meio em Macau ¢ em Cochim, onde estudaram miisica entre outras coisas. Recebidos festivamente em Lisboa, deslocaram-se depois a Evora onde tocaram no érgio da Sé Catedral, ¢em seguida a Vila Vigosa onde tocaram cravo e violas de arco perante o Duque de Braganga, D. Teodésio II. Em todos esses lugares os jovens embaixadores foram também acolhidos com miisica, tanto religiosa como profana, Regressados de Roma, onde o Papa os recebeu em audi- @ncia (tendo a meméria da sua visita ficado registada num mural no Vati- ano) tocaram novamente érgao cm Evora ¢ cantaram um Te Deum na Sé Catedral "nd. pp. 95, 0s dados agus rxohidor sobre © Japio prot em rand parts du comanic io de David Waterhouse Southern Barbarian Musk In Japune, apsesentada no Col6quislternacional Pr tugalew Mundo — Procstos Iimercabaras na misic (0 papel de Pore na mice ‘to MfundodesieosdesioX¥). realizado cm Lisbos em 1987, de cajas Actas se ‘guard spo 1 " cu. sn Gerhard Dover AAS restagbes musics real (Evora, 1890) Con reso dnermaconal. Bart~ Tome Dias # 4 sua époco dias, Vat IV. Port, Uns Sersilade do Post, Com Sto Nacional para Comemoragses das Descor brimentus Portugueses 1988, p. 228 Um didirio da sua viagem & Europa, publicado em Macau em 1590 (De missione legatorum Japonensium ad Romanam Curiam), ixclui um didlogo entre um deles e dois japoneses convertidos sobre a musica europeia ea sua comparagaio com a misica japonesa. De regresso ao Jupio, fizeram-se ouvir perante 0 ditador Hideyoshi, cantando, tocando harpa, cravo, alaide, rabeca, viola de arco e realejo, ou érgio portatil, Um deles, Martinho Hara, viriaa morrer em Macau em 1629. Em 1593, um grupo de negros de um navio portugués dangou perante ‘© mesmo Hideyoshi a0 som de uma flauta e de um tamborim, um dos primeiros testemunhos do contacto entre afticanos e japoneses. Numa outta ocasitio Hideyoshi quis que os negros se lavassem na sua presenga, por nao acreditar que a sua cor era natural. Foi nos seminarios jesuitas do Japio que se comesou a construir um tipo muito curioso de érgao, feito com canas de bambu, de que se conserva hoje um dinico exemplar do século XIX, sestaurado c em funcionamento, na Igreja de Las Pifias, nos arredores de Manila. Aos jesuitas se deve também a publicagdo no Japao, nos finais do século XVI e inicios do XVII, de dois livros litirgicos que contém em conjunto treze pegas com notag’o musical. Encontram-se outros vestigios da presenga musical europeia num certo numero de pinturas ¢ biombos de tematica religiosa e de inspiragdo ocidemtal, em que aparecem representados diversos instrumentos europeus (em especial harpas e alatides ou violas dedilhadas), Mas h4 também certos cantos religiosos de origem europeia, alguns dos quais parecem derivar do canto gregoriano, que se mantiveram até ao século XX entre as comunidades cripto-cristés do Sul do Japio, ¢ que constituem um de entre varios testemunhos da sobrevivencia da influéncia musical portuguesa no Oriente. Outros testemunhos da mesma sobrevivéncia encontramo-los ainda hoje na misica e na danga das comuni- dades de «descendentes», na india, no Ceilio ou em Malaca, por exemplo. - 3.4 Asinfluéneias da Expansio na pritica musical metropolitana Entreas primeiras manifestagdes da influéncia musical em Portugal da Expan- so ultramarina conta-se provavelmente a j citada descricdo das festas reali- zadas em Evora em 1490, por ocasiao do casamento do filho de D. Joao II, 0 infante D. Afonso, com a filha dos Reis Catélicos. Eis 0 que nos conta 0 cronista Garcia de Resende sobre o primeiro banquete por essa ocasitio