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80 educativo generalins. ticas deveriam se ocupay te em reinserir 05 oxcly, te positiva do que em re, Projeto seriam diferentes, 28 Lipos, junto as quais 9 do social, criando nove ecuperagio das reves de mento das organizacces dos motadores no espace al que desenvolveram no evente de decisio sobre a tribuisto dos servigos © | c sca 9 © critica cultural, bem indispensével para se des. td em toda parte porque +} Principalmente dos ho ‘conquistar. 5 CARRO-ZERO E PAU-DE-ARARA: O COTIDIANO DA OPOSICAO DE CLASSE MEDIA AO REGIME MILI TAR Maria Herminia Tavares de Almeida e Luiz Weis 320 + risTORA D8 vod Fa 1. Carcarara de fear. (Alonansque de agar, Rio de Fave, Epis O Pusu, 19771 Acer Keandgraphia) de quente do domingo 21 de junho de 1970, um 2.cs.amigos s¢_reuniu em um apartamento ta 't Haddock Lobo, no Jardim Paulista, em Sao Pais lo, para cometer,diante de um aparelho de 1v. 0 supremo crime de lesa-pitria: torcer contes a Sclecay puma final de Copa. Com a agravante de que ia se decidir naquele diag ieampeonato mundial de futebol e, portanto, sea Taga Jule Rimet ficaria para sempre no Brasil ou na Tilia. O pessoai de apartaniento, mais ou menos uma dezia de homens.e mulhe 4s, tinha em comum a faixa de idade, perto dos. trinta,o faa de exercer profissics de alguma forma apatentadas, come advacacia, ormalisme, pubbcidade, pesquisa de mercado, arquitetura, ¢ terem ai ROS anos recentes. Alér casamento, € quase toc maconha. A maioria fe Gostavam de jazz, Nara tavam de futebol e ache to, Gerson e Rivelino, fodos os tempos. Acontece que esse: otra coisa em comum: categoria que, talvez 3 f mar classe média inte militar que seis anos a amputado as liberdades « vindo a implantar, lent: que alcangaria a plenit promulgacio do Ato In bessem, nao havia entre uma organizagao de r que assaltavam bancos a0 mais comedido Par clandestino “Partidao” alguéra que estaya do | DE CASSE MEDIA Ao REGIME amar = 971 1 de junho de 1970, um 2m um apartamento da n Paulista, em Sao Pau- elho de Tv, © supremo Selesao numa final de 2 decidir naquele dia o arquitetura, ¢ terem ainda, regra geral, melhorado, de vida 2.0 presidente Emilio Medic portanto, se a Taga Jules fos anos recentes. Além diss, viros.estavam no segundo “nemo acnguisa una Italia. O pessoal do casimento, ¢ quase todos jé haviam, pelo menos, fumado {¢ enmpemate mind zia de homens e mulhe maconha, A maioria fez, fazia ou pretendia fazer “terapia’. route soar tier counos «pert dos trints, 0 fato Gostavam de jazz, Nara Ledo ¢ Chieo Buarque. Tambéin gos- Rsnein i ma aparentadas, como tavam de futebol ¢ achavam que aquela selegao, de Pelé, Tos- pesquisa de mercado, to, Gerson e Rivelino, merecis ganhar todas as Copas em todos os tempos Acontece que esses antitorcedores tinham igualmente ime outra coisa em comum: aninhados no confortavel regaco da hol categoria que, talvez a falta de melhor, se convencionow cha: ar classe média intelectualizada, abominavam 0 golpe militar que seis anos antes havia deposto um presidente e amputado as liberdades democraticas da Constituigdo de 1946, vindo a implantar, lenta, gradual e seguramente, a ditadura que alcangaria a plenitude ano e meio antes da Copa, com 2 Promulgacao do Ato Institucional n? 5, 0 41-5. Ao que sou- bessem, nao havia entre eles ninguém que pertencesse a al guma arganizagao de resisténcia armada a0 regime, dessas que assaltavain bancos e seqiestravam embaixadores, nem a0 mais comedido Partido Comunista Brasileiro (rcs), 0 clandestine “Partidao”. Mas todos com certeza conheciam alguém gue estava do lado de 1, davam dinheito para esse i - 322 + HHoTOR DA Wow PAHOA NO AAS ccxssonzere. ou aquele movimento, liam e passavam adiante pan‘eigy” com demincias de torturas e eliminacao de presos polities. € até abrigavam pessoas perseguidas, em situagdes de extre, sma necessidade. 0 dessjo deles de que o Brasil perdesse aquela histéricg Partida nao resultava da suposigéo, que pipocava aqui e sh segundo a qual a dctrote representaria um tremendo prejut, 20 politico para o regime, por sua manifesta intengio de sep identificado pelo povo com as glirias do escrete canatinha os. lnquela fraséo infima da, digamos assim, intel gentsia de esquerda que, subira ao apartamento da Haddock Lobo na esperanca de ver, ein cores, o Brasil éittegar'o Sirs 20s italfan i De ambigtiidades ¢ Fama parcela dos brasile jura — @ que, no dom jneses € 21 dizs do got janta o interminavel Pr FT porque comesou no ¢ FS Carlos Luis Guedes se 7 conte a Brass; prosse neral Olympio Mour ‘ho do Rio de lancir, ‘de papal picado cobrir medida que as iltimas tos milhares de pessoas 25 nas lojas, confiemavam para o Uruguai e que « tir 0 controle politic: 08,2 idéla de.quiea ditadura podétia Sic mais forte fraca do Estédio Nacional do Mexico era, no firges «do grupo, simplista, mecanicist, esquemitica — em porte, guts, uma tolice. Aturma ia torcer contra nao em razso de 2 Anco na rvits Reade, sovemira de 1971, Ne manchore umn céleulo, tolo que fosse, porém sempre cilculo, coise de Lh indo tonne cabeca. Era, antes, ume reagan de estémage populasdo comemora enfrentamento, (Acervo ‘inhaa com a_burrice e a prey ncia escarrapacha- tuctonal — 2 Revoluy a sgrapia) Nag. ah Prepoténcia escartapach: beram, chocados e ato das por toda a parte, com o novo-riquismo da classe media artotando.tilagre nos seus fuscas zerinhos e com o desinte. resse geral em saber 0 que acontecia com os desafetos do regime a partir do momento em que eram jogados dentro de uma Veraneio, Tinha a. ver com as fichas que todos deviam Preencher quando se mudavam de apartamento e que o sin dico do prédio encaminhava ao bors (Departamento de Ordem Politica e Social). Tinha a ver com o mal-estar — ¢, Por que nao, 0 medo — diante do gozo feroz da turba que ‘ocupava as ruas depois.de cada jogo, como aqucla que per- correra a avenida Nossa Senhora de Copacabana, depois do La 0 sobre a Inglaterra, duas semanas antes, arrando: “Um, dois, ts, pau na buna de rainha’, espancandio 0s carros que nao tivessem na antena a fitinha verde-amarela owt o adesivo “Brasil, ame-o ou deixe-o” no vidro. Tinha a ver com o ar de felicidade — previsivel e intolcravel — com, que os genefais apareceriam. namidia festejando a vit6ria, Por tudo isso, tote cet_a favor serja Suma forma de colabitadionismo” no dizer do escritor Luis Fernando Verissimo.' Mas, como recorda am daqueles na contramao, quase trinta anos depois, “doia tanto torcer contra o Brasil, tamanta a solidao de exilado que se sentia, que, se a Selecao afinal perdesse, ninguém iria para casa feliz” tum clima de conspiae aqueles que acompanh: davidar. Os rumores & giientes © consistentes como as de Aragargas ¢ ___nio surpreenderia ning meio, na hipotese de q nado dos generais ¢ que Goulart saisse mar Ao se instalar no f garam a historia polit com efeito, desmerona gue 0 pais vinha cone longo de dezoito anos. mente a vida daqueles comemorar a derrocac inal ow bem, tentava ovo. les acabariam ¢ regime militar apoiadc sociedade, Nestas pagi ssa mudanga — a exp ante 05 vinte anos de (CABIO.ZEEO € PAULOEAtAEA: © CONDAND 04 CFOSICAO OF CLASSE MEDIA AO REGIME MITA + 329 BRASIL OU DEIXE-O} savamn adiante paniletos acto de presos politicos, sem situagbes de extre. De ambigdidades como essa se.fazia a vida cotidians de uma parcela dos brasileiros desde o inicio contrarios a dita * dura — © que, no domingo do Tri, passados seis anos, dois meses € 21 dias do golpe, ainda tinham etravessado na gar- gana o interminivel Primeiro de Abril de 1964. Emeril. gene ef porque comecou no dia 30 de marco, quando o general asin "Asin serum cer eae Garlos Luis Guedes se preparou para marchar de Belo Hori- “Eze ¢ um pos gue prs feme™ zonte a Brasilia; prosseguiu na madrugada de 31, quando 0 ¢"Brsil ame-e ot deta" feta general Olympio Mourio Filho deixou Juia de Fora a cami- 7 4 wine amen pete rho do Rio de Janeiro, ¢ se estendeu ao dia 2, quand chuvas (Sure mien binealnente we de papel picado cobriram o centro das principais cidades a semreren) medida que as iltimas noticias das radios, ouvidas por mui- sos mithares de pessoas, em casa, nos escritrios, nos bares & nas lojas, confirmavam que o presidente Joao Goulart partira 4) pare o Urugust e que os militares se preparavam para assu- || mir 0 controle politico do pafs. Mas, enquanto setores da populacdo comemoravam nas ruas a queda do governo cons- titucional — a Revoluczo, como se iria dizer —, outros rece- | beram, chocadas € atonitos, o triunfo de golpe. Que havia Jam clima de conspiragao nas Forcas Armadas, poucos entre agueles que acompanhavam de perto a crise politica podiam duvicar. Os rumores e as dendincias cram cada vez mais fre- [© qdentes e consisientes. Portanto, uma aventura localizada, como as de Arggargas e Jacareacanga no governo Kubitschek, nao surpreenderia ninguém. Raros, porém, acreditavam, pri miro, na hipStese de que um levante viesse a ter apoio disse- minado dos generais em