Você está na página 1de 78

Livro produzido pelo projeto

Para ler o digital: reconfiguração do livro na cibercultura -


PIBIC/UFPB
MARCOS NICOLAU Departamento de Mídias Digitais - DEMID / Núcleo de Artes
(Org.) Midiáticas - NAMID
Grupo de Pesquisa em Processos e Linguagens Midiáticas -
Gmid/PPGC/UFPB

Coordenador do Projeto Integrantes do Projeto


Marcos Nicolau Bruno Gomes
Capa Fabrícia Guedes
Filipe Almeida
Keila Lourenço
Keila Lourenço
Editoração Digital Marina Maracajá
Ana Carolina Medeiros Caldas Marriett Albuquerque
O LIVRO DIGITAL Marriett Albuquerque Rennam Virginio
E SUAS MÚLTIPLAS PERSPECTIVAS

EDITORA

Av. Nossa Senhora de Fátima, 1357, Bairro Torre


Cep.58.040-380 - João Pessoa, PB

www.ideiaeditora.com.br

L788 O livro digital e suas múltiplas perspectivas [recurso eletrônico] / Mar-


cos Nicolau (org.).-- João Pessoa: Editora Idéia, 2014.
CD-ROM; 43/4pol. (2.000kb)
ISBN: 978-85-7539-882-1
1. Livro digital. 2. Editoração eletrônica. 3. Mídias digitais. I.Nicolau,
João Pessoa - 2014 Marcos.
UFPB/BC CDU: 002:004.087
O livro digital e suas múltiplas perspectivas - Marcos Nicolau (Org.) 7

SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO
Apresentação
Marcos Nicolau .............................................................07
A criação do Projeto Para Ler o Digital: a reconfigura-
Do códice ao leitor digital: ção do livro na cibercultura, no segundo semestre de 2010
a reconfiguração do livro na cibercultura trouxe consigo, não apenas a produção de eBooks e ePubs
Rennam Virginio e Filipe Almeida .................................. 08 que foram sendo publicados na página do eLivre – livros ele-
trônicos livres (http://www.insite.pro.br/Livros.html), criada
O livro digital e a interdependência
para esse propósito, mas, também a elaboração de artigos
dos fatores da midiatização
científicos apresentados em encontros da área.
Rennam Virginio ......................................................... 32
A presente obra é uma coletânea de todos esses
Livros digitais no meio editorial paraibano artigos produzidos no decorrer de três anos, por alunos
Marriett Albuquerque ................................................... 52 graduandos do DEMID/UFPB, que atuam como pesquisa-
A Reconfiguração do Livro Didático em Versão Digital: dores PIBIC e PIVIC, e por um mestrando do PPGC/UFPB.
Uma Ideia de Sustentabilidade Os trabalhos contaram com a nossa colaboração, como
Filipe Almeida ............................................................. 65 co-autor, e foram apresentados em Congressos do INTER-
COM Regional ou Nacional, pelos próprios alunos.
Livro Digital: Percalços e Artimanhas Esse conjunto de textos compõe uma pesquisa que
de um Mercado em Reconfiguração tem a importância de demonstrar como se deu, não apenas a
Rennam Virginio .......................................................... 81 evolução dos livros, desde a sua concepção como códex, pas-
O Livro Digital e as Novas Necessidades sando pelo avanço da tipografia há pouco mais de 500 anos.
de Produção e Leitura Mostra, também, o desenvolvimento dos eBooks e dos ePubs
Fabrícia Guedes, Filipe Almeida e Marriett Albuquerque ..... 100 desde suas concepções, assim como os aspectos e as ques-
tões que envolvem o mercado dos livros digitais. Constitui,
Livros Digitais no Brasil:
por isso, um trabalho bem fundamentado que está subsidian-
Analisando as Causas do Insucesso
do inúmeras outras pesquisas - tanto Trabalhos e Conclusão
Rennam Virginio ......................................................... 118
de Curso (TCC), quanto Dissertações de mestrado.
A ascensão do livro digital
e a autonomia do autor na cibercultura Marcos Nicolau
Filipe Almeida ............................................................ 137 Professor do DEMID e do PPGC

Capa Sumário eLivre


O livro digital e suas múltiplas perspectivas - Marcos Nicolau (Org.) 9
na internet. Buscamos, neste artigo, fazer um apanhado
histórico do livro, de seu surgimento a sua reconfiguração
no meio digital, expondo os recursos e funcionalidades,
além de discutir as discrepâncias das práticas mercadoló-
DO CÓDICE AO LEITOR DIGITAL: gicas atuais.
A RECONFIGURAÇÃO DO LIVRO NA CIBERCULTURA
Palavras-chave: Livros digitais. e-Books. Reconfigura-
Rennam VIRGINIO 1
ção. Cibercultura.
Filipe ALMEIDA2
Introdução

Resumo O livro é, sem dúvida, um dos bens mais importan-


tes da humanidade. Através dele, informações e conheci-
Séculos após a invenção da prensa de Gutenberg, que mentos puderam ser armazenados, difundidos e compar-
permitiu a produção em massa de livros na era moder- tilhados por todo mundo ao longo da história.
na, o livro encontra-se reconfigurado para o meio digi- Para Chartier e Roche (apud PINHEIRO, 1999, p.68),
tal, apresentando-se nos formatos eBook e epub, levando livro é um signo cultural, suporte de um sentido transmiti-
aos usuários uma nova experiência em leitura, agregando do pela imagem e pelo texto. Até a invenção da prensa de
as funcionalidades e recursos que o hipertexto permite. Gutenberg, no século XV, os livros eram manuscritos por
Dentro deste contexto, não apenas o livro sofreu trans- escribas ou copistas, o que limitava a produção e dificul-
formações: o mercado editorial digital, ameaçado pelos tava o acesso para a leitura destes livros.
riscos de pirataria e compartilhamento que a “nuvem” A máquina criada por Gutenberg permitiu, pela pri-
possibilita, impõe aos usuários uma série de restrições meira vez na história, a produção em massa de livros,
que buscam impedir a livre circulação dos livros digitais popularizando a leitura e ampliando as possibilidades de
um mercado.
1
Graduando do Curso de Comunicação em Mídias Digitais da UFPB.
Bolsista do Programa de Iniciação Científica (PIBIC) da UFPB/CNPq. Esse desejo muito natural de se ter facilmente livros
E-mail: rennam.virginio@hotmail.com
à disposição, e livros de formato cômodo e portáteis,
2
Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Comunicação – PPGC/
UFPB. E-mail: filipekjp@gmail.com acompanhou passo a passo a crescente rapidez da lei-

Capa Sumário eLivre


O livro digital e suas múltiplas perspectivas - Marcos Nicolau (Org.) 11
tura, que se tornara possível com a impressão do texto A criação do sistema fonético pelos Gregos fez com que
em tipos uniformes e móveis, em contraste com a leitura a escrita fosse disseminada por diversos povos pelo pla-
mais dificultosa dos manuscritos. Este mesmo movimen-
neta. De acordo com Kerckhove apud NICOLAU (2010), o
to, pela acessibilidade e caráter portátil do livro criou
públicos e mercados cada vez maiores, os quais eram alfabeto grego tinha suas peculiaridades:
indispensáveis ao sucesso de todo o empreendimento
gutenberguiano. (MCLUHAN, 1972, p.281) O alfabeto grego era diferente dos demais sistemas de
escrita, pois ao invés de obrigar o leitor a se prender
ao contexto, permitiam a remoção de enunciados dos
O livro evoluiu e hoje também está disponível no
seus pontos de origem e a sua recolocação em ou-
formato eletrônico, conhecido como eBook, podendo ser tro local. Isso, por um lado, exigia um novo processo
lido em diversos dispositivos digitais como tablets, com- cognitivo da leitura e por outro, permitia a decifração
putadores e smartphones. e a leitura em voz alta de qualquer linha, mesmo que
Criado na década de 1970, os livros eletrônicos a pessoa não soubesse o que estava lendo, gerando
implicações e desdobramentos para os processos de
apresentam-se hoje em um crescente mercado, chegan-
reprodução textual na atualidade, pois está presente
do a vender em alguns países mais até do que os livros também em todas as máquinas de códigos linguísti-
impressos. Novos produtos são lançados constantemente, cos, como uma inovação tipicamente ocidental. (Ker-
e com preços cada vez mais acessíveis, difundindo ainda ckhove apud NICOLAU, 2010)
mais o hábito da leitura de livros digitais entre as pessoas,
atraídas pela tecnologia e portabilidade que oferecem. Alguns elementos da natureza foram responsá-
Neste artigo, procuramos fazer um apanhado históri- veis por servir de suporte à escrita, dentre eles: tabu-
co do livro, do seu surgimento até a sua reconfiguração no letas de argila ou de pedra, papiro e pergaminho (con-
meio digital, mostrando seus formatos, suas funcionalida- siderado um dos precursores do papel). Outros foram
des e a atual problemática das barreiras mercadológicas. aperfeiçoados ao longo do tempo, como é o caso do
códice, também denominado de códex, que consiste
Escrita, tipografia e impresso numa compilação de páginas costuradas, substituindo o
rolo de pergaminho e originando o pensamento do livro
A escrita é considerada uma invenção decisiva para como objeto.
a história da humanidade, uma forma de representar o Com a evolução da escrita, houve também a neces-
pensamento e a linguagem humana através de símbolos. sidade de organização e padronização das representações

Capa Sumário eLivre


O livro digital e suas múltiplas perspectivas - Marcos Nicolau (Org.) 13
gráficas, surgindo assim a tipografia. Os chineses foram A prensa de Gutenberg
os primeiros povos a utilizar tipos bastante rudimenta-
res, entretanto, apenas no século XV, este conceito foi A invenção da impressão a partir de tipos móveis
redescoberto pelo alemão Johannes Gutenberg através da metálicos, por Johannes Gutenberg, alemão nascido em
prensa tipográfica. A invenção da tipografia marcou a di- Mainz, acelerou a circulação dos conhecimentos, e por
visão entre a tecnologia medieval e a moderna (USHER, isso é considerada uma das mais importantes invenções
1929), possibilitando a mecanização da arte do escriba ou da idade moderna.
copista. Segundo Marshall McLuhan, a invenção tipográfi- Para entendermos melhor o que foi essa invenção
ca foi fundamental para o surgimento do impresso: de Gutenberg, vamos partir do significado de impressão.
Segundo Costella (2001), impressão é a ação que produz
... do mesmo modo que a palavra impressa foi a pri- um sinal em um corpo pela pressão de um outro corpo.
meira coisa produzida em massa, foi também o pri-
Enquanto que a tipografia é uma das muitas técnicas de
meiro “bem” ou “artigo de comércio” a repetir-se ou
impressão com uso de tinta.
reproduzir-se uniformemente. A linha de montagem de
tipos móveis tornou possível um produto que era uni-
forme e podia repetir-se tanto quanto um experimento Tipografia, portanto, é a técnica de escrever com tipos,
científico. Esse caráter não se encontra no manuscrito. isto é, de imprimir sinais gráficos, com tinta, pelo empre-
(MCLUHAN, 1972, p.177) go de tipos móveis. Esclareça-se: os tipos móveis são le-
tras soltas, cada uma se apresentando, individualmente,
como um minúsculo carimbo. (COSTELLA, 2001, p.35)
Apesar da resistência dos copistas, a impresso-
ra com tipos móveis de Gutenberg fez com que o livro
Antes de Gutenberg criar os tipos móveis metá-
fosse popularizado, tornando-o mais acessível através
licos, outros materiais eram usados para a fabricação
da redução de custos da produção em série. Para Nico-
das matrizes que serviram de base para as impressões.
lau (2010), tal invenção permitiu também que os tex-
De acordo com Costella (2001), no século VIII já eram
tos pudessem ser reconfigurados através de matrizes,
utilizados no Japão matrizes de madeira para impressão
tornando possível a reprodução de muitos exemplares.
de talismãs. Usando essa mesma técnica de impres-
Com isso, a tipografia tornou-se peça fundamental no
são a partir de matrizes de madeira, conhecida como
sistema de impressão, originando o que conhecemos
xilografia, os chineses produziram o primeiro livro im-
hoje por design editorial.
presso que se tem conhecimento, no final do século IX.

Capa Sumário eLivre


O livro digital e suas múltiplas perspectivas - Marcos Nicolau (Org.) 15
Os chineses também produziram cartas de baralho e eram móveis, o que possibilitaria ao artesão combiná-las
papel-moeda. Além disso, criaram os tipos móveis, na e recombiná-las, aproveitando para a composição de dife-
metade do século XI, produzidos com cerâmica. Depois, rentes páginas de texto. Para Mindlin (1999) esta inven-
foram criados tipos móveis de madeira, no Turquistão, ção foi uma revolução mais importante até mesmo que a
por volta de 1300. revolução da informática.
Na Europa, os primeiros livros foram impressos
a partir da xilografia, onde eram usadas matrizes de A invenção dos tipos móveis, proporcionando a publi-
cação de livros, desde os chamados incunábulos, que
madeira. Isto é, todo o conteúdo estava “preso” numa
são os livros impressos entre 1455, data aproximada da
única matriz. O uso dessa técnica barateou o custo dos
Bíblia de Gutenberg, até 1500, foi uma revolução mais
livros, pois até então eram manuscritos, o que limitava importante, na vida da humanidade, do que está sendo a
a tiragem e o acesso da população a estas obras, sendo revolução da informática. (MINDLIN, 1999, p.47)
quase sempre encontrados apenas em bibliotecas e em
quantidades limitadas. Para McLuhan (1972), graças à impressão e à mul-
Porém, segundo Costella (2001), estas matrizes tiplicação de textos, os livros deixaram de ser um objeto
inteiriças de madeiras eram relativamente frágeis e por precioso, a ser consultado numa biblioteca: havia necessi-
isso não suportavam numerosas prensagens, e qualquer dade cada vez maior de se poder conduzi-lo com facilida-
rachadura ou desgaste em qualquer parte desta matriz, a de, a fim de recorrer-se a ele, ou lê-lo, em qualquer lugar
inutilizava por completo. Além disso, como as letras es- e a qualquer hora.
tavam esculpidas em uma única matriz, não podiam ser Portanto, o que Gutenberg fez, foi um aperfeiçoa-
reaproveitadas em outras. mento da técnica tipográfica, aliada a já conhecida técnica
Diante disso, surgiu a invenção de Gutenberg: uma da prensagem, muito utilizada por papeleiros, vinhateiros
máquina de impressão tipográfica a partir de tipos mó- e também por xilógrafos. Foi uma das mais importantes
veis metálicos, composto de chumbo, estanho, antimônio invenções da história da humanidade, por contribuir deci-
e bismuto, que poderiam ser produzidos em grande esca- sivamente no barateamento do livro, e consequentemen-
la. Esses tipos, de acordo com Costella (2001), por serem te, no aumento do seu alcance a várias classes sociais,
de metal, teriam uma maior resistência, permitindo gran- espalhando conhecimento e informações para uma gran-
des quantidades de prensagens sem danificar os tipos. de parcela da população mundial.
Além de mais resistentes, os tipos criados por Gutenberg

Capa Sumário eLivre


O livro digital e suas múltiplas perspectivas - Marcos Nicolau (Org.) 17
Os livros digitais: do surgimento a evolução co, já realizado integralmente. Na leitura em tela, essa
presença extensiva e preliminar à leitura desaparece. O
suporte digital (disquete, disco rígido, disco ótico) não
Mais de cinco séculos depois da invenção da máqui-
contem um texto legível por humanos, mas uma série
na de Gutenberg, que permitiu a impressão de livros em de códigos informáticos que serão eventualmente tradu-
grande escala devido à utilização dos tipos móveis, surgiu zidos por um computador em sinais alfabéticos para um
um novo tipo de livro, reproduzido em uma mídia diferen- dispositivo de apresentação. A tela apresenta-se então
te do tradicional papel: o livro eletrônico. como uma pequena janela a partir da qual o leitor explo-
ra uma reserva potencial. (LEVY, 1996, p.39)
Segundo Horie (2011), um livro eletrônico, também
conhecido como eBook, é uma versão digital de um li-
Como um exemplo de uso dessa “reserva potencial”
vro que pode ser lido em computadores ou em aparelhos
mencionada por Levy, podemos citar a afirmação de Lemos
portáteis. Em 1971, quando Michael S. Hart digitalizou
(2011) na qual diz que o leitor é editor e distribuidor, onde a
a Declaração de Independência dos Estados Unidos, deu
ação de edição e compartilhamento pode ser feita pelo leitor.
início ao Project Gutenberg. Enquanto no livro tradicional
nos deparamos com o texto impresso, no livro digital nos
Cresce formas e instrumentos de uma cultura letrada que
encontramos um texto virtual, um hipertexto. “Um hiper- se faz por uma leitura sociabilizada. O leitor é também
texto é uma matriz de textos potenciais, sendo que alguns ‘tipógrafo’ (‘Desafios da Escrita’ de R. Chartier) que pode
deles vão se realizar sob o efeito da interação com um mexer nas fontes e alterar as localizações das informa-
usuário.” (LEVY, 1996, p.40) ções. Só há textos e leitores móveis.(LEMOS, 2011)3
A diferença entre um livro impresso e um livro di-
gital não está apenas na mídia que é utilizada. A experi- De acordo com Procópio (2010), para a leitura de
ência da leitura também passa por transformações. Levy um livro digital, três elementos fazem-se necessários: o
(1996) explica algumas destas transformações que dife- Dispositivo de Leitura (Hardware), o Reader e o eBook. O
rem a leitura de um texto impresso de um texto virtual: Dispositivo de Leitura é o Hardware utilizado (e-Reader,
Notebook, Tablet, PC...). O Reader trata-se do software
O leitor de um livro ou de um artigo no papel se confron- que auxilia a leitura do livro, e o eBook é o próprio livro,
ta com um objeto físico sobre o qual uma certa versão do o conteúdo, logo, o mais importante dos elementos, que
texto está integralmente manifesta. Certamente ele pode pode ser encontrado em diversos formatos.
anotar nas margens, fotocopiar, recortar, colar, proceder
a montagens, mas o texto inicial está lá, preto no bran-
3
Disponível em: http://andrelemos.info/2011/10/flica/
Acesso em: 01/11/2011

Capa Sumário eLivre


O livro digital e suas múltiplas perspectivas - Marcos Nicolau (Org.) 19
Dispositivos de leitura vendas. A Amazon além de vender o Kindle, vende tam-
bém os livros digitais que serão lidos no dispositivo. Este
Os livros digitais podem ser lidos em dispositivos ano, a Amazon já vendeu mais eBooks para o Kindle do
não-portáteis como computadores de mesa, ou em dis- que livros impressos.4
positivos portáteis como palmtops, celulares e até smar- Outros dispositivos para leitura estão disponíveis no
tphones. Porém, estes últimos por possuírem um tama- mercado, como o Sony Reader, Cooler, Nook, Alpha, além
nho bastante reduzido, limitam a área de visualização de dos conhecidos Tablets - que também possuem a função
informações de uma só vez. Em meados dos anos noventa de leitura de livros eletrônicos – Ipad, Galaxy Tab e Xoom,
surgiram os e-Readers (dispositivos dedicados a leitura de entre outros.
livros eletrônicos). Foram muitas as tentativas das em- O sucesso do Kindle não é devido ao dispositivo em
presas de se firmarem no mercado dos livros digitais com si, e sim, porque ele possui uma grande variedade de livros
a venda de e-Readers, porém nenhum fez muito sucesso. digitais disponíveis para serem lidos. Como foi dito ante-
O primeiro e-Reader lançado no mercado foi o The riormente, o mais importante é o conteúdo. “Vem hardwa-
Rocket eBook. Em seguida vieram outros modelos, como o re e vai hardware, o importante para as editoras é man-
MyFriend, eBookMan e o HieBook. Estes dispositivos eram ter o foco no con­teúdo. Pois, cada vez mais, é nisso que
dedicados à leitura de livros e não tiveram sucesso por di- os consumidores irão apostar, nos equipamentos que mais
versos motivos, como o reduzido número de livros digitais trouxerem conteúdo relevante” (PROCÓPIO, 2010, p.125)
disponíveis e a baixa interoperabilidade dos sistemas.
As empresas apostaram depois em um produto que Readers
agregava ao e-Reader outras funções, funcionando como
um “organizador pessoal”: os Handhelds. Empresas im- Para lermos os livros digitais precisamos de um
portantes, como a Cassio, a HP e a Compaq lançaram seus software que “rode” o formato utilizado pelo livro digi-
Handhelds, porém sem o sucesso esperado. Os Handhelds tal escolhido. Procópio (2010) diz que um dos entraves
eram semelhantes aos Smartphones vendidos hoje. para uma maior aceitação dos eBooks é o fato de que a
Após inúmeros insucessos de grandes marcas, a em- maioria dos Readers (softwares) lêem um único formato
presa norte-americana Amazon, já com experiência neste de eBook.
mercado - pois vendia os e-Readers citados – lançou seu
leitor de livros digitais, o Kindle, atualmente sucesso de 4
Disponível em: http://www.revolucaodigital.net/2011/05/23/ama-
zon-venda-ebooks-livro/. Acesso em: 02/11/2011.

Capa Sumário eLivre


O livro digital e suas múltiplas perspectivas - Marcos Nicolau (Org.) 21
Os primeiros Readers foram: Acrobat eBook Reader, PDF
MobiPocket Reader, MS Reader e o Palm Reader (baseado
no PeanutPress Reader). Hoje, destacam-se o Adobe Digi- O PDF é o mais popular de todos os formatos, além
tal Editions (antigo Acrobat), MobiPocket Reader, Saraiva de ser um dos mais antigos. Horie (2011) afirma que boa
Digital Reader, Sony Reader e o Kindle Reader. parte dos aplicativos e leitores de eBooks lêem este for-
Horie (2011) afirma que estes aplicativos de leitu- mato nativamente ou com o auxílio de aplicativos quase
ra gerenciam a biblioteca de eBooks e a maioria inclusi- sempre gratuitos.
ve sincroniza os marcadores de página e anotações entre O PDF apresenta algumas vantagens como a possi-
dispositivos diferentes. bilidade de se criar eBooks interativos através de recursos
como hyperlinks e a inserção de vídeos e animações e seu
Formatos de eBook reaproveitamento para impressão. Entretanto, o PDF tam-
bém possui algumas desvantagens, como o tamanho do
Os eBooks podem ser encontrados em vários for- arquivo, muitas vezes pesado, o que dificulta a leitura na
matos, o que torna mais difícil a convergência dos eBooks maioria dos e-Readers. Outro problema do PDF é o fato de
com os dispositivos. Procópio (2010) afirma que esse é seu conteúdo ser estático, ou seja, não pode ser redimen-
justamente um dos fatores que impedem uma maior acei- sionado de acordo com o tamanho e a tela do e-Reader, di-
tação dos livros digitais. Entre os formatos existentes, po- ferentemente de outros formatos, como ePub e Mobi, que
demos citar: ASCII, TXT, HTML, XML, OPF, PRD, PDB, PDF, se adaptam a qualquer tamanho e formato de tela.
WAP, WML, DOC, DocPalm, RTF, RB, EXE, SWF, KML, HLP,
TK3, Mobi, Kindle Format 8 e ePub. Mobi
Segundo Procópio (2010), a interoperabilidade é blo-
queada a partir do momento em que existem diversos har­ De acordo com Horie (2011), o Mobi é um formato
dwares, diversos softwares para leitura e diversos formatos. de eBook desenvolvido pela Amazon especificamente para
Deste modo, nos deparamos com vários tipos de Readers, os eReaders da própria Amazon, o Kindle.
e-Readers e formatos, impedindo que haja uma convergên- Assim como o ePub, o Mobi também redimensiona
cia que amplie as possibilidades do mercado editorial digital. o conteúdo de acordo com o formato e o tamanho da tela
Três formatos se destacam entre os demais: PDF, do dispositivo no qual está sendo lido, fornecendo uma
Mobi (atual Kindle Format 8) e ePub. visualização mais dinâmica e confortável para os leitores.

Capa Sumário eLivre


O livro digital e suas múltiplas perspectivas - Marcos Nicolau (Org.) 23
Também podemos encontrar aplicativos gratuitos, das páginas com CSS, tornando os livros mais atrativos
desenvolvidos pela própria Amazon e por outras em- visualmente. De acordo com Horie (2011):
presas, que permitem a visualização deste formato em
computadores de mesas e em outros dispositivos de lei- Um ePub é composto, basicamente, de arquivos XML
que contém o conteúdo de um livro, arquivos de ima-
tura de eBooks.
gens, acrescidos de mais alguns documentos que de-
Recentemente, a Amazon anunciou a substituição
finem os estilos de parágrafo e caracter e um sumá-
do Mobi (conhecido como Mobi 7) pelo Kindle Format 8. A rio, todos “envelopados” por um compactador comum.
troca ocorrerá devido a chegada do novo Kindle Fire, que (HORIE, 2011, p.18)
permitirá a visualização de eBooks em diferentes diagra-
mações, com suporte a recursos como fontes embutidas, O formato surgiu em 2007, organizado por um con-
layout fixo, elementos flutuantes, drop caps, texto em sórcio de empresas chamado IDPF (International Digital
imagens de fundo e marcadores. Publishing Forum), entre elas Sony, Adobe, Microsoft,
além de grandes editoras inglesas e norte-americanas.
ePub A adoção do padrão decorre de necessidades básicas,
como a escolha de um padrão aberto que possa ser aper-
O ePub (abreviação de eletronic publication) nada feiçoado ao longo do tempo, à medida que o mercado
mais é do que um padrão internacional para eBooks, livre e evolui e a possibilidade do livro ser lido pela maior quan-
aberto. Também conhecido como o MP3 dos livros, ele pos- tidade de aparelhos e programas possíveis, facilitando a
sibilita uma boa leitura em diversos dispositivos tecnoló- cadeia de produção.
gicos, tais como: computadores, notebooks, smartphones
eReaders e tablets. Diferentemente do PDF, onde o layout
das páginas é fixo e não é permitido se alterar o tamanho A reconfiguração do livro e as novas possibilidades
da fonte, no ePub, o texto e as imagens são redimensiona- da leitura hipertextual
dos de acordo com a tela do dispositivo utilizado.
A base do ePub é bastante simples, pois ele é pro- A reconfiguração do livro para o formato eletrôni-
duzido em XHTML, em geral, com os mesmos códigos uti- co não significa apenas uma nova forma de fazer livro,
lizados no desenvolvimento de uma página simples para publicado agora em uma mídia digital, mas também sig-
web. Além disso, é permitido realizar alterações no estilo nifica que o ato da leitura também sofrerá transforma-

Capa Sumário eLivre


O livro digital e suas múltiplas perspectivas - Marcos Nicolau (Org.) 25
ções devido aos recursos e facilidades que o livro digital Apesar de todos os recursos e possibilidades que as
oferece aos leitores. tecnologias oferecem, pesquisas mostraram que os leito-
As novas possibilidades de leitura são um grande res de eBooks são conservadores5: eles preferem que o
incentivo para a leitura de livros em plataforma digital. eBook seja o mais parecido possível com um livro impres-
Segundo Levy (1996), as novas formas de apresentação so. Lemos (2011)6 afirma que o sucesso do livro eletrôni-
do texto só nos interessam porque dão acesso a outras co está na materialidade do dispositivo e na emulação do
maneiras de ler e de compreender. passado.

O suporte digital apresenta uma diferença considerável O que estamos vendo é um retorno a experiências an-
em relação aos hipertextos anteriores à informática: a teriores, com o aproveitamento das inovações sociais e
pesquisa nos índices, o uso dos instrumentos de orienta- tecnológicas do digital, principalmente no que se refere
ção, de passagem de um nó a outro, fazem-se nele com às possibilidades de produção de conteúdo, de compar-
grande rapidez, da ordem de segundos. Por outro lado, tilhamento de informação e de criação de redes sociais.
a digitalização permite associar na mesma mídia e mixar Os e-readers emulam, com a e-ink7, muito bem o papel
finalmente os sons, as imagens animadas e os textos. e a tinta. Alguns não tem iluminação interna e tornam-
Segundo essa primeira abordagem, o hipertexto digital -se muito confortáveis para a leitura. O que está em
seria, portanto, definido como uma coleção de informa- jogo aqui é usar a tecnologia digital e as redes sem
ções multimodais disposta em rede para a navegação fio para proporcionar portabilidade da biblioteca e uma
rápida e ‘intuitiva’. (LEVY, 1996, p.44) leitura próxima da do livro impresso (sem firulas, links
desnecessários, ou interatividade exagerada). O leitor
nem sempre quer ser “interator”. Ele quer ler como se
Os recursos que os eBooks oferecem, facilitam a in-
lê um livro em papel. A relação material é importante
teração com o conteúdo, além de permitir uma grande
aqui: ler um produto acabado em uma postura corporal
portabilidade: um único dispositivo pode carregar milha- similar àquela da leitura dos livros jornais e revistas
res de títulos, e ter - através de uma conexão com Inter- impressas. (LEMOS, 2011)8
net - acesso imediato a outros milhares de títulos disponí- 5
Disponível em:http://ipsilon.publico.pt/livros/texto.aspx?id=295029
veis gratuitamente ou a venda em sites de todo o mundo. Acesso em: 05/11/2011
“É possível carregar vários títulos (centenas e até milha- 6
Disponível em: http://andrelemos.info/2011/10/flica/
Acesso em: 01/11/2011
res) em um único dispositivo de leitura que cada vez mais 7
Também conhecido como “papel eletrônico” ou “tinta eletrônica”, é
estão baratos, leves e com melhor autonomia de bateria uma tecnologia que mimetiza o papel impresso em um display.
e capacidade de armazenamento”. (HORIE, 2011, p.16)
8
Disponível em: http://andrelemos.info/2011/10/flica/
Acesso em: 01/11/2011

Capa Sumário eLivre


O livro digital e suas múltiplas perspectivas - Marcos Nicolau (Org.) 27
Podemos afirmar então, que o livro vem reconfigu- gital, nos deparamos com barreiras mercadológicas que
rando-se sob o apoio dos recursos e facilidades que a tec- freiam essas possibilidades.
nologia oferece, entretanto, tentando manter a base já Alguns formatos, como o Mobi, da Amazon, ro-
aceita e consagrada dos livros impressos, buscando repro- dam apenas em leitores específicos, comprometendo
duzir o impresso no digital e agregando novas funciona- a convergência do conteúdo. De acordo com Procópio
lidades que gerem uma maior interação leitor-conteúdo. (2010), outra estratégia utilizada pela editoras que lan-
çam livros digitais é a aplicação de DRM, que além de
Aspectos configuracionais que dificultam atuar como uma senha de segurança, impedindo a có-
a expansão mercadológica dos eBooks pia ilimitada de um eBook, também faz todo o traba-
lho de porcentagem para terceiros e quantificação de
Alguns fatores impedem uma maior aceitação dos núme­ro de cópias vendidas. Para os formatos Mobi e
eBooks: a grande quantidade de formatos existentes, ePub, já existem sistemas de DRM modernos e relati-
quase sempre, exclusivos para um único e-Reader e as vamente seguros.
DRM9 (Digital Rights Management) impostas pelas edito-
Podemos dar um exemplo dos problemas que um
ras e produtoras de livros digitais a fim de combater a
eBook protegido pode gerar: um eBook em um certo for-
pirataria digital.
mato, protegido por uma DRM, não pode ser convertido
Essa situação apresenta-se como um verdadeiro
para outro formato. Ou seja, se tivermos um eBook em
paradoxo: as reconfigurações do livro sempre ocorreram
formato Mobi (formato de eBook para leitura no Kindle),
visando facilitar o conhecimento do leitor, democratizan-
não conseguiremos converte-lo em PDF para podermos
do cada vez mais a leitura, e hoje, na era da cibercultura,
ler em qualquer outro dispositivo.
da computação em nuvem (cloud compunting)10 e da In-
Diante disso, fica claro que as potencialidades de
ternet em banda larga e móvel, que poderiam funcionar
expansão do conhecimento através dos livros digitais
como verdadeiros catalisadores na difusão da leitura di-
estão comprometidas devido aos interesses mercadoló-
9
DRM, ou Digital Rights Management, são tecnologias para controlar gicos, que vem limitando o uso e a liberdade do consu-
a distribuição e a visualização de conteúdos digitais.
10
O conceito de computação em nuvem (em inglês, cloud computing) midor para utilizar da maneira que achar conveniente o
refere-se à utilização da  memória  e das capacidades de armazena- seu produto.
mento e cálculo de computadores e servidores compartilhados e in-
terligados por meio da Internet, seguindo o princípio da computação
em grade. Wikipedia

Capa Sumário eLivre


O livro digital e suas múltiplas perspectivas - Marcos Nicolau (Org.) 29
Conclusão O livro não foi invenção de Gutenberg, mas ele per-
mitiu a sua reprodutibilidade como suporte e produto ven-
Após séculos de história, o livro, até então existen- dável em larga escala; agora essa escala de reprodutibi-
te apenas em meio impresso, hoje aparece reconfigura- lidade ganha uma dimensão inimaginável. Uma coisa é
do, com uma nova possibilidade de publicação: o formato certa: uma vez lançado na rede, o livro ganha vida própria
digital. A dinâmica de produção, difusão e leitura agora e não pode mais nem sequer ser retirado da internet, pois
é outra - os autores podem publicar diretamente e gra- passa a habitar a nuvem.
tuitamente na web ou podem enviar diretamente para a O cenário atual do mercado editorial digital mos-
editora; a facilidade de produção é impressionante. Novas tra um amplo domínio da empresa americana Amazon,
ferramentas e funcionalidades estão disponíveis para os que produz o Kindle, leitor de livros digitais e disponibiliza
leitores, também atraídos pela interatividade e portabili- para venda uma imensa gama de títulos para serem lidos
dade que o livro digital oferece. neste mesmo leitor, através de um formato exclusivo, o
Entretanto, estas novas possibilidades nem sempre Mobi (agora chamado de Kindle Format 8). Existem outras
atendem a necessidade dos usuários, acostumados com a empresas crescendo no mercado, mas quase sempre im-
liberdade quase sempre presente no ciberespaço. Os en- pondo essas mesmas práticas, dando prosseguimento às
traves mercadológicos e a grande quantidade de formatos barreiras mercadológicas.
existentes impedem uma livre circulação dos livros digitais Diante dessa situação, os leitores de livros digitais,
entre os leitores. É também correto afirmar que mesmo encontram-se presos aos limites impostos pelo mercado,
com as restrições tecnológicas e de mercado, sempre há que contrariam a lógica do livro como um instrumento de di-
formas de burlar os processos de controle, e as empresas fusão do conhecimento e da leitura. Nesse contexto, o usu-
vem trabalhando para desenvolverem formas ainda mais ário, a partir do momento em que ele é impedido de fazer o
seguras de proteção. que bem entender, deixa de sentir-se dono de um livro.
Diferentemente do que acontece com um livro im- Hoje, faz-se necessário repensar as práticas do mer-
presso, onde o leitor tem total liberdade para emprestá- cado editorial digital. Livreiros, agentes literários e editores
-lo a qualquer momento, com o livro digital isso nem tradicionais vão ter de se adaptar aos novos tempos, bus-
sempre pode acontecer, contrariando a história do livro, cando ampliar as possibilidades de compartilhamento, per-
que sempre se reconfigurou buscando facilitar o conhe- mitindo que o livro continue sendo instrumento de difusão
cimento do usuário. de informação, conhecimento e cultura para todos os povos.

Capa Sumário eLivre


O livro digital e suas múltiplas perspectivas - Marcos Nicolau (Org.) 31
Referências PROCÓPIO, Ednei. O livro na era digital: o mercado editorial
e as mídias digitais. São Paulo: Giz Editorial, 2010.
COSTELLA, Antonio F. Comunicação – do grito ao satélite. USHER, Abbott. A History of Mechanical Inventions. New
4ªed. Campos do Jordão: Mantiqueira, 2001. York: McGraw-Hill Book Company, 1929.
FEBVRE, Lucien. O aparecimento do livro. São Paulo: Unesp,
1992.
Sites – Notícias
FUGITA, Alexandre. A paranóia do DRM. Disponível em:
http://www.revolucaodigital.net/2011/05/23/amazon-venda-
http://techbits.com.br/2007/a-paranoia-do-drm/ Acesso em:
-ebooks-livro/
19/11/2011
http://ipsilon.publico.pt/livros/texto.aspx?id=295029
HORIE, Ricardo Minoru. Coleção eBooks - Volume 1: Arte-
-finalização e conversão para livros eletrônicos nos formatos editora Mantiqueira, campos do Jordão-sp, 2001, 4ed. do grito
ePub, Mobi e PDF. São Paulo: Bytes & Types, 2011. ao satélite
IDPF – International Digital Publishing Forum. Disponível
em: <http://idpf.org/>. Acesso em: 26/08/2011.
LEMOS, André. Livro e mídia digital. Disponível em: http://
andrelemos.info/2011/10/flica/ Acesso em: 01/11/2011
LÉVY, Pierre. O que é virtual. São Paulo: Ed. 34, 1996.
MCLUHAN, Marshall. A galáxia de Gutenberg: a formação
do homem tipográfico. São Paulo: Editora Nacional, Editora da
USP, 1972.
MINDLIN, José. A Evolução do Livro do Século XV ao século XX.
In: DOCTORS, M. (Org.); A cultura do papel. Rio de Janeiro:
Casa da Palavra, 1999.
NICOLAU, Marcos. O ciclo das autonomias: do texto, do suporte
e do autor. In: Apropriação midiática e autonomia comu-
nicacional: perspectivas de uma mídia livre. Disponível em:
http://www.insite.pro.br/2010/Dezembro/apropriacao_auto-
nomia_comunicacional.pdf
PINHEIRO, Ana Virginia .Da Sacralidade do Pergaminho à Es-
sência Inteligível do Papel. In: DOCTORS, Marcio. (Org.); A
cultura do papel. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 1999.

Capa Sumário eLivre


O livro digital e suas múltiplas perspectivas - Marcos Nicolau (Org.) 33
Introdução

Séculos se passaram desde o surgimento do livro


impresso como conhecemos hoje. Até chegar ao mo-
O LIVRO DIGITAL E A INTERDEPENDÊNCIA delo atual, o livro se apresentou em formato de rolo e
DOS FATORES DA MIDIATIZAÇÃO1 foi publicado em papiro e pergaminho. Entretanto, não
foram apenas as mídias que sofreram transformações
Rennam VIRGINIO2 e alteraram os materiais e modelos mercadológicos de
certos produtos.
Com as novas tecnologias da área comunicacional,
Resumo
os comportamentos e as relações sociais também sofre-
Mediante a relevância do processo de midiatização na so- ram mudanças significativas e que hoje caracteriza a “so-
ciedade e os fatores que compõem esse processo, nosso ciedade midiatizada”. De acordo com Fausto Neto (apud
objetivo é apresentar o livro digital como um exemplo da re- SGORLA, 2009, p.63), essa “sociedade” apresenta:
lação de interdependência entre estes fatores. As interações
e recursos possíveis com o livro digital traz aos leitores uma sua estrutura e dinâmica calcada na compressão espa-
cial e temporal, que não somente institui, como faz fun-
nova ferramenta de leitura, capaz de permitir uma rede de
cionar um novo tipo de real, cuja base das interações
compartilhamento e troca de informações e conteúdos, ca-
sociais não mais se tecem e se estabelecem através de
racterísticos da midiatização. A partir dos fatores mercado- laços sociais, mas de ligações sociotécnicas.
lógicos, humanológicos e tecnológicos da midiatização, fare-
mos uma análise de suas atuações e influências no mercado
Sgorla (2009) resume midiatização como múltiplos
do livro digital, também conhecido como eBook.
entrecruzamentos entre as tecnologias midiáticas, cam-
pos e atores sociais, e meios de comunicação social tra-
Palavras-chave: Livro digital. Midiatização. Fatores da
dicionais e a sociedade. A partir de tal afirmação, pode-
midiatização. Mercado editorial.
mos incluir o livro digital – também conhecido eBook -,
1
Artigo originalmente publicado no livro Midiatização e Cotidiano: segundo Horie (2011, p.15) “uma versão digital de um
Reflexões sobre as Interações Tecnomediadas (Editora Ideia).
2
Graduando de Comunicação em Mídias Digitais - DEMID/UFPB. Bol- livro que pode ser lido em computadores ou em aparelhos
sista do Programa de Iniciação Científica (PIBIC), UFPB/CNPq. portáteis”, como um exemplo de produto integrante do
Email: virginiorennam@gmail.com

Capa Sumário eLivre


O livro digital e suas múltiplas perspectivas - Marcos Nicolau (Org.) 35
processo de midiatização. de Nicolau (2012): fator mercadológico, humanológico
O livro digital têm gerado discussões sob as mais e tecnológico, demonstrando a relação de interdepen-
diversas perspectivas ideológicas, culturais e mercadoló- dência de tais fatores.
gicas, o que aumenta a relevância do produto como um
objeto de estudo. As vantagens apresentadas pelo livro O livro digital: panorama atual
em formato eletrônico são várias, como a facilidade de de um mercado em crescimento
portabilidade e a dispensa do uso do papel para impres-
são, o que consequentemente torna o livro digital mais Percebemos hoje no meio dos livros digitais uma
barato que o livro impresso. crescente aceitação por parte dos novos leitores desta mí-
Entretanto, diversos fatores contribuem para que dia. Consequentemente, o mercado tem acompanhado
o crescimento do livro digital não seja tão grande quan- este crescimento, sobretudo nos Estados Unidos e no Oes-
to o esperado pelos apostadores desta tecnologia, como te Europeu, onde estão localizados os países mais ricos
as artimanhas praticadas pelas editoras e vendedoras deste continente. Nos EUA, a Amazon já vende – desde o
de eBooks numa tentativa de impedir a pirataria e man- ano passado -, mais eBooks do que livros impressos.
ter seus lucros. Todo esse processo, que vai desde a Vale salientar que esse sucesso deve-se principal-
produção dos livros digitais para atender a demanda mente ao fato de que a Amazon oferece aos leitores um
dos leitores até os entraves mercadológicos, constitui o eReader (Kindle) de baixo custo e uma grande variedade
processo de midiatização, pois altera relações sociais e de títulos a venda com preços em torno de dez dólares.
cria novas situações e modelos de negócios, protagoni- Deste modo, os usuários tem o “suporte” necessário para
zado pelo jogo de interesses dos vendedores de eBooks, comprarem eBooks e continuarem usando essa tecnologia.
o que acaba gerando uma situação de heteronomia O mercado é dominado por poucas empresas que
aos compradores, tornando-os “reféns’ das vontades detém a maior fatia do mercado, como a norte-america-
do mercado, com a impossibilidade de compartilharem na Amazon – maior vendedora de eBookse e Readers do
seus livros e conteúdos. mundo – e a Kobo, empresa canadense que ganhou espa-
Diante da relevância desses dois objetos aqui ço nos último anos e já ameaça a Amazon. É importante
apresentados – midiatização e livro digital -, neste ar- ressaltar que a Kobo já se instalou no Brasil e iniciou as
tigo, iremos analisar e exemplificar três dos principais vendas de seu leitor, enquanto que a Amazon deve iniciar
fatores que compõem a midiatização, a partir do estudo suas atividades no início de 2013. Ambas já adiantaram

Capa Sumário eLivre


O livro digital e suas múltiplas perspectivas - Marcos Nicolau (Org.) 37
acordos com editoras brasileiras. como uma interessante opção para aqueles que querem
Inevitavelmente, a chegada dessas empresas cria publicar suas obras. Os livros digitais permitem um alcan-
uma forte expectativa quanto ao impacto mercadológico ce maior da obra, pois a reprodução é ilimitada, além de
que podem causar. Amazon e Kobo encontrarão no Brasil não haver gastos com impressão e transporte, o que re-
um mercado de livros digitais, ainda pequeno, com pou- duz os custos de produção e, consequentemente, amplia
cos títulos e adeptos a esta tecnologia, reservada a um os lucros gerados pelas vendas.
pequeno nicho de consumidores.
A aposta destas empresas está no potencial econô- Os eBooks no contexto da Midiatização
mico do Brasil e na própria cultura de sua população, mo- (ou simplesmente “Os fatores da midiatização”)
vida pelos anseios de compartilhar e interagir com novas
tecnologias. Esses anseios são apenas um dos elementos Os livros digitais representam, sem dúvida, um pro-
que movem o fator humanológico da midiatização presen- duto decorrente do processo de midiatização, definida por
te no contexto dos livros digitais. Sodré (2006) como uma ordem de mediações socialmen-
Uma nova tendência que vem ganhando espaço e te realizadas, configurando um tipo particular de intera-
investimentos no mercado dos livros digitais é a “auto- ção, que podemos chamá-la de tecnomediações. Estas,
-publicação”, que funciona da seguinte maneira: o autor por sua vez, ainda segundo o autor, são caracterizadas
envia seu livro em arquivo PDF ou DOC para uma empre- por uma espécie de prótese tecnológica e mercadológica
sa que oferece este serviço. A empresa contratada fará a da realidade sensível.
editoração digital e a intermediação com as livrarias para O conceito de mediação também é definido por So-
que o autor – caso deseje vender -, ganhe a sua porcen- dré (2006) a fim de diferenciá-lo do termo midiatização.
tagem relativa às vendas do livro digital. Segundo o autor, mediação é a ação de fazer ponte ou
No Brasil, a Simplíssimo é a empresa que tem inves- fazer comunicarem-se duas partes, através de diferentes
tido neste serviço, firmando parcerias com importantes tipos de interação.
livrarias, como a Saraiva, Cultura e a iBookstore (Apple). Também é importante explicitar o processo e o con-
Assim, a empresa consegue atrair clientes, pois garante texto histórico no qual se dá a midiatização. De acordo
a venda legalizada do livro digital (em formato ePub) em com Fausto Neto (2006, p.2-3),
uma grande livraria.
Para os autores independentes, esse serviço surge A midiatização situa-se em processos e contextos histó-
ricos e em percursos de desenvolvimento de alta com-

Capa Sumário eLivre


O livro digital e suas múltiplas perspectivas - Marcos Nicolau (Org.) 39
plexificação que impõem a necessidade de considerar – aqui entra o fator humanológico -, querem comparti-
mecanismos de explicação que são atualizados no movi- lhar seus conteúdos, mas se veem presos as “artimanhas”
mento destes próprios processos históricos e nos quais
provenientes do conflito tecnologia x mercado.
se passa o desenvolvimento das técnicas, dos processos
e das práticas de comunicação. Nestes termos, a socie- O eBook traz ao campo social um situação nova,
dade na qual se engendra e se desenvolve a midiatização que contradiz o papel histórico do livro, até então “livre”
é constituída por uma nova natureza sócio-organizacio- de barreiras mercadológicas. As tecnologias atuais são
nal na medida em que passamos de estágios de linea- capazes de proporcionar aos adeptos dos livros digitais
ridades para aqueles de descontinuidades, onde noções
uma experiência de compartilhamento e interação am-
de comunicação, associadas a totalidades homogêneas,
dão lugar às noções de fragmentos e às noções de hete- pla, baseadas nos recursos de hipertexto que, segundo
rogeneidades. Levy (1997, p.33), é “um conjunto de nós ligados por
conexões. Os nós podem ser palavras, páginas, ima-
A partir da afirmação de Fausto Neto (apud GAR- gens, gráficos ou partes de gráficos, sequencias sono-
CIA, 2011) de que a midiatização manifesta-se no mo- ras, documentos complexos que podem ser eles mes-
mento em que surgem novas formas de fazer, de per- mos hipertextos.”
ceber e de apropriar-se dos produtos midiáticos, isto O alcance e as possibilidades do hipertexto podem
é, quando as práticas sociais são afetadas pela lógica ir além da imaginação humana: “Navegar em um hiper-
midiática, podemos afirmar que os livros digitais estão texto significa, portanto desenhar um percurso em uma
incluídos no processo de midiatização, pois os livros di- rede que pode ser tão complicada quanto possível. Por-
gitais trazem uma nova experiência para a leitura e o que cada nó pode, por sua vez, conter uma rede inteira.”
livro em si, baseada não só nas inovações tecnológicas - (LEVY, 1997, p.33).
aqui representadas pelos eReaders e outros dispositivos Entretanto, essas possibilidades esbarram no atu-
eletrônicos compatíveis, além dos formatos de publica- al modelo de negócio utilizado pelas editoras e livrarias
ção que vem ganhando novos recursos e encriptações que exploram a venda de livros digitais, conseqüente das
-, como também nas questões mercadológicas, quem ações anti-pirataria impostas pelo mercado. Aqui encon-
impõem barreiras visando combater a pirataria e au- tramos uma situação de incongruência protagonizada pe-
mentar seus lucros. los fatores mercadológicos e tecnológicos da midiatiza-
O cenário de conflito provocado pela tecnologia e ção, que por fim acaba prejudicando os usuários, atores
o mercado, ocorre ao mesmo tempo em que os usuários que movem o fator humanológico.

Capa Sumário eLivre


O livro digital e suas múltiplas perspectivas - Marcos Nicolau (Org.) 41
Por se tratar de um processo complexo, a midiati- do compartilhamento de ideias e opiniões através das tec-
zação apresenta-se, portanto, alimentada por “agentes”, nomediações, além de sustentar-se em Sodré (2006) ao
aqui denominadas como “fatores”: afirmar que a virtualização das relações humanas presen-
te em determinadas pautas individuais de conduta base-
Existem inúmeros fatores atuantes na cibercultura, ca- adas nas tecnologias da comunicação, é um dos aspectos
pazes de provocar fenômenos comunicacionais os mais
que confirma a hipótese de que a sociedade contemporâ-
diversos e que vêm sendo apontados por muitos auto-
res, como responsáveis por novas ordens sociais que
nea rege-se pela midiatização, processo muito diferente
deflagram a midiatização. Flores e Barrichello (2009) da mediação por este ter um caráter meramente relacio-
afirmam que, além da tecnologia, outro fator decisivo nal, embora consolidado socialmente.
para que a ordem social e o modelo cultural contempo- Além dos anseios de compartilhar suas idéias e opi-
râneo alcancem a feitura atual diz respeito à localização
niões fazendo uso das tecnomediações, também podemos
da mídia no centro da sociedade, bem como à expan-
destacar como um dos componentes do fator humanoló-
são de suas lógicas para outros campos sociais. Para
essas autoras, também baseadas nos estudos de Sodré gico da midiatização - no que tange a questão dos livros
(2006) e Fausto Neto (2006), a midiatização é um pro- digitais - , a necessidade de portabilidade, pois um único
cesso relacional resultante de fatores que interferem dispositivo eletrônico pode armazenar milhares de livros.
nas realidades de origem, sendo configurados de acor-
Também podemos destacar o interesse dos usuários
do com as lógicas das mídias. (NICOLAU, 2012, p.2)
de acompanharem as tendências tecnológicas e podemos
citar como exemplo os produtos da Apple, que viraram
Existem diversos fatores que influenciam na mi-
uma tendência e hoje atrai uma legião de fiéis usuários
diatização, entretanto, tomaremos aqui os três fatores
que cresce a cada dia.
apresentados por Nicolau (2012) – Humanológico, Tec-
A questão já abordada anteriormente da “auto-pu-
nológico e Mercadológico – e suas respectivas ações,
blicação” também pode ser considerada: agora os autores
influências e consequências no contexto do mercado
não precisam mais de gráficas ou assinar contratos com
editorial digital. editoras para terem seus livros produzidos, publicados e
vendidos, e isso sem dúvida representa uma alteração
Fatores humanológicos no modelo de produção e comércio de livros, que agora
pode ser feito totalmente online. “A nossa necessidade
Segundo Nicolau (2012), o fator humanológico se premente de participar desta esfera existencial de com-
baseia no desejo latente de participação cultural a partir

Capa Sumário eLivre


O livro digital e suas múltiplas perspectivas - Marcos Nicolau (Org.) 43
partilhamentos, baseada nos aparatos tecnológicos e mo- do ações danosas, como a pirataria, que gera incalculá-
vida pelos impulsos mercadológicos, reforçam a grande veis prejuízos ao mercado. Percebe-se então a forte rela-
influência do fator humanológico no processo social da ção, tanto positiva quanto negativa, do fator tecnológico
midiatização.” (NICOLAU, 2012, p. 4) e como as funções pensadas a priori para os produtos
No que tange a experiência de ler livros em dis- tecnológicos podem ganhar outros usos, atrapalhando a
positivos eletrônicos e quais seriam as motivações que própria indústria e o mercado.
estruturam o fator humanológico, podemos considerar
a seguinte afirmação de Levy (1996, p.40): “A digita- Os aparatos tecnológicos produzidos pela indústria,
lização e as novas formas de apresentação do texto só disponibilizados aos milhões e com alcance global,
nos interessam porque dão acesso a outras maneiras de chegam às mãos das pessoas e ganham vida própria.
São transformados, manipulados, adaptados para que
ler e de compreender”
possam cumprir funções, muitas vezes, diferentes para
Temos, portanto, uma relevante quantidade fatores as quais foram criados. No âmbito do cenário mundial
humanológicos, constituído de interesses e transforma- de tecnologia, instaura-se a computação pervasiva que
ções sociais que hoje movimentam e participam do pro- permeia toda a vida social do planeta em suas distin-
cesso de midiatização. tas sociedades; instaura-se a ubiquidade da comuni-
cação, sem fronteiras de idiomas, raças ou crenças.
(NICOLAU, 2012, p.5)
Fatores tecnológicos

Destacamos o fator tecnológico por este exercer O fator tecnológico apresenta, portanto, uma con-
uma função de destaque no processo de midiatização, traditória relação do fator tecnológico com os outros fa-
atuando em constante relação com os fatores humanoló- tores do processo de midiatização aqui destacados e que
gicos e mercadológicos – que serão conceituados e exem- serão discutidos detalhadamente mais adiante.
plificados na sequência do presente artigo -, embora essa
relação não se configure de forma harmônica.
A indústria é quem movimenta este fator, produzin-
do os aparatos tecnológicos necessários para a realização
das tecnomediações. Entretanto, esta mesma indústria
produz softwares e hardwares que acabam possibilitan-

Capa Sumário eLivre


O livro digital e suas múltiplas perspectivas - Marcos Nicolau (Org.) 45
Fatores mercadológicos o crescimento deste produto, sobretudo no Brasil, onde
as editoras ainda se mostram inseguras neste mercado,
Este fator apresenta importante participação no lançando poucos livros em formato eletrônico e aplicando
processo de midiatização no contexto dos livros digitais, preços semelhantes aos praticados nos livros impressos.
uma vez que, as movimentações do fator tecnológico são O fator mercadológico se apresenta, portanto, como
decorrentes das demandas do fator mercadológico. um fator decisivo para a midiatização, pois não só age
A partir disto, podemos afirmar que o fator tecno- na busca de atender aos anseios do fator humanológi-
lógico é uma consequência do fator mercadológico, e que co, como também entra em conflito com este mesmo fa-
este, por sua vez, atende aos anseios explicitados no fator tor e com o fator tecnológico a partir do momento em
humanológico. Temos agora, uma nítida demonstração de que começa a impor barreiras e dificuldades comerciais.
que os fatores da midiatização atuam em uma relação de Tais ações, caso ocorram de modo brusco e duradouro,
constante interdependência, a qual iremos aprofundar no pode gerar consequências graves, como o desinteresse
decorrer deste artigo. dos usuários (fator humanológico) em seguir usando tal
As afirmações de Nicolau (2012, p.5) reforçam esta tecnologia, o que afetaria a indústria (fator tecnológico) e
ideia, além de chamar atenção para questão dos direitos o próprio mercado (fator mercadológico).
autorais, presentes em todos os ramos do mercado das
mídias digitais, inclusive dos eBooks: Os fatores da midiatização no mercado dos eBooks:
uma relação de interdependência
O fator mercadológico é determinante para que sejam
desenvolvidas as bases inovadoras das tecnologias da
Após apresentar os três fatores da midiatização es-
informação e da comunicação, proporcionando a produ-
colhidos para serem abordados neste artigo, podemos
ção dos aparatos técnicos capazes de atender as neces-
sidades comunicacionais. Mas é também no cerne deste agora aprofundar no objetivo principal, que é expor a re-
fator que tem havido os mais acirrados embates entre lação de interdependência existente entre estes fatores,
os que defendem o controle sobre os direitos autorais e elencando um fator ao outro.
os que pregam a pirataria como uma prática natural na
Essa relação interdependente apresenta-se como
internet, por exemplo.
uma espécie de “ciclo” contínuo, onde as ações de um fa-
tor acabam por influenciar nas ações praticadas e sofridas
No mercado dos livros digitais, os fatores mercado-
pelos outros fatores. Podemos elencar diversas situações
lógicos tem se apresentado como o maior empecilho para

Capa Sumário eLivre


O livro digital e suas múltiplas perspectivas - Marcos Nicolau (Org.) 47
onde os fatores atuam de forma harmônica ou contradi- Voltando ao princípio de que o fator humanológico tem
tória, porém, para o presente estudo, exemplificaremos como base as vontades humanas mais intrínsecas de
usar os aparatos tecnológicos para relacionamento, par-
apenas alguns casos.
ticipação, opinião, compartilhamento é de se compreen-
Tomando por base o já mencionado desejo dos der que este se articula com o fator tecnológico e entra
usuários de estarem sempre compartilhando informa- em conflito com o fator mercadológico, estabelecendo
ções, opiniões, ideias e conteúdos – caracterizando, uma negociação constante.
portanto, o fator humanológico -, temos por conse-
quência a ação do fator mercadológico, representado A figura a seguir exemplificará as relações expos-
pelo interesse das empresas de venderem produtos que tas no presente artigo para uma melhor compreensão
atendam a essa demanda, buscando obter o maior lucro do estudo.
possível. Nesse momento, a indústria produz os apara-
tos tecnológicos necessários para que o mercado aten- Figura 1 – O ciclo contínuo da relação interdependente

da às necessidades humanas. entre os fatores da midiatização


Até então, podemos visualizar uma relação de in-
terdependência entre os fatores da midiatização, mas que
ocorre sem conflitos entre as partes. Entretanto, a partir do
momento em que o fator humanológico desperte interesses
que busquem maior autonomia no uso dos produtos, como
o compartilhamento livre de conteúdos, o que ameaça os
lucros do mercado e gera os primeiros conflitos e contra-
dições dos fatores da midiatização. Vale ressaltar, que os
produtos tecnológicos quase sempre permitem brechas –
intencionais ou não -, para a pirataria e o livre comparti-
lhamento, que prejudicam o mercado e a própria indústria.
Quando os anseios dos fatores humanológicos não
são atendidos, não temos apenas um conflito mercadoló-
gico x tecnológico, mas também humanológico x merca-
dológico, conforme afirma Nicolau (2012, p.5): Fonte: o autor

Capa Sumário eLivre


O livro digital e suas múltiplas perspectivas - Marcos Nicolau (Org.) 49
No contexto do mercado dos livros digitais, temos Considerações finais
como principal entrave para o crescimento deste produto,
protagonizado pelo fator mercadológico, motivado pela O processo de midiatização alterou de várias formas
questão dos Direitos Autorais. as relações não apenas sociais, mas também mercadoló-
Os leitores de livros digitais não têm a mesma gicas, e tal processo é decorrente da influência dos fato-
“liberdade” que um leitor de livro impresso, capaz de res da midiatização apresentados neste artigo.
emprestar ou tirar cópias sempre que quiser, ou seja, o O livro digital apresenta-se como um produto de
adepto dos eBooks parece não ter a mesma autonomia forte potencial mercadológico, bem como cultural e edu-
sobre sua propriedade se comparado a um leitor de li- cativo, pois permite um alcance inestimável após ser lan-
vros impressos, gerando um descontentamento e uma çado na rede mundial de computadores. Esse alcance, que
pressão sobre as empresas, que, por sua vez, impõem pode representar a difusão de conhecimento é o mesmo
táticas para impedir o livre compartilhamento e pirataria, alcance que preocupa as editoras, ameaçadas pela pirata-
a fim de evitar prejuízos. ria, cuja prática reduz seus lucros.
Nos EUA e em alguns países europeus, o eBook já
Esse caso reforça a ideia de que as relações de in-
atinge bons números de vendas e aceitação, enquanto
terdependência dos fatores da midiatização se constro-
que, no mercado brasileiro, o livro digital ainda dá seus
em tanto de formas positivas e complementativas quan-
primeiros passos e as razões para esse “atraso” são vá-
to de formas negativas e conflituosas.
rias, como a resistência das editoras em apostar neste
Certamente, existem outros tantos casos que po-
mercado, a falta de mão-de-obra especializada na produ-
dem ser explorados nesta perspectiva, mas que serão
ção de eBooks em formato ePub, a oferta de e-Readers
tratados neste artigo. Algumas poucas transformações e
com preço acessível e indisponibilidade de títulos em por-
novidades vêm acontecendo no mercado de livros digi-
tuguês a preço competitivo.
tais, principalmente no Brasil, e que merecem atenção,
Os fatores da midiatização atuam de forma con-
pois podem significar o surgimento de novas formas de
junta e interdependente: tanto pode se apresentar de
relacionamento entre os fatores da midiatização e que
forma harmônica, em que se complementam e benefi-
deverão ser estudadas futuramente. ciam umas as outras, como também em situações de
conflito, quando os interesses de um ou mais fatores
são contrariados por outro.

Capa Sumário eLivre


O livro digital e suas múltiplas perspectivas - Marcos Nicolau (Org.) 51
De acordo com Garcia (2011), temos a interativida- Referências
de como principal ferramenta da comunicação no processo
midiatizado, isto é, existe a efervescência desse modelo GARCIA, Adriana Domingues. Nem tudo é midiatização: como
entender, ver e analisar a complexidade dos processos comu-
comunicacional participativo, colaborativo e convidativo.
nicacionais sem banalizar. In: Emancipação, Ponta Grossa,
O livro digital apresenta essas características, pois é ca- 11(2): 215-224, 2011. Disponível em <http://www.revistas2.
paz de permitir aos leitores uma troca de conteúdos e, in- uepg.br/index.php/emancipacao/article/viewArticle/1757>.
Acesso em: 20 de nov. 2012.
clusive, de opiniões a partir de softwares e aplicativos que
dispõem de recursos como: inserir comentários e marca- FAUSTO NETO, Antônio. Midiatização, prática social - prática
de sentido. In: Encontro da Rede Prosul: Comunicação, So-
ções no texto, para ser compartilhado e alterado de forma ciedade e Sentido. 2005, São Leopoldo. Anais... São Leopoldo:
cooperativa entre vários usuários. UNISINOS, 2006.
Nitidamente, existe um impasse, no qual, tanto o HORIE, Ricardo Minoru. Coleção eBooks – Volume 1: Arte-
total controle dos livros digitais por parte das editoras, -finalização e conversão para livros eletrônicos nos formatos
ePub, Mobi e PDF. São Paulo: Bytes & Types, 2011.
quanto à liberação exacerbada desses conteúdos para
os leitores, são atitudes extremas e que sugerem a ne- LÉVY, Pierre. As tecnologias da inteligência: o futuro do
pensamento na era da informática. São Paulo: Ed. 34, 1997.
cessidade de se encontrar um meio-termo que atenda
______. O que é virtual. São Paulo: Ed. 34, 1996.
ao interesse de todas as partes, gerando assim um mo-
NICOLAU, M. “Menos Luiza que está no Canadá” e o fator hu-
delo de negócio atraente do ponto de vista econômico,
manológico da midiatização. In: Revista Culturas Midiáti-
mas também garantindo a autonomia dos leitores de cas, João Pessoa, ano 5, n. 8, jan./jul. 2012. p. 1-12. Disponí-
livros digitais. vel em: <http://www.cchla.ufpb.br/ppgc/smartgc/uploads/arq
uivos/907aad9df920120611090301.pdf>. Acesso em: 20 nov.
Portanto, temos no livro digital um exemplo de
2012.
como os fatores da midiatização se relacionam de forma
SGORLA, Fabiane. Discutindo o processo de midiatização. In:
interdependente, expondo os anseios dos usuários e os Mediação. Belo Horizonte, v. 9, n. 8, jan./jun. 2009. Disponível
conflitos gerados pelas divergências de interesses entre em: <http://www.fumec.br/revistas/index.php/mediacao/arti-
cle/view/285/282>. Acesso em: 21 de nov. 2012
estes fatores - e é isso que contribui para uma situação
de constante negociação que pode vir a beneficiar toda SODRÉ, Muniz. Eticidade, campo comunicacional e midiatiza-
ção. In: MORAES, Dênis de (Org.). Sociedade midiatizada.
a sociedade. Rio de Janeiro: Mauad, 2006. Disponível em: <http://www.
scribd.com/doc/23350785/Eticidade-Campo-Comunicacional-
-e-Midiatizacao-Muniz-Sodre>. Acesso em: 22 de nov. 2012.

Capa Sumário eLivre


O livro digital e suas múltiplas perspectivas - Marcos Nicolau (Org.) 53
direcionar o artigo para um pertinente enfoque na atual
situação de produção e editoração dos livros digitais neste
Estado nordestino.

LIVROS DIGITAIS NO MEIO Palavras-chave: Ebooks. Editoração. Mídias digitais.


EDITORIAL PARAIBANO1 Paraíba.

Marriett ALBUQUERQUE2
Introdução

Resumo Quem nunca ouviu a expressão “não julgar um livro


pela capa”? Com as plataformas digitais cada vez mais po-
O presente artigo tem como objetivo expor uma breve sín- pulares hoje em dia, é provável que nos deparemos com
tese sobre a trajetória dos livros eletrônicos, os ebooks, uma derivação, “não julgar um livro pelo seu formato”.
sua atual posição no mercado da editoração mundial e Primeiro em rolos, depois a utilização de folhas de
sua importância na área de pesquisa acadêmica na Para- pergaminho encadernadas. Com a introdução do papel
íba. Foram utilizados dados coletados sobre as novidades (inventado em 105 d.C. pelo chinês Cai Lun) na Europa,
em todos os setores envolvidos no mercado, da produ- graças à vitória dos árabes sobre os chineses na batalha
ção editorial dos livros à fabricação dos leitores digitais. de Talas em 751 d.C. que permitiu a captura de artesãos
Além dessa coleta, foram usadas, como base para este que iniciaram a produção de papel em Bagdá cerca de 40
artigo, entrevistas feitas com professores da Universidade anos após o episódio.
Federal da Paraíba (UFPB) diretamente envolvidos nesse
campo de estudo e produção, bem como, com o diretor de Uma importante inovação, para a palavra escrita, foi a de
substituir o rolo de papiros ou de pergaminho pela enca-
uma editoras paraibanas que já começa a se familiarizar
dernação de folhas de pergaminho, de tamanho regular,
com o formato (Editora Ideia). Esse apanhado permitiu
sob forma de livro, permitindo que se escrevesse nos dois
lados da folha. O difícil processo de ler, mediante o gra-
1
Artigo originalmente publicado no XIV Congresso de Ciência da Co-
municação na Região Nordeste - Intercom. Recife, 2012.
dual desenrolar de papiros ou pergaminhos, ficou substi-
2
Graduanda em Comunicação em Mídias Digitais pela UFPB. Integran- tuído pelo fácil manuseio de um texto escrito em folhas
te do projeto Para Ler o Digital. Email: kmd.albuquerque@gmail.com costuradas por sua margem esquerda, ou direita, para

Capa Sumário eLivre


O livro digital e suas múltiplas perspectivas - Marcos Nicolau (Org.) 55
certas grafias, graças ao sistema de códex, inventado pe- A reconfiguração do livro para o formato eletrônico não
los cristãos no século IV d.C.. (JAGUARIBE, 1999, p. 24) significa apenas uma nova forma de fazer livro, publica-
do agora em uma mídia digital, mas também significa
que o ato da leitura também sofrerá transformações de-
O movimento seguinte, que permitiu a revolução
vido aos recursos e facilidades que o livro digital oferece
na forma de produzir os livros, deu-se com a invenção
aos leitores. (ALMEIDA; VIRGINIO, 2012, p.148)
dos tipos móveis de metal por Gutenberg, que possibili-
taram a reprodução de textos com velocidade e facilida- Sem dúvidas, 2011 foi o ano dos eBooks, opor-
de superior à que era feita até então. Após este grande tunidade em que houve grandes avanços, não só na
salto, as tecnologias editoriais continuam avançando até maneira de produzir esse material, mas também nas
então. A evolução é notável, não só na forma de produ- plataformas necessárias para sua leitura. Altos investi-
ção de livros, como no grande investimento em novas mentos das grandes empresas, como Samsung, Sony,
plataformas de leitura. Amazon, Apple, dentre outras, tornaram os tablets e
e-readers (leitores digitais) os mais novos objetos de
Os recursos que os eBooks oferecem, facilitam a intera-
desejo do público que está conectado às mídias digitais
ção com o conteúdo, além de permitir uma grande por-
tabilidade: um único dispositivo pode carregar milhares e à internet. Os investimentos continuam para torná-los
de títulos, e ter - através de uma conexão com Internet cada vez mais funcionais, o que, aliado à progressiva
- acesso imediato a outros milhares de títulos disponíveis baixa de preços, os tornará, aos poucos, objetos es-
gratuitamente ou a venda em sites de todo o mundo.
senciais, tal como são cada vez mais necessários hoje,
(ALMEIDA; VIRGINIO, 2012, p.148)
o telefone celular e o notebook. Com uma vantagem:
os tablets, devido às suas funcionalidades e capacidade
Hoje o mercado editorial mundial volta-se para a gran-
cada vez mais extensas e por oferecer maior liberdade
de aposta do meio tecnológico: a portabilidade. Com a re-
que o computador pessoal, estão em um meio termo
cente revolução dos tablets, os computadores portáteis que
das tecnologias citadas.
invadiram o mercado, e a acirrada disputa pela preferência
Portabilidade e praticidade são as palavras-chave
dos consumidores, as editoras encontram um mercado pro-
no mercado de tecnologias, e se 2011 foi o ano das fer-
missor cujos resultados já são visíveis. Os eBooks, os livros
ramentas da editoração digital, 2012 servirá para que
em formato digital, proporcionam uma completa reconfigu-
as expectativas em relação a esse mercado se concre-
ração dos textos para agradar os leitores dessa plataforma.
tizem de vez.

Capa Sumário eLivre


O livro digital e suas múltiplas perspectivas - Marcos Nicolau (Org.) 57
Os primeiros passos do ebook, privado e se preparam para esse futuro próximo. É o caso
sua popularização e o perfil brasileiro das editoras Gato Sabido, Saraiva e Livraria Cultura, que
começam a configurar um bom acervo de ebooks, ainda
Os ebooks começaram a ser divulgados em 1998, que uma boa parte apresente um preço consideravelmente
nos EUA, no entanto, sem grande sucesso. O primeiro elevado (tendo em conta o barateamento na produção que
destaque veio em 1999 com uma obra inédita do nove- a nova plataforma possibilita). Dá-se um grande passo em
lista estadunidense Stephen King. A decisão do autor em direção à nova realidade editorial.
colocar seu conto “Montado na bala” apenas no formato Um ponto decisivo para a consolidação dos ebooks
on line pelo custo singelo de U$2,50 acarretou um po- ainda são os tablets e e-readers. Embora estes venham
sitivo retorno: mais de 500 mil cópias vendidas em um se popularizando cada vez mais no país, ainda possuem
final de semana, mesmo depois de a obra ter sido dis- preços elevados para o padrão de vida do brasileiro. A
ponibilizada gratuitamente na internet por alguns dias situação tende a mudar com a fabricação dos aparelhos
(PROCÓPIO, 2010). em solo nacional. Isso vem sendo discutido junto ao go-
Atualmente, esse formato já supera a venda de im- verno, que demonstra interesse em apoiar projetos dessa
pressos nos Estados Unidos (em aproximadamente 5%), área, pois a questão também abrange a inclusão digital,
segundo anúncio feito no início de 2011 pela Amazon3, já trabalhada no país, além de tratar-se de um ponto que
empresa que trabalha com o comércio e produção de auxilia o desenvolvimento tecnológico. O incentivo fiscal
eletrônicos, líder de mercado nessa área editorial e que, previsto para tablets pode chegar a reduzir mais de 30%
além do vasto catálogo conta com uma linha exclusiva de dos impostos sobre o produto fabricado com pelo menos
e-readers, os aparelhos especializados para a leitura des- 20% de componentes nacionais4. Isso pode dar oportu-
te formato de livros. nidade para o Brasil seguir com um modelo democrático
No Brasil, esse nicho editorial ainda engatinha, mas de distribuição cultural e intelectual, cujo fortalecimento
começa a mostrar que temos um futuro promissor. Embora permitirá igualar-se aos países que hoje se apresentam
ainda haja resistência por parte de muitas editoras, outras firmes nessa modalidade editorial.
aproveitam tanto o apoio governamental quanto o interesse

3
Noticia de O Estado de S. Paulo, versão eletrônica, em 20 de maio
de 2011, no link http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,na- 4
http://g1.globo.com/economia/noticia/2011/05/brasil-ficou-atraen-
-amazon-ebook-vende-mais-que-livro-de-papel,721630,0.htm Aces- te-para-fabricacao-de-tablets-diz-ministro-da-fazenda.html Acesso
so em 22/05/2011. em 15/12/2011.

Capa Sumário eLivre


O livro digital e suas múltiplas perspectivas - Marcos Nicolau (Org.) 59
O objeto de estudo de pesquisadores paraibanos livro. Os amantes do impresso ainda relutam em reco-
nhecê-lo como livro no formato digital e mais ainda em
A Paraíba vai aos poucos despertando para esse aderir a esse tipo de leitura. Sobre isso, Henrique Ma-
mercado, e mostra interesse na área principalmente para galhães assinala também a facilidade do impresso devi-
divulgação junto ao público acadêmico, por se tratar de do sua independência da mídia eletrônica, mas é positivo
um meio onde a relação diária com as plataformas digitais em relação aos tabletes, que avançam para promover a
é mais comum. A informação é de Henrique Magalhães5, mobilidade conforme haja melhorias na longevidade das
professor e pesquisador da Universidade Federal da Paraí- baterias e implementação da hipermídia. Ele frisa: “Ainda
ba (UFPB) e diretor da Editora Marca de Fantasia, um selo temos no Brasil um público conservador, saudosista, ro-
independente e artesanal criado em 1995, com enfoque mântico, que resiste a abrir mão da materialidade do livro
em obras do meio acadêmico e da cultura alternativa. impresso.” Apesar dessa postura ainda enraizada no leitor,
A relação da Editora citada (que age como projeto há a tentativa de superar esses obstáculos por meio das
de extensão universitária) com os livros digitais começou ferramentas proporcionadas pela própria tecnologia e que
em 2009 com o livro Discurso, poder e subjetivação: podem ajudar a aliviar esse estranhamento.
uma discussão foucaultiana, de J. J. Domingos. Desde en-
tão a produção editorial de ebooks passou a fazer parte No caso do livro digital, são criados documentos que si-
mulam visualmente o “passar” de páginas, acompanha-
do seu conceito, que mostra a preocupação com a adap-
do do ruído emitido pelo movimento do papel. É como se
tação das obras para o meio digital, o que as torna mais
o objetivo dessa estratégia de contato fosse recuperar e
atrativas e de fácil leitura. Hoje, não basta fazer apenas renovar o “contato”, a “confiança” que já está na memó-
um pdf da versão impressa do livro, a obra tem que ser ria afetiva do leitor, remetendo às características do livro
repensada para a plataforma digital, e os recursos exis- impresso como um lugar reconhecido, do qual se poderia
partir com segurança para novas práticas de leitura. (LA-
tentes (como maior uso de cores, hiperlinks que facilitem
CERDA; MACEDO, p.48-49, 2011)
a navegação interna e o uso livre do espaço disponível)
tem que ser explorados ao máximo.
Na UFPB existe ainda um projeto liderado pelo pro-
Em contrapartida, os ebooks ainda sofrem bastan-
fessor Marcos Nicolau (co-fundador da Editora Ideia, em
te preconceito a respeito da sua categorização enquanto
1989), que é totalmente voltado ao estudo do mercado
5
Em entrevista concedida para auxiliar nesta pesquisa, em setembro editorial digital e à experimentação de modelos editoriais
de 2011, o professor dividiu algumas de suas ideias a respeito da
área de editoração digital. que se encaixem neste novo segmento.

Capa Sumário eLivre


O livro digital e suas múltiplas perspectivas - Marcos Nicolau (Org.) 61
O projeto Para ler o digital existe desde 2010 e já favor da implantação8, e afirma que uma negociação está
ganhou um prêmio EXPOCOM, do INTERCOM6 pelos resul- em andamento com a ebrary Academic Complete9, e com
tados obtidos, e tem recebido críticas positivas por parte a concretização desse projeto, a UFPB poderá tornar-se a
dos usuários que tiveram acesso às obras. Além de fazer pioneira no Nordeste a adquirir esse sistema.
esse estudo, um dos principais objetivos do professor Ni-
colau7 com o projeto é preparar os estudantes para esse Editoração digital e o mercado estadual
novo mercado editorial, dando-lhes as ferramentas ne-
cessárias para que eles façam este segmento progredir. Para além do âmbito acadêmico, uma empresa de
Marcos Nicolau atua na área de editoração de livros mercado que está aos poucos sendo inserida no meio digi-
desde 1978. Com o surgimento do curso de Comunicação tal é a Editora Ideia. Apesar de ter uma postura tradicional
e Mídias Digitais na UFPB, em 2010 e seu trabalho em quanto aos seus títulos, mostra-se positiva em relação ao
conjunto com a Editora Marca de Fantasia encontrou o novo modelo. Alguns livros que recebem seu selo ganha-
apoio necessário para fundar o projeto. ram recentemente uma edição digital: obras do professor
A Paraíba, sem dúvidas, sempre foi uma fonte de Marcos Nicolau, que as aproveitou como material de es-
material intelectual e cultural. A era digital é o grande tudo do projeto sobre a reconfiguração do livro na UFPB.
trunfo para a exposição e disseminação dessas habilida- Essas novas versões tornaram possível a contínua distri-
des, como ressaltou o professor Nicolau nessa discussão: buição destas obras, agora para um número ilimitado de
“Sempre tivemos aqui grandes valores artísticos, culturais pessoas, facilitando até mesmo seu uso como material
e até mesmo científicos, que podem ser mostrados para didático para o curso de Comunicação em Mídias Digitais.
todas as demais culturas do mundo”. A Editora Ideia tem 22 anos de mercado e trabalha
Falta ainda na UFPB um apoio mais concreto a fim não só com público acadêmico, mas também com os mais
de proporcionar aos seus estudantes e pesquisadores esse diversos segmentos. A visão de Magno Nicolau10, um dos
acesso dinâmico à informação. A Biblioteca Central da Uni-
8
As informações foram cedidas pela atual diretora Sônia Suely Araújo
versidade não conta com nenhum plano que forneça esse
Pessoa, que também foi procurada durante a etapa de pesquisa.
tipo de serviço. Mas a diretora Suely Pessoa mostra-se a 9
Trata-se de uma biblioteca virtual com acervo superior a 76.000
obras de mais de 400 editoras espalhadas pelo mundo. Seus serviços
6
Edição regional do congresso nacional voltado à área de pesquisa garantem acesso ilimitado aos títulos. Dados coletados na página ofi-
em comunicação. cial da empresa: http://www.ebrary.com/corp/index.jsp
7
O professor Nicolau também participou da etapa de coleta de dados, 10
Com a entrevista do diretor da Ideia, fechamos as fontes diretas de
respondendo a algumas questões em entrevista. pesquisa envolvidas na produção do artigo.

Capa Sumário eLivre


O livro digital e suas múltiplas perspectivas - Marcos Nicolau (Org.) 63
fundadores do selo e que está atualmente à frente da Edi- informações provenientes desses ebooks compartilhados.
tora, é a de que: “O mundo ainda tem um longo percurso Com os experimentos que veem sendo feitos na Pa-
para o meio digital. Estamos de olho no futuro, mas a lon- raíba, tanto autores, quanto profissionais de editoração e
go prazo, assim como as grandes editoras.” Ou seja, aos editores estão sendo beneficiados, numa área em franca
olhos da editora, o livro impresso não está ameaçado pelo expansão e com muitas novidades ainda a oferecer. Isso
digital como muitos acreditam, mas os devidos cuidados porque, o mercado editorial não é mais uma primazia dos
em relação ao futuro precisam ser tomados, mesmo que grandes centros do país e suas portentosas editoras. O
aos poucos, já que há a necessidade de se pensar nesse advento da internet e a revolucionária tecnologia das mí-
novo modelo para não se tornar obsoleto. dias digitais interativas ampliou de forma imensurável as
possibilidades dessa área.
Conclusão Pelo visto, há espaço de mercado suficiente para
gerar novos modelos de negócios editoriais, assim como
O ebook não é outro produto que não um livro, o há espaço para o compartilhamento e a democratização
que muda entre ele e o impresso é a plataforma na qual do conhecimento, esse patrimônio universal que tem no
está inserido. Esse produto não veio para competir e tentar livro sem principal mensageiro.
extinguir o livro tradicional, mas para dar alternativas aos
leitores que precisam carregar consigo uma grande quan-
tidade de material e que veem na prática digital a opção Referências
mais viável para atender às suas necessidades diárias.
Um dos aspectos principais desse novo mercado é JAGUARIBE, Hélio. O significado do papel para a cultura. In:
DOCTORS, M. (Org.); A cultura do papel. Rio de Janeiro:
a democratização do acesso às obras: nesse contexto é
Casa da Palavra, 1999.
possível que os livros comerciais coexistam com as produ-
MCLUHAN, Marshall. A galáxia de Gutenberg: a formação
ções avulsas a serem disponibilizadas gratuitamente. Os do homem tipográfico. São Paulo: Editora Nacional, Editora da
autores anônimos, que jamais teriam suas obras comercia- USP, 1972.
lizadas, podem agora criar e compartilhar seus trabalhos li- PROCÓPIO, Ednei. O livro na era digital: o mercado editorial
terários diretamente com as pessoas interessadas, a custo e as mídias digitais. São Paulo: Giz Editorial, 2010.
zero. Por sua vez, aqueles que jamais teriam condições de LACERDA, Luciano; MACEDO, Helton. O vazio da estante: o
comprar livros a preço de mercado, passam a ter acesso às acesso ao livro digital sob a perspectiva das suas dimensões
política e cultural. In: Revista Comunicação Midiática, v.6,

Capa Sumário eLivre


O livro digital e suas múltiplas perspectivas - Marcos Nicolau (Org.) 65
n.1, jan./abr. P 44, 2011.
ALMEIDA, Filipe; VIRGINIO, Rennam. Do códice ao leitor di-
gital: a reconfiguração do livro na cibercultura. In: NICOLAU,
Marcos. (Org.); Reconfiguração das práticas midiáticas na
cibercultura. João Pessoa: Marca de Fantasia, 2012.
A RECONFIGURAÇÃO DO LIVRO DIDÁTICO
EM VERSÃO DIGITAL:
Sites UMA IDEIA DE SUSTENTABILIDADE1

http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,na-amazon-
-ebook-vende-mais-que-livro-de-papel,721630,0.htm Filipe ALMEIDA2

http://g1.globo.com/economia/noticia/2011/05/brasil-fi-
cou-atraente-para-fabricacao-de-tablets-diz-ministro-da-fa-
zenda.html Resumo
http://www.ebrary.com/corp/index.jsp
A mesma portabilidade que originou o livro impresso tam-
bém está presente no livro digital, com uma grande di-
ferença: ao invés de um, o leitor digital carrega consigo
dezenas ou centenas de livros no mesmo suporte do ta-
manho de um livro tradicional. É no contexto dessa inova-
ção tecnológica que se vislumbra uma nova era para o li-
vro didático, reconfigurando uma prática educacional que
poderá contribuir com a inclusão digital e com um modelo
de sustentabilidade para a indústria editorial brasileira.
Procuramos demonstrar neste artigo, porém, que, no viés

1
Trabalho apresentado na Divisão Temática Comunicação Multimídia,
da Intercom Júnior – VII Jornada de Iniciação Científica em Comuni-
cação, evento componente do XXXV Congresso Brasileiro de Ciências
da Comunicação
2
Graduando em Comunicação em Mídias Digitais pela UFPB. Inte-
grante do Projeto Para Ler o Digital. Email: filipekjp@gmail.com

Capa Sumário eLivre


O livro digital e suas múltiplas perspectivas - Marcos Nicolau (Org.) 67
de novos hábitos de leitura e acesso ao conhecimento pro- a cada 100 livros impressos vendidos, a empresa vendia
vocado pelo livro digital, bem como de sustentabilidade, 205 eBooks3 - o nome mercadológico do livro digital.
há entraves ainda por superar, como, por exemplo, o atual Entrando na área de livros didáticos convencionais,
modelo de negócio do livro didático impresso que deverá por fazer parte do mesmo processo do livro impresso,
atrasar uma aceitação imediata do livro didático digital no constatou-se necessidades semelhantes. No caso dos li-
mercado editorial. vros educacionais, há um problema maior, pois eles ser-
vem de base para o aprendizado das crianças e adoles-
Palavras-chave: Livro digital. Livro didático. Mercado centes nos diversos níveis escolares. Com o avanço da
editorial. Sustentabilidade. tecnologia, observa-se cada vez menos crianças entreti-
das com o estudo, e os aplicativos encontrados nos dis-
positivos eletrônicos são muito mais atrativos e divertidos
Introdução do que o conteúdo dos livros tradicionais.
Outro fator essencial para esta reconfiguração é a
Cerca de quinhentos anos após o desenvolvimento sustentabilidade. A produção do livro impresso demanda
da prensa tipográfica por Gutenberg, é dado o pontapé uma série de recursos naturais, tanto em sua fabricação
inicial para a disseminação do livro digital, por meio do quanto no transporte. Com os dispositivos de leitura, tem-
Projeto Gutenberg, criado pelo americano Michael Hart. -se uma diminuição considerável no uso de matérias pri-
Os dois marcos não estão interligados apenas pelo nome mas do meio ambiente, além de uma redução imensa do
do inventor alemão, o conceito de portabilidade já exis- espaço físico necessário para o armazenamento dos livros.
tente no surgimento do impresso é o mesmo que permeia Pretendemos mostrar neste artigo as vantagens da
o livro eletrônico. utilização do livro digital como uma forma de reconfigu-
O livro digital surgiu em decorrência do grande nú- rar o livro didático para atender às necessidades tecno-
mero de novos aparatos tecnológicos que aparecem atu- lógicas e sustentáveis da sociedade atual. Mas, também,
almente e com frequência no mercado. Com isso, também as dificuldades que esse modelo enfrentará para ser im-
surgiu a necessidade de novas experiências de leitura, in- plantado satisfatoriamente.
teratividade e portabilidade. Como exemplo dessa atual
expansão, no início de 2011, a Amazon comunicou que 3
Disponível em: http://revistaepoca.globo.com/Revista/
estava vendendo mais livros digitais do que em papel, pois Epoca/0,,EMI234832-15224,00-AMAZON+VENDE+MAIS+LIVROS+
DIGITAIS+QUE+LIVROS+DE+PAPEL.html. Acesso em: 20/04/2012.

Capa Sumário eLivre


O livro digital e suas múltiplas perspectivas - Marcos Nicolau (Org.) 69
Livros digitais: surgimento e conceituação de se poder realizar leituras de diversos livros em um
único dispositivo. Além da economia de espaço físico, os
O processo histórico do livro surge com a inven- livros digitais possibilitam a preservação de uma obra
ção da escrita pelos sumérios, que foi impulsionada pelo sem que haja perda de conteúdo, degradação das fo-
sistema fonético grego, fazendo com que a mesma fosse lhas, ou ainda o odor de mofo daqueles que passam
propagada por vários povos do planeta. Até se chegar aos anos sem ser consultados.
suportes de leitura que se conhece hoje (livro, computa- O pontapé inicial para a disseminação dos livros
dor, smartphone, tablet), um longo caminho foi percorrido digitais foi dado pelo americano Michael Hart. Em 1971,
e diversos elementos da natureza foram utilizados como ele criou o Projeto Gutenberg, responsável por arquivar
base para a escrita. obras culturais por meio de digitalização de livros, em
No século XV, Johannes Gutenberg desenvolveu a sua maioria, em domínio público. A Declaração de Inde-
prensa tipográfica, fazendo com que o livro se transfor- pendência dos Estados Unidos foi a primeira obra a ser
masse num produto portátil, tornando-o acessível a uma
disponibilizada gratuitamente de forma eletrônica pelo
parcela maior da sociedade. De acordo com McLuhan
projeto. Antes disso, em 1945, Vannevar Bush escreveu
(1972):
um artigo para o periódico The Atlantic Monthly, intitu-
lado “As we may think”. Neste artigo, Bush idealizou o
Esse desejo muito natural de se ter facilmente livros
à disposição, e livros de formato cômodo e portáteis, primeiro protótipo de uma máquina de leitura, chamado
acompanhou passo a passo a crescente rapidez da lei- de MEMEX (MEMory EXtesion), algo que ele conside-
tura, que se tornara possível com a impressão do texto rava ser a biblioteca universal do futuro. Com base na
em tipos uniformes e móveis, em contraste com a leitu-
ideia de Bush, em 1998, empresas da indústria editorial
ra mais dificultosa dos manuscritos. Este mesmo movi-
mento pela acessibilidade e caráter portátil do livro criou lançaram dois leitores portáteis, o SoftBook Reader e o
públicos e mercados cada vez maiores, os quais eram Rocket eBook, com capacidade para armazenar cerca
indispensáveis ao sucesso de todo o empreendimento de cinco mil páginas de livros.
gutenberguiano (MCLUHAN, 1972, p.281).

Atualmente, podemos atribuir o surgimento dos


livros digitais, movido por um mercado editorial conso-
lidado, à necessidade de portabilidade, à comodidade

Capa Sumário eLivre


O livro digital e suas múltiplas perspectivas - Marcos Nicolau (Org.) 71
Figura 1 – Esboço do MEMEX. A reconfiguração do livro didático
e o atual Modelo de negócio

Para se entender a necessidade de reconfiguração


do livro didático, devemos observar o conceito dessa ca-
tegoria de livros, estabelecido por MELLO (1999): “É o
livro de uso individual do aluno, em geral “indicado” ou
“adotado” pelo professor. Dessa forma, especialmente no
Brasil, o mais comum é que todos os alunos de uma mes-
Fonte: <http://u-tx.net/ccritics/as-we-may-think.html> ma turma ou classe usem um mesmo livro” 4.
O Brasil é um dos oito países que mais consomem
Segundo Horie (2011), um livro eletrônico ou digital, livros no mundo. Em 2006, foram 310 milhões de livros
também conhecido como eBook, é uma versão digital de vendidos, sendo 60% de livros didáticos (PROCÓPIO,
um livro que pode ser lido em computadores ou em apa- 2010). De acordo com a FNDE (Fundação Nacional de De-
relhos portáteis. O eBook possibilita ao leitor diversas fun- senvolvimento da Educação), o orçamento do PNLD (Pro-
cionalidades como marcadores de páginas, bloco de ano- grama Nacional do Livro Didático) em 2012 é de R$1,48
tações, busca de palavras, ajuste no tamanho e no tipo de bilhão, destinado à compra de livros didáticos para os en-
fontes, além de inúmeros recursos existentes em aplicati- sinos fundamental e médio 5. Segundo o jornal Estadão,
vos desenvolvidos especificamente para os livros digitais. para o ano de 2012 só o governo fez uma compra de 170
Como relata Dziekaniak et al. (2010, p.85), “essa milhões de livros didáticos 6.
é a realidade da leitura virtual, um formato que convida Devido à grande quantidade de livros didáticos ne-
o leitor a interagir e a explorar símbolos e palavras que cessários para o ensino, a demanda por recursos naturais
mudam de cor ou que oferecem a facilidade de manu-
4
MELLO, Guiomar Namo de. O livro didático no sistema de en-
seio com um simples toque”. Com isso, a leitura virtual,
sino público do Brasil. Disponível em: http://www.namodemello.
se torna uma experiência agradável, ou seja, um convite com.br/pdf/escritos/outros/livrodidat2.pdf. Acesso em: 02/05/2012.
para que o leitor possa interagir com elementos capazes
5
Disponível em: http://www.fnde.gov.br/index.php/programas-livro-
-didatico. Acesso em 02/05/2012.
de proporcionar um aumento significativo na absorção do 6
Disponível em: http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,brasil-
conteúdo dos livros. -ja-importa-ate-livro-didatico-,837912,0.htm?reload=y. Acesso em
02/05/2012.

Capa Sumário eLivre


O livro digital e suas múltiplas perspectivas - Marcos Nicolau (Org.) 73
para a fabricação dos mesmos é de grandes proporções. milhões são comprados pelo Governo Federal para distri-
Com o uso das novas tecnologias e o aspecto sustentável buir às Escolas Públicas, para o ensino fundamental e o
discutido neste trabalho, é possível visualizar uma ten- ensino médio, em todo o país, conforme o site Agência de
dência em que, num futuro próximo, os livros digitais di- Notícias Brasil Que Lê, do Programa de Ação Cultural do
dáticos serão comercializados em larga escala. Algumas Estado de São Paulo8. Essa distribuição é feita através do
instituições de nível médio e superior no Brasil e em gran- Plano Nacional do Livro Didático (PNLD), garantido pela
de parte dos Estados Unidos e Europa já utilizam algum Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, dos anos
tablet como material escolar7. de 1990, conforme Cassiano (2007)9.
Além do fator de sustentabilidade, o livro didático A Agência de Notícias Brasil Que Lê informou ainda
digital propicia ao aluno uma nova experiência, facilitando que o mercado editorial de livros escolares esperava fa-
o processo de aprendizagem pela interação com diversos turar, em 2011, dois e meio bilhões de reais, quantia que
elementos audiovisuais. é 500 milhões de reais a mais do que em 2010. E, desse
Entretanto, sabemos que viabilizar, de imediato, montante, três quartos seria pago pelo Governo Federal.
uma mudança de livros didáticos impressos para livros Vale salientar que esta fatia de livros escolares re-
didáticos digitais esbarra é uma questão mercadológica presenta 51 por cento do mercado editorial brasileiro, se-
muito grave. O mercado editorial brasileiro, notadamen- gundo ainda a referida Agência. Desse modo, podemos
te o de livros didáticos movimenta quantias de dinheiro deduzir que a produção de livros do mercado editorial
significativas. Trata-se de um modelo de negócio consoli- brasileiro ultrapassa a casa dos 400 milhões de livros, em
dado, que gera milhões de empregos e bilhões em lucro. média anual.
Mas, ao mesmo tempo, faz com que somente famílias de E mesmo que a indústria do livro tenha, parte da sua
classe média e alta possam comprar todos os livros ne- produção de celulose apoiada pela atividade extrativista de
cessários à educação de seus filhos, comprometendo, com plantio próprio de árvores como Eucalipto, há um significati-
sacrifício, parcela dos recursos financeiros, que poderiam vo impacto ambiental provocado pela fabricação das obras.
ser destinados a outros benefícios imprescindíveis. 8
Disponível em: http://www.brasilquele.com.br/noticia_show.
O mercado editorial brasileiro produz cerca de 200 php?noticia=6575. Acesso em: 24/06/2012.
milhões de livros didáticos, sendo que, desse total, 150
9
CASSIANO, Célia Cristina de Figueiredo. O mercado do livro didá-
tico no Brasil. Tese de doutorado da Pontifica Universidade Católica
7
Disponível em: http://ultimosegundo.ig.com.br/educacao/tablets- de São Paulo, 2007. Disponível em: http://ged1.capes.gov.br/Ca-
-substituem-livros-em-escolas-brasileiras/n1597608252795.html. pesProcessos/premio2008/968930-ARQ/968930_5.PDF. Acesso em:
Acesso em: 02/05/2012. 24/06/2012.

Capa Sumário eLivre


O livro digital e suas múltiplas perspectivas - Marcos Nicolau (Org.) 75
A questão sustentável Além de promover a destruição de florestas, a produção
de papel consome uma quantidade imensa de energia e,
por isso, tem um impacto muito grande de gases-estufa.
Questões comparativas entre o livro de papel e o di-
Considerados em conjunto, os fatos mostram que a in-
gital são muito comuns nos dias de hoje, e vários critérios dústria do papel é a quarta maior produtora industrial
podem ser analisados para tentar definir qual dos dois é de dióxido de carbono, sendo responsável por 9% das
melhor, se conforto e experiência de leitura, mobilidade, nossas emissões de gases-estufa. Isso está longe de ser
ou ainda o preço do livro. Há também outro aspecto que sustentável [...]
está bastante em evidência, a questão sustentável. Por
isso decidimos destrinchar um pouco esse processo com- Dougherty (2011) também ressalta os sérios im-
parativo entre o passado e o presente dos livros, levando pactos ambientais causados pela quantidade excessiva de
em consideração a sustentabilidade. água utilizada na indústria do papel, além da queima cons-
Em 1987, a Comissão Mundial sobre Meio Ambiente tante de combustível fóssil para transformar a fibra da ma-
e Desenvolvimento (World Commission on Environment deira em papel seco. Já de acordo com o relatório “Paper
And Development - WCED), no relatório denominado de Cuts” 11, o Worldwatch Institute informou que “O consumo
“Nosso Futuro Comum” ou “Relatório Brundtland”, definiu mundial de papel e papelão tem crescido tão rapidamente
o conceito de desenvolvimento sustentável como: “Aquele que superou os ganhos obtidos com a reciclagem”.
que atende às necessidades do presente sem comprome- Uma análise em vídeo realizada em parceria com
ter a possibilidade de as gerações futuras atenderem as um projeto do Banco Santander mostra que cada livro de
suas próprias necessidades.” (WCED, 1987). papel consome 30 litros de água e emite entre 2 e 3 quilos
Aplicando este conceito em desmatamento de flo- de dióxido de carbono em sua produção. Já o custo am-
restas, em 1997, um relatório do World Resources Ins- biental de um livro digital é muito pequeno, entretanto, se
titute (WRI)10 estimou que quase metade da cobertura faz necessário a fabricação de um dispositivo de leitura.
original de florestas do planeta já foi destruída. Por meio Nesse caso, são gastos aproximadamente 300 litros de
de uma análise direcionada ao impacto causado pela pro- água e emitidos de 60 a 100 quilos de CO2 12.
dução de papel, Dougherty (2011, p.110) afirma que: 11
Worldwatch Institute. Paper Cuts: Recovering the Paper Land-
scape. Disponível em: http://www.worldwatch.org/system/files/
EWP149.pdf. Acesso em: 02/05/2012.
10
World Resources Institute. Last Frontier Forests: Ecosystems 12
Baseado no vídeo: Sustentabilidade: Livros x Ebooks. Disponí-
and Economies on the Edge. Disponível em: http://pdf.wri.org/ vel em: http://www.youtube.com/watch?v=CCzFU4b_o40&list=PL54
lastfrontierforests.pdf. Acesso em: 01/05/2012. B22834BFD3F9EE&index=2&feature=plcp. Acesso em: 02/05/2012.

Capa Sumário eLivre


O livro digital e suas múltiplas perspectivas - Marcos Nicolau (Org.) 77
Dessa forma, podemos observar que o custo am- biente. São muitos os impactos causados pela produção
biental para a produção de um dispositivo de leitura é bem do papel, havendo assim, a necessidade de preservação
maior do que o custo para a fabricação de um livro impres- de sua matéria-prima. O livro digital pode vir a atender
so. Entretanto, é importante ressaltar que, num único dis- às necessidades sustentáveis da sociedade atual, fazen-
positivo eletrônico, é possível armazenar centenas de livros do com que haja uma diminuição considerável na utiliza-
digitais, tornando o eBook uma alternativa sustentável. ção de recursos naturais, redução do espaço físico e nos
Outro fator que deve ser levado em consideração é gastos com transporte.
o transporte do livro. No produto impresso, são necessá- Além de solucionar as questões sustentáveis e tec-
rias inúmeras viagens para o livro sair da fábrica e chegar nológicas, os recursos audiovisuais interativos provenien-
ao seu destino final, o leitor. Com o meio digital, o livro tes do livro eletrônico podem alterar os hábitos de crian-
passa a ser vendido e enviado diretamente pela internet, ças e jovens que não encontram mais no livro didático
diminuindo a emissão de gases poluentes do transporte, convencional o estímulo necessário para a aquisição do
o tempo de espera para a chegada do livro e o custo final conhecimento. Do ponto de vista educacional, a aprendi-
para o leitor. zagem torna-se fácil e divertida, com elementos multimí-
dia capazes de prender a atenção do leitor.
Considerações finais Com a popularização dos dispositivos portáteis,
principalmente smartphones e tablets, o eBook já é uma
Diante do conteúdo exposto, observamos que o li- realidade no mercado, grandes editoras já possuem ver-
vro digital não é tão recente como muitos imaginam, além sões digitais dos seus livros e revistas mais importantes.
de sua origem possuir características que se assemelham Várias escolas e universidades também estão aderindo
bastante ao surgimento do livro impresso. E não se trata rapidamente aos benefícios decorrentes do livro digital,
de apresentar o livro digital como uma solução pela subs- tornando-o uma ferramenta essencial para a educação.
tituição ao livro impresso. Percebemos que ambos podem Com isso, entendemos que o livro didático precisa ser re-
conviver simultaneamente, em uma complementação im- configurado, tornando-se uma alternativa sustentável e
prescindível para a construção do conhecimento e a con- digital, mas sem perder sua essência, que é a de facilitar
solidação de prática educacional mais produtiva. o processo educacional.
O aspecto sustentável já vem sendo bastante dis- Ganham com essa reconfiguração do livro digital,
cutido em eventos cuja temática principal é o meio am- tanto os estudantes de classes média e alta, quanto os es-

Capa Sumário eLivre


O livro digital e suas múltiplas perspectivas - Marcos Nicolau (Org.) 79
tudantes mais carentes, das Escolas Públicas; ganha, en- Acesso em: 02/03/2012.
fim, a sociedade brasileira, que precisa urgentemente de HORIE, Ricardo Minoru. Coleção eBooks - Volume 1: Arte-
um plano educacional mais arrojado para alcançar a tão al- -finalização e conversão para livros eletrônicos nos formatos
ePub, Mobi e PDF. São Paulo: Bytes & Types, 2011.
mejada condição de grande potência no contexto mundial.
MACEDO, Helton Rubiano de. Das estantes para a tela: prá-
ticas de leitores de livros digitais do curso de Comunicação
Social da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. (Dis-
Referências sertação de Mestrado). Universidade Federal do Rio Grande do
Norte. Natal, RN, 2012.
BUSH, Vannevar. As We May Think. In: The Atlantic Monthly. MCLUHAN, Marshall. A galáxia de Gutenberg: a formação
Disponível em: http://www.theatlantic.com/magazine/archi- do homem tipográfico. São Paulo: Editora Nacional, Editora da
ve/1945/07/as-we-may-think/3881. Acesso em: 11/10/2011. USP, 1972.
CASSIANO, Célia Cristina de Figueiredo. O mercado do livro NICOLAU, Marcos. O ciclo das autonomias: do texto, do suporte
didático no Brasil: da criação do Programa Nacional do Livro e do autor. In: Apropriação midiática e autonomia comu-
Didático (PNLD) à entrada do capital internacional espanhol. nicacional: perspectivas de uma mídia livre. Disponível em:
Tese de doutorado defendida na Pontifícia Universidade Católi-
http://www.insite.pro.br/2010/Dezembro/apropriacao_auto-
ca de São Paulo, 2007. Disponível em: http://ged1.capes.gov.
nomia_comunicacional.pdf. Acesso em: 11/10/2011.
br/CapesProcessos/premio2008/968930-ARQ/968930_5.pdf.
Acesso: 24/06/2012. PROCÓPIO, Ednei. O livro na era digital: o mercado editorial
e as mídias digitais. São Paulo: Giz Editorial, 2010.
DOUGHERTY, Brian. Design gráfico sustentável. São Paulo:
Edições Rosari, 2011. SILVA, Maria Amélia Teixeira da. Arquitetura da informação
aplicada a leitores de e-book: avaliando a interface do Kind-
DZIEKANIAK, Gisele Vasconcelos et al. Considerações sobre o
le III WiFi. (Dissertação de Mestrado). Universidade Federal da
e-book: do hipertexto à preservação digital. In: Biblos: Re-
Paraíba. João Pessoa, PB, 2012.
vista do Instituto de Ciências Humanas e da Informação. Dis-
ponível em: http://www.seer.furg.br/index.php/biblos/article/ STIGLIANO, Beatriz Veroneze. Participação comunitária e
viewFile/1899/1035. sustentabilidade socioambiental do turismo na vila fer-
roviária de Paranapiacaba. (Tese de Doutorado). Universi-
Acesso em: 01/04/2012.
dade de São Paulo. São Paulo, SP, 2009.
FURTADO, José Afonso. O papel e o pixel. Do impresso ao di-
VILLAS-BOAS, André. Produção gráfica para designers. Rio
gital: continuidades e transformações. Florianópolis: Escritório
de Janeiro: 2AB, 2010.
do Livro, 2006.
VIRGÍNIO, Rennam; ALMEIDA, Filipe. Do códice ao leitor digi-
Guia técnico ambiental da indústria gráfica. Disponível
tal: a reconfiguração do livro na cibercultura. In: Reconfigu-
em: http://www.fiesp.com.br/publicacoes/pdf/ambiente/guia_
ração das práticas midiáticas na cibercultura. João Pes-
ambiental_setorgrafico.pdf.

Capa Sumário eLivre


O livro digital e suas múltiplas perspectivas - Marcos Nicolau (Org.) 81
soa: Marca de Fantasia, 2012.
WCED. WORLD COMMISSION ON ENVIRONMENT AND DEVEL-
OPMENT. Our Common Future, 1987.

Sites LIVRO DIGITAL: PERCALÇOS E ARTIMANHAS


DE UM MERCADO EM RECONFIGURAÇÃO1
http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI234832-
15224,00-AMAZON+VENDE+MAIS+LIVROS+DIGITAIS+QUE+ Rennam VIRGINIO2
LIVROS+DE+PAPEL.html
http://www.fnde.gov.br/index.php/programas-livro-didatico
http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,brasil-ja-impor-
ta-ate-livro-didatico-,837912,0.htm?reload=y
Resumo
http://ultimosegundo.ig.com.br/educacao/tablets-substituem-
-livros-em-escolas-brasileiras/n1597608252795.html
Cinco séculos após a invenção da prensa de Gutenberg -
http://www.brasilquele.com.br/noticia_show.php?noticia=
que permitiu a produção em massa de livros impressos -, o
6575
livro reconfigurou-se e hoje também pode ser encontrado
em formato digital, conhecido como e-book ou livro digital.
O livro digital traz ao usuário uma nova experiência em lei-
tura por ser hipertextual, o que garante a possibilidade de
serem explorados recursos interativos. Atualmente a em-
presa norte-americana Amazon já vende mais e-books do
que livros impressos, enquanto que o mercado brasileiro
ainda dá os primeiros passos. Entretanto, em todo o mun-

1
Trabalho apresentado no IJ 5 – Comunicação Multimídia do XIV Con-
gresso de Ciências da Comunicação na Região Nordeste realizado de
14 a 16 de junho de 2012.
2
Graduando em Comunicação em Mídias Digitais pela UFPB. Bolsista
do Programa de Iniciação Científica (PIBIC/UFPB) pelo projeto Para
Ler o Digital. Email: rennam.virginio@hotmail.com

Capa Sumário eLivre


O livro digital e suas múltiplas perspectivas - Marcos Nicolau (Org.) 83
do, o mercado editorial digital - pressionado pelas amea- Os eBooks já são mais vendidos do que os livros
ças de pirataria - faz uso de práticas mercadológicas que impressos na gigante norte-americana Amazon, que tam-
limitam a liberdade dos leitores. Este artigo busca expor e bém vende o e-Reader mais popular, o Kindle. O segredo
discutir os percalços e as artimanhas deste novo mercado. do sucesso está no modelo utilizado, aliando preços aces-
síveis a um produto de qualidade.
Palavras-chave: Livro digital. Mercado editorial. Recon- Entretanto, no Brasil, poucas livrarias e editoras re-
figuração. solveram entrar no mercado e os leitores (e-Readers) ain-
da são vendidos a altos preços, impedindo o crescimento
comercial no país. Essa realidade pode mudar com a che-
Introdução gada da Amazon ao Brasil a partir de setembro deste ano.
O objetivo deste artigo é mostrar as práticas atuais
O livro impresso foi um dos principais meios utili- do mercado editorial digital, - com todas as suas contradi-
zados para a difusão do conhecimento adquirido pelo ser ções e dilemas para implantação de um sistema de vendas
humano. Entretanto, após cinco séculos de supremacia que seja satisfatório - exemplificando os principais casos,
do livro impresso, os avanços tecnológicos e as necessi- com destaque para a Amazon, maior vendedora de livros
dades do homem moderno, permitiram a criação – ainda digitais do mundo, além de fazer um apanhado do mercado
na década dos anos de 1970 - de uma nova forma para nacional e das novas possibilidades de publicação de obras
a publicação de livros, mas que só agora vem ganhando a partir do modelo digital, que permite que autores inde-
notoriedade e mostrando-se como um forte produto co- pendentes publiquem suas obras sem muitos custos.
mercial: o livro digital, também conhecido como eBook
(abreviação de eletronic book). Do impresso ao digital: a evolução do livro
O livro na versão eletrônica explora os recursos do
hipertexto e traz aos leitores uma nova experiência em O livro depois da prensa de Gutenberg
leitura, podendo conter diversos elementos interativos
que dinamizam as possibilidades dos usuários. Muito tem Desde o surgimento da máquina de prensa criada
se discutido sobre o livro digital, sua usabilidade, legitimi- pelo alemão Gutenberg, no século XV, o livro passou a
dade e o modo como as livrarias e editoras tem conduzido ser um importante produto comercial e de difusão de in-
as atividades mercadológicas deste novo produto. formações e conhecimentos durante todos estes séculos.

Capa Sumário eLivre


O livro digital e suas múltiplas perspectivas - Marcos Nicolau (Org.) 85
Antes da prensa de Gutenberg, os livros eram manus- Percebemos, então, que antes mesmo da prensa de
critos ou produzidos a partir de matrizes de impressão Gutenberg, o livro passou por diversas transformações,
feitas de materiais pouco resistentes, como cerâmica ou tanto no material utilizado – começou com papiros e per-
madeira, que se estragavam rapidamente e tornavam-se gaminhos, até chegar ao papel -, quanto em seu formato,
totalmente inutilizáveis, enquanto que a máquina criada conforme vimos na afirmação de Jaguaribe.
por Gutenberg possibilitou a cópia em grande quantidade
de livros a partir de uma única matriz feita de metal e com O livro na era da cibercultura
tipos móveis, que possibilitava a combinação e a recombi-
nação livre dos tipos sempre que necessário. Atualmente, na era da tecnologia e da cibercul-
McLuhan (1972) reforça a importância da criação tura, o livro também se apresenta em formato digital,
de Gutenberg para a história do livro, concluindo que esta possibilitando aos leitores uma nova experiência de
invenção confirmou e estendeu a nova tendência visual do leitura, conhecido como eBook (abreviação para ele-
conhecimento aplicado, dando origem ao primeiro bem de tronic book).
comércio uniformemente reproduzível, à primeira linha de Os livros digitais surgiram no início dos anos de
montagem e à primeira produção em série. 1970, a partir do Projeto Gutenberg, liderado pelo norte-
Entretanto, a criação de Gutenberg não foi a primei- -americano Michael Hart. O projeto visava a produção e
ra grande contribuição para a formação do livro impresso distribuição gratuita de livros eletrônicos.
tal qual conhecemos hoje: Passaram-se algumas décadas e hoje os livros digi-
tais movimentam um lucrativo mercado, que vem crescen-
Uma importante inovação, para a palavra escrita, foi a de
substituir o rolo de papiros ou de pergaminho pela enca- do ano após ano. Além dos próprios livros digitais, tam-
dernação de folhas de pergaminho, de tamanho regular, bém são vendidos os aparelhos dedicados a leitura destas
sob forma de livro, permitindo que se escrevesse nos dois obras em versões eletrônicas: os e-readers (leitores ele-
lados da folha. O difícil processo de ler, mediante o gra-
trônicos). Apesar dos eBooks poderem ser lidos também
dual desenrolar de papiros ou pergaminhos, ficou substi-
tuído pelo fácil manuseio de um texto escrito em folhas em computadores de mesa ou notebooks com auxílio de
costuradas por sua margem esquerda, ou direita, para simples softwares, o mercado de e-readers também mo-
certas grafias, graças ao sistema de códex, inventado pe- vimenta milhões e é amplamente lucrativo para os prin-
los cristãos no século IV d.C.. (JAGUARIBE, 1996, p.24)
cipais desenvolvedores, como a Amazon, empresa norte-

Capa Sumário eLivre


O livro digital e suas múltiplas perspectivas - Marcos Nicolau (Org.) 87
-americana que atualmente domina os mercado de livros Faça você mesmo: os livros digitais facilitam
digitais e leitores eletrônicos, com seu popular aparelho a publicação de autores independentes
Kindle, e-reader lançado em 2007 custando US$399,00
Dólares mas que já pode ser encontrado por menos de Uma atividade que ganhou força com a cibercultura
US$100,00 em suas versões mais simples. Vale lembrar e as possibilidades que a Internet oferece, foi a cultura do
que os livros digitais também podem ser lidos em tablets, “faça você mesmo”, que consiste na prática independente
de algum trabalho ou atividade, dispensando o auxílio de
como o famoso iPad da Apple.
serviços profissionais.
Os livros digitais apresentam uma diferente for-
Na Internet, através de ferramentas disponíveis –
ma de texto, conhecido como hipertexto. Segundo Lévy
quase sempre gratuitamente – na grande rede, qualquer
(1996), hipertexto é uma matriz de textos potenciais,
usuário pode publicar seus trabalhos. Sites como Youtu-
sendo que alguns deles vão se realizar sob o efeito da
be3 e MySpace4 revelaram e ainda revelam novos artistas
interação com um usuário. Esse tipo de recurso é bem
de diversas áreas devido ao alcance inestimável que es-
explorado não só nos livros digitais como também nas
ses serviços permitem. O mesmo processo também pode
revistas lançadas em formatos digitais, que vem tra- acontecer agora com escritores independentes.
zendo cada vez mais recursos interativos que tornam a Para estes escritores, lançar um livro é sempre um
leitura mais dinâmica e inovadora. desafio devido aos altos custos que o processo de edição,
Pierre Levy ainda afirma que “a digitalização e as impressão e distribuição que um livro requer. Muitos aca-
novas formas de apresentação do texto só nos interessam bam financiando a impressão por conta própria em gráfi-
porque dão acesso a outras maneiras de ler e de compre- cas e o resultado geralmente é abaixo do padrão editorial
ender” (1996, p.40). e com uma pequena tiragem.
Portanto, atualmente temos os livros – ou pelo Os livros digitais permitem aos autores independen-
menos parte deles – disponíveis em dois formatos: o tes a publicação de suas obras com valor acessível – po-
impresso e o digital. Cabe ao leitor encontrar o forma- dendo até ser de graça, caso o próprio autor faça a edição e
to que mais lhe agrade e atenda às suas necessidades diagramação em formato digital – e com um alcance enor-
enquanto leitor. me, pois estaria disponível para download na Internet.

3
Disponível em: www.youtube.com - Acesso em: 27/03/2012
4
Disponível em: www.myspace.com - Acesso em: 27/03/2012

Capa Sumário eLivre


O livro digital e suas múltiplas perspectivas - Marcos Nicolau (Org.) 89
Além do já citado Amazon’s Kindle Direct Publishing, deve-se ao Facebook e ao Twitter, redes sociais que con-
podemos citar a Simplíssimo, editora nacional, que pro- tam com os maiores números de usuários.
duz livros digitais em formato ePub. O autor envia o texto, Aproveitando esse sucesso, Amazon e Submarino
e a editora faz a diagramação em formato ePub, podendo criaram redes sociais especiais para os leitores de livros
ainda disponibilizar para venda em grandes lojas. digitais que compram em suas respectivas lojas. As redes
sociais funcionam como uma grande rede de interação
Figura 2: Pacotes de servições oferecidos pela editora Simplíssimo.
entre os usuários e possibilita o agrupamento de pessoas
com interesses afins.
Tanto a rede social da Amazon quanto a do Subma-
rino, a Submarino Digital Club, buscam criar interações
entre os leitores de eBooks. O aplicativo permite que os
usuários possam criar comunidades, fazer anotações, co-
mentar sobre os livros, avaliar, adicionar e seguir outros
usuários, e mercar os livros que já leu, que está lendo e
que pretende ler.
A interação, nesse caso, tem seus atrativos, entre-
tanto, nenhuma das duas redes emplacaram. No Brasil, já
existia uma rede social voltada para os leitores de livros,
o Skoob5, mas este era voltado para leitores de livros im-
pressos. Mas fazendo uma análise dos recursos e funções

Fonte: http://www.simplissimo.com.br/autores-livres/
que cada um agrega, não encontramos muitas diferenças,
apenas uma divisão do público entre leitores das versões
As redes sociais para os leitores de livros digitais: digitais e leitores das versões impressas.
uma nova ferramenta de interação

As redes sociais vêm crescendo a cada ano, e já são


os sites mais acessados do mundo. Muito desse sucesso, 5
http://www.skoob.com.br/ - Acesso em: 23/03/2012

Capa Sumário eLivre


O livro digital e suas múltiplas perspectivas - Marcos Nicolau (Org.) 91
Figura 3: Submarino Digital Club Segundo Procópio (2010), uma das estratégias uti-
lizada pela editoras que lançam livros digitais é a apli-
cação de DRM6’s, que além de atuar como uma senha
de segurança, impossibilitando a cópia ilimitada de um
eBook, também faz todo o trabalho de porcentagem para
terceiros e de quantificação do número de cópias vendi-
das. Essas DRM’s são facilmente “quebradas” por hackers,
inclusive nos formatos de eBooks que possuem sistemas
de DRM mais modernos e seguros, como o Mobi e o ePub.
Vendo-se ameaçadas a perderem grande parte de
seus lucros, as editoras restringem ao máximo a liberda-
de do leitor com o livro digital. O ePub foi criado com a
Disponível em: http://submarino.thecopia.com/home/index.html intenção de tornar-se um formato universal para eBooks,
entretanto, cada editora busca usar um formato diferente
O mercado editorial e suas artimanhas e limitar a leitura destes arquivos em um software espe-
cífico criada por ela mesma. Hoje encontramos o Sarai-
O mercado de livro impressos já está consolidado, en- va Reader, Amazon Reader e alguns outros. Essa falta de
quanto que o mercado de livros digitais ainda engatinha e convergência acaba bloqueando naturalmente o interesse
sofre para encontrar um modelo de mercado que seja viável dos consumidores de adquirir um livro digital.
diante das ameaças de pirataria, constantes na Internet. Apesar de termos o caso da Amazon como um
O que encontramos no mercado atual de livros di- exemplo de sucesso na venda de eBooks, faturando mi-
gitais são uma série de empecilhos surgidos a partir das lhões nas vendas de livros eletrônicos – hoje superior a
práticas mercadológicas impostas pelas editoras que se venda de livros impressos -, o sucesso talvez não seja
lançaram no mercado dos livros digitais e descaracteri- fruto do interesse dos leitores pelo livro digital em si. Le-
zam as propriedades de um livro impresso. Por exemplo, mos (2010) afirma que o fetiche do papel migra para o
o simples ato de emprestar um livro a um amigo, torna-se fetiche do dispositivo, como os Tablets e os e-readers e
uma tarefa um pouco complicada de ser realizada quando
tratamos de livros digitais. 6
DRM, ou Digital Rights Management, são tecnologias para controlar
a distribuição e a visualização de conteúdos digitais

Capa Sumário eLivre


O livro digital e suas múltiplas perspectivas - Marcos Nicolau (Org.) 93
talvez esteja aí uma das razões para o relativo sucesso tindo conexão sem fio com a internet aos usuários. Atra-
deste mercado. Outro fator que influencia no sucesso da vés desta conexão, é possível acessar a loja virtual, que
Amazon, é a grande quantidade de livros digitais a venda disponibiliza mais de um milhão de títulos para compra,
para serem lidos no Kindle: mais de um milhão. grande parte com preço até 10 dólares. O leitor pode bai-
Os eBooks já são populares nos Estados Unidos e xar gratuitamente um trecho do livro para degustação e
em alguns países da Europa, enquanto que no Brasil este decidir se efetuará a compra ou não. Após a confirmação
mercado ainda está dando os primeiros passos, pois o da compra, o download do livro é realizado e em poucos
mercado brasileiro ainda não oferece uma plataforma efi- segundos já é possível ler o livro.
ciente e segura que dê suporte e variedade de livros di- O Kindle pode ser encontrado em quatro versões:
gitais que atraia os consumidores – como acontece com Kindle, com WI-FI, tela de 6 polegadas e manuseio atra-
o Kindle nos EUA -, além de não possuir no mercado um vés de botões; Kindle Touch, com tela de 6 polegadas
leitor (e-reader) com bom custo benefício. e que também está disponível com conexão 3G, além
No cenário atual, encontramos diversos modelos de de WI-FI e manuseio a partir de toque na tela; Kind-
negócios para o mercado dos livros digitais, porém, ape- le Keyboard, com configurações semelhantes ao Kindle
nas a Amazon têm obtido êxito, ao mesmo tempo em que Touch, mas que também vem com um teclado físico,
muitas outras editoras e livrarias ainda não conseguiram que permite ao leitor fazer anotações e escreve mais
emplacar neste mercado, sobretudo no Brasil. rapidamente; e o Kindle DX, similar ao Kindle Keyboard,
mas com tela de 9,7 polegadas. Recentemente a Ama-
Amazon: um modelo de sucesso zon lançou o Kindle Fire, mas este caracteriza como um
Tablet e não como um e-reader.
A partir de uma análise do modelo de negócio da
O Kindle possui uma tela com tecnologia e-ink,
Amazon, compreendemos porque esta empresa vem fa-
também conhecido como “papel eletrônico” ou “tinta
turando cada vez mais: ela oferece suporte a escritores
eletrônica”, que é é uma tecnologia que mimetiza o pa-
e leitores, além de disponibilizar para venda uma grande
pel impresso em um display, o que permite uma leitura
variedade de livros. Aqui no Brasil, são poucos os livros
agradável e sem reflexos da luz, como acontece em te-
que saem em formato digital e impresso.
las de LED, LCD e Plasma.
Na Amazon você pode comprar o e-reader Kindle a
partir de 79 dólares. O aparelho já vem com WI-FI, permi-

Capa Sumário eLivre


O livro digital e suas múltiplas perspectivas - Marcos Nicolau (Org.) 95
Figura 1: Um dos modelos do Kindle vendido no site na Amazon. Recentemente, a empresa norte-americana con-
firmou a abertura de suas atividades no Brasil para o
dia 1 de setembro deste ano, vendendo Cd’s, DVD’s,
livros impressos, games, softwares e o Kindle e, depen-
dendo dos resultados obtidos na vendas dos primeiros
três meses, venderão também eletrônicos em 2013. A
chegada da Amazon ao Brasil pode ser um divisor de
águas para o mercado de livros digitais, que até agora
mostrou resultados pouco expressivos.

eBooks no Brasil: um mercado que não empolga

Podemos apontar diversos fatores como causas para


o fraco desempenho das vendas de livros digitais no Bra-
sil, como o reduzido número de livros digitais colocados
a venda, deixando o leitor com poucas opções, o elevado
Fonte: http://www.amazon.com/gp/product/B0051QVESA/
preço dos eBooks, quase sempre próximo ao valor do livro
ref=famstripe_k
impresso, a ausência de um e-reader com bom custo-be-
nefício e as limitações impostas pelas editoras e livrarias
Entretanto, há limitações: os eBooks comprados na
aos livros digitais.
Amazon podem ser lidos apenas no Kindle ou em um sof-
No mercado brasileiro, é desvantajoso para o con-
tware específico e não podem ser compartilhados.
sumidor comprar um e-reader. O Cool-er, comercializado
A Amazon também pensou nos escritores inde-
pela Gato Sabido8, sai em média por R$800,00 e o Alfa, da
pendentes e permite que qualquer pessoa coloque seu
Positivo, por R$700,00. O preço assusta os consumidores,
livro a venda e ainda promova-o, sob algumas condições.
que acabam preferindo adquir um Tablet, que custa um
Basta efetuar um cadastro no Amazon’s Kindle Direct Pu-
pouco mais, porém conta com muito mais recursos. O pro-
blishing7, formatar o eBook, enviar e pronto.
blema é que com um e-reader, o consumidor consegue se
7
https://kdp.amazon.com/self-publishing/signin?ie=UTF8&ld=AZK
indleMakeM - Acesso em 22/03/2012 8
www.gatosabido.com.br - Acesso em: 22/03/2012

Capa Sumário eLivre


O livro digital e suas múltiplas perspectivas - Marcos Nicolau (Org.) 97
voltar mais para a leitura, pois o aparelho se limita a isto As limitações impostas pelas vendedoras de
e a uma simples navegação monocromática pela internet, eBooks no Brasil são semelhantes as praticadas pela
enquanto que o Tablet conta com diversos aplicativos, ga- Amazon. A diferença é que na Amazon os leitores têm
mes e funções, além de uma tela colorida. Todos esses ele- variedade, suporte e preços acessíveis, que tornam o
mentos distraem o usuário e este perde o foco pela leitura. livro digital bastante compensável.
Algumas das grandes livrarias nacionais já vendem É compreensível que as editoras tomem certos cui-
– mesmo que timidamente – livros digitais: a Saraiva, a dados diante das ameaças de pirataria, porém o mercado
Leitura, além da Gato Sabido, pioneira no Brasil e o gigan- brasileiro mostra-se ainda um pouco temeroso com um
te do e-commerce Submarino, que recentemente lançou mercado que teria tudo pra crescer e gerar grandes lucros.
um aplicativo para leitura de eBooks que opera também O livro digital não dá custo para impressão e transporte,
como uma Rede Social e que veremos mais a frente. portanto, não há uma explicação lógica para que os pre-
Também está no mercado o IBA, lançado pela edi- ços do livro impresso e o livro digital sejam tão próximos.
tora Abril e que é dedicado para a venda das versões di- Temos à frente um entrave gerado pelas artima-
gitais interativas de suas revistas, como a Veja, Super nhas do mercado editorial digital: se por um lado temos
Interessante, VIP e muitas outras, além de livros literários as livrarias e editoras se protegendo contra a pirataria, e
e jornais de todo Brasil. bloqueando o máximo possível a liberdade do leitor com
O IBA, a Saraiva e o Submarino lançaram aplicati- seu livro digital, do outro temos os autores que precisam
vos para a leitura de seus eBooks, enquanto que a Gato divulgar seu material, mantendo a histórica função do li-
Sabido e a Leitura permitem que as obras digitais adqui- vro como um meio de difusão da informação e do conhe-
ridas em suas lojas possam ser lidas com o Adobe Digital cimento, e que precisa ser compartilhada.
Editions, leitor de eBooks da Adobe, no qual o usuário
efetua o login e tem acesso a sua “biblioteca”. Conclusão
O brasileiro se vê diante de muitas opções de livra-
rias digitais para adquirir seu eBook, mas o número limi- O livro ganhou novos suportes e formatos de publi-
tado de livros disponíveis, o preço ainda elevado tanto das cação consequentes do avanço tecnológico característico
obras quanto dos leitores dedicados (e-readers), o livro da era da cibercultura. Essas transformações mudaram o
digital ainda parece inviável para a nossa realidade. mercado editorial de alguns países e a perspectiva é que
esse processo se expanda. Muito tem se discutido sobre

Capa Sumário eLivre


O livro digital e suas múltiplas perspectivas - Marcos Nicolau (Org.) 99
o livro digital e os rumos que o mercado editorial pode tanto, diante deste entrave, faz-se necessário a criação de
tomar, principalmente no que se diz respeito aos livros um novo modelo que contemple as necessidades de todos
impressos e seu futuro. sem prejudicar o autor, a editora ou leitor.
É fato que o livro digital vem ganhando espaço no
mercado, assim como também é fato que o livro impres- Referências
so ainda detém a maior fatia de participação no mercado
e que essa realidade não deve mudar, pelos menos por JAGUARIBE, Hélio. O significado do papel para a cultura. In:
DOCTORS, M. (Org.); A cultura do papel. Rio de Janeiro:
algum tempo. O que temos agora são diferentes opções
Casa da Palavra, 1999.
para publicação de livros que procuram atender às neces-
LEMOS, André. Livro e mídia digital. Disponível em: http://
sidades de acordo com o perfil de cada leitor. andrelemos.info/2011/10/flica/ Acesso em: 02/04/2012
No Brasil, o livro digital ainda não ganhou notorie- LÉVY, Pierre. O que é virtual. São Paulo: Ed. 34, 1996.
dade por diversas razões, tais como a pequena variedade
MCLUHAN, Marshall. A galáxia de Gutenberg: a formação
de livros digitais disponíveis a venda e o alto preço dos do homem tipográfico. São Paulo: Editora Nacional, Editora da
e-Readers vendidos no país, como o Alfa, do Grupo Posi- USP, 1972.
tivo e o Cool-er, importado pela Gato Sabido, pioneira na PROCÓPIO, Ednei. O livro na era digital: o mercado editorial
venda de eBooks no Brasil, além das limitações impostas e as mídias digitais. São Paulo: Giz Editorial, 2010.
pelas livrarias e editoras.
Muitas dessas “artimanhas” praticadas pela livrarias Sites
e editoras, como a proteção dos livros digitais por DRM’s,
são conseqüências das ameaças que a pirataria digital ofe- www.amazon.com
rece, podendo gerar grandes prejuízos ao mercado. Porém, www.iba.com.br
embora essa atitude seja válida do ponto de vista mer- www.submarino.com.br
cadológico – apesar de em muitos casos ter-se mostrado www.gatosabido.com.br
ineficiente - deparamo-nos com um paradoxo: de um lado www.simplissimo.com.br
temos a subsistência das editoras e livrarias - mas estas só
www.positivoalfa.com.br
publicam o que lhes interessam; de outro, a possibilidade
de todo e qualquer autor publicar sua obra por conta pró-
pria, no processo natural de difusão do conhecimento. Por-

Capa Sumário eLivre


O livro digital e suas múltiplas perspectivas - Marcos Nicolau (Org.) 101
elas, o advento do livro digital, uma nova forma de pro-
duzir, difundir e ler livros, diferente do processo que co-
nhecemos há mais de 500 anos, com a cultura do impres-
so. Produzidos em formatos chamados de eBook, o livro
O LIVRO DIGITAL E AS NOVAS NECESSIDADES digital, longe de querer substituir o livro impresso, vem,
DE PRODUÇÃO E LEITURA1 antes de tudo, para suprir e atender novas necessidades
e usos de uma sociedade que tem na internet seu novo
Fabrícia GUEDES2 ambiente de interação e democratização do conhecimen-
Marriett ALBUQUERQUE3 to. Portanto, diante das mudanças editoriais que nos ar-
Filipe ALMEIDA4 rebatam, queremos saber que necessidades nos movem à
produção e leitura desse atual formado de livro.

Resumo Palavras-chave: Livro impresso. Livro digital. Produção


editorial. Leitura.
Inseridos na sociedade em rede e envolvidos pela tec-
nologia do digital, vimos surgir uma era de convergência
responsável por grandes transformações midiáticas. Entre Introdução

1
Trabalho apresentado no IJ06 – Interfaces Comunicacionais do XV
O livro tem como características básicas, o fato de
Congresso de Ciências da Comunicação na Região Nordeste realizado
de 12 a 14 de junho de 2013. ser um suporte manual de conteúdos, passível de ser
2
Graduanda no curso de Comunicação em Mídias Digitais da UFPB. transportado e lido, página a página pelo seu usuário, per-
Bolsista do Programa de Iniciação Científica (PIVIC) da UFPB/CNPq.
Integrante do Projeto Para Ler o Digital. Email: fabriciakguedes@ mitindo destaques e anotações em trechos, para posterior
gmail.com uso. E tem sido assim durante mais de quinhentos anos,
3
Graduanda no curso de Comunicação em Mídias Digitais da UFPB.
desde que Johannes Gutenberg criou a prensa tipográfica
Bolsista do Programa de Iniciação Científica (PIBIC) da UFPB/CNPq.
Integrante do Projeto Para Ler o Digital. Email: kmd.albuquerque@ para reprodução mecânica de textos. Embora tenha se ori-
gmail.com ginado do códice, com seu ajuntamento de páginas presas
4
Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Comunicação (PPGC/
UFPB). Integrante do Grupo de Pesquisa em Processos e Linguagens
pelo dorso há mais de dois mil anos, é com os recursos de
Midiáticas - Gmid/PPGC e do Projeto Para Ler o Digital. Email: fili- impressão que o livro ganha produção em série e permite
pekjp@gmail.com

Capa Sumário eLivre


O livro digital e suas múltiplas perspectivas - Marcos Nicolau (Org.) 103
a criação da figura do leitor. De acordo com Parry (2012, p. qualquer hora e lugar. E não há como dar conta da atu-
59), o livro teve uma trajetória extraordinária: alização de conteúdos tão diversificados se não for pelo
sistema de formatos em eBooks e que se disponibilizam
Originalmente uma maneira de registrar tanto os poe- por computadores, tablets e smartphones.
mas épicos da mitologia grega quanto os pertences dos
O objetivo do presente artigo, portanto, é traçar
ricos, apresentava-se sob uma forma que mal seria re-
uma trajetória do livro, mediante sua elaboração e fun-
conhecível hoje. Tornou-se objeto de veneração cristã,
ao alcance apenas de uma elite, para depois converter- cionalidade, no sentido de compreender como estão se
-se no primeiro meio de comunicação de massas, tendo instaurando as novas necessidades e usos de produção e
por muito tempo preponderado em relação aos demais. leitura no contexto das tecnologias digitais. Procuramos
Como principal dispositivo humano de comunicação por
compreender como está se comportando o mercado edi-
dois milênios, deu origem a um imenso leque de gêneros
torial, as resistências ao novo suporte tecnológico, bem
que revelaram notável capacidade de resistência perante
os jornais, a radiodifusão e a Web. como as emergências pessoais e profissionais que o livro
digital está atendendo.
Porém, estamos vivenciando uma época de sur-
preendente desenvolvimento de tecnologias digitais, Contexto histórico: sobre os usos do livro
que afetam todos os meios de comunicação tradicionais,
entre eles, o livro, objeto de nosso estudo. Trata-se de O valor histórico e social do livro físico é incalculá-
transformações estruturais movidas, não apenas por no- vel. Hoje, é impossível imaginar um mundo onde ele não
vos modelos de negócio ou por inovações tecnológicas, exista. É através do impresso que a humanidade registra
mas, principalmente pelo surgimento de novas necessi- suas memórias e difunde as experiências, ideias e o co-
dades e usos para os livros, frente a uma sociedade de nhecimento construído através dos séculos.
informação que tem a comunicação em rede como seu Utilizado, a princípio, como meio de documentação
grande processo de funcionamento. e registro pelas antigas civilizações, por meio de tabuletas
De volume impresso, o livro passou para uma tela de argila, o artefato que hoje conhecemos como livro, len-
digital em um artefato tecnológico cuja grande vantagem tamente percorreu o caminho até a popularização do ato
é permitir o armazenamento, não mais de uma, mas de de leitura. O invento do sistema fonético, pelos gregos da
centenas de obras. As exigências de uma vida corrida e antiguidade, permitiu o desenvolvimento das narrativas
dinâmica impõem modos de leituras fragmentadas, em que, em quantidade foram sendo transcritas em papiros e

Capa Sumário eLivre


O livro digital e suas múltiplas perspectivas - Marcos Nicolau (Org.) 105
pergaminhos, dando origem, então, ao livro-rolo, conhe- estão em condições de dominá-la porque sua cultura e
cido como volumen. os instrumentos que ela construiu permitem orientar-se
racionalmente nesse mundo prolífico, e aqueles que,
Entre várias plataformas, o códice é o que mais se as-
completamente desarmados diante desta profusão, fa-
semelha ao padrão conhecido de livro que tradicionalmente zem as más escolhas e são como que asfixiados ou afo-
se consagrou. Com ele, a transcrição de textos começava gados pela produção escrita. (CHARTIER, 1998, p.110)
a ganhar dinamicidade e os volumes, maior mobilidade,
podendo ser transportados e acessados com facilidade. Por O pensamento de que a produção em escala de li-
muito tempo, este formato foi utilizado pelo Cristianismo, vros foi bem aceita desde o princípio é equivocada. Assim
oportunidade em que surgiu a necessidade de dissemina- como o livro eletrônico é rejeitado pelos leitores tradicio-
ção de seus ensinamentos para além da fala. A religião nais, o livro também sofreu restrições quando começou a
tornava-se difusor desse veículo. (GHAZIRI, 2009). ser disseminado na forma impressa, pois causava pertur-
Assim, aos poucos era configurado o formato de li- bações na ordem social da época.
vro que conhecemos hoje, com folhas de papel encader-
nadas e protegidas por capas. Um avanço fundamental, O eletrônico aliado ao impresso
neste sentido, foi o surgimento da prensa e depois dos
tipos móveis. O livro, sempre escrito à mão, começava a Com a recente popularização dos livros eletrôni-
ser impresso e reproduzido em série, passando a ser cada cos, também chamados de eBooks, surge o receio de
vez mais portátil, popular e acessível. Deixava a restrição que este venha a substituir a tradição do impresso por
dos mosteiros e das bibliotecas, nas quais se concentra- completo. Esta questão vem incomodando os amantes
vam de forma volumosa e pesada. do livro e fazendo com que grande parte deles crie cer-
Esses novos fatores possibilitaram condições para o to preconceito, recusando o formato digital como livro.
surgimento da ideia de leitor. O livro, aos poucos, torna- Mas, para um artefato tecnológico deixar de existir é
va-se um produto disponível ao público consumidor. necessário que, primeiro, perca-se o interesse nele. E
o livro impresso dificilmente perderá seu valor, sempre
A multiplicação dos livros é garantida, primeiro, pela terá seu fiel público leitor, interessado na imersão da
invenção de Gutenberg, segundo, no século XIX, pela
leitura de suas páginas.
industrialização da atividade gráfica e, enfim, no século
XX, pela multiplicação das tiragens graças aos livros Da mesma forma que o livro digital traz praticida-
de bolso. Diante dessa multiplicação, há aqueles que de para a vida moderna, o impresso também continuará

Capa Sumário eLivre


O livro digital e suas múltiplas perspectivas - Marcos Nicolau (Org.) 107
se fazendo necessário e por muitas vezes mais adequa- vôos de sua imaginação”. Partindo desta definição, este
do em determinadas situações, pois configura outro perfil autor faz a seguinte reflexão:
de leitura. A questão é que os eBooks e livros físicos são
produtos distintos, apresentados em mídia e formato dife- O livro, então, pode ser entendido como o veículo ou
suporte, tangível ou não, de um conjunto específico de
rentes; são lidos de formas diferentes e atendem a varia-
dados, informações ou conhecimentos. O livro eletrônico
dos interesses. Mesmo para os que já nasceram no con-
seria justamente o veículo eletrônico de um conjunto es-
texto digital, os chamados cibernativos, é importante que pecífico de dados, informações ou conhecimentos. Aten-
tenham a experiência do impresso, dada a abstração de te-se para o fato de que o Dicionário Aurélio já consigna
pensamento que este permite. Sobre isso, Logan (2012, a expressão “livro eletrônico” como sendo “versão de um
livro publicada em mídia digital, como, p. ex., CDROM”.
p.220) traz uma reflexão oportuna em sua recente obra:
(PAULINO, 2009, p.4)

[...] a leitura em uma tela, não importa quão boa seja a


resolução, é uma atividade complicada. O lado direito do Essa diferença de produto é real. E as pessoas, aos
cérebro converte os pixels em letras e o lado esquerdo do poucos, acostumam-se e percebem a importância do novo
cérebro converte as letras em palavras e frases. Há uma formato, não só pelo aspecto da portabilidade e da tecnolo-
grande quantidade de tráfego através do corpo caloso.
gia, mas, pela democratização do acesso ao conhecimento.

Portanto, não há como dizer que um formato ocu- Contexto atual


pará o espaço do outro. Ao contrário, os livros eletrônicos
vêm para agregar ou suprir necessidades da vida moder- O número de brasileiros que lê livros digitais cres-
na. Digital e impresso quase se completam, proporcio- ce a cada dia. No final do ano passado, esse número já
nando ao leitor um leque maior de opções e facilidades, ultrapassava nove milhões de leitores5. Com a chegada
de acordo com seus interesses pessoais.
da Amazon.com ao Brasil, maior varejista de eBooks do
Mas qual a diferença entre livro físico e digital?
mundo, o país definitivamente entrou no mercado dos li-
Segundo Machado (1994, apud PAULINO, 2009, p.3) o
vros digitais. O setor, que está consolidado lá fora, vinha
livro impresso é “todo e qualquer dispositivo através
engatinhando a cerca de dois anos por aqui.
do qual uma civilização grava, fixa, memoriza para si e
para a posteridade o conjunto de seus conhecimentos, 5
Disponível em: http://olhardigital.uol.com.br/produtos/central_
de suas descobertas, de seus sistemas de crenças e os de_videos/tablets-vs-e-readers-saiba-mais-das-diferencas-entre-os-
-dois-tipos-de-aparelho. Acesso em: 22/04/2013.

Capa Sumário eLivre


O livro digital e suas múltiplas perspectivas - Marcos Nicolau (Org.) 109
Conhecida por suas promoções e preços baixos, de usuários. O livro eletrônico surge a partir dos recursos
a Amazon causou rebuliços ao chegar no Brasil. Porém, tecnológicos aliados à necessidade de nova forma de lei-
esses descontos não chegaram por aqui. A diferença de tura por meio de dispositivos diferentes, da portabilidade,
preços entre os eBooks e os impressos ainda é pequena da interatividade. A expansão dos eBooks está cada vez
aqui no país, diferentemente dos Estados Unidos. Os e- maior devido a essa adequação dos livros digitas às ne-
-readers, leitores de livros digitais, ainda estão caros no cessidades da sociedade em rede. Essa expansão é com-
mercado brasileiro, comparado ao americano. O disposi- provada com o comunicado da Amazon ao anunciar re-
tivo de leitura digital Amazon Kindle 4 custa R$299,00 centemente que a venda de eBooks cresceu cerca de 70%
no Brasil, nos Estados Unidos o mesmo dispositivo custa no ano de 20127.
R$180,00. O Kobo Touch está sendo vendido no Brasil por Apesar de todo esse crescimento no mercado, os
R$399,00 e nos Estados Unidos por R$190,006. eBooks ainda não se firmaram como meio de acesso a
A entrada dessas empresas mudou o cenário das leitura. Estudos apontam que os estudantes ainda têm re-
vendas de eBooks no Brasil, instaurando a concorrência sistência aos livros digitais. A Escola de Administração Ted
entre as lojas brasileiras, Saraiva e Cultura, e as gigan- Rogers, da Universidade de Ryerson, no Canadá, divulgou
tes internacionais, Amazon, Apple e GooglePlay. Com uma pesquisa na qual os universitários dizem preferir o
essa disputa, o aperfeiçoamento dos dispositivos, tanto livro impresso ao digital8.
dos aparelhos quanto dos preços mais acessíveis, deve- Foram entrevistados 386 estudantes que passa-
rá acontecer em pouco tempo. Além disso, o consumidor ram a usar textos em formato digital nas aulas. Esses
passou a ter mais facilidade para comprar eBooks e aces- universitários foram questionados sobre as facilidades
so a uma lista extensa de obras. e dificuldades do digital e demonstraram preferência ao
modo tradicional de leitura, o impresso. Os alunos apon-
Resistência aos ebooks taram a dificuldade de concentração como uma proble-
mática, assim como a impossibilidade de fazer anota-
O nascimento do livro digital é movido por um mer- ções e esboços no eBooks. Porém esse recurso existe
cado editorial ávido por explorar o oportunismo das novas aos livros digitais. É possível fazer essas anotações em
tecnologias digitais com ambientes de grande presença
7
Disponível em: http://revolucaoebook.com.br/amazon-vende-70-
mais-ebooks-apenas-ano/. Acesso em: 20/04/2013.
6
Disponível em: http://www.ebookbr.com/2013/03/os-e-readers- 8
Disponível em: http://revolucaoebook.com.br/universitarios-resis-
-venda-no-brasil.html. Acesso em: 22/04/2013. tem-adocao-ebooks/. Acesso em: 19/04/2013.

Capa Sumário eLivre


O livro digital e suas múltiplas perspectivas - Marcos Nicolau (Org.) 111
PDFs ou em aplicativos de tablets e smartphones. Esse Novos usos do livro digital
estudo aponta as dificuldades dos alunos em lidar com
a tecnologia do eBook. Aqui, passamos a mostrar os novos usos e necessi-
Dispositivos de leitura digital, como o tablet, ain- dades do livro digital, situações estas que, em determina-
da enfrentam resistência dos leitores. Sua tela dificulta dos casos promovem um distanciamento entre o impresso
a leitura porque possui a luminosidade semelhante à de e o eletrônico, em outros, acabam por aproximar bastante
um computador comum, o que deixa uma sensação de as duas versões. Conforme postula Darton (2010), pode-
cansaço com o tempo de uso. Além disso, a leitura tam- mos pensar o livro digital como suplemento ao impresso:
bém é prejudicada em ambientes de grande luminosida-
de, como sob a luz do Sol, o que exige aumento de brilho O mundo do saber vem mudando tão rapidamente que
ninguém consegue prever como estará daqui a dez
no dispositivo. A tela ainda é responsável por boa parte do
anos. Acredito, porém, que continuará dentro dos limi-
consumo de energia do dispositivo, pois precisa ser atua-
tes da galáxia de Gutenberg – ainda que essa galáxia
lizada continuamente para manter a exibição das páginas vá se expandir graças a uma nova fonte de energia, o
do livro. A duração da bateria, cerca de 10 horas, é consi- livro eletrônico, que servirá como suplemento, e não
derada curta para os que usam tablets com o objetivo de substituto, da grande máquina de Gutenberg. (DARN-
TON, 2010, p.95).
leitura. Carregar a bateria diariamente não é satisfatório
para esses leitores.
Além de ter que enfrentar a inexperiência do usuá- Não se trata de substituir o impresso pelo digital,
rio, um grande desafio dos eBooks é explorar os recursos acreditamos na convivência entre os dois modelos, já que
multimídias (áudio, vídeo, animação, etc.) e interação, eles suprem necessidades diferentes e o livro eletrônico
para, assim, quebrar de vez a resistência dos estudantes apresenta novos usos que, combinados, geram uma nova
universitários ou de qualquer outro leitor. Os livros ele- experiência ao leitor.
trônicos vieram para suprir e adicionar as necessidades Com o livro digital, é possível reunir e consultar cen-
que o impresso não pode atender. O impresso e o digital tenas de obras em um único dispositivo. Geralmente mais
coexistem para o leitor, não há pretensão de um eliminar leve e mais fino que um livro impresso, o livro eletrônico
a existência do outro. necessita de menos espaço físico para armazenar e trans-
portar o acervo. Para Darton (2010), essa característica
do eBook é essencial para as bibliotecas de pesquisa, já
que não será mais preciso estocar grandes quantidades

Capa Sumário eLivre


O livro digital e suas múltiplas perspectivas - Marcos Nicolau (Org.) 113
de obras impressas, além de facilitar o processo de busca res que porventura não estejam no circuito das editoras,
para o usuário. inclusive com comentários e opiniões a respeito do livro
O recurso de busca do livro digital facilita a orga- ou trechos específicos do mesmo.
nização de leituras rápidas, com foco em exames, con- Obras antigas, que jamais poderiam ser examina-
cursos ou palestras. Quando não há muito tempo para das por grande parte da sociedade, agora podem ser exi-
a leitura, pode-se realizar buscas por assuntos ou até bidas, em trechos ou capítulos. Observamos, assim, um
mesmo por palavras-chave que remetam ao conteúdo favorecimento ao uso coletivo, pois professores e pales-
procurado. trantes podem projetar o conteúdo de um livro sem que o
Para quem lida com obras novas e antigas, os li- mesmo esteja no local da apresentação.
vros digitais impedem que a degradação das folhas ou O eBook pode ser visualizado em diferentes dispo-
o odor de mofo nas páginas seja um empecilho para a sitivos portáteis, como o notebook, smartphone e tablet.
leitura. Muitos leitores e pesquisadores não podem estar Cada aparato tecnológico possui algumas especificidades,
em ambientes que reúnem obras empoeiradas, assim, como o tamanho e o tipo de tela, além da capacidade de
os eBooks proporcionam uma leitura ou estudo em me- processamento e armazenamento.
lhores condições, com possibilidade de armazenamento, Encontramos, também, diferentes formas de inter-
sem perdas e restrições. venção na obra, a partir da utilização de variados apli-
Do mesmo modo como ocorre na versão impressa, cativos para diferentes fins. Softwares que reconhecem
o livro eletrônico também possibilita a inserção de ficha- arquivos PDF e ePub nos permitem fazer anotações e
mentos, anotações e marcações. Segundo Ghaziri (2009, marcações; já os editores de texto, como o Microsoft
p.69), “os comportamentos diante da tela, apesar de pa- Word, fazem com que o usuário possa reescrever trechos
recerem novos, carregam traços do suporte anterior, o da mesma obra.
impresso”. Como a versão é digital, o usuário também Observamos diversos formatos de conteúdo (textu-
pode editar, deletar e até exportar as anotações e com- al, imagético, sonoro), além da visualização de vários gê-
partilhá-las com outras pessoas. neros (obras, quadrinhos, filmes, revistas). Lévy (1999,
Passamos a vivenciar uma democratização da infor- p.96), destaca alguns destes formatos a partir da utiliza-
mação, já que a difusão do conhecimento se dá de for- ção do livro digital: “posso não apenas ler um livro, nave-
ma gratuita e inclusiva. É possível produzir uma obra e gar em um hipertexto, olhar uma série de imagens, ver
difundi-la sem custos, compartilhar livros de outros auto- um vídeo, interagir com uma simulação, ouvir uma músi-

Capa Sumário eLivre


O livro digital e suas múltiplas perspectivas - Marcos Nicolau (Org.) 115
ca gravada em memória distante, mas também, alimentar Os custos de produção e comercialização são redu-
essa memória com textos, imagens etc.”. zidos drasticamente, uma vez que o próprio autor torna-
Na medida em que fazemos intervenções nas obras, -se capaz de editar e diagramar o livro, a partir de sof-
anotando e criando códigos de cores, formas e traços, es- twares com interfaces cada vez mais amigáveis. Não é
tamos criando novos padrões de linguagem que ajudam mais preciso financiar a impressão, qualquer autor pode
a repassar impressões, dicas e opiniões. Sempre estamos comercializar seu livro digital no valor que achar conve-
criando novas maneiras de intervenções, por meio da in- niente ou compartilhá-lo por meio de grandes empresas,
clusão de cores ou traços, para realçar determinado tre- a exemplo da Amazon e da Apple, que cobram apenas
cho relevante, ou por meio de formas e emoticons, para uma porcentagem por livro vendido.
demonstrar a importância de algum tema, sem precisar
repetir sempre o mesmo texto. Conclusão
De modo geral, o livro digital pode ser lido em dois
tipos de telas, uma que utiliza a reflexão da iluminação do O livro impresso existe há mais de 500 anos. Desde
ambiente, e outra, que emite luz. As telas reflexivas são seu aparecimento vem agregando e cumprindo funções a
produzidas com a tecnologia E Ink, um papel eletrônico fim de atender às necessidades que surgem com a evolu-
capaz de simular com perfeição a legibilidade do papel ção do estilo de vida das sociedades, tais como entreter,
convencional. As telas que funcionam a partir da emissão educar, informar, disseminar conhecimento etc.
de luz, usualmente de LCD ou LED, estão presentes nos Nos últimos anos, entretanto, são significativas as
monitores de computadores e notebooks, smartphones e transformações pelas quais os livros vêm passando. O
tablets. Os dispositivos que utilizam telas emissivas pos- surgimento do formato eletrônico acarretou inúmeros in-
sibilitam, a partir do uso de bateria, a leitura em lugares vestimentos no desenvolvimento, não só dos modelos de
escuros ou desprovidos de energia. eBooks, mas de suas plataformas de leitura, como tablets,
Alguns dispositivos, como o Kindle, da Amazon, pos- e-readers e smatphones.
suem dicionários embutidos, capazes de realizar uma pesqui- Todas essas mudanças devem-se ao surgimento
sa instantânea pelo conteúdo do livro. Já o iPad, da Apple, a dessas novas necessidades de uso para o livro. Elas de-
partir do aplicativo iBooks, permite que o leitor consulte in- monstram a importância do digital e garantem ao leitor
formações pertinentes com a integração de serviços de busca que opta por este formato, portabilidade e flexibilidade
(Google e Wikipédia) por meio de uma conexão com internet. tão necessárias nos dias atuais.

Capa Sumário eLivre


O livro digital e suas múltiplas perspectivas - Marcos Nicolau (Org.) 117
Essa nova forma de lidar com o livro não chegou GHAZIRI, Samir. A leitura na tela do computador. São Pau-
ao fim, ela deve continuar se estendendo à medida que lo: Baraúna, 2009.

novas necessidades de uso, além das observadas neste LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo: Ed. 34, 1999.
artigo, surjam, de forma a tornar cada vez mais prática a LOGAN, Robert. Que é Informação? A propagação na bios-
relação dos usuários de livro eletrônico. fera, na simbolosfera, na tecnosfera e na econosfera. Rio de
Janeiro: Editora Contraponto - PUC/Rio, 2012.
Porém, o importante é que entramos em uma era de
PARRY, Roger. A ascensão da mídia: a história dos meios de
democratização do conhecimento, em que a produção, a
comunicação de Gilgamesh ao Google. Rio de Janeiro: Elsevier,
difusão e o acesso ao saber estão cada vez mais disponí- 2012.
veis, em um processo irreversível. Do mesmo modo que PAULINO, Suzana Ferreira. Livro tradicional x Livro eletrônico:
os celulares estão chegando ao alcance das classes mais a revolução do livro ou uma ruptura definitiva? In: Revista
pobres, os conteúdos midiáticos também, afinal o próprio Hipertextus. n° 3, junho, 2009. Disponível em: http://www.
hipertextus.net/volume3/Suzana-Ferreira-PAULINO.pdf. Aces-
celular é fonte de acesso a esses conteúdos, inclusive no so em: 10/04/2013.
formato ePub, o livro digital próprio para este aparato tec-
nológico pessoal.
Nesse contexto, tanto a permanência do livro im-
presso proveniente do mercado editorial, quanto a am-
pliação de uso do livro digital somarão forças para que
o desenvolvimento social e cultural esteja ao alcance de
toda a sociedade. Afinal, conforme diz Parry (2012, p.
60): “Como tipo de mídia, o livro encontra-se em exce-
lente forma, e vai escrevendo um novo capítulo de sua
história nesta era dos meios de comunicação digital”.

Referências

CHARTIER, Roger. A aventura do livro: do leitor ao navega-


dor. São Paulo: Editora UNESP, 1998.
DARNTON, Robert. A questão dos livros: passado, presente e
futuro. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.

Capa Sumário eLivre


O livro digital e suas múltiplas perspectivas - Marcos Nicolau (Org.) 119
nosso objetivo é apresentar e discorrer sobre as causas
que têm impedido o crescimento das vendas de eBooks e
eReaders no Brasil.

LIVROS DIGITAIS NO BRASIL: Palavras-chave: Ebooks. Livros digitais. Mercado edito-


ANALISANDO AS CAUSAS DO INSUCESSO1 rial. Causas do insucesso.

Rennam VIRGINIO2
Introdução

Resumo Na segunda metade do século XV, uma invenção mu-


dou os rumos dos livros na história: a prensa de Guten-
Desde o surgimento da prensa de Gutenberg até os dias berg. Com esta criação do alemão que dá nome ao invento,
atuais o livro passou por diversas transformações. Mas, tornou-se possível a impressão e a produção em grande de
nenhuma tão significativa como as recentes mudanças. escala de livros impressos, criando a categoria de leitor e
Com o advento das tecnologias digitais, um novo formato permitindo a circulação obras na Europa e no mundo.
de livro é produzido e comercializado: o eBook, também McLuhan (1972, p.176) reforça tal importância,
conhecido como livro digital. Este artigo busca apresentar afirmando que a prensa “confirmou e estendeu a nova
um breve levantamento da situação atual do mercado de tendência visual do conhecimento aplicado, dando ori-
eBooks no mundo e no Brasil, uma vez que, até o momen- gem ao primeiro bem de comércio uniformemente re-
to, não alcançou os resultados esperados, mesmo após a produzível, à primeira linha de montagem e à primeira
chegada de gigantes do ramo no último ano, como a Ama- produção em série.”
zon, o Google Books e a Kobo. Diante desta problemática, A máquina criada por Gutenberg, na realidade não
foi uma “invenção”, ou algo inédito, e sim, o aperfeiçoa-
1
Trabalho apresentado no IJ 5 – Rádio, TV e Internet do XV Congres-
so de Ciências da Comunicação na Região Nordeste realizado de 12 a mento da técnica de impressão. Deste modo, não podemos
14 de junho de 2013. afirmar que a prensa de Gutenberg é uma criação, e sim
2
Graduando em Comunicação em Mídias Digitais pela Universidade
Federal da Paraíba. Bolsista do Programa de Iniciação Científica (PI-
uma inovação, sendo esta a introdução de tipos móveis
BIC/UFPB) pelo projeto Para Ler o Digital. Email: virginiorennam@ metálicos, que poderiam ser reutilizados e recombinados
gmail.com

Capa Sumário eLivre


O livro digital e suas múltiplas perspectivas - Marcos Nicolau (Org.) 121
várias vezes, possibilitando uma grande quantidade de có- bém comercial, com um lucrativo mercado. Entretanto,
pias a partir de uma única matriz - o que até então não era atualmente o livro impresso não é mais o único suporte
possível, pois as matrizes eram de madeira e com os tipos oferecido quando se trata de leitura. Junto com os livros
fixos, provocando o rápido desgaste das tábuas. impressos, o mercado também oferece hoje os eBooks
Antes da prensa de Gutenberg, os livros eram ma- (do inglês “eletronic book”, livro eletrônico), mais conhe-
nuscritos, o que limitava o número de exemplares, tornan- cido no Brasil como livro digital.
do a leitura um hábito caro e restrito aos mais nobres e ao Horie (2011, p.15) define o eBook como “uma ver-
clero, como afirma DeFleur e Ball-Rokeach (1993, p.37):
são digital de um livro que pode ser lido em computadores
ou em aparelhos portáteis”. Os livros digitais geralmente
(...) O número de livros disponíveis ficava severamente
restrito e só podiam ser adquiridos por pessoas de con- são lidos em dispositivos portáteis como tablets e eRea-
sideráveis recursos. A impressão trouxe uma modifica- ders, aparelhos produzidos especificamente para a leitura
ção fantástica. Centenas ou mesmo milhares de cópias de eBooks e que possui a tecnologia E-Ink, ou tinta ele-
de um determinado livro podiam ser reproduzidas com
trônica, um tipo de tela anti-reflexiva que mimetiza com o
grande precisão. Foi uma invenção fabulosa que espan-
tou o mundo alfabetizado da época. papel e possibilita uma leitura mais confortável e similar a
do livro impresso. Geralmente, os livros digitais são pro-
O livro, antes mesmo da prensa de Gutenberg, já duzidos nos formatos ePub ou PDF.
havia passado por transformações, não só em seu modo Na Europa Ocidental e, principalmente nos EUA,
de produção, mas também em seu formato e sua matéria- os livros digitais compõem um mercado muito lucrativo,
-prima. A princípio os livros eram de papiro e escritos em sobretudo a Amazon, principal empresa do ramo que já
rolos, também chamados de volumen. Em seguida pas- vende mais eBooks que livros impressos desde 20113. O
saram a ser feitos de outro material, o pergaminho, e no mesmo acontece no Reino Unido desde 20124.
formato conhecido como códice, que é o livro como co- Entretanto o sucesso dos livros digitais não se re-
nhecemos hoje. Quase sempre, eram manuscritos um a
um pelos copistas.
3
Disponível em: http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,na-
-amazon-ebook-vende-mais-que-livro-de-papel,721630,0.htm
Mais de cinco séculos se passaram e a produção Acesso em: 24/04/2013
de livros impressos cresceu continuamente, tornando-se
4
Disponível em: http://blog.crb6.org.br/artigos-materias-e-entre-
vistas/amazon-afirma-vender-mais-ebooks-kindle-do-que-livros-im-
não só um produto de importância cultural como tam- pressos-no-reino-unido/ - Acesso em: 24/04/2013

Capa Sumário eLivre


O livro digital e suas múltiplas perspectivas - Marcos Nicolau (Org.) 123
pete no Brasil, mesmo com o país contando com três dos o livro, enquanto que o PDF não possui essa caracterís-
principais grupos do mercado: Amazon, Kobo e Google, tica. Por esta razão, o PDF é um formato pouco utilizado
sem contar a Apple, que também vende eBooks em sua para a venda de eBooks.
loja online, o iTunes Store e outras grandes redes de livra- O ePub é o formato de eBook comercializado na
rias nacionais interessadas no comércio de livros digitais, grande maioria das lojas, enquanto que o Kindle Format 8
mesmo que em menor escala. é exclusivo para os e-Readers da Amazon, principal ven-
O presente artigo tem o propósito de expor e dis- dedora de livros digitais e e-Readers no mundo.
cutir os fatores que colaboram para o insucesso des- Para “rodar” estes formatos, são necessários sof-
te mercado no Brasil, apesar dos avanços obtidos em twares ou aplicativos específicos, que podemos chamar
2012, como a chegada de eReaders e surgimento de de Readers. O Kindle tem seu reader específico, mas exis-
novas lojas de eBooks. tem outros para PC’s e Tablets que são muito utilizados,
como o Adobe Digital Edition, Adobe Reader, Aldiko e o
Os livros digitais: formatos, readers, e-Readers brasileiros Saraiva Reader e IBA.
e as semelhanças com o impresso As possibilidades de leitura de livros digitais são
grandes, existem diversos dispositivos compatíveis, como
Uma das principais diferenças do livro digital em re- smartphones, tablets e PC’s. Ma,s o ideal é a leitura em
lação ao impresso é quanto ao texto. No digital, surge um e-Reader (do inglês “eletronic reader”, leitor eletrôni-
o hipertexto, definido por Levy (1997, p. 33) como “um co), que assim como foi dito anteriormente, é um disposi-
conjunto de nós ligados por conexões. Os nós podem ser tivo produzido especificamente para a leitura de livros di-
palavras, páginas, imagens, gráficos ou partes de gráfi- gitais, contando, inclusive, com tecnologia de tela que não
cos, sequencias sonoras, documentos complexos que po- cansa a vista e simula o papel, o que torna a leitura do
dem ser eles mesmos hipertextos.” livro digital muito próxima da leitura de livros impressos.
Os livros digitais estão disponíveis em diversos for- André Lemos reforça e descreve esta semelhança,
matos, sendo o ePub, o Kindle Format 8 e o tradicional ressaltando que os leitores de eBooks buscam unir a por-
PDF. Os dois primeiros são formatos “dinâmicos”, que per- tabilidade que o digital oferece com a experiência de lei-
mitem que os livros se ajustem automaticamente ao ta- tura próxima do impresso:
manho da tela do dispositivo no qual já está sendo rodado

Capa Sumário eLivre


O livro digital e suas múltiplas perspectivas - Marcos Nicolau (Org.) 125
Os e-readers emulam, com a e-ink, muito bem o papel e Figura 1: Livros impressos e o Kindle, eReader da Amazon.
a tinta. Alguns não tem iluminação interna e tornam-se
muito confortáveis para a leitura. O que está em jogo aqui
é usar a tecnologia digital e as redes sem fio para propor-
cionar portabilidade da biblioteca e uma leitura próxima
da do livro impresso (sem firulas, links desnecessários, ou
interatividade exagerada). O leitor nem sempre quer ser
“interator”. Ele quer ler como se lê um livro em papel. A
relação material é importante aqui: ler um produto aca-
bado em uma postura corporal similar àquela da leitura
dos livros jornais e revistas impressas. (LEMOS, 2011)5

A afirmação de Levy (1997), de que o hipertexto


retoma e transforma antigas interfaces da escrita, reforça Fonte: www.dualpixel.com.br

essa discussão sobre as semelhanças e diferenças entre


o digital e o impresso. Chartier (1999) corrobora com o As causa do insucesso dos eBooks no Brasil
pensamento de Levy quando diz que o texto em tela cria
uma organização e estruturação do texto que não é de O mercado de livros digitais no Brasil só veio apre-
modo algum a mesma com a qual se deparava o leitor sentar crescimento relevante no último ano, mesmo
do livro em rolo da Antiguidade ou o leitor medieval, mo- assim, ainda aquém da expectativa inicial dos grandes
derno e contemporâneo do livro manuscrito ou impresso. investidores, que viam no país um mercado promissor.
Nestes formatos, o texto é organizado a partir de sua es- Até o primeiro semestre de 2012, poucas livrarias e lo-
trutura em cadernos, folhas e páginas. jas online vendiam eBooks, como a Saraiva e o Subma-
rino.
Nos últimos meses de 2012, a Amazon se instalou
no Brasil e iniciou as vendas do seu eReader, o Kindle e
também de eBooks. Junto a Amazon, a Kobo, empresa
canadense e uma das principais concorrente firmou par-
ceria com a livraria cultura e também começou a vender
5
Disponível em: http://andrelemos.info/2011/10/flica/
Acesso em: 25/04/2013
seus eReaders e eBooks. Além destas, o Google e a Apple

Capa Sumário eLivre


O livro digital e suas múltiplas perspectivas - Marcos Nicolau (Org.) 127
começaram a comercializar livros digitais no Google Play pras de eBooks; por serem dispositivos específicos para
e na iTunes Store, respectivamente. a leitura, são bem mais confortáveis para ler do que os
Segundo dados da DLD (Distribuidora de Livros Di- tablets ou computadores e notebooks.
gitais) - empresa que distribui os eBooks das editoras Por simular eficientemente um livro impresso, boa
Objetiva, Planeta, Record, Rocco, L&PM, Novo Conceito parte dos compradores de eBooks são aqueles que pos-
e Sextante -, as vendas de livros digitais teve um cresci- suem um leitor dedicado, como o Amazon Kindle ou o
mento de 900% entre dezembro de 2011 e dezembro de Kobo. No Brasil, os leitores dessas duas gigantes do mer-
20126. Vale ressaltar que esses são dados apenas relati- cado editorial digital chegaram no segundo semestre de
vos às vendas da DLD. 2012, vendendo eBooks e seus eReaders.
O crescimento é factual, mas as previsões aponta- Antes da chegada destas empresas, o leitores eletrô-
vam prospecções mais positivas para o mercado brasilei- nicos vendidos no Brasil eram poucos, basicamente o Alfa,
ro. Essa “demora” para o alavancamento dos livros digi- da Positivo e o Cool-er, importado e vendido pela Gato Sa-
tais no Brasil, segundo nossa análise, é consequência de bido. Entretanto, os preços eram incompatíveis com a rea-
um conjunto de fatores que atrapalham e desestimulam lidade do mercado, custando entre R$600,00 e R$800,00.
os brasileiros a lerem eBooks, além de um fator de cunho Os consumidores por vezes, preferiam pagar valor seme-
estrutural: o impacto logístico no modelo de mercado lhante a um tablet, que possui mais funcionalidades.
editorial praticado atualmente no país. Enquanto isso, nos EUA, um Kindle de modelo mais
Portanto, os fatores – ou causas -, do insucesso dos simples, poderia ser comprado por 79 dólares, algo em
livros digitais no Brasil são quatro: eReaders com altos pre- torno de R$160,00. A chegada da Amazon e da Kobo ao
ços, pouca de variedade de eBooks em português, livros nosso país e a consequente comercialização de seus leito-
digitais caros e o impacto no modelo atual de negócio. res indicavam uma queda nos preços e um primeiro passo
pro crescimento dos eBooks no Brasil.
Alto custo dos e-readers A Amazon chegou e hoje vende seu modelo mais
simples, com tela de 6’, WI-FI e sem touchscreen por
Os livros digitais podem ser lidos em vários disposi- R$299,00 e a Kobo vende seu leitor mais barato, o Kobo
tivos, mas são nos eReaders que se concentram as com- Mini, com tela de 5’, WI-FI e tela sensível ao toque por
6
Disponível em: http://www.tiposdigitais.com/2013/01/o-tamanho-
R$289,00 na Livraria Cultura. Esses valores já estão bem
-do-mercado-de-ebooks-no-brasil.html abaixo do que era vendido anteriormente, mas ainda sim,
Acesso em: 25/04/2013

Capa Sumário eLivre


O livro digital e suas múltiplas perspectivas - Marcos Nicolau (Org.) 129
muito acima dos preços desses mesmos aparelhos nos Fonte: www.pontofrio.com.br
EUA, que custam, 69 Dólares (R$140,00) e 80 Dólares Podemos constatar que os preços no Brasil, em al-
(R$160,00) respectivamente. guns casos, chegam a custar mais que o dobro dos pre-
Recentemente, as concorrentes lançaram outros ços praticados nos Estados Unidos. O alto custo de um
modelos no mercado brasileiro, o Kindle Paperwhite e o dispositivo que oferece basicamente uma funcionalidade,
Kobo Glo, mas os preços seguem muito acima do valor acaba por desmotivar os brasileiros a investirem em um
vendido no exterior conforme mostra as imagens abaixo: eReader, e isso se reflete, consequentemente, em um nú-
mero menor de vendas de eBooks.
Figura 2: Kindle Paperwhite é vendido

pelo equivalente a R$240,00 nos EUA. Pouca variedade de títulos a venda

Não menos importante, há também o fator varieda-


de. O número de eBooks em língua portuguesa à venda
nas lojas brasileiras é muito inferior a quantidade de títu-
los em inglês e que são vendidos no exterior.
Para se ter uma ideia da desproporcionalidade do
número de obras a venda, a Amazon possui mais de um
milhão de e meio de eBooks em inglês, enquanto que o
número de eBooks em português agora que atingiu a casa
dos vinte mil títulos.7
Fonte: www.amazon.com Muitas editoras nacionais ainda não fecharam acor-
dos e por isso não produzem eBooks, ou seja, muitos li-
Figura 3: Kindle Paperwhite vendido no Brasil custa o dobro. vros ficam só no impresso, o que acaba limitando as op-
ções dos leitores, e esse fator também influência na hora

7
Disponível em: http://www.amazon.com.br/s/
ref=amb_link_366167302_33?ie=UTF8&rh=i%3Adigital-
-text%2Cn%3A5475882011&pf_rd_m=A1ZZFT5FULY4LN&pf_rd_
s=left-4&pf_rd_r=09SFY7Y8T3C73SRT53TT&pf_rd_t=101&pf_rd_
p=1514834982&pf_rd_i=6311441011 - Acesso em: 25/04/2013

Capa Sumário eLivre


O livro digital e suas múltiplas perspectivas - Marcos Nicolau (Org.) 131
de migrar ou não para o digital, pois há sempre o risco do Alguns livros digitais já são vendidos a preços um
leitor não encontrar certos títulos na versão digital. pouco mais baixos que os livros impressos, mas boa par-
te ainda é comercializada a preços iguais ou até mesmo
Figura 4: Busca no site da Amazon mostra o número mais caro. Vale ressaltar que o livro impresso no Brasil
de obras disponíveis em português. também custa caro e um eBook, quando vendido a preço
similar, não indica vantagem.
O custo de produção de um livro digital é muito
mais baixo que a de um livro impresso, pois é dispensado
o uso de papel, de impressão e o transporte que leva os
livros até as lojas. O leitor compra o livro e faz o downlo-
ad direto para o dispositivo no ato da compra, portanto,
é incompreensível um livro digital custar tão caro quanto
um livro impresso. Alguns especialistas apontam que a
causa desse alto custo é a pouca mão de obra disponível
no mercado para a produção de eBooks, pois o processo é
mais complexo que a dos livros impressos.
Fonte: www.amazon.com.br
Figuras 4 e 5: Comparativo de preços do mesmo livro em formato
impresso e digital na Cultura.
eBooks caros

É verdade que os eBooks já foram mais caros em


nossa terra, mas com a chegada da Amazon, Kobo e a
entrada do Google e a da Apple no mercado, a disputa
ficou mais acirrada, o que acabou refletindo na queda dos
preços. Porém, os preços ainda estão um pouco longe da
realidade daqueles praticados no exterior, onde o mer-
cado se firmou e confronta diretamente com os números
dos livros impressos.
Fonte: www.livrariacultura.com.br

Capa Sumário eLivre


O livro digital e suas múltiplas perspectivas - Marcos Nicolau (Org.) 133
O comparativo mostra o livro digital aproximada- minhada para a imprensa no ano passado, intitulada “Carta
mente 20% mais barato que o impresso, porém, continua Aberta da ANL sobre o livro digital no Brasil”. O documento
caro para um livro digital literário e muitos leitores prefe- foi uma resposta da ANL à chegada da Amazon ao Brasil.
rem pagar a obra em formato tradicional. Na Carta, a ANL faz algumas recomendações às li-
Na Amazon norte-americana, a maioria dos eBooks vrarias brasileiras sobre como reagir ao livro digital. Entre
custa até 10 dólares, o equivalente a R$20,00, um preço as recomendações estão: a) estabelecer um intervalo de
bastante competitivo e que tem dado certo, visto o su- 120 dias entre o lançamento dos livros impressos no for-
cesso de vendas de livros digitais daquela empresa. mato de papel no mercado brasileiro e sua liberação nas
A tendência é que os preços continuem a baixar com plataformas digitais; b) que o desconto para revenda do
a chegada de novas lojas e o aumento da mão-de-obra livro digital para todas as livrarias e para as demais plata-
que produza eBooks, mas isso deve acontecer a médio formas seja uniforme, possibilitando igualdade de condi-
prazo, deixando os livros digitais com o preço ainda um ções para todos os canais de comercialização nesse novo
pouco acima da média, por um tempo. suporte de leitura ; c) diferença de preço do livro digital
para o formato impresso seja no máximo igual a 30%; d)
Impacto no modelo atual do mercado editorial brasileiro Na hipótese de a editora ou distribuidora vender direta-
mente ao consumidor final, o desconto nos livros digitais
Além dos fatores apresentados anteriormente, não poderá exceder 5%.
que estão ligados ao livro digital em si, também existe Estas recomendações públicas deixaram claro a re-
um fator que influencia decisivamente no crescimento sistência das livrarias brasileiras com os livros digitais e
ou não do mercado de eBooks do Brasil - e que acontece reforça a preocupação destas com o impacto que o cres-
de forma mais discreta. cimento deste mercado poderia causar, gerando prejuízos
O impacto que um provável sucesso e crescimen- não só aos livreiros, como também aos fabricantes de pa-
to repentino dos livros digitais causaria no modelo atual pel e prestadoras de serviços de transporte.
do negócio do livro no país fez com que muitas edito-
ras e livreiros agissem contra a chegada das gigantes dos Conclusão
eBooks aqui e continuam resistindo a este mercado.
Uma prova deste fato é uma carta pública assinada O livro digital surgiu para coexistir com o impresso.
pela ANL – Associação Nacional de Livrarias e que foi enca- Não é um concorrente, e sim, apenas um novo produto,

Capa Sumário eLivre


O livro digital e suas múltiplas perspectivas - Marcos Nicolau (Org.) 135
uma nova opção para os leitores, o que torna o mercado Vale lembrar que o livro impresso e seu mercado
editorial mais dinâmico e mais diversificado, oferecendo passaram por diversas transformações ao longo dos cinco
outras experiências em leitura que pode vir a atender no- séculos que transcorreram desde a prensa de Gutenberg
vas necessidades. até o surgimento dos processos digitais. Nesse contexto,
Sucesso nos EUA e na Europa, o livro digital chegou os editores, escritores e leitores se adaptaram a estas
sem muita força ao Brasil e gerou expectativas de gran- transformações e ajudaram a constituir o livro impresso
de crescimento com a vinda da Amazon e Kobo. Porém, como conhecemos hoje.
o sucesso esperado ainda não foi atingido pelos fatores Segundo Parry (2012), apesar do boom das empre-
apresentados neste artigo, que vão desde questões como sas pontocom na primeira década deste século, o livro em
a falta de mão-de-obra - que encarece os eBooks -, passa suas diferentes formas, parece ter sido o meio de comu-
pelos altos impostos cobrados no país - que torna os eRe- nicação de crescimento mais rápido, no que diz respeito
aders duas vezes mais caros -, até chegar a problemas à quantidade de unidades produzidas. Para se ter uma
logísticos, influenciando diretamente nos demais. ideia, conforme o autor, no ano de 2011, apenas nos Es-
Temos um ciclo de causas que afasta dos brasileiros tados Unidos, a previsão era de que cerca de 300 mil no-
o interesse em conhecer mais de perto as vantagens dos vos títulos seriam publicados no formato tradicionalmente
livros digitais e impossibilita o crescimento deste mercado impresso, batendo o recorde em relação a qualquer ano
no Brasil. Enquanto nos Estados Unidos os leitores podem anterior. Além disso, haveria mais de 12 milhões de livros
comprar eReaders a menos de 100 Dólares e variados tí- disponibilizados anualmente em outros formatos, a exem-
tulos por menos de 10 Dólares, o brasileiro ainda encontra plo das modalidades eletrônicas e como arquivos em PDF.
eReaders caros, e pouco variedade de títulos, a maioria a Nesse sentido, arremata Parry (2012, p. 60): “Como tipo
alto custo, tudo isso somado aos entraves que as livrarias de mídia, o livro encontra-se em excelente forma, e vai
provocam por resistir aos livros digitais. escrevendo um novo capítulo de sua história nesta era
A expectativa, agora, é que esses problemas sejam dos meios de comunicação digital”.
contornados e em médio prazo possamos ter um merca- Parece-nos, portanto, tratar-se de um movimento
do de eBooks próximo do norte-americano, o que não só sem volta essa jornada do livro rumo aos novos formatos
aumentaria os lucros das livrarias e editoras que apostas- eletrônicos, ao qual o mercado editorial e a sociedade de-
sem neste mercado, como também incentivaria a leitura, verão se adaptar, sob pena de serem engolidos pelo atra-
pois os custos seriam mais baixos. so que já nos distancia dos países mais avançados.

Capa Sumário eLivre


O livro digital e suas múltiplas perspectivas - Marcos Nicolau (Org.) 137
Referências

CHARTIER, Roger. A aventura do livro: do leitor ao navega-


dor. São Paulo: Editora UNESP, 1998.
DEFLEUR, Melvin L.; BALL-ROKEACH, Sandra. Teorias da Co-
A ASCENSÃO DO LIVRO DIGITAL
municação de Massa. Rio de Janeiro: Zahar, 1993.
E A AUTONOMIA DO AUTOR NA CIBERCULTURA1
HORIE, Ricardo Minoru. Coleção eBooks Volume 1: Arte-fina-
lização e conversão para livros eletrônicos nos formatos
ePub, Mobi e PDF. São Paulo: Bytes & Types, 2011. Filipe Almeida2
LEMOS, André. Livro e mídia digital. Disponível em: http://
andrelemos.info/2011/10/flica/ Acesso em: 01/11/2011
LÉVY, Pierre. As tecnologias da inteligência: o futuro do Resumo
pensamento na era da informática. São Paulo: Ed. 34, 1997
MCLUHAN, Marshall. A galáxia de Gutenberg: a formação O livro digital está ganhando espaço e aceitação no mer-
do homem tipográfico. São Paulo: Editora Nacional, Editora da
cado editorial brasileiro, mesmo diante da relutância dos
USP, 1972.
leitores acostumados com o livro impresso. Não há evi-
PARRY, Roger. A ascensão da mídia: a história dos meios de
dências de que este artefato tecnológico suplantará o li-
comunicação de Gilgamesh ao Google. Rio de Janeiro: Elsevier,
2012. vro impresso, mas, na prática, os eBooks, como são de-
nominados, estão despontando como versões capazes de
atender à novas necessidades e de criar novos usos que
Sites
os livros impressos já não atendem no contexto da ciber-
www.amazon.com cultura. Essa ascensão do livro digital tem reflexos diretos
www.amazon.com.br na produção e negociação dos autores junto à grandes
editoras: a autonomia destes frente ao modelo tradicional
www.livrariacultura.com.br
www.pontofrio.com.br
1
Artigo originalmente apresentado no VI Simpósio Nacional da ABCi-
www.kobo.com ber, Curitiba, 2013.
2
Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Comunicação (PPGC/
UFPB). Integrante do Grupo de Pesquisa em Processos e Linguagens
Midiáticas - Gmid/PPGC e do Projeto Para Ler o Digital. E-mail: fili-
pekjp@gmail.com

Capa Sumário eLivre


O livro digital e suas múltiplas perspectivas - Marcos Nicolau (Org.) 139
do mercado editorial está provocando mudanças consi- o autor, responsável pelo conteúdo das obras, é quem
deráveis na indústria do livro. O presente artigo tem o menos ganha no processo mercadológico de levar impor-
propósito de compreender as transformações proporcio- tantes obras a todas as áreas de atuação do ser humano.
nadas pelo livro digital junto a leitores, autores e mercado Esse império do livro impresso, porém, foi instiga-
editorial, a partir das necessidades emergentes e de suas do a rever a continuidade de sua hegemonia, diante do
implicações mercadológicas. surgimento do livro digital no âmbito da cibercultura. E
mesmo que não haja indícios de que esse novo formato
Palavras-chave: Livro digital. Mercado editorial. Autono- e padrão editorial de livros que transitam pela tecnologia
mia do autor. Cibercultura. das mídias digitais, venham suplantar o livro impresso,
trata-se de uma inovação que já está modificando o modo
como nos relacionamos com as obras, a partir de novas
Introdução necessidades de produção e consumo do conhecimento.
Além disso, é um processo editorial que atinge e modifica
O livro é um gênero literário cuja hegemonia no for- consideravelmente os modos de criação e distribuição dos
mato impresso tem cerca de 500 anos, participando de livros por parte dos autores, dando-lhes uma autonomia
forma significativa de grandes mudanças sociais. Embora comercial que abala diretamente as práticas editoriais es-
seu formato de folhas manuscritas reunidas em bloco te- tabelecidas desde o surgimento da indústria cultural.
nha se iniciado com o códex, no Egito Antigo, foi Johannes As tecnologias da informação e da comunicação que
Gutenberg, criador da prensa de tipos móveis, quem im- se estabeleceram a partir da computação pervasiva e en-
primiu os primeiros 180 exemplares da Bíblia, no período gendramento dos sistemas midiáticos fixos e móveis, ti-
de 1450 a 1455 (PARRY, 2012). veram na internet o espaço apropriado para a produção e
Daquela época até então, a indústria do livro desen- o compartilhamento de informações e conhecimentos em
volveu um sistema editorial de grandes proporções, cujo escala global. Passaram a atuar sob a égide das conheci-
modelo de negócios vende milhões de exemplares, anual- das leis da cibercultura, em que se instaurou a distribuição
mente, em todo o mundo. Autores, editores, distribuido- do polo de emissão, a conectividade de toda a sociedade
res e livreiros participam ativamente desse mercado, cujo e a reconfiguração de práticas midiáticas (LEMOS, 2005).
produto representa uma das mais profícuas formas de ex- O que estamos presenciando é a ascensão do li-
pressões do saber e da cultura humana. Nesse contexto, vro digital, chamado de eBook e que tem formatos (PDF,

Capa Sumário eLivre


O livro digital e suas múltiplas perspectivas - Marcos Nicolau (Org.) 141
ePub3 entre outros) e versões diversas, capazes de se- conjuntura, passa a ser orientado pelas mesmas leis que
rem transportados, distribuídos e lidos em computadores, regem a cibercultura.
tablets, smartphones e eReaders4, passíveis de serem Com a liberação da emissão, podemos encontrar
produzidos, editados e vendidos ou compartilhados gra- quase todo tipo de informação circulando na rede, inde-
tuitamente pelos próprios autores. São responsáveis por pendentemente da influência exercida pelo difusor. Nos
significativas mudanças estruturais no mercado editorial livros eletrônicos, observamos a aplicação da primeira
em grande parte do mundo. lei na medida em que qualquer pessoa pode escrever
Que transformações são essas verificadas, tanto no um livro e publicá-lo sem custo algum. Softwares para
modo de produção, formato estético e consumo, quanto a editoração de eBooks estão cada vez mais intuitivos, a
no processo de editoração e comercialização das obras? E exemplo do iBooks Author, aplicativo gratuito da Apple
quais as implicações desse sistema digital que envolve o que permite ao escritor realizar todo o processo de dia-
livro no cerne das sociedades contemporâneas? Respon- gramação com a inserção de recursos de áudio, vídeo,
der essas perguntas é o objetivo maior do presente artigo. galeria de imagens, infográficos interativos e objetos
em três dimensões.
O surgimento do livro digital O princípio da conectividade generalizada, como
no contexto da cibercultura discute Lemos (2005), teve início em meados da década
de 1970, com o surgimento dos primeiros computadores
De acordo com os estudos de Lemos (2005), a ci- pessoais. Entre os anos de 1980 e 1990, o PC foi trans-
bercultura pode ser caracterizada por três “leis funda- formado em uma plataforma coletiva com o surgimento e
doras”: a liberação do polo de emissão de informações, popularização da internet. Hoje, o caráter portátil dos dis-
mensagens, opiniões etc., o princípio de conexão e com- positivos eletrônicos promove uma série de alterações nas
partilhamento em rede e a reconfiguração dos forma- práticas sociais, permitindo ao usuário conexão à rede em
tos midiáticos e práticas sociais. O livro digital, na atual qualquer lugar.
Obedecendo à lei da conectividade, encontramos os
3
Abreviatura de electronic publication, o ePub é um padrão interna-
cional para eBooks, livre e aberto. Por ter um layout fluido, o texto e livros digitais disponíveis na internet de forma gratuita ou
as imagens presentes no livro podem ser redimensionadas de acordo paga, cabendo somente ao autor decidir de que forma irá
com o tamanho da tela do dispositivo, possibilitando uma boa leitura
nos mais variados aparatos tecnológicos, principalmente nos portáteis.
difundir sua obra. Os eBooks também podem conter links
4
Pequeno aparelho que tem a função de mostrar na tela o conteúdo externos, associados a outros livros ou à páginas da web,
dos livros digitais. Nele podem ser armazenadas inúmeras obras.

Capa Sumário eLivre


O livro digital e suas múltiplas perspectivas - Marcos Nicolau (Org.) 143
favorecendo a aplicação do princípio da conexão em rede. existe outra dimensão nessa nova concepção de livro, que
A reconfiguração, terceira lei que rege a cibercultu- não pode ser deixada de lado. Segundo Dziekaniak et
ra, expõe a necessidade de se repensar as práticas midiá- al. (2010, p.85), “essa é a realidade da leitura virtual,
ticas. Para Parry (2012, p.21), “cada nova tecnologia cria um formato que convida o leitor a interagir e a explorar
novos formatos de mídia, que ao mesmo tempo acrescen- símbolos e palavras que mudam de cor ou que oferecem
tam e modificam seus antecessores”. a facilidade de manuseio com um simples toque”. Com
Do ponto de vista mercadológico, talvez tenhamos esses recursos, a leitura virtual torna-se uma experiência
uma das questões mais recorrentes quando o assunto é agradável, um convite para que o leitor possa interagir
livro eletrônico: será que, com a expansão deste novo com elementos capazes de proporcionar um aumento sig-
formato, estamos nos aproximando do fim do livro im- nificativo na absorção do conteúdo dos livros.
presso? Acreditamos que não; o livro se encontra em Mas, a presença do livro digital está revelando inú-
processo de reconfiguração, portanto, não se trata da meros outros aspectos intrínsecos à vida contemporâ-
simples substituição do impresso pelo digital. O livro di-
nea que fazem dele uma necessidade. A urgência da vida
gital surge para suprir novas necessidades que, com os
pessoal e profissional confere novos usos e práticas para
novos recursos audiovisuais interativos, geram uma nova
esses aparatos técnicos e permitem que alguns autores
experiência de leitura.
postulem que podemos pensar o livro digital como suple-
mento do impresso:
Livro digital: novos usos e necessidades
O mundo do saber vem mudando tão rapidamente que
As gerações que nasceram sob a égide do livro im- ninguém consegue prever como estará daqui a dez anos.
presso, ainda mantêm apreço e saudosismo por um ob- Acredito, porém, que continuará dentro dos limites da ga-
jeto de forte significado na cultura. Folhear um livro e láxia de Gutenberg – ainda que essa galáxia vá se expan-
dir graças a uma nova fonte de energia, o livro eletrônico,
passar os dedos sobre as letras é uma experiência que se
que servirá como suplemento, e não substituto, da gran-
prolonga desde a infância. E pensar em trocá-lo por um de máquina de Gutenberg. (DARNTON, 2010, p.95).
livro digital que fica condicionado a uma tabuleta de metal
e vidro não é uma ideia que se aceita de imediato. Uma constatação imediata é a de que o padrão de
Porém, quando começamos a conviver com os ta- livro digital permite reunir e consultar centenas de obras
blets e os eReaders, aos poucos vamos percebendo que em um único dispositivo. Geralmente mais leve e mais

Capa Sumário eLivre


O livro digital e suas múltiplas perspectivas - Marcos Nicolau (Org.) 145
fino que um livro impresso, o livro eletrônico como supor- o uso coletivo dos livros, uma vez que professores e pa-
te tecnológico necessita de menos espaço físico para ar- lestrantes podem projetar seus conteúdos sem que a obra
mazenar e transportar o acervo. Segundo Darton (2010), esteja no local da apresentação.
essa característica do eBook é essencial para as bibliote- O livro digital, tal qual o livro impresso, também
cas de pesquisa pelo fato de que não será mais preciso possibilita a inserção de fichamentos, anotações e mar-
estocar grandes quantidades de obras impressas, além de cações. Segundo Ghaziri (2009, p.69), “os comportamen-
facilitar o processo de busca para o usuário. tos diante da tela, apesar de parecerem novos, carregam
Além dessas, uma série de outras observações fo- traços do suporte anterior, o impresso”. Como a versão
ram levantadas em recente pesquisa realizada por Gue- é digital, o usuário pode editar, deletar e até exportar as
des, Albuquerque, Almeida e Nicolau (2013), visando de- anotações e compartilhá-las com outras pessoas.
monstrar as necessidades e usos do livro digital. Alguns dispositivos de leitores digitais, como o Kin-
Dotado de versátil recurso de busca em seus diferen- dle, da Amazon, por exemplo, possuem dicionários embu-
tes formatos, o livro digital facilita a organização de leitu- tidos, capazes de realizar uma pesquisa instantânea pelo
ras rápidas para quem está focado em exames, concursos conteúdo do livro. Já o iPad, da Apple, a partir do aplicati-
ou palestras. Quando não há muito tempo para a leitura, vo iBooks, permite que o leitor consulte informações per-
pode-se realizar buscas por assuntos ou até mesmo por tinentes com a integração de serviços de busca (Google e
palavras-chave que remetam ao conteúdo procurado. Wikipédia) por meio de uma conexão com internet.
Diante da preservação e pesquisa em obras novas e A possibilidade de produção e difusão de um livro sem
antigas, os livros digitais impedem que a degradação das custos é uma premissa importante para a democratização
folhas ou o odor de mofo nas páginas sejam um empe- da informação, já que a difusão do conhecimento se dá de
cilho para a leitura. Muitos leitores e pesquisadores não forma gratuita e inclusiva. Por sua vez, pode-se comparti-
podem estar em ambientes que reúnem obras empoeira- lhar obras de outros autores que porventura não estejam no
das. Nesse caso, os eBooks proporcionam uma leitura ou circuito das editoras, inclusive com comentários e opiniões a
estudo em melhores condições, com possibilidade de ar- respeito do livro ou trechos específicos do mesmo.
mazenamento, sem perdas e restrições. No tocante ainda O leitor pode estar em qualquer parte do mundo,
a obras antigas e que jamais poderiam ser examinadas seus eBooks podem ser visualizados em diferentes dis-
por grande parte da sociedade, estas, agora, podem ser positivos portáteis, como o computador, smartphone, ta-
exibidas, em trechos ou capítulos. Tal facilidade favorece blet e eReader. Cada aparato tecnológico possui algumas

Capa Sumário eLivre


O livro digital e suas múltiplas perspectivas - Marcos Nicolau (Org.) 147
especificidades, como o tamanho e o tipo de tela, além de leitura em locais inóspitos, com escuridão e ausência
da capacidade de processamento e armazenamento para de energia elétrica. Os eBooks podem ser lidos em dois
conter quantos livros digitais forem necessários. tipos de telas, uma que utiliza a reflexão da iluminação do
Outros aspectos técnicos próprios dos livros digi- ambiente e outra, que emite luz. As telas reflexivas são
tais permitem diferentes formas de intervenção na obra, produzidas com a tecnologia E Ink, um papel eletrônico
a partir da utilização de variados aplicativos para diversos capaz de simular com perfeição a legibilidade do papel
fins. Softwares que reconhecem arquivos PDF e ePub per- convencional. As telas que funcionam a partir da emissão
mitem fazer anotações e marcações. Editores de texto, de luz, usualmente de LCD ou LED, estão presentes nos
como o Microsoft Word, por exemplo, fazem com que o monitores de computadores e notebooks, smartphones e
usuário possa reescrever trechos da mesma obra. tablets. Os dispositivos que utilizam telas emissivas pos-
Além de todas essas possibilidades, alguns outros sibilitam, a partir do uso de bateria, a leitura em lugares
aspectos se destacam, como o fato de podermos lidar com escuros ou desprovidos de energia.
formatos de conteúdo (textual, imagético, sonoro), além Por fim, vale salientar que os custos de produção
da visualização de vários gêneros (obras, quadrinhos, fil- e comercialização dos livros digitais são reduzidos dras-
mes, revistas). Nesse caso, as obras podem conter sons ticamente, uma vez que o próprio autor torna-se capaz
e vídeos ou mesmo ser representadas por gêneros diver- de editar e diagramar o livro, a partir de softwares com
sos, como ocorre nas obras infantis. interfaces cada vez mais amigáveis. Como não é mais
Seguindo essas perspectivas de propriedades intrín- preciso financiar a impressão, qualquer autor pode co-
secas ao padrão do livro digital, percebemos que, na medida mercializar seu livro digital no valor que achar conve-
em que fazemos intervenções nas obras, anotando e criando niente ou compartilhá-lo por meio de grandes empresas,
códigos de cores, formas e traços, estamos criando novos a exemplo da Amazon e da Apple, que cobram apenas
padrões de linguagem que ajudam a repassar impressões, uma porcentagem por livro vendido.
dicas e opiniões. Podemos criar novas maneiras de interven-
ções, seja por meio da inclusão de cores ou traços, para re- A autonomia do autor e as novas relações
alçar determinado trecho relevante, em diferentes níveis ou editoriais com o mercado
de formas e emoticons, para demonstrar a importância de
algum tema, sem precisar repetir sempre o mesmo texto. O conceito de autonomia comunicacional, referen-
Mais uma vantagem do livro digital é a possibilidade te ao autor tem respaldo em Nicolau (2010), para quem

Capa Sumário eLivre


O livro digital e suas múltiplas perspectivas - Marcos Nicolau (Org.) 149
a trajetória do texto, do livro e do autor parece ter pro- comunicacional tornou-se evidente, apoiada na autonomia
gredido historicamente a partir do sistema fonético gre- do texto e na autonomia do suporte: a autonomia do autor.
go, passando pela prensa de Gutenberg e chegando à Nessa trajetória, porém, percebe-se a implantação
instauração da internet. de um sistema de mercado que regeu a indústria do livro
Para este autor, o modo de escrita dos sumérios, durante séculos. Com o surgimento da prensa de tipos
egípcios e fenícios estava preso a uma referencialidade móveis, inventada por Gutenberg por volta de 1450, os
própria do contexto. Eram textos que falavam dos reis, primeiros impressores também desempenhavam as fun-
faraós e deuses ou ainda das posses e dos rituais, que ções de editor e vendedor, a partir da abertura de livra-
faziam parte da existência imediata desses povos. Foram rias com a finalidade de escoar toda a produção impressa.
os gregos, porém, que desenvolveram um sistema de es- Conforme Parry (2012), o impressor era quem detinha o
crita responsável pela criação de narrativas e expressão real valor do livro, acumulando lucros bem maiores que os
de suas ideias capazes de se perenizar no tempo e no do próprio autor. Apenas no século XVIII, os autores pas-
espaço; de ser lido por outras culturas e ser aplicável à saram a ter a escrita como profissão, encorajados pelas
existência humana de forma generalizada. leis de direitos autorais.
Em um segundo momento, essa autonomia comu- Nos séculos seguintes, o modelo de negócio do li-
nicacional concretizou-se como autonomia do suporte, no vro impresso foi aperfeiçoado e consolidado, culminan-
caso, o livro impresso. Foi a prensa de Gutenberg que do numa estrutura sólida composta por autores, edito-
permitiu aos textos, antes manuscritos pelos copistas em ras, distribuidores e livreiros. Durante muito tempo coube
pergaminhos, serem reconfigurados a partir dos tipos mó- às editoras o ofício de selecionar apenas os títulos mais
veis, cujas matrizes permitiam a reprodução de muitos prováveis de serem comercializados, ou de autores ven-
exemplares. Segundo Nicolau (2010), não apenas os tex- dáveis, já conhecidos pelo público leitor. Inúmeras obras
tos já existentes, mas também os novos textos podiam se perdiam em meio a vasta relação de livros rejeitados
estar nas mãos de uma nova categoria de receptor: o lei- para publicação. Ao autor restava apenas arcar com o alto
tor. Com isso, diversos autores, apoiados em novas práti- custo da impressão para visualizar alguns exemplares ex-
cas de difusão de informação, espalharam suas obras pela postos nas prateleiras das livrarias.
Europa e por todo o mundo. Pela primeira vez, mais de quinhentos anos após o
Após o surgimento da Internet e a instauração da surgimento do livro impresso, o mercado editorial passa
Web, no contexto mais amplo da cibercultura, outra lógica por uma grande reformulação com o advento do livro digi-

Capa Sumário eLivre


O livro digital e suas múltiplas perspectivas - Marcos Nicolau (Org.) 151
tal. Agora, não há mais o custo elevado da produção, ar- tre disponibilizar seu livro de forma gratuita ou cobrar por
mazenamento e transporte das obras, e o mais importante, cada download realizado.
qualquer autor pode se tornar vendável. A instauração da Hoje, é possível encontrar diversas plataformas
cibercultura, com base nas três leis citadas anteriormente, de auto publicação, e a maior parte delas abrange to-
possibilitou o surgimento de um novo autor, com a oportu- das as etapas de produção e comercialização do livro
nidade de escrever seu próprio livro, diagramá-lo e difundi- digital. Uma das plataformas mais utilizadas no cenário
-lo sem depender do filtro das editoras e, de maneira geral, mundial é o KDP6 (Kindle Direct Publishing). A ferra-
do oneroso processo de publicação do impresso. menta da Amazon permite a publicação de obras de for-
No processo de reconfiguração, o fator mercadoló- ma independente, sendo possível publicar um eBook e
gico também é modificado. Os altos custos na produção distribuí-lo em até 24 horas, além de realizar alterações
do livro impresso dificultam a distribuição das obras de no conteúdo a qualquer momento e contar com um sis-
autores independentes. Para Virginio e Nicolau (2012), tema automatizado de gerenciamento para controlar a
os livros digitais permitem que estes autores publiquem quantidade de livros vendidos em cada país.
suas obras com menos gastos, e ainda, disponibilizem Fazendo uso dessa ferramenta, o escritor america-
seu conteúdo a uma parcela maior da sociedade, por no John Locke atingiu o número de um milhão de eBooks
meio da internet. vendidos em apenas cinco meses, comercializando-os por
Os softwares de diagramação estão com interfaces US$0,997. Não há custo algum para o autor incluir sua
cada vez mais intuitivas, permitindo que usuários leigos versão do livro eletrônico na plataforma KDP, entretanto,
sejam capazes de realizar todo o processo de editora- a Amazon cobra uma taxa de 30 por cento por livro ven-
ção facilmente. Visualizamos uma tendência de desen- dido, de acordo com o plano de comercialização escolhido.
volvimento de softwares especificamente para autores, Acompanhando a tendência da auto publicação, no
a exemplo do iBooks Author5, da Apple. O aplicativo da primeiro semestre do ano, a Livraria Saraiva lançou o Pu-
empresa do Vale do Silício permite a inserção de áudio, blique-se8. A plataforma da maior rede de livrarias brasilei-
vídeo, galerias de imagens, objetos em três dimensões, 6
Disponível em: https://kdp.amazon.com/self-publishing/
diagramas interativos, entre outros recursos. Ao término signin?ie=UTF8&language=pt_BR - Acesso em: 06/09/2013.
da inclusão de todo o conteúdo, o autor deve escolher en-
7
Disponível em: http://revistapegn.globo.com/Revista/
Common/0,,EMI243323-17180,00-SEM+AJUDA+DE+EDITORA+AUT
5
O software produz multi-touch books, termo cunhado pela Apple para OR+VENDE+MILHAO+DE+EBOOKS.html - Acesso em: 06/09/2013.
tratar de livros com recursos audiovisuais interativos. Disponível em: 8
Disponível em: http://livrariasaraiva.com.br/publique-se/ - Acesso
http://www.apple.com/br/ibooks-author/. Acesso em: 03/09/2013. em: 06/09/2013.

Capa Sumário eLivre


O livro digital e suas múltiplas perspectivas - Marcos Nicolau (Org.) 153
ra dispõe de um manual prático para autores, que contém, estão exigindo as adequações necessárias. Uma delas é o
de conceitos básicos relativos ao livro digital, a instruções sistema de vendas da Amazon a U$ 0,99 e que está geran-
de como preparar o eBook para publicação. Assim como do desconforto nos autores. Qualquer autor pode vender
ocorre no KDP, a diagramação pode ser feita no Microsoft sua obra por U$ 0,99 diretamente no site da Amazon e vai
Word e convertido automaticamente pelo sistema. receber 70 por cento do lucro das vendas. Porém, caso o
público desse livro seja de nicho, é necessário que o preço
O mercado editorial em busca de adequações fique mais alto, trazendo desvantagens para o autor. Nesse
caso a Amazon corta a remuneração pela metade, pagando
O avanço tecnológico e a popularização dos disposi- 35 por cento do valor, o que gera uma perda dupla para o
tivos portáteis deu origem a novos mercados, notadamen- autor. Aqui no Brasil, com a chegada da Amazon em 2013,
te o de livros digitais, que em grande parte dos países, in- o problema vem seguido de outro. Para ter 70 por cento do
cluindo o Brasil, ainda está dando seus primeiros passos. lucro das vendas, além do critério acima é necessário dar
Entretanto, de acordo com um infográfico desenvolvido exclusividade à editora norte-americana.
pelo site Now Novel, os livros eletrônicos já correspondem Na Inglaterra, os autores estão se organizando para
a 9 por cento e 30 por cento do mercado editorial da Chi- desenvolver ações que não sejam tão prejudiciais a eles.
na e dos Estados Unidos, respectivamente9. Entre elas, para enfrentar essa situação criada pela Ama-
Com o surgimento de um mercado promissor, os zon, os autores estão preferindo diversificação de canais
agentes do até então consolidado mercado editorial es- por acreditarem que é melhor vender em outros lugares
tão buscando adequar suas práticas a esse novo modelo do que depender exclusivamente da Amazon10.
engendrado pelos eBooks. Estamos em fase de ajustes, Outro aspecto importante a ser considerado é o
na qual a adaptação aos aparatos portáteis torna-se um fato de muitos dos livros lançados pelo sistema de auto
requisito obrigatório para que editoras e livrarias sobrevi- publicação Kindle Direct Publishing possuirem conteúdos
vam no competitivo cenário digital. Parece-nos que a ado- copiados de forma ilegal. Os spammers, como são conhe-
ção do ePub como formato padrão de livros eletrônicos cidos os falsos autores, agem de duas maneiras: geram
demonstra a atual conjuntura dessa transformação. um novo livro a partir de conteúdo disponível livremente
Mas, alguns problemas no decorrer desse processo na internet, ou copiam trechos de outros livros eletrô-
10
Disponível em: http://revolucaoebook.com.br/pequenos-escrito-
9
Disponível em: http://www.nownovel.com/blog/is-there-money-in- res-britanicos-protestam-contra-termos-amazon/.
-ebooks/ - Acesso em: 20/08/2013. Acesso em: 16/set/2013.

Capa Sumário eLivre


O livro digital e suas múltiplas perspectivas - Marcos Nicolau (Org.) 155
nicos a venda na própria Amazon. De acordo com o Los trouxe inúmeras novas necessidades comunicacionais e
Angeles Times, geralmente esses eBooks são encontrados midiáticas. A principal delas é saber lidar cada vez mais
em valores promocionais (algo em torno de US$ 0,99) e com o imenso fluxo de informações que nos permita ge-
correspondem a cerca de 10 por cento do faturamento da rar e gerir os conhecimentos exigidos para viver em uma
multinacional norte-americana11. sociedade em rede.
As consequências dessa modalidade de publicação A presença do livro digital na sociedade contempo-
já podem ser vistas no desenvolvimento de sistemas rânea é uma realidade premente e sem volta. Principal-
cada vez mais complexos para a análise de conteúdo mente porque este circula nos mesmos aparatos tecnoló-
por parte da Amazon, de forma a garantir a manuten- gicos das demais mídias digitais, tais como computadores,
ção de sua integridade. Em junho do corrente ano ocor- tablets, smartphones e eReaders, e estão presentes em
reu um fato inusitado com um autor brasileiro que pre- todas as instâncias da vida social, inclusive nas escolas,
tendia publicar sua obra utilizando o KDP. Paulo Roberto complementando o livro didático impresso.
Purim, conhecido pelo pseudônimo Paulo Brabo, reuniu Do códice ao livro impresso e deste para o livro di-
alguns dos textos de sua autoria presentes em seu site gital, apesar das distâncias que separam um instrumento
para publicação na Amazon, entretanto, seu conteúdo do outro, constatamos uma trajetória significativa para
foi rejeitado por estar disponível gratuitamente na in- consolidar todo um aparato tecnológico que visa suprir a
ternet. Após o autor ter retirado o conteúdo do site e necessidade de produção e difusão do conhecimento hu-
com a repercussão da notícia12, a Amazon voltou atrás mano, e que caminhou rumo a uma autonomia comuni-
e autorizou a venda do livro. cacional, por parte do autor, que se presentifica agora no
contexto da cibercultura.
Considerações finais Mas, a ascensão do livro digital e a autonomia autoral
não se estabelecem de forma irrestrita e tranquila: passam
Estamos imersos em uma tecnologia pervasiva que pelos crivos de uma sociedade demarcadamente capitalis-
nos proporcionou a ubiquidade da comunicação e isso nos ta e apegada a seus artefatos mercadológicos que movem
grandes cifras financeiras e constitui a base de muitos con-
11
Disponível em: http://articles.latimes.com/2011/jun/16/business/ glomerados nacionais e internacionais. É nesse contexto
la-fi-kindle-spam-20110616. Acesso em: 15/09/2013.
12
Disponível em: http://www.baciadasalmas.com/2013/punido-pela-
que são regidas as tentativas de estabelecer regras e nor-
-distincao-como-ser-popular-demais-me-impediu-de-ser-publicado- mas que assegurem um modelo de negócio lucrativo.
-pela-amazon/#identifier_0_2902. Acesso em: 15/09/2013.

Capa Sumário eLivre


O livro digital e suas múltiplas perspectivas - Marcos Nicolau (Org.) 157
O presente estudo mostra que o conceito de livro Referências
digital está no cerne da própria cibercultura, uma vez que,
a descentralização do polo de emissão estabelecida pela CARR, Nicholas. O que a internet está fazendo com nossos
cérebros: a geração superficial. Rio de Janeiro: Agir, 2011.
autonomia do autor, a conectividade dos dispositivos fi-
DZIEKANIAK, Gisele Vasconcelos et al. Considerações sobre o
xos e móveis para compartilhamento das produções e a
e-book: do hipertexto à preservação digital. In: Biblos: Re-
reconfiguração das práticas midiáticas nas mãos de qual- vista do Instituto de Ciências Humanas e da Informação. Dis-
quer cidadão provocam significativas transformações em ponível em: http://www.seer.furg.br/index.php/biblos/article/
diferentes níveis de nossas vidas. Ler livros não é mais viewFile/1899/1035. Acesso em: 01/04/2012.

uma simples atividade cultural de aquisição do conheci- DARNTON, Robert. A questão dos livros: passado, presente e
futuro. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.
mento, e sim, uma estratégia fundamental de capacitação
e instrumentação dos cidadãos para conviver numa ciber- GHAZIRI, Samir. A leitura na tela do computador. São Pau-
lo: Baraúna, 2009.
democracia. E publicar livros não é mais uma prerrogativa
GUEDES, Fabrícia; ALBUQUERQUE, Marriett; ALMEIDA, Filipe;
dos editores que, por muito tempo, dominaram a indústria
NICOLAU, Marcos. O livro digital e as novas necessidades
do livro, mas uma prática acessível aos cidadãos/autores de produção e leitura. Trabalho apresentado no DT 1 – Jor-
espalhados por todas as partes do mundo. nalismo do XV Congresso de Ciências da Comunicação na Re-
Assim como, não é mais o mercado editorial quem gião Nordeste. Mossoró, junho/2013.

dita o que deve ou não ser publicado pelos seus critérios LEMOS, André. Ciber-cultura-remix. 2005. Disponível em:
mercadológicos: são os próprios leitores que poderão fa- http://www.hrenatoh.net/curso/textos/andrelemos_remix.pdf.
Acesso em: 22/07/2013.
zer deste ou daquele livro um “best seller” pelo comparti-
lhamento e não pela prospecção de vendas das editoras. LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo: Ed. 34, 1999.

Além do que, um livro pode ter valor de conteúdo signifi- NICOLAU, Marcos. O ciclo das autonomias: do texto, do supor-
te e do autor. In: Revista Temática. Ano VI, n. 12, dez/2010.
cativo para um pequeno grupo de leitores e mesmo assim
Disponível em: http://www.insite.pro.br/2010/Dezembro/
garantir sua existência editorial. apropriacao_autonomia_comunicacional.pdf.
Enfim, em tempos de cibercultura, o embate entre PARRY, Roger. A ascensão da mídia: a historia dos meios de co-
os autores de obras digitais e a indústria do livro ainda municação de Gilgamesh ao Gogle. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012.
está longe de terminar, porém, já é possível vislumbrar os VIRGINIO, Rennam; NICOLAU, Marcos. Livro digital: percalços
ganhadores: todos nós, leitores e produtores de conteú- e artimanhas de um mercado em reconfiguração. In: Congres-
dos para as mídias digitais interativas. so de Ciências da Comunicação na Região Nordeste, 14,
2012. Recife, PE. Anais. 

Capa Sumário eLivre

Você também pode gostar