oferecido pelo monarca portugues: Eouue ahi hia muyto grande representagam de hum Rey de Guine..Je com elles hia muy grande, erica mourisca retorta, em que vinham duzentos homens tintos de negro, muyto grandes bailadores, todos cheos de grossas manilhas pollos bragos, ¢ pernas douradas, que cuydauam que eram douro,e cheos de cascaueis dourados, e muyto bem concertados[.]efaziam tamanho roido com 0s muytos cascaueis que traziam [...' Outros reflexos intencionais de culturas musicais exéticas vamos encontri-los mais tarde por exemplo no teatro jesuitico metropolitano, Esta neste caso 0 Chorus brasilicus cantado cm lingua tupi einserido na tragicomédia D. Manuel Conquistador da India, do Pe. Anténio de Sousa, que se representou no Colégio de Santo Antao de Lisboa por ocasidi da visita de Filipe Hem 1619. A representagaio desta tragicomédia, escrita, além do tupi, em latim, portuguése ‘espanhol, durou dois dias! A presenga ¢ influéncia directas em Portugal das culturas musicais extra -europeias (ressalvando 0 caso particular das comunidades mouras, que man- tiveram a sua autonomia até ao século XVI) parece ter sido esporddica, com uma (inica excepgo que veremos adiante. Hii por exemplo o caso de Rei Goncalves da Camara, capitéo donatario da ilha de S. Miguel, nos Agores, 0 qual trouxe para aquela ilha cinco eseravos indianos «que tangiam charamelas € violas de arco, que era uma realeza haver isto nesta terra, mas em breve tempo faleceram todos, talvez por nao se terem adaptado ao clima* A excepcio € naturalmente a dos escravos negros que comecaram a ser trazidos para Portugal em grande ntimero desde a primeira metade do século XV. Os quatro séculos da sua presenga em Portugal foram objecto de um fascinante estudo publicado pelo brasileiro José Tinhordo’. Embora o autor, no subtitulo do seu livro, classifique essa presenga de «silenciosa», a verdadeé que cita o testemunho de um italiano que visitou Lisboa nos finais do século XVI, de acordo com o qual, «a0 passo que os portugueses, por gravidade, andam sempre tristes e melancélicos, no usando rir nem comer nem beber com medo de que os vejam, os escravos mostram-se sempre alegres, ndo fazem sendo rir, cantar, dangar e embriagar-se publicamente, em todas as pragas»*. A ‘mais antiga noticia que temos de dangas de auténticos negros africanos em Portugal é de 1451, durante as festas realizadas em Lisboa, em comemoragao do casamento da infanta D, Leonor, irma de D. Afonso V, com o imperador Frederico IMI da Alemanha’, Mas jé em 1579, um ano apés a morte de D. Sebastido em Aleacer Quibir, um alvaré determinava que: na cidade de Lisboa & hua legoa ao redor della se néo faga ajuntamento «serauos, nem bailos, nem tangeres seus, de dia, nem de noite,em dias de festa nem pela semana, sob pena de screm presos, & os que tangerem ou bailarem, ppagarem cada hum mil reais para quem os prender, ¢ os q bailarem, & forem Presos por estarem presentes, pagarem quinhétos reaes.® ‘Tinhorao comenta que tal proibigao teria por objectivo contrariar a perpetua- do de cultos religiosos negro-africanos. Mas a cristianizagao dos negros iria Por outro Jado ter como consequencia a formago de irmandades ou confra- Tias destinadas a defender os seus interesses, ao abrigo da protecedo religiosa, ‘omeadamente a Irmandade de Nossa Senhora do Rosirio dos Homens Pretos, junto da Igreja de Sic Domingos de Lisboa. As relagdes diplomaticas estabe- lecidas nos séculos XV ¢ XVT entre a coroa portuguesa c o reino do Congo (que conduziram inclusive & ordenagZo episcopal de um filho do rei do Congo) esto na origem das representagdes de autos e desfiles da coroagia dos reis do * Seeaim Lee, =A Mision seas primenas ccolis do Beasil- Brovéria XLV (1947), p 386 2 Gaspar Feutsorn, Lire Quarto das Saudodes de Terraen sn LutsaCymbron Adriana Latino »Manifer: tages musicasprofanas no stquipeigo dos Agores na transigho do steulo pars 6 XVLe Congreve Intrnacto hat. Bartolomen Dit e040 Speco, acts, Vol. WV, Pon, Universigade do Porte, CComissig Nacional pare 35 Comemoracies dos Desco- brimentos Portuguese, 1080, p24 José Ramos Tishosio, Or Negros em Portugel (Um Presena Stents), Lisboa, Edhiorial Camiaho, 1988 * bid p13, 15, * tid. 120, * Cr. Sérgio Guimaries de Andiade, «Os misicos negros do tule de Santa Auta in Resale de Seno ta Estuto de Invergo- 0, Lisboa. 1972, pp. seg, 0951 6 * Joué Tinhardo, op. ci p10. hid, pp. 198-49, Congo feitas pelos membros daquela Irmandade. Essas representagées manter-sc-iam até meados do século XIX, acabando por evoluir para a formagao de uma sociedade recreativa dos negros de Lisboa, com o nome de Reino do Império do Congo, que organizava bales ¢ possuia a sua propria conte. (Os negros participaram também desde muito cedo nas procissdes religiosas, em especial a procissdo do Corpo de Deus, nos peditdrios e nas romarias, seja com as suas dangas, como 0 frenético lundum, seja na qualidade de arautos, tocando pifaros, cornetas, rabecas e tambores, vestidos com librés escarlatese bonés ou chapéus de dois bicos. Num painel do iniciodo século XVI existente na Igreja da Madre de Deus em Lisboa aparece jé representado um grupo de misicos negros, tocando quatro charamelas e uma sacabuxa. Mas ainda numa descr sao da Festa de Nossa Senhora do Rosdrio celebrada na Igreja do Salvadorem 1730se pode ler que no adro se haviam juntado trésmarimbas, quatro pifaros, uas rabecas do peditério, pandeiros, congos e cangis, ¢0 hiperbélico nimero de trezentos berimbaus’. Infelizmente nao nos € possivel imaginar como soariam os cantos e as dangas dos negros de Lisboa entre os séculos XVIe XVIIL, uma ver que elas sofreram © mesmo destino das miisicas populares e tradicionais em geral, tendo-se perdido na noite dos tempos ao nao ficarem registadas por escrito, Ha todavia um repertério que chegou até nds eque pretende reflectir, se bem que de modo porventura convencional, o estilo musical dos negros. Trata-se dos vilancicos religiosos escritos em portugués de negro, fazendo habitualmente referéncia a dangas, instrumentos e onomatopeias indigenas, ¢ com miisica em ritmo de dang. A esmagadora maioria desses vilancicos era composta por mestres de capela brancos paraas festas do Natal e dos Reis, tendo frequentemente como tema a adoragio do Presépio. Na prépria cena da visita dos Reis Magos a Belém representada nos presépios pintados, as figuras orientais que aparecem (e com as quais mouros, ciganos e negros se podiam identficar) eram j4 um convite ao ecumenismo democratico da celebragao, evidenciado nos seguintes versos de um vilancico cantado na Capela Real de Lisboa em 1658 Pol criara de la casa vvenimo tanta de genta de Angola y de Cabo Verde de la China y de la Persia. No venimo como eserava sino como cabayera ‘© modo como nos presépios 0 rei da Ardbia, Baltazar, era representado em figura de negro servia de argumento suplementar para a presenca e participa: / ao dos negros na celebragao natalicia. Um outro vilancico da Capela Real | refere-se a negrinhos vestidos com librés escalates e bonés vermethos, como, os que aparcciam nas procissGes do Corpo de Deus. No entanto, iio possive saber com seguranga se em Portugal as personagens que nesses vilancieos, 5 | Biby i Mora Sa on ete oT NR TSO aparecem dangando, tocando e cantando em portugues de negro seriam por vezes de facto negros de Angola, de Cabo Verde ou da Guiné, como as fontes indicam, e no musicos brancos representando esses papéis. Atematica musical da Expansio merece alguns comentarios finais. Pelo que se relere a0 contacto e interacgio entre a tradiciio musical dos portugueses e a diversas tradigdes locas, ¢ salvo as excepgdes acima referidas, foram raras as tentativas priticas de ir ao encontro dessas tradigdes sem ser na perspectiva da sua utilizagao como instrumento de missionagdo. O problema central des telagdes musicais dos portugueses com outros povos parece ser 0 mesmo que afeciou as suas relagdes culturais em geral. A sua prépria cultura era domi- nada pela religido catolica, que se caracterizava naquela época por um proseli- lismo intenso, © que teve até certo ponto como consequéncia a negagio de ‘outrasculturas no que elas tinham de original e diferente, Esta atitude opde-se, Por outro lado, & inegével capacidade que os portugueses tiveram de se lacionar ¢ se misturar de modo espontaneo com outras ragas e culturas. Quando esse processo se deu realmente de um modo profundo e duradouro, como no caso do Brasil, surgiu uma nova cultura que também na misica Produziu uma extraordindria sintese de diferentes tradigdes. Nio nos podemos de qualquer modo esquecer que, ao nivel da ideologia, a erspectiva democrdtica ¢ jgualitaria das relagdes entre povos e culturas diferentes & um conceito moderno. Mesmo assim, ¢ descontando necessaris- ‘mente 0s condicionalismos historicos da época em que viviam, os portugueses do tempo das Descobertas foram pioneiros de um tipo de relacionamento “natural entre os povos, a Ocidente ¢ a Oriente, de que encontramos também {teflexos no capitulo das relagdes musicais. Bibliografia sugerida 1S, Domingos, Os Instrumenios Musica eas Viagens dos Portugueses, Lisboa, Instituto de Investigagdo Cientifiea Tropical, Museu de Etnologia, 1986 ut 4. O Século XVII Objectivos da aprendizagem’ + [dentificar as razBes do importante tno periodo de 1580-1640, ~ Caracterizaro papel que, nesta época, © Mosteiro de Santa Cruz, Descrever a importincia das obras de Duarte obs; Flipe dé Maga: thes ¢ Manuel Cardoso, integrando-as tia escota'de B correntes da arte musical da sua época, ied | + Reconhecer os tragos do emergente maneirismo na frodusao da escolt de Evora e seus misicos. Ee | + Caracterizar a importancia da actividade musical da capéla dos Duques de Braganga em Vila Vigosa e respectiva biblioteca. + Explicitar a acco de D. Joao IV, enquanto melémano ¢ mecena: % | 4 musical. + Determinar a importancia da reforma tridentina na promogio dé sndsica instrumental religiosa. + Definir 0 papel do érgio ibérico na musica sciscemtsta portuguesa, + Enunciar as razdes pelas quais Portugal e Espanba nio participaram da revolugao musical que teve lugar em Itélia ao longo do século XVIL, se estendew a toda a Europa. a 4.1 O florescimento musical durante o dominio filipino A partir de meados do século XVI, 0s efeitos acumulados da crise do Império, da Contra-Reforma e da perda de independéneia politica iro progressiva- mente reduzir 0 pais a uma situagio de isolamento e de subalternidade cultural que se ird manter até ao séoulo XVIII, Em 1536 foi introduzida a Inquisicao, ‘que em 1543 jé tinha feito as suas primeiras vitimas. O julgamento de Damiio de Géis, a que nos referimos na Unidade 2, é bem caracteristico de uma nova época de intolerancia religiosa e ideolégica. Em 1547 & estabelecido o primeiro Index de obras proibidas pela Igreja, eem 1555 0 ensino no Colégio das Artes da Universidade de Coimbra, de onde haviam sido anteriormente expuiscs humanistas da craveira de um André de Gouveia, um George Buchanan ou um Nicolas de Grouchy, éentregue a Companhia de Jesus, que viréa reestabe- lecer ai, como também na Universidade de Evora, criada em 1559, um mono- lio religioso do ensino superior. Pode dizer-se que terd sido a mtisica a arte que foi menos afectada por est: Processo de decadéncia, nao sé cultural, como também social e econémica. E certo que, ja provavelmente no ambiente mais pio e austero das cortes de D. Jodo IIe de D, Sebastiao (que tem de certo modo a sua contrapartida no século XVII na corte ducal do futuro D. Joao TV em Vila Vigosa), como sobretudo com o desaparecimento da propria corte a partir de 1580 ¢ a retirada da nobreza para os seus solares na provincia, para a Corte na Aldeia de que nos fala Francisco Rodrigues Lobo, a misiea profana deixou de encontrar ‘um meio favordvel ao seu desenvolvimento. De facto, nao iremos encontrar em Portugal ao longo do século XVII nenhum repert6rio equivalente aquele que, Por modesto que ele seja em termos europeus, nos surge nos nossos cancionei Fos quinhentistas. Em contrapartida, verificamos que a misica religiosa iri desabrochar com renovado vigor muito especialmente durante o periodo do dominio filipino, fendmeno que no parece ter sido devidamente ponderado pela nossa historiografia musical nacionalista do século XIX e da primeira metade deste século Os anos entre 1580 e 1640 constituem de facto uma verdadeira idade de ouro da Rossa misica. Podemos admitir, é certo, que esse notavel florescimento musi- ‘cal se deve em grande parte a factores de ordem religiosa e nao de ordem. Politica, se bem que uns e outros estejam de certo modo relacionados. A religiosidade intensa em que toda a nagao se refugia ao longo do século XVII, ¢ que cobre um leque de manifestagdes que vio do misticismo ao simples beatério superficial ou mesmo leviano, iré constituir uma alternativa de alcance limitado ao estado de depressio em que mergulhara a sociedade civil e laica, Portugal foi o unico pais catdlico em que as decisées do Concilio de Trento foram integralmente aplicadas. Pelo que diz respeito & misica religiosa, essas decisdes nao vieram afectar grandemente os nossos compositores,os quais ni se ham nunca sentido especialmente atraidos pelos excessos contrapontisticose a utilizagao de temas profanos earacteristica da polifonia franco-flamenga e criti- cada pelos padres conciliares', Pelo contréric, a nova atmosfera de fervor EE eR US SS EE SSS DA aR "CI. Rut Vieea Nery, Hité- ria da Misiew (Sintses do Citra Portugues). Lisbos Comissariado para 2 Euro. Dalia 91-Portugal/Iprensa Nacional-Cass di Mocs, 1991, pa, * ud p51 * Publicadas em edigao rmodesns por Manuel Jo uim, Compasigespolton- 0s de Duarte Lobo. Val. Magnyical Lisboa, site de Ala Cultora, 1945, a bras completas de compo swtoreneontrameseem publi- casio pela Fundacao Calouste Gulbenkian na serie Portugaliae Musice,cx fcigio do Pe. Armiode Bar Bes, que € também autor de tums tse de dostoramento intitulada Duorte Lobe (1569-646), Studien 2um Leen und Sehaffen des por- tugesischen Komponiten, Regensburg, Gusta» Bosse Verlag, 1986 Destus obras enste ume esigio moderna de Jose ‘Augusto Alegria poblicada a Sere Poregelice Musica {a Fundugio Calouste Gul- benkian, vols. V.VI, XU Xx, XXlde XXVE * aigho moderna de Luis Perea Leal, Lsboa, Fue ago Calouste Gulbenkian, 1975 (Portugalize Musica xxvib, » Edigio moderns de José Augusto Alegria, 4 vos [isboa, Pundagze Calouste Gulbenkian, 1975 Portuga- Iige Musica XXXIX) "Edge moderna de Maca- ro Santiago Kastner, 206, Lisboa, FundapSo Clouse Gulbenkian, 1951 Portage. hoe Music Hh, CF =Pour une saciotoge es fits musesoxe a aor national Musicological Society. Report of he Exige Congress v0l Nova lor que 196, p 382 religioso iré favorecer a actividade criativa dos mestres de capela das sés catedrais e dos conventos, onde, na auséncia de umacorte ¢ como correlative ‘apagamento da Capela Real, se concentra grande parte da nossa vida musical neste periodo, Segundo Rui Vieira Nery — a quem se deve a mais recente e mais importante sintese histérica sobre esta época, & qual nos referiremos largamente ao longo desta Unidade — 0 estudo dos documentos histéricos ¢ do repertério que se conserva nos nossas arquivos € bibliotecas leva a concluir que existe um contraste entre a mésica que se cultivava nas és catedrais, destinada a um grande piiblico, e como tal de natureza mais simples e austera, escrita somente para quatro vozes, e 0 repertério palaciano mais sofisticadoe tecnicamente complexo cultivado por exemplo na Capela do Paco Ducal de Vila Vigosa, que era dirigido a tum niicleo mais restrito de ouvintes dotados de formacio musical. Acontece que a maior parte da nossa polifonia que foi publicada durante a primeira metade do século XVIT, e que é aquela que é ainda melhor conhecida modernamente, corresponde justamente a esse repertorio mais conservador cultivado nas capelas das sés, fornecendo-nos por isso uma visdo relativamente limitada ¢ parcial do que foi a evolugo da nossa miisica neste periodo! Foi provavelmente nesta época da nossa historia musical que se publicou um niimero mais vasto ¢ significative de obras musicais. Entre essas edigées devemos incluir 0s Opuscula (1602), os Cantica Beatae Mariae Virginis’, 0 Liber Missarum (1621) e © Liber IT Missarum (1639) de Duarte Lobo (¢ 1565-1646), publicados a expensas do autor pelo grande editor flamengo Plantin em Antuérpia, 0s Cantica Beatae Virginis (1613), os tr%s livros de missas (1625 ¢ 1636) e 0 Livro de Vérios Motetes (1648) de Frei Manuel Cardoso (1566-1650)’, 0 Missarum liber’ e os Cantica Beaissimae Virginis (1636) de Filipe de Magathaes (c. 1565-1652), ou ainda o livro de coro de 1609 com missas, motetes e antifonas do espanhol Francisco Garro, mestre da Capela Real de 1592. 1623, todos eles publicados em Lisboa por um discipulo de Pantin, Pedro ou Pietrus van Craesbeeck. A estas devemos ainda acrescen- tar os Psalmi tum Vesperarum, tum Completorit. item, Magnificat, Lamentation nes, Miserere do amigo e condiscipulo de D. Jo&o IY, Joo Lourenco Rebelo (1610-1661), publicadas em Roma a expensas daquele rei em 1657°, ou as Flores de Misica para o Instrumento de Tecla e Harpa, do Padre Manuel Rodrigues Coelho (Lisboa, 1620)°. A questa do real significado destas diferentes edigdes merece algum comenté~ rio, Antes do mais, nao podemos encarar muitas das edigdes de musica religiosa dos séculos XVI e XVIT numa perspectiva verdadeiramente comer= cial. Passaram-se por exemplo décadas entre as diversas publicagées das obras de Duarte Lobo, ¢ Francois Lesure demonstrou com mlimeros 0 progressivo desinteresse de Plantin em ficar com exemplares dessas edigdes para as vender ele proprio”. Muitas vezes a interesse dos proprios compositores em as realizar prendia-se essencialmente com consideragSes de fama ¢ de prestigio, ¢ a possibilidade de as levarem a cabo estava dependente do apoio financeiro de um mecenas, a quem era de regra dedic4-las num prefacio protocolarmente elogioso. Além das obras de Jodo Lourenco Rebelo, o futuro D. Joao IV terd apoiado por exemplo a publicagao das missas de Frei Manuel Cardoso, por quem nutria grande admiracao, ¢cujo segundo volume foi escrito sobre temas indicados pelo mesmo Duque de Braganga. © mesmo tera feito Filipe IV de Espanha em relagio ao terceiro volume de missas de Manuel Cardoso, que lhe €dedicado, e que esta escrito sobre temas da autoria do préprio rei, ouvindo-se do principio ao fim da ltima missa um pequeno tema cantado sobre as palavras «Philipps Quartus», Tanto os temas de Filipe IV como este verda- deiro tour de force contsapontistico, proposto pelo seu colega ¢ mestre da Capela Real espanhola Mathieu Rosmarin, foram sugeridos a Frei Manuel Cardoso por ocasido de uma sua visita a Madrid em 1631 Uma outra questo ainda € a do préprio significado cronolégico destas publicagdes. Robert Stevenson chamou a ateng&o para o facto de que a maioria das edigdes de Duarte Lobo, Filipe de Magathics ¢ Manuel Cardoso apareceu quando estes se encontravam no fim da sua vida, com setenta e mais anos de idade, o que leva a admitir que a data de composig&o de muitas das Obras nelas incluidas possa ser anterior de vinte ou trinta anos sua publica- 40, colocando-as assim nos inicios do século XVIT, ou mesmo nos finais do XVI. Tal hipétese poderia também explicar o aparente conservadorismo de uma boa parte deste repertério, habitualmente escrito a quatro vozes, por exemplo, € no, como é frequente no século XVIL, para varios coros. Mas 2 preferéncia por obras para quatro vozes nestas edigdes impressas pode dever- se também A inteng&o de lhes limitar os custos. Na Primeira Parte do Index da Livraria de Miisica de D. Jodo IV encontram-se listadas varias obras policorais destes compositores, hoje aparentemente perdidas'. 5 tr8s compositores acima referidos so sem diivida as figuras principais da chamada escola de Evora. Como ja vimos na Unidade 2, todos eles foram discipulos do mestre da Claustra da S¢ de Evora Pe. Manuel Mendes, tendo- Ihe Filipe de Magalhies sucedido nesse cargo antes de vir a ocuparem Lisboa, sucessivamente, 0s cargos de mestre de capela da Misericérdia ¢ de mestre da Capcla Real. Para Rui Vieira Nery, a obra de Filipe de Magalhdes conjuga 0 dominio téenico do contraponto com um certo grau de lirismo, Duarte Lobo foi mestre de capela do Hospital Real de Lisboa e provavelmente a partir de 1591 mestre de capela da Sé de Lisboa. Célebre no seu tempo como teérico musical, as obras que por enquanto se conhecem dele caracterizam-se pela austeridade ¢ rigor do seu estilo. De entre os seus discipulos destaca-se como tedrico musical Anténio Fernandes, autor de uma Arte de Miisica publi- cada em 1626 que, pela sua clareza e solidez de informagao, constitui, segundo Rui Vieira Nery, um dos exemplos de maior originalidade no quadro necessa- riamente conservador da nossa teoria musical seiscentista, Quanto Frei Manuel Cardoso, é sem divida o compositor mais interessante de toda aescola de Evora. Tendo sido mestre de capela do Convento do Carmoem CCE. Robert Stevenson, Pre facio a Anolnia de Polio ia Pornuguca, 1490-168, Lsbou, Fundagao Calouste Gulbenkian, 1982, p, VIL 8 ee "CE Ror Vieira Nery op 85 Manchester, The Univer- sity of Manchester Press, 1, * Arnold Hauser, EY manie- visme, crisis del Renact= Imieno, Madrid, Ediciones Guadavrama, 1991. Para uma diseussfo da vatidade do termo Manerismo para

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