postos de comando e, mais ainda, ‘que Goulart Seisse mansamente do Planalto. perdesse aquela histérica ‘que pipocava aqui e ali, ria um tremendo prejui. nanifesta intengio de ser ias do escrete canarinho, 4, digamos assim, intel partamento da Haddock © Brasil entregar 0 ouro ra poderia sair mais forte to México era, no jargio quematiea — em portu- contra nio em razio de sempre célculo, coisa de tomage. tepoténcia escarrapacha- ‘iquismo da classe media erinhos € com o desinte- cia com 03 desafetos do | 2eram jogados dentro de fichas que todos deviam apartament € que o sin ors (Departamento de er com o mal-estar —e, g020 feroz da turba que 9, como aquela que per | Copacabana, depois do Ao se instalar no poder, etn 9 de abril, os militares obri- nas antes, urrando: “Um, garam a historia politica brasileira a dar uma reviravolea xpancaniooscarrosque |. somefeito, desmoronava a primeira experiéncia democtatica ‘de-amarcla ou 0 adesivo que 0 pais vinha construindo, aos trancos ¢ barrancos, a0 -Tinha a ver com oar de |." Tongo de dezoito anos. O golpe iria também mudar radical — com que os generis} "mente a vida daqueles brasileiros que nao viam motivos para ‘téria. Por tudo isso, tor 4 comemorar a derrocada de um governo civil eleito, 0 qua, aboracionismo”, no dizer “| mal ow bem, tentava implantar reformas em beneficio do " Mas, como recorda wm ovo, Eles pondo de distintas r Saum L anos depois, “dota tanto regime militar apoiado pelos estratos mais conservadores da - olidao de exilado que se sotisdads, Nestas, paginas ve ira descrever no que consists desse, ninguém iria pare ‘es mudanga — a enperincia cotidiana de ser oposi ante 06 vinte anos de autoritarisime no Brasil +O msde margo de 1964 dS intio 12ursdos mais turbulent periods tha histria bras, Noda 13, fm ue comicio na Cental so Bras, io de fener, com 1 paticipaydo de 250i pes Zewten 0 Da 4 "ameaga ce comunisna™ A eonspitag conta 03 ‘cuparans op fo Rio de 6.0 Bato tn ancta, 1964, tele Brin, ceo general Artur a 328 HISTORIA OA MDA FRADE ND BRASH > E rigorosamente impossivel saber de que lado estaya no Primeiro de Abril 2 maioria dos bresileiros com alguna op; _nido politica, Mas & certo que 08 que nao se conformarary ein foram mititos e divers0s, nas oTigens 50. isténcia € de protesio dlotadas. Este texto trata apenas de um segmento das opasi. gies. que existiram ent dlgum momento do periodo 1964-84 — aquele, como os torcedores do contra em 1970, constitui- dlo por membros da jé referida classe média intelectualizada estudantes politicamente ativos, professores universilarios, profissionais liberais, artistas, jornalistas, publicitarios ete Deixa-se de fora, portanto, setores oposicionistas da maior importancia no combate ao regime ¢ na construcio dos ca. minbos que conduziriam o pais de volta & democracia: os politicos profissionais do Movimento Democratico Brasileiro (ue), a Tereja (desde a alta hierarquia até as pastorais ¢ co- munidades de base} € ainda as oposigdes sindicais e popula- res de modo geral — todos estes, em graus, ciscunstancias ¢ com consequéncias diversas, interlocutores do grupo exami- nado, No caso deles, porém, ainda é escassa a literatura dis pontvel no que diz respeito a interas3o vida ptiblica-vida pri- vada, que € 0 que mais interessa aqui A patticipagio de membros da classe média intelectusli- zada no conjunto das oposigies foi, de todo modo, significa tiva, Segundo 05 dados de Brasil: susca mais, tabulados por Ridenti,’ 4124 pessoas foram processadas durante o regime militar. Das 3698 cuja ocupacao é conhecida, 906 — pratica- ‘mente uma em cada quatro do total, formando o maior gru- po — cram estudantes. Seguem-se os 599 profissionais libe rais com formacao superior (16,2%) © os 319 professores, representando 8,6% do conjunto, Conforme o mesmo autor, dos 9549 envolvidos em processos — como denunciados, indiciados ou testemunhas —, para os quais ha informagoes sobre escolaridade, eit torno de 641% tinham curso universi- tirio, quase divididos por igual entre os que jé haviam com pletado a faculdade e 05 que ainda estavam na graduacéo. Alem disso, esse grupo deixou uma heranga cultural rica e ainda viva no pais Embora fluidas, as frontciras do universo oposicionista talvez sejam mais simples de demarcar do que propriamente a esfera — piiblica ou privada — das agoes de opasicio e seu antrelagamento com ¢ onsiderar privado, en “sociedade civil: as atin Hormas de organizacac “ou, mais especificams + conquistar ou exercer 2 verso privado: a fami ‘amor0s2s, @ experiéns estado, 0 lazer, 0 entre Nos regimes de f blica e privada sao m. democracias. Pois, em a patticipagio politic: (ao, a resistencia a0 re pata dentro da érbita navel da atividade po ocutiada dos érgios 1 aatividade politica pr a-dia, Pode implicar afsstamento da farni io, exilio, morte. Un 1964 gerou efeitos tar seus opositores, A “R tuma ordem autoritér ceram cambiantes, ¢ + permitido. Manieve, prias do sistema der partidos politicos (ce sgresso, Assembléias T Jss0, a0 tratar do Br | Linz preferiu escreve | | i | | antoritério. Pos, se | racteriza pelo plural teieas pouco definide fiuider cra ainda mai ‘agao apenas parcial oiito meses que transe telo Branco e a ediga Nesse ambiente, Finidade de coisas. De de envolvimento na ar de que lado estava no ileiros com alguma opi- te ndo se conformaram iversos, nas origens so. sistencia € de protesto am segmento das oposi nto do periodo 1964-84 tra ern 1970, consti rmédia intelectualizada: ofessores universitarios, listas, publicitérios exc. oposicionistas da maior ena construgio dos ca- volta & democracia: os » Democratico Brasileiro tia até as pastorais ¢ co- igbes sindicais ¢ popula- 1 graus, circunstancias ¢ uutores do grupo exami escassa a literatura dis- to vida puiblica-vida pri- dasse média intelectuali de todo modo, significa sca mais, tabulados por ssadas durante o regime nhecida, 906 — pratica formando o maior gra- 2 599 profissionais libe- 3) € 08 319 professores, informe o mesmo autor, — como denunciados, 18 quais hi informagSes a tinham curso universi 20s que ja haviam com: estavam na graduacao. heranga cultural rica € 9 univers oposicionista sar do que propriamente sagoes de oposicao e seu de CCAMEO-ZELO F PRUOEARARA. © COTBIAND OA OFOSICKO DC CLASSE MEDIA AO HEINE HLTA entrelagamento com o cotidiano dos opositores. E consense considerar privado, em sentido amplo, 0 ambito da chamade sociedade civil: as atitudes, atividades, relagdes, instituigoes ¢ formas de organizacio nao voltadas para o sistema politico, ‘ou, mais especificamente, nao orientadas para influenciar, conquistar ou exercer 0 governo, Assim, fazem parte do uni- verso privado: a familia, 0 citculo de amizades, as relagées amorosas, a experiéncia religiosa ow mistica, o trabalho, 0 estado, o lazer, o entretenimento ¢ a fruigso da cultura. Nos regimes de forga, os limites entre as cimens6es pu blica e privada sio mais imprecisos e movedigos do que nas democracias. Pois, embora 0 autoritarismo procure restringir 4 participagao politica autonoma e promova a desmobiliza lo, a resistencia ao regime inevitavelmente arrasta @ politica para dentro da érbita privada. Primeiro, porque parte ponde- ravel de atividade politica é trama clandestina que deve ser ocultada dos orgios repressivos. Segundo, porque, reprimida, aatividade politica produc conseqiténcias diretas sobre 0 dia- a-dia, Pode implicar perda de emprogos mudanga de cass; afastamento da familia, dos amigos e parceiros, ¢, ainda, pri- sio, exilio, morte. Um traco_ peculiar do regime impasto em 1964 gerou efeitos tanibém peculiares para a vida privada de seus opositures, A “Revolusio. de Marco” foi essencialmente uma orciem autoritéria pouco institucionalizada. Suas repras erm, cambiantes, ¢ mdveis as divisas entre 0 proibido © © permitido. Manteve, distorcidas, instituigdes e liturgias pro- prias do sistema democratico: eleigoes (semicompetitivas, partidos politicos (cerceados), espago (estreito) para o Con- gresso, Assembiéias Legislativas ¢ Cimaras Municipais. Por iss0, a0 tratar do Brasil, 0 cientista politico espanhol Juan Linz preferiu escrever situagio autoritaria, em vez de regime utoritério? Pois, se para ele 0 autoritarismo em geral se ca- racteriza pelo pluralismo limitado e pela existéncia de fron- teiras pouco definidas entee 0 proibido e 0 permitido, essa fluidee cra ainda mais acentuada aqui, dada a institucionali- zacio apenas parcial do regime, sobretudo nos quatro anos ¢ ito meses que transcorreram entre a posse do marechal Cas- telo Branco e a edigao do ar-5. esse ambien:e, fazer oposicao podia significar uma in- finidade de coisas, De fato, as formas de participagao € 0 grat de cnvolvimento na atividade de resistencia variavam desde +7 328 - ISIORIA OA VDA FRIADA HO BYASK & ages espontaneas ¢ oc: guido pela repressio até nais de solidariedade a um petse. » engalammento em tempo integral militancia clandestina ‘dos grapos amados. Entre esses, dois Sxtremos, ser de oposicio incluia assinar manifestes, partici. par.de assembléias n ‘esctever artigos, raiiféstacbes publicas, dax conferéncigs, r musics, Tomances, fUmes OW ayaa de 3 casa para reunides politicas, guardar oy os de organizagées iegns,abrigar w tante de passagem; fazer chegar 3 imprensa demuincia 1a, participar de centros acaclémicos ou assoclayies profis- sionais, e assim por diante, Dads a caractersticas do regime, qualquer desses ats envglvia riscos pessoais impossiveis de ser avaliados de ante. sao. Del que a incerteza quanto as consequencias da a¢a0 — salvo na situagdo-limite de participar de movimentos arma dos —. 2 inseguranca e, inevitavelmente, @ medo terem sido sensagoes basicas, cotidianas ¢ comuns a quem quer que te ‘ha feito 6posicao & ditadura, marcando a fundo a vida pe vada dos oposicionistas. Por certo, as experiencias, subjetivas e objetivas, da condigdo de adversirio do poder militar va ram amplamente desde 0 dia em que Joao Goulart, o ultimo presidente civil do ciclo de 1946, fugiu para o Urugual até o dia em que Joao Figueiredo, o titimo general-presidente do ciclo de 1964, saiu pela porta dos fundas do Palicio do Pla nao. A dinimica politica do regime, 0 salto de moderniza ‘io capitalista ocorride no periodo e, por tltimo, porém no menos decisivo, as percepgdes, idélas ¢ utopias predominan tes na heterogénea e briguenta familia oposicionista defini- ram o modo pelo qual (ais experitncias foram vividas nas fronteiras imprecisas entre o publico ¢ 0 privado. A oposicio percorreu de distintas manciras os 18s periodos em que pode dividir a historia do autoritarisma, de acordo com o major ou menor espago aberto A competigdo politica € 0 grau maior ou menor de exercicio das liberdades pablicas e a atuacio na impren teatro & miisica, nas ¢ esti marcada pelo mc a atuacao das esquer maioria dos opositor trocesso violento pod “a curto prazo” devid inevitavel estagnacac Do Al ao AI-5 (1964-68). Passado o surto inicial de re- | politica economica, pressdo as Tiderangas civis ¢ militares identificadas com 0 go | grupos mais retrégra vero deposto ea Tero perseguigio aos sindicalistas urbanos ‘a8. sobretudo, 05+ © rurais, os dois primeiros presidentes militares concederar: | aivel. Ao new se atl razoavel liberdade de movimento as oposigdes. O Segmento | tacao do regime de s revolucionarie aqui selecionado crigu_ um circuito denso ¢ inetas revolucio vo, que incluia ‘idariedade a. um perse to-em tempo integral na mados, Entre esses dois inar manifestos, partic Iblicas, dar conferéncias, nees, filmes ou pegas de 6s politicas, guardar ow ilegais, abrigar um mil orensa dentincias de tor- '8 ou associacdes profis: 2€, qualquer desses atos le ser avaliados de ante. mseqiiéncias da ago — de movimentos arma rte, o medo terem sido 5 a quem quer que te ado a fundo a vida pri- experiéncias, subjetivas do poder militar varia. Jodo Goulart, 0 ultimo u para o Uruguai até 0 > genetal-presidente do dos do Palicio do Pla- © salto de moderniza por tltimo, porém nao € utopias predominan i oposicionista defini cias foram vividas nas 0 privado. A oposicio & perfodos em que se smo, de acordo com 0 mpetigao politica ¢ © s liberdades piiblicas > 0 surto inicial de re dentificadas com o go- 1s sindicalistas urbanos, militares concederam »posigdes. O segmento nso € ativo, que inclua 2 atuacdo_na.impren ea cultural, especialmente em 4 swag na imprenss, na sea cule tesiro € misica, nas excolas e universidades. Sua experiencia esta marcada pelo modo como encara 0 novo regime e avalia 4 atuacdo das esquuerdas no passado recente. Para a grande Innors des opostore, 0 aurarimo nao & endo ui “earls praz? devido a seu prevsivel talamento polltcoe + inevitavel estagnagso que resultaria da recém-implantada pales econdmies ide como sibmisst aos intereses dot rapes mais rwbgrads da ele dominante’ Os nacional tas ¢, sobsetuda, os comunistas sa0_objeto.de critica’ impl ial. iba parcela maor de culpa pes mpl tagdo. do, regime de forca, por ter 0 partido abardonado as rietas revoluciondtias e substitutdo 0 trabalho de organiza- 2 Nara Lat coo Zé (a exquerda) ej do OTERO E PAUOEATAEA. © CONDUANO DA OFOSICKO OF CIASSE MlOIM AO REGIME MUTAR + 329 se aprsenta ne show no Opin esi de prose cra on eena Rice fei, 1963, (AceHo teonographia) 380 + Fusions 0% wos PaNvADe NO e¥asit 4 + Bs 1968, aps um perio de recess, 0 movineento ext volta a protetar nas russ, © top fa Eiion Ls, asasinado pela pelicia do Rio de fair durante uma peguena paieata gues do restaarie Calabousy, que fornia alimentage mais Baraca 205 exanantes, Ao longo de todo 2a 0 pais asestiria tua sequin de mansfrtegses de prose edo scandarisea 10. Soldados invest cote catudanes populares que sadam Eason le miss de stn dia Lis na dyeja da Case Rio le aia, 2/8088 (A Teonographia) s0 das massas pelo reformismo eleitoral ¢ a acomodacio oportunista com o janguismo. ‘Testar os limites da ago permitida torna-se uma rotina comum aos membros das oposigdes intelectualizadas: 0 que se pode escrever em uma coluna de jornal, 0 que se pode compor e cantar, 0 que se pode encenar ou ensinar sem atrair represilias pessoais; que grau de repressao enfrentara o pro- testo pilblico ~ 0 panfleto, a assembléia, a passeata, 0 com io, 4 manifestagao. Faz parte do cotidiano intetessar-se ou Participar — como militante, simpatizante ou mero curioso — no inesgotavel debate de idéias, estas no tio inesgotiveis, € dos recortentes duelos envolvendo politica pratica travados entre @ dentro dos agrupamentos de esquerda que se vio mukiplicando como por cissiparidade. Ridenti registra na- da menos de trinta organizagbes clandestinas de esquerda a0 longo da ditadura, Havia de tudo: desde 0 venerando Par tidao, até os Comandos de Libertacao Nacional (Colina), 2 Corrente Revoluciondria de Minas Gerais (Cortente), pas- sando pelo Partido Comunista do Brasil (ecdos), a suz Ala Vermelha, mais 0 Partido Comunista Brasileiro Revolucion. rio (FeBk), a Agao Libertadora Nacional {an} e a Vanguarda Popular Revolucionaria (vee). Para ama parte dessa oposis intelectualizada, a agao publica apenas antecipa a atividade politica clandestina e conspirat6ria, visando & derrubada do ime pelo Jevante de massas ou pela acio guerridheira das, vanguardas — primeira passo, segundo alguns, para a im- plantagao do socialist gime, 0 terrorismo. Desde antes do g inha ocupando espasc querda, Bssa tendenc pois de 1964. A inte entao torna plausivel por uma minoria ilu revigora @ utopia soc oral © 2 acomodacio a torna-se uma rotina itelectualizadas: 0 que ormal, © que se pode ‘ow ensittar sem atrair ‘so enfrentaré © pro- ia, 2 passeata, 0 comi- liano interessar-se ow ante ou mero curios0 $ nao tao inesgotaveis, litica pratica travados esquerda que se va0 Ridenti® registra na stinas de esquerda 20 ide 0 venerando Par Nacional (Colina), a rais (Corrente), pas- sil (2cdon), a sua Ala asileiro Revolucioné- U(aun) ea Vanguarda parte dessa oposisao antecipa a atividade ando a derrubada do agao guerrilheira das © alguns, para a im plantagao do sociatismo no Brasil’ Era, na linguagera do re- © Desde antes do, golpe, 2 Revolucas ha ofupaigo espago cada vez quietda, Essa tendéncia pois de. 1964, A interpretacao dominante que dela se faz entao torna.plausivel a idgia.de uma revolucie, conduzida por uma minora iluminada, de inabalével determina revigora a utopia socialista.* Os acontecimentos de 1968 no 10 Cubana, de 1959, vi- 30 11 Manisapte tudantt tno Pi de Sania, USS (Fran Teena Ae 13) dos Gem Mil, a domersragae descontentamento coat fogs, Ras de Joe, 2 (Campanella Netw Agee 392 + wastO2iA 94 VOR FAWADA NO BRAS 4 15 A vuelta, infundado, dhe guerra a regis de Angra dds eis lw 8 oma do local or tropes da Marina, em age He 1968. (Acer iconographic exterior — as rebelides estudantis, sobretudo na Franca e na Aleman a incre do Vitus ex nobilzagao antiamericna que a escalada do conflto alimenta par toda parte — refor- Gam a conviegan de que grandes.transformacoes podem estar testes a ocorrer, se houver firme vontade para tanto, Enfim, FSquecimento do clima politico na América Latina em geval parece dar lastro a crengt cle que o combate armado ao regi- me brasileiro tem futuro. 5 ao inicio da abertura (1969-74). Esses foram as anos lacerantes da ditadura, com 0 fechaménto temporério 6 Congresso, a segunda onda de cassacin de mandatos & suspensio de direitos politicos, o estabelecimento d Aimprensa e 3s produ sidades, a exacerbagio da os oposicioni cia, o tempo da supostas morte para a classe mé ais, as deapissdies nas univ lencia repressiva contra os gra as, armados ou desarmados. B, por excelén a, dos alegados desaparesimentos e das andamento do autor par um surto de expe ire econdmico” — qu balho, permitiu a asc: as beses de uma diver mo, € concenttou ar dita no Brasil urbaniz pirimide social ‘A combinacao d co deixou a oposiga0 chicote e 0 afago— axflio” de que falava ! les que ndo partiran cangao, rumo & fanta Tidade era uma suces rmentos e pensamenb da ordem ditatorial; conforto bilioso © pc pela prepoténcia que planicies; o distancia tegrada 3 normalida te amo”; 0 sufocamt tura em um de seu midade com o carat adensava nas esquin outro lado, a prolif | bem remuneradas p } gio, abrindo as po posigées confortive De um lado, nao pei 4 De outro, para os 1 um lado, comprar e-branco para ¢ em na final da Copa. De a Europa, De out saida ‘A modemizagi danga dos padroes da década de 60. Pa aque chegou a idads Gireunstancias polit murat + 333 fandamento do autoritarismo coincidiu com, ¢ foi amparado por, um surto.de expansao da economia — o festejadomile- gre econ6mico” — que multiplicau as oportunidades de tra- batho, permitiu a ascensio de amplos setores médios, lancou de uma diversificada e moderna sociedade de consu- smo, ¢ concentrois a cenda a ponto de auapliar, em escala iné- ditano Brasil urbanizado, a distancia entre.o,f0p0.¢.a base de picaimide. social ‘A combinagao de autoritarismo ¢ crescimento econdmi- co deixou a oposicao de classe média a9 mesmo tempo sob 0. chicote.€0 afago — a versio doméstica do “amargo caviar do | exo” de que falava Fernando Henrique Cardoso. Para aque i les que naa_pactiram."“num.rabo.de-foguete’, como dria a | olinhas por prazer, an- ra afrontar 0 entranha. ino dos costumes, para 0, de compor por vias igo ao status quo — + menos do que a resis- tracultura como a mais + inconseqiiéncia, Sejz de dezembro de 1968 candidatura de Ulysses ado abalo eleitoral de ido estrito,estiolava-se, P€ aos debates a portas € ndo raro coincidiam a natureza do modelo da renda ¢ os dilemas, olhar com atencio os de entrar em casa; ten. screver a noticia ou, 20 da ow distorcida pela Algum suposto desapa et para nao acabar ali LO) A tonge nensian rung oa MANAA 46 De ger ouTRO perfoda, que comesa.cam_a. posse do na Presidéncia, guarda alguma semelluanga com o prim = ° _&e 1964 a 1988, do ponto de vista do espace aberto as opos seus Timites ora se ampliam ora se retraem: de novo no hé parimetros definidos para o que é tolerado ou interdita do. A tortura e morte do jornalista Vladimir Herzog, o Viado, no Destacamento de Operagoes de Informagdes — Centro de Operagdes de Defesa Interna (oor-coo1), de Sio Paulo, no auge da selvagem temporada de caga aos comunistas,tentati- va de ultradireita de estrangular a controlada abertura em gestagio, pareceu extinguir a luz no fim do winel. Mas a crf S56 Mo AO HESWNE TAR + 39S 15. Comite do Movimento emoerttiso Brasileiro (MDB) sna camparka di 1974 Na fee alust d msica“Apezar de vee" ‘de Chico Buargue de Holanda vetada pele censure. Sata Maria (RS), setoabro de 1975 (Arve Franca Abit Images) 15 Maries as pea repress macau onde se renee reunian de militares ednsgents do Partido Conumista do Brat. Algoss toturadas 1 eine cembecido amo Chacina da Lapa Sito Van 5: (Damicio Pini + HITORA DA MOA PataDA NO GRAS cnr a custe de vida na pro6a da $e. So Pala, 278178. (Fuca Martin Pulser) a publica ao regime voltaria a se ampliar, englobando entio crescente mimero de dissidentes civis e militares do auorita rismo, De toda forma, o medo e a incerteza permanecem até quase 0 término do period. icalmente a partir de 1975 sao.os, prog cas sobre_o destino da_ditadura ¢ as_perspectivas da ‘oposigio. J4 nao se imagina, pelo menos enqjuanto vige 0 Ai-5 eantes do grande acerto pol cessio da anistia, que 0 antoritarismo possa ser liquidado a curto prazo. Nem, tampouco, que possa ser derrubado pal pressio das massas ou, menos ainda, pela ago revolucio das vanguardas. O colapso da idéia_insurrecional se faz acompanhar de outra mudanga de pensamento e atitude em amplos setores da oposicio de classe meédia: a democracie pasta.a ser valorizada como um objetivo em si e, com ela, ‘onganizagao da sociedade e a participacao no jogo eleitoral, mesmo sob limitagdes.” A apraximacio. cam o wpb, o partido de oposigio legal. se intensifica a despeito das reservas dos setores mais radicalizados. O- movimento_pela matenda virada, a0 restituir a atividade politica ao dominio ico que tornaria possivel a con- tino pablico. As reuniges an Progresso da Ciéncia (sot do regime, merecedoras governo Figueiredo, emt de endurecimento do re “como se” — isto 6,0 de, eerto a essa altura, O 1 pare governador de esta expressivas vit6rias das « do cicio militar. O mov culminante da lota pela Indo, e vida privada, de o lidade. NO TRABALHO, OS RISCOS E - Fez-se oposigao a0 com variavel intensidade politico, Uns tomaram desde 0 Primeiro de Ab ampliar, englobando entio vis e militares do autorita- incerteza permanecem até artir de 1975 sao 05 prog- ura © as perspectivas da renos enquanto vige 0 a5 tue tornaria possivel a con smo possa ser liquidado a possa ser derrubado pela 2, pela acdo revolucionéria déia insurrecional se fez pensamento e atitude em asse média: a democracia ajetivo em sie, com ela, a icipagao no jogo cleitoral agd0 com 0 Mk, 0 partido despeito das reservas dos vimento: pela anistia € 0 idade politica a0 dominio alae (CARRO-2ENO E PRUDE ABABA: © COTDAANG DA O#OSICKD publico. As reunioes anuais da Sociedade Brasileira pera 0 Progresso a Ciéncia (sec) tornam.-se instincias de dentincia do regime, merecedoras das atengoes da midia. O desgasie do governo Figueiredo, embora alimente o recei de um surto de endarecimento do regime, estimula ages oposicionistas “como sc” — isto é, 0 desfecho do contronto parece Iiquido certo a essa altura, Q restabelecimento das eleigdes diretas para governador de estado em 1982 e a segunda rodada de ‘expressivas vitdrias das oposigées permitem divisar 0 ocaso ‘fo ciclo militar. O movimento das Diretas Ja ser 0 ponto culminante da Inia pela redemocratizagao. Politica, de um lado, ¢ vida privada, de outro, recuperam, enfien, sua norma: lidade. NO TRABALHO, OS KISCOS DO OFICIO Fez.se aposisio ao autoritarismo de miitiplas formas, com varidvel intensidade e diversos graus de envolvitiento politico, Uns tomaram posigdo contra a intervencao militar desde 0 Primeiro de Abril © assim permaneceram, Outros, ia sav 398 + s4sromna o4 WOK PaHADA NO aEASI 26 TAL Om feSUNT pie aovento en 1am pean! ce AR Sees ALesRiA! “ cpoere AeoRDne | Rianores nun DEMOCRACIA, TA? Sp imaioria dos brasileiros. Bis por que, a numerosos outros, mudaram de lado — neste ou naquele dentro dos partidos, os legais, os proscritos ou 08 NaSEidos je 6oB 6 TeBine. Outs, no Ambito de organzacbes profiie: tice grupos de sonics Outtoe stadachite Panes, atiradores, bissextos e descomprometidos. A despolitizacan da vida pessoal, durante periodos menos ou mais extensos, 2Besalmsnte devais da malograda queda-de-braco de 1968, imbém foi uma alternativa corriqueita, Sob esse aspecto, ex. combatentes da resistencia ao regime passaram a se igualar a dades de oposicio av asloritarismo © 35 cexperiéncia cotidiana, € indispensivel levar se 2 relative fluidez da condicio opasicionista. Nao sé pode «s- Guecer, ale dis$0, que cla se incrusta, de um modo ou de outro, numa histéria que atravessa duas décadas ¢ se identifi- ca pela propensio & instabilidade: ditadura e “ditabranda” se alternayam e se confundiam. |=» Apenas uma minoria muito rest populagio de turalmente, subvert tais.da_vide_privada, da aos imperatives da luta organizada. Ja para a parcela maior dos membros desse ‘mesmo grupo, ser de oposicao significava desenvolver formas de participago politica compativeis com a rotina cotidiana: trabalho ou estudo, familia, amores, amizades, entretenimen- to, Mas nem quando o exercicio da oposigae coexistia com a vida privada esta ficava imune a sua presenga: o resultado: dese inevitavel entrelagamento era um equilibrio fragil, uma | tensto sempre pronta a estalar. No universo afetivo e familiar, ruitas veves nio havia como saber se uma crise era eleio 01 causa da agao politica de resistencia. Na esfera profissional, a propria natureza do oficio e as condigdes em que era exer do tendiam a expor seus praticantes, menos ou mais, a tenta~ a0 do oposicionismo c a determinar o tipo de oposigao pra- Ticado, Em alguns casos, trabalho e politica praticamente coabitavam: na advocacia, na producao artistica e cultural, no jornalismo. Entre 1964 e 1979, 17420 brasileira, f nvolvidos sentido — com o passar do tempo, Uns fizeram oposiceg 2183 testemunhas, nimero de detidos 1 Has sem duivida foi m po de atuagao par: ‘aalmente se especia rmovimentos de contest: Carvalho, em depoimer ‘descreveu sua experién: + ide outros tantos colegas "da quando estudava Dir * 4 ajudar estudantes pre da Faculdade de Filosof do a defender numero if tonerexos. Em 1967 to de tortura. Poi também <* goes pessoais devido a0 ® mecou a compartilhar 0 = tes — e 2 atividade pr © politica deliberada. Em : muito tempo. Levou © Impetrei habeas-corpus | © Rio, de Séo Paulo e de F =| © de general e no fim ence | | | 4 ao tério da Guerra. Ai fui de medo! Foi a primeir: muito mais do que prof eu podia ganhar muito me meter naquilo”" ‘A partir de dezembs ©» imensificagao da violénc radical as condicées de © politicos — eujas convie guiam de seus cients. « zada, a garantias indivi 1 multas das pretrogativ {+ .. exercicio da advocacia, F 1 > poco, sob 0 tervorine | © 0 menos do tardio ace | | sumada a fase de interr scritos ou 05 nascidos jé ‘organizagdes profissio.” ‘os ainda como franco- rtidos. A despolitizacig tenos ou mais extensos, jueda-de-braco de 1968, ira, Sob esse aspecto, ex: > passaramn a se igualar & ‘a0 descrever as modali- > @ seus efeitos sabre a A evar sempre em conta ionista. Nao se pode es- sta, de um modo ou de uas décadas e se identifi tadura e “ditabranda” se sstrita da populagao de a resistencia ao regime lessas circunstancias, na baixo os padroes fabi- tida aos imperativos da ior dos membros desse icava desenvolver formas com a rotina cotidian: amizades, entretenimen- oposigo coexistia com 2 ga presenga: 0 resultado am equilibrio frégii, uma riiverso afetivo e familias, ie uma crise era efeito ou Na esfera profissional, a ficoes em que era exerct smenos ou mais, 2 tenta {F0 tipo de oposicao pra ¢ politica praticamente ugao artistica e cultural aileiros foram envolvidos Lei de Seguranga Nacio- (CARRO-ZERD € FAUDEARARA © COTIDIAND 08 OFOSICKO DE CLASSE MEDIA AD REGIME TAL + 339 Ate, ARAMA! F Giipo d fogades. Algumas dezenas deles uualmente se especializrain em defender os perscguidos do regime militar, Quase todos acabaram militando, como se diz na profissio, duplamente: nos tribunais militares e nos A _ priments de cones ao bite A adeogada Ain de | Gcareveu Sua experiencia, em mutos postos sanclhante 4 = de outros tantos colegas.Filha de industrial, fe-se de esquer- + dh quando estudava Diteto, Depois do golpe de 1964, passox a ajudar estudantes presos e se tomnou advogada do grémio "Ga Faculdade de Filosofia da Universidade de Sio Pauio, vin- do a defender numerosos jovens detidos em passeates ou congressos. Em 1967 topou pela primeira vez coin um caso. | de tortura, Foi também a primeira vez que softeu intimida- Bes pessoais devido a0 seu trabalho. A partir de entio, co | : rmesou a compartilhar 9 medo experimentado por seus clien- | tts — © 2 atividade profistonal se converteu em atividade politica deliborada. Emm suas palaveas:*Ele ficou desaparecido muito tempo, Levou mais de am més para localizi-to “Aimpeticihabensecorpus contra tudo que foi autoridade do Rio, de Sao Paulo ¢ de Brasilia, Bati em tudo 0 que foi porta de general eno fim encontre-o no Servigo Secreto do Minis- tério da Guerra, Ai fut interrogada pela primeira vez. Moti © de medo! Foi a primeira fase de opsio. tima opto politica muito mais do que profissional, Sabia que profssionaimente “ex podia gonhar muito mais fazendo advocacia normal, erm { (me meter naquilo” | _ Apart ce dezembro de 1968, coma vigencia doe |" imensiicagto da violencia repressva, agravaram-se de forma | radical as_condigdes de trabalho dos advogados de presos | { { | politicos —cujas conviegbes, em muitos casos, nao os distin | Buiait de seus clientes. A tortura tornou-se pritica generali- | zada, as garantias individuais viraram letra morta, bem como multas das. precrogativas tradicionalmente associadas a0 = exercicio da advocacia, Podendo efetivamente advogar muito pouco, sob 0 terrorisme de Estado, os advogados valiam-se ha» 18. Caricature de Helen a9 menos do tardio acesso 20s seus clientes presos — con- cs suenes Sas Pals Conte q }. sumada a fase de interrogatorio e, quem dera, da tortura — Borin 1964 Aco faogaphio) 340 + HistOnia D4 VDA PRADA NO BRASIL ¢ para desempenhar a funcio humanitiria de elo de ligacio en. tre 0s presos ¢ suas familias. Conta Anina de Carvalho: “Eu ig 3 a’cadeia todos os dias, das 9 da manha 20 meio-dia, durante dois anos. Vendo uma leva cada dia, jé que todos no mesmo ia nao podia, Com a vantagem que todos sabiam que ea estava lé na parte da manha, e que se houvesse algom galho eles me mandevam um tecaco por um outco preso. Entao, eu tequisitava o preso imediatamente” No carcere, a presenga assidua de um advogado era indicio de vida. Mas 0 que re presentava um intervalo de alivio e esperanga para os deden- tro se traduzia em crescente carga psicolégica para quent vi- ahs de fora. A incerteza ¢ os contflitos intimos pesavam no cotidiano, “Tive momentos de diivida’, reconhece Anina “Bra desquitada, com cuas criangas pequenas, Bra arrimo de 20, Memo sob censura, « denincis familia e sozinha. £ légico que @ gente pensa um pouco, Mas fe rortares no Brust Nj, 102769. achei que o dever profissional era mais importante do que os (deere Keonographios problemas pessoais ¢ toquei pra frente" A pressdo sobre os advogados de presos politicos erescia na.razao direta do.animento, da repressdo. Ameacas an6nimias por telefone e carta somavami-se & represilias da burocracia militar, recusando petigSes por qualquer motivo, submeten- do os defensores a vexames e constrangimentos nas visitas ans clientes ¢, n8o rare, convocando-os, também cles, para depor. Anina de Carvalho: “A partir de meados de 70 as coi sas foram piorando muito. Sofi muita perseguigao, ameagas, na prépria Auditoria ena Operacio Bandeirantes. Houve censura em minha correspondéncia, Sentia um clima de ten- sio muito grande em torno de mim. Nos primcitos dias de 71, as coisas pioraram e achei que era preferivel sair do Bra- sil" Quem ficou continuou a se angustiar com o destino dos, detentos, @ afligfo de suas familias, as ameagas mais ou me- ros veladas,a arbitrariedade miida do policial de plantao, do famcionario do presidio, do escrivao da Justiga Militar Embora as condigdes tenham se abrandado com a libe- ralizagao progressiva do regime, a partir de 1974 — descon- tada a feroz recaida do ano seguinte —, 0 ambiente de incer- _ tera ¢ tsmar persist pelo menos até 0 fir do at-5. Mas fi jystamente a disseminacai gue ¢mpurrou muitos sdvogados, nao necessariamente de esquerda, nem necessa~ Fiamente desafetos de primeira hora do poder militar, a um, Intenso engajamento politico, mediante a mobilizacio da” E questdes relacionadas peito a0s diteitos hur go habeas-corpuss a al ma pela qual se obtinh sréas processados nas das verdadeiras circun canitia e a volta do Es _advogados que 0 quist [ eram priticas que se Que poderia ser mais tos" assim expor o cz Uma de suas dime (e2 falta de inteligenci | glo artistica e cultural * yastador sobre os seus 2 ano daeera do ai-5, for pecas teatrais, segundo “de Diversoes Publicas, em 1976, quando 0 «¢ {B censurados 74 livros — =5 6 29 pecan" Em al 2% dava-se a encenagio de divulgacao de cangoes. | s0es, petsonagens, estte 2 las, mais do que a obra 6 usticas (01 proporcione critica a0 autoritarisme como a0 prestigio pub havia: pois nao se trat: Arte, rarefeita © acessiv era a nova cultura de forga da rv, 0 crescime larizagio do cinema na She incia aos trabalhos art tagdo de novas propos CCARSOTEEG E PAL-DEAEEIA: 0 CONIDIAND DA OFOSICEO OF C1AEHE MEDIA AO REGIME MTAR = SAP T° ondem dos Advogados do Brasil (ots), em torno das mesmas ‘uest0es relacionadas com seu cotidino profissional: 0 es-_ io 205 direitos hurmanes, a comear do vestabeleiment™ Xo habeas-corpus; a abolicao sma pela qual se obuiaham as confssoes que incirtinavam os qéus processados nas ‘militares; « reconstituigao dis verdadeizas circunstincias ein que um preso “desapare ce” ou"morreu atropelado na tentativa de fuga” alata pela anistia e a volta do Estado democritico de diteito, Para os 2 advogedos que o quisessem, fazer oposigao e buscar justia eram priticas que se sobrepunham se complementavam. Que posers ser mais politico ¢ corajoso, por exemplo, do aque se empenhar em desmascarar as farsas mOnEadae_pélos Sigios represtivod ¢ sacramentadas em documentos olcias das Forcas Armadas? Tratava-se, ao mesmo tempo, de des. vendar a verdade sobre casos especifices de “desaparecimen- tos" e assim expor o carter, a natureza de uma ditadara ‘Uma de suas dimensoes mais conhecidas foi a virulencia cia) com que 0 regime atacou a produ- ca cultural do pals — com impacto is vee de- tador sobre os seus profssionas. 86 em 1969, 0 primeiro ano da era do a5, foram censurados dez filmes e cinguenta esas teatrais, segundo o enti chefe do Servigo de Censura de Diverstes Puiblicas, Aluisio Mulethaler de Souza.* Mesmo em 1976, quando o regime acenava com a distensio, foram censurados 74 livros — amma em cada tds obras examinadas = © 29 pogas." Em alguns casos, a proibigto era total. Ve dava-se a encenacio de espetéculos, a enbigio de filmes e a divulgasao de cangoes. Em outros, extirpavanese frases, situa Ges, personagens,estrofes. Quase sempre, 0 objetivo era ca- ‘iria de elo de ligacao en. snina de Carvalho: “Eu ia ha ao meio-dia, durante +} que todos no mesmo, ue todos sabiam que eu se houvesse algum galho ‘m outro preso. Entio, eu © No circere, a presenga > de vida. Mas 0 que re. speranga para os de den- sicolégica para quem tos intimos pesavar no vida’, reconhece Anina pequenas. Era arrimo de te pensa um pouco. Mas ais importante do que os ate?" presos politicos crescia ‘sso. Ameacas anonimas represilias da burocracia quer motivo, submeten trangimentos nas visites o-os, também eles, para de meados de 70 as coi- ita perseguicao, ameacas, 0 Bandeirantes, Howe Sentia um clima de ten- 1. Nos primeiros dias de «a preferivel sair do Bra- ustiar com o destino dos | as ameacas mais ou me Jat, mais do que 3 obra, o autor. Arepressao as atividades ar- fo policial de plantio,do | -_tisticas foi proporcional a sua importancia como veiculo de da Justiga Militar, cies dosutontarsmo e expresso de eas betas em 2abrandado com alibe | cain a0 prestigio piblico desses artistas. Razto de reprimir artir de 1974 — descon: hava: pois nao se tratava de manifestagoes de uma Grande ~ yo ambiente deincer | Arte, rarefeita e acessivel apenas aos iniciados. Ao contrario, 60 fim do al-5. Mas foi ct. nova cultura de massa que se instalava no Brasil, com a io que empurrou muitos forga da 1%, 0 crescimento da indiistria fonografica, a popw- esquerda, nem necesse larizacio do cinema nacional ¢ mesmo do teatro, Jé a intole- do poder militar, x um Fincia 20s trabalhos artisticos caracterizados pela experimen- iante a mobilizacao da ‘agdo de novas propostas estéticas, como 0 tropicalismo — 342 + visiden Dx vs op¥ADK NO BRASH 4 21, Cortera diribuida to value 2 da Festival de bestctes ‘que asslao pals, lied jornalsin Sergio Porto langado em 196? plo ed Sabi (Aero leonegrapi tidas oficialmente como instramentos de subversio politica ¢ “solapamento da moral familiar” —, 96 se explica pelo pri. © marismo dos comissirios do regime para assuntos culturais— ‘© que, pot sinal, ndo foi exclusividade da ditadura brasileira,» A censura introduzia a mais comy diano de quem 137 indo menos se espe: rasse. Nao se vetava apenas 0 que fosse manifestamente inde- sejavel como enunciado politico: sustentar, por exemplo, aue no dia 1° de abril de 1964 houve um golpe militar no Brasil, em ver de dizer que no dia 31 de marco de 1964 comevou no Brasil uma revolusao redentora — e dat ad seusearn, Mas se yelava tudo aquile que.20s othos dos militares e de seus alia” dos civis parecia atentar contra os valores da “civilizagto cts. 4 ocidental’, ameacada de maneira simultanca ¢ sincroniza- Iz Belo movimento comunista internacional e pela chamada revolug20 nos costumes. Em 1970, 0 cardeal-arcebispo de | Porto Alegre, d. Vicente Scherer, deu sua béngio & censure | prévia de publicagdes, sob o prussiano argumento de que"e 4 abuso dos prazeres sexuais”, a su juizo estimutado pelas ima. | ns € escritos merecedores de censura, “leva ao amolecimen. to da cariter eda vontade’." Nessa categoria, evidentemente, | _acusagoes a0s monopsl cabia tudo aguilo que assim parccesse ao censor. Era a apo. {> mas pelo titulo, inaccita teose do “Festival de besteiras que assola 0 pais’, 0 Feheapé, | de instrugio dos censor | i | | | | i i no inesquecivel registro do jornali gio Porto, 0 se também fora vetado. Stanislaw Ponte Preta, como assinava suas colunas, O hu: francés Maric-Menri B ‘morista, que morreu em 1968, lavava a alma de seus leitores 1830% Afinal, dizia um i da oposigao com mordaces tiradas do tipo “a dupla caipira 70,0 perigo era“sexo, n Costa « Silva’, como ele fulminava o marechal troupier que pronunciava “secho, me havia sucedido ao “intelectual” Castelo Branco na Presidéncia, No meio teatral, on dda Republica, panhia, pelo desperdicis n caso de divida, como todo bom burocrata, o censor cao banida mesmo dep preferie eerar por excesso do que por falta. Do contra,” Gra muito terra-a-terra 10 explicar que etitre os cortes feitos na pega de Millér randes O homens do principio ao fim, de 1966, houvesse além de passagens da carta-testamento de Getilio. Vargas, mostrado a0 publico? F gbes do dramaturgo ¢ ¢ em 1971:"En tinha acal uma oragde de Santa Teresa de Avila?” Em 1968, foi proibide + cansado, Um dos atore a pega Ui bonde cliamado Desejo, do americano Tennessee | que € que a gente fica Williams. No comeyo dos anos 70, proibiu-seo livro do-em- | —-mesmo deixar que a g presitio brasileiro Kurt Mirow — nao tanto, talvez, pis | nada em nenhuma ‘abe 5 de subversio politic 6 se explica pelo pri- ara assuntos culturais ~ a ditadura brasileira. apleta incertera no coti- miisica ¢ literatura, pela revisivel: 0 sinal verde quando menos se espe se manifestamente inde- entar, por exemplo, que golpe militar no Brasil, ‘ga de 1964 comecou no dai ad nauseam. Mas se militares ¢ de seus alia ores da “civilizacio cris Jimuultanea e sincroniza- nacional ¢ pela chamada © cardeal-arcebispo de w sua béngdo a censura no argumento de que “ co estimulado pelas ima a, “leva ao amolecimen ategoria, evidentemente, se ao censor. Era a apo: ssola o pais”, o Febeaps, carioca Sérgio Porto, 0 va suas colunas, O hu 2 alma de seus leitores 40 tipo “a dupla caipiza > marechal troupier que © Branco na Presidéncia vom burvcrata, o censor yor falta, Do contratio, gitos na pesa de Millor de 1966, houvesse nto de Gettilio Vargas, >= Bt 1968, foi proibida lo americano Tennessee roibiu-se o liveo do em no tanto, talver, pelas acusagdes aos monopdlios que sustemtavam 0 seu contetido, ‘mas pelo titulo, inaceitavelmente infeliz para a epoca €0 grau de insteugao dos censores: A ditadura dos curteis, Como se também fora vetado O vermetho € o negro, 0 romance do francés Marie-Henti Beyle, codinome Stendhal, escrito em 1830? Afinal, dizia um investigador do vors paulista nos anos 70,0 petigo era “sexo, marxistno e ideias exéticas” — que ele pronitniciava “secho, marchismo ¢ ideias ejoticas”. No meio teatral, onde a censura podia quebrar uma com- panhia, pelo desperdicio de dinheiro investide numa produ- Gao banida mesmo depois de liberada, 2 divida hamletiane éra muito terra-a-teera: afinal, © que podetia ser ou nid0 set mostrado a0 ptblico? Essa era uma das principais preocupa- goes do dramaturgo ¢ diretor Augusto Boal e de seus colegas, cm 1971: Eu tinha acabado de ensaiar Simién Bolivar estava cansado. Um dos atores tinha me perguntado; — Afinal pra que € que @ gente fica ensaiando tanto? A censura nio vai mesmo deixar que a gente faga essa pega.. Eu nao acreditava nada em nenhuma ‘abertura’ como muitos otimistas[...] Mas is SV vrente Ss dh an Sch IANO Om OFOSICKO DF CLASSE MEDIA AO REGIKE MtutEK + 343 GREVE 22, Com aprobigae da pega ado Deseo, a Rio de fone leonora eat Moni Hi2I68 (cee 44 + vsT08A 08 Ws PRADA NO BRASH & jugar que ocupa na ind 1de, foi © mais amplo 10 Brasil. E nenbuma ¢ yr @ oposigac nao queria de jeito nenhurm aceitar a autocensura. Nao queria facititar © tabalho deles"®* Dado que as regras eram tude menos claras, adotava-se uma estratégia do tipo enszione. erro: ia-se adiante até que ndo fosse mais possivel: entao, gs recomegava. Ou se fazia uma conta de chegat, com base no principio do boi de piranha: recebiam-se com resignacay aquelas incursées mais Gbvias da tesoura— as quai, se sus. nha, ndo desfigurariant a obra toda — para, de algun modo, fazer passar 0 recado que realmente interessava Esse jogo de roleta-russa podia ser fatal, como demons tra 0 episédio narrado por Luiz Carlos Maciel sobre a mon tagem, por cle dirigida em 1968, de Barrela, peca de Plinio Marcos sobre unva curra homosexual numa prisao: “Na épo. a em que Plinio escreveu ¢ tentou montar @ peca teve pro- blemas com a censura. Passados uns tempos (e jd com ele famoso), pensamos que seria mais ficil descolar a montagem, escapando um pouco da censura — 0 que seria improvavel em face das condigdes, mas aceitavamos de antemao corts, Principalmente dos abundantes palavroes |...) O texto da esa foi enviado para a censura em Brasilia, mas nao recebe- ‘mos resposta, Como cu disse, imaginavamos que iam proibir alguns palavrdcs ou expressdes chulas, e ficamos frios. No dia da nossa estréia, a censura enfim nos tespondeu: a pega esta va integralmente vetada! Nada de cortes: nfo tinha ume s6 palavra que tivesse sido liberada”" Desastre semelhante aconteceu, em 1973, com Calabar, pesa de Ruy Guerra e Chico Buarque que reavaliava 0 papel de Domingos Fernandes Calabar, apresentado habitualmente como traidor pela historiografia brasileira, durante a ocupa so holandesa em Pernambuco, no século xvi. Submetida & censura, saiu liberada com cortes. A montagem foi iniciada, ‘mas as vésperas da estréia, em ver de mandar um agenie a0 ensaio final, como de praxe, a censuta solicitou o texto para Novo exame. Depois de quatro meses, veio finalmente a deci slo: estavam proibidos a peca, o nome Calabar e a noticia de que estavam proibides. Os cendrios foram reaproveitados no show Tempo e coritratempo, no Teatro Casagrande, do Rio de Janeiro, e as miisicas, embora mutiladas algumas, puderam set ouvidas no disco Chico cant A censura abateu-sé'duramente sabre miisicos ¢ compo sitores de eposicae. Nao surpreende: a cancao popular, pelo [fm 1984 — quanto “P #5 de Geraldo Vandré, qu senupre pels seus vers hos quartéis (“morrer discurso em que 0 jov ives pedia 88 mocas ¢ ddangassem com os cad CcaRREZERC E PALER RARE: © CO OFOSICKO OF CUASSE MEDIA AO REGIE MITA» 345 ugar que occupa na indiistria cultural e na culture da juven- tude, foi © mais amplo canal de dentincia do autoritarismo no Brasil. E nenhuma outa criagao artistica simbolizou com anid Vier a oposiggo ao regime, nem 20 explicitamente convocou 4 sua derrubada — pelo menos até 0 “Hino naci zat” cantado por Fafa de Belém nos comifcios pelas Ditetas quanto “Pra nao dizer que horrorizaa os militares para tod6 6 as vers0s explicitos sobre 0 que se ensinava go”). O autocensura. Nao queria ue as regras eram tudo rtégia do tipo ensaio-e mais possivel; entao, se de chegar, com base no ‘com resignacao ura — as quais, se supu. = para, de algum modo, nteressava set fatal, como demons 08 Maciel sobre a mon Barvela, pega de Plinio Inuma priséo: "Na épo nontar a pega teve pro: 5 tempos (e j4 com ele il descolar a montagem, © que seria improvavel, nos de antemio cortes, ares [..] O texto da rasilia, mas nao recebe- vamos que iam probit +€ ficamos frios. No dia respondeu: a pega esta- res: nao tinha uma s6 Alves pedia is mogas que no entregassem os espadins nem | | discurso em que o jovem deputado federal Marcio Moreira | Eiseam com oo cates de 1968 pode ter sorido de pre sm 1973, com Calabar, que reavaliava 0 papel ssentado habitualmente leira, durante a ocupa feulo xvu. Submetida & montage foi iniciada, mandar um agente 0} 1 solicitou o texto para finalmente a deci | 2 Calabar ea noticia de ‘ram reaproveitados no Casagrande, da Rio de das algumas, puderam 23, Geraldo Vand aprsenta "Pe ye a ile cde flores" sa Festa Rio de Janene, 2/0168 (Keorat ‘agénca 18) bre musicos e compo: a cangao popular, pelo 346 + HIstON4 DA ViOK RIDA NO BRAS & cantozten € freqientes e pontilhar, 70, Chegavam sob a fo E Convite: Chico diz. que algumas. Fle se torno) praca Marechal Ancor gerelmente era interre Pouco depois Chico B texto para 0 AS, porque a Camara se recusou a dar licenga para processar © autor. Mas, em matétia de ofensa sentids pelo generalato, nem de longe se compara & letra de Vandsé, ‘Quanto mais zo seja porque seu veiculo foi atv —o ventey de gravidade da pop culiure em ascensae no Brasil. A partie. Pacio de jovens compositores e intérpretes em programas de televisio, sobretudo nos festivais promovidos anualmente Pela Tv Record a partir de 1965, thes assegurou imediata fama © individuo vigiado e po nacional, a comegar junto ao publico universitirio. Sua pro. aratem mal, mas é um eso no rico chao de estrelas da misica popular brasileira, man, mas que jé assiny ou Mrs, como se passou a dizer entao, deu-lhes ao mesmo minha vida, desde que tempo uma audigncia inédita e nado menos inéditas atencdes que tenho, Entao, isso por parte do aparato de repressio, 12 ho atividade de criage Getaldo Vandré foi para o exilio, ¢.a patente de inimigg |)" rado até, de todos os k musical nimero um do regime foi concedida a0 compositor. | Houve momentos e cantor Chico Biiarque de. Holanda — que aisim se tortion | a vida dos opositores m2 | protagonista da mais longa e acidéntada historia de strtos com a ditadura ea censura. Trés de suas composigaes — “Vence na vida quem diz sim’, “Tanto mar” e “Célice”, esta lltima em parceria com Gilberto Gil ~ foram totalmente vetedas, Cinco outras cangées perderam palayras ou versos inteiros, considerados imorais ou criticas veladas 20 gove © boicote se sucede & censura como a noite ao dia. Em J por sugestao da Policia Federal, 2 musica “Apesar de voci | que havia sido liberada {embora até as cordas do violao de Chico soubessem que “vacé” era codinome de Emilio Garras- | i tzu Médici, 0 terceito generalpresidente do ciclo de 196), foi retirada do show de Elizeth Cardoso no Canecto.” Na guele mesmo ano, a Rede Globo tomou a decisto de banit © compositor de seus programas. A emissora s6 voltaria a | levé-lo a0 ar nos anos 80. Em 1973, gravadora Phonogram, | durante o show Phono 73, desligow o som dos microfones de Chico Buarque, quando cle falou tes vez “cale-se, temen do que fosse cantar a censurada “Cilice Mas em nenhum momento ocortet a alguém velar as gravacoes do sambista | Julinho da Adelaide, brasiliissimo nom de plame 2 que re} correu, por forca da necessidade, © compositor Francisco Buargue de Holanda | A censuta€ a0 boieots, que afetavam o ganhacpio, so- | mavir-se outeas formas de pressto, mais pessoal. Narra autor Humberto Werneck: “As intimacoes para depor eram \ eeome mnuner + 347 fieglentes ¢ pontilharam toda a primeira metade dos anos 70. Chegavam sob 2 forma de um impresso de ‘Intimagao ou Comite: Chico diz que recebeu bem mais de vinte ¢ guerdou se tornou habitué de um seryigo doors na praga Marechal Ancora, no centro do Rio de jansito, onde Feralmente era interrogado por um certo inspetor Sena Pouco depois Chico Buarque comentaria: “Eu me sinto um individuo vigiado e por isso mesmo marginal. N3o que me tratem mal, mas é uma rotina 8 qual munca vou me acostu. rat, mas que ja assimilei como sendo parte integrante de minha vida, desde que resolvi viver neste pais, que € o Unico «que tenho. Entdo, isso perturba minha vide particular ¢ mi- nha atividade de criacao |... © resultado é um medo, exage rado até, de todos os lados.c." Houve momentos em que @ politica recobriu por inteiro a vida dos opositores do regime. Luiz Carlos Maciel relata se recusou a dar licenga atéria de ofensa sentidg mpara a letra de Vandre iculo foi aw ~o centro aso no Brasil. A partici pretes em programas de sromovidos anualmente assegurou imediata fame 9 universitario, Sua prow ‘sica popular brasileira, 40, deu-thes ao mesmo menos inéditas atengoes 1. € a patente de inimigo oncedida a0 compositor — que assim se tornow ttada historia de atritos le suas composicbes — to mar” € “Calice’, esta il — foram totalmente ram palavras on versos icas veladas a0 governo, noite ao dia. Em 1971, niisica “Apesar de voce" as cordas do violao de nome de Emilio Garras lente do ciclo de 1964), foso no Canecio2* Na nou a decisio de banir emissora s6 voltaria a gravadora Phonogram, som dos microfones de eres “cale-se”, temen ilice”, Mas em nenhum gravagoes do sambista tom de plume a que re compositor Francisco 24 Preso no Aeoport nternacions! do Rio ce fn, Chico Baar «a compress no Departament ie Ono Pattie Socal (DPS), 20 overera de 1968. Ranch “Theobald! Agenci 1B) avam © ganha pao, so: mais pessoal. Narra 0 asoes para depor erm | 34 - "STORE DA VIDA PHNADA NO BRASIL & como, em 1968, 0 catidiano de gente como cle estava cercadg de todos os lados pela politica: “Me lemnbro que pouco ante, da esiréia, num dia comum de ensaio, ecebemos a noticia dy morte do estudante Edson Luis, no restaurante do Calaboy G0. Os estudantes estavam se organizando em varias manifes tagdes de protesto, Plinio (Marcos), que estava comigo, nam bar perto do teatro, no momento da noticia, resolveu: ‘Todos os teatros vao fechar hoje em protesto. Nada de espeta. culost — Mas como, Plinin? Como € que a gente vi fazer isso?, perguntei, Ainda tem de convocar assembléia da classe Ele me cortou sem se ebalar: — Nada de assembleia, Va. ‘mos formar grupos ¢ fechar 0s teatros, um por um. Os est. dantes ajudam’.® Escreveu Zuenir Ventura, referindo-se a classe média intelectualizada: “Os que viveram aqueles tempos guardam » impressio de que nao faziam outra coisa: mais do que fazer amor, mais do que traballar, mais do que ler, fazia-se polit ca. Ou melhor, fazie-se tudo achando que se estava fazenda politica. 4.moda era politizar — do sexo aoracses, passando pela propria moda, que durante pelo menos uma es 68 fos ‘militar’ a5 roGpas mimetizavam i cor € 6 core ic fardas e das titnicas dos guerrilheiros”." O a! Ai25 trou das rugs 65 suspeitos de sempre: estudantes, artistes, professores, 38, adlvogados, Mas a politica ia e vinha como a nuvem que dizem que é. Para os artistas identificados com a oposi- ‘20, nto havia torre de marfim onde se abrigar, ainda que o uisessem, As escaramugas com a censura, o clima de opres- sao, 0 exilio voluntario, enfim, se intrometiam no trabalho © tornavam os destinos pessoais indissociaveis das atitudes pis blicas de cada qual e das contingéncias da politica.” Dos mais importantes grupos profi dia qué'se opuseram a ditadura, 9s jornali nics ados.na sentido ck dos em empresas privadas. Nao_eram_profisionais liberais ‘pagos pelos clientes, como os dvogados coi nemszivideres publicos, como os professores universitérios, Vabituados a liberdade no trabalho e a seguranca na carreira {até 05 expurgos ¢ as aposentadorias compulsérias do ai-5)i ‘nem eram_tampouso artistas on produtores de cultura, cujos wificulos com financiadores, paivocinadores ¢ organizacocs que os contratavam tinham suficiente elasticidade para lhes = Foi voce, Maria, ¢ sssegurar um grau de i jornelista com carteira at de oposigéo e continnar 1 gsstlatiado inevitavelme versivas. Nao apenas pel | emprego, mas também indesejaveis politicos, co se dizia nas redagdes — patronato, Tero nome a minho andado para a pt Além disso, os nov 4dos jornalistas com amb dade deles esperada pel nha-pao e as perspective | seus projetos e priticas | Isso porque no curso ¢ primeira metade, os mei Sil passaram por profun | tropperiodo a midia naci pee e como ele estava cetcadg lembro que pouco antes io, recebemos 3 noticia dy restaurante do Calabou. zando em varias manifes- que estava comigo, num da noticia, resolveu: protesto. Nada de espet > € que a gente vai farer ocar assembléia da classe Nada de assembléja, Va “05, um por um. Os esta. tindo-se a classe média queles tempos guardam 4 coisas mais do que fazer lo que lex fazia-se politi. do que se estava fazendo sex0 a oTagdes, passando (9 menos uma estagio de vam a cor ¢ 0 corte das 8" O ar tirou das ruas artistas, professores, jor- ae vinha como a nuvem entificados com a oposi- se abrigar, ainda que o cnsura, o clima de opres- trometiam no trabalho ¢ cocisveis das atitudes pi ias da politica rofissionais de classe mé- ralistas eram, a rigor, os 2» do termo — emprega- am profissionais liberais ados com banca propria: rofessores universitérios, A seguranga na carreira 5 compuls6rias do 1-5}; dutores de cultura, cujos inadores © organizagoes te elasticidade para lhes se stam ae wate! — Foi voce, Maria, ou jé comecou a Lei de Imprensa? | gssegurar um grau de independéncia acima do ateance do ©. jomnalista com carteire assinada. Se este quisesse fazer politica de oposicao_¢ continnar levando vida normal, 2 condicio de © asclariado_inevitavelmente restringiria suas atividades. sub- "© yprsivas, Nio apenas pela dbvia necessidade de conservar 0 = emprego, mas também para ficar fora das Histas megras de © indesejéveis politicos, compiladas a quatro maos — segundo t dizia nas redagdes — pelos servigos de seguranga © pelo patronato, Ter o riome numa dessas listas ere quase meio ca- rinho andado para a prisao, mais dia, menos dia. £ Alem disso, os novos padres de. desempenho exigidos dos jomnalistas com ambig ssionais, bem como a leal- dade deles esperada pelas empresas que Ihes proviam 0 ga- anha-pao e as perspectivas de carreira, nd raro colidiam com Seus_projetos ¢ praticas de resistencia a ordem autoritéria. Is86 porque no curso do regime militar, sobretudo na sua primeira metade, as meios de comunicacao de massa'no Bra- Sil passaram por profundas transformagoes, Em nenhum ou- ‘ro period a midia nacional modernizou-se tanto € to Fapi- CAHOZERO € PAUIDEAEARA: © COMDIANO BA OFOSICAD BF CLASSE MEDA AO REGIME MLTR + 349 25. Carcaba de Fortana & epoca (de discus do projets pare nove ei de imprensa, que miraria lems wigor a 24 ae mime de 1867 Corte da Maks, 7/106, (Portna, Abert para balan. Bio de fanuio, Coder, 1980) Acero Ioogapha) 350 + HiS1ORA Da VIDA FRIADA NO BRASH 4 damente. A rv Globo comecou a operar em 1965. Em 1966 surgiram a revista Realidade e o Jornal da Tarde, Em 1968, ¢ revista Veja. O Jornal Nacional foi a0 ar em 1969. O Glob Repérter, em 1972. Essas mudangas no busivess da comune 80 — mudangas técnieas, tecnoldgicas, administrativas, de ‘scala empresarial ¢ de relacionamento do seior com o met. cado eo Estado — afetaram de modo substancial o exercicio do jornal pals, 0 dia-a-dia dos jornalistas ¢ suas ey. dihas politicas possiveis, Nem os jornais chamados alterna, tivos ou nanicos — notadamente os tabléides O Pasquin, Opinio e Movimento — puderam desconhecer as novas prea. ‘cupagdes com a qualidade técnica dos produtos, propries da grande imprensa, embora outros fossem os interesses e as prioridades de seus editores. Na derradeira edigio, de 23 de novembro de 1981, Movimento ressaltou que um dos objet vos da imprensa alternativa era “destruir © mito de que jor- nalisia € um técnico, se ndo da neutralidade, a0 menos de objetividade”* A crescente “industrializacs liberdade de pensamen ‘ito aos direitos hum: ades cometidas pelos jonsaveis. Também su brasileira estava na mir jnternacional. A midia ‘mo 3 derrubada de Go = a qual havia conspirad: Sreformas de base”, da da acao das Ligas Cam ~ estrangciros. Os “exces: taes de somenos; loge ‘exemplo, foram escrite piblica do golpe recén Recife, amarrado a um gente comunista Grege Entre os maiores j Mana, do Rio de Jan tao logo comecaram s¢ de 1964, o jornal estam ponsabilizando o gover <. eivis do golpe, pela tre “© co tempo, por sua inde © a0 autoritarismo, assit mes do patriciado inte tonio Callado, Carlos rnalismo, exigindo ‘a conduta lianté do governo comando € os jogos de poder. Refletia-se ainda nas relacées dos jornalistas com as fontes oficiais (principalmente nas 4 areas politica, militar € econdmica); ajudava a estabelecer a . hierarquia dos fatos ¢ @ acolhida dada aos diferentes persona- gens que seriam noticia nas publicacdes e emissoras, o tom ¢ | a forma de tratamento das matérias. Em conjunto e cada 12) Moreira Alves, Otto qual a seu modo, esses fatores tenidiam a desestimular 0 jot: “|, gutros —, 0 matutino nalismo voltado para a deniincia desabrida do regime ditato informal da elite oposi rial, induzindo solugoes de compromisso, Falava-se muito © financeiea, estimmulada em critica « liberdade “com responsabilidad 1 xou de circular em jur duas estupendas amostras da sintaxe dos mili: ribas a eles fis. Faziam companhia a outra preciosidade que fxis- | jornalisticas tampouco | profissionais acusados cava no discurso do poder e nas colunas da imprensa: a de primeiros tempos da ¢ decéncia de proprietér executivos, registra tar questbes de cariter, 01 tho do tempo, estava a mocracia “relativa’” Os empresérios, quase sem excesao, tinham algo além de interesses econdmicos em jogo para nao atazanar 03 ge- nerais com cobrancas inipertinentes por mais democracia, perar em 1965. Em 1965 nna! de Tarde, Em 1968, 9 40 ar em 1969. O Glob 10 business da communica, aicas, administrativas, de nto do setor com 0 mer 40 substancial o exetcicig dos jornalistas ¢ suas es. omnais chamados alterna. 0s tabldides O Pasguim, ssconhecer as novas preo, (098 produtos, proprias da ossem os interesses ¢ as radeita edicao, de 23 de altou que um dos objet ‘ruir © mito de que jor- utralidade, a0 menos da do jornalismo, exiginds a conduta e os calculos do govern — no triplo nciante e censor —,seja 10s patamares de remu afissional, a estrutura de tia-se ainda nas relacoee ais (principalmente nas ajudava a estabelecer a 2 a0s diferentes persona- Ges € emissoras, 0 tome 's Bm conjunto cada um a desestimular o jor abrida do regime ditato- omisso, Falava-se muito “com responsabilidade’ dos militares e escribas «a preciosidade que fais- unas da imprensa: a de- edo, tinham algo além ara nao atazanar os gc 5 por mais democracta, i = jiberdade de pensamento, criagao artistica e intelectual, res- peito a0s direitos humanos, apuragio das crescentes brutali- = gades cometidas pelos Srgaos repressivos e puniao dos res ponsivels. Também suas conviccoes os faziam adeptos da nova ordem: desde que a guerra fria aportara no continente, com aentrada de Cuba na érbita sovigtica, eles compartitha- ‘vam com 0s militares 2 certeza de que a imatura democtacia brasileira estava na mira do chamado movimento comunista internacional. A midia em peso havig apoiado com entusias- mo derrubada de Coilaft, pela qual havia elamedo e para gual havitCongpirado, ssi como exullats com o finds “reformas de base’, da influéncia dos sindicatos no governo, da acio das Ligas Camponesas e das restrigdes aos capitais estrangeitos. Os “excessos” do Primeira de Abril eram ques- tes de somenos; logo passariem. Quantos editoriais, por cxemplo, foram escritos contra a mais brutal manifestagao publica do golpe recém-vitorioso — o desfile pelas ruas do Recife, amarrado @ um veiculo militar, do sexagendrio diti- gente comunista Gregorio Bezerra? Entre os maiores jornais brasile'ros, apenas 0 Correio da Mana, do iio de Janeiro, voltou-se contra 0 novo reginie ta logo comesaram seus atos de violéncia. Ja eit 3 de abril de 1964, o jornal estampou o editorial “Terrorismo, mio’ res ponsabilizando governador Carlos Lacerda, um dos lidetes Givis do golpe, pola truculéneia da policia carioca. Em pou- equivalia a um pacto de certo ponto, até por sua mera divulgagio, Mas a abo’ licagdes para a alma ea ~ naggo dla guecrilha era mandamento,sagrado. O_ zepidio » abangia, como desde antes do golpe, onoticiatio relativo ao ia dos profissionais em pcp. Nos escaloes inferiores — ¢ mais jovens — das redacdes, is diversas e contradité. (os agrupamentos que imaginavam derrubar a ditadura pela m de fartas reservas de]. forca_provavelmente tinham mais simpatizantes do que o +0 Jornal do Brasil (JB), Partidao, execrado como conciliador ¢ reformista. Mas seria Iberto Dines, driblou os mais facil um militante da ver passar pela alfindega do 2a véspera, dia do a5, Galeio com uma caixa de granadas do qué un) reporter sina, espago habitual do} copttabandear uma noticia favoriyel a luta armada para texto: “Tempo negro.) Gentro de um jornal, mespirdvel. O pais esta (s’comunistas, de tonge, eram os mais organizados jar. 2 38°, em Brasilia. Mi, nalistas de oposigao. Nao que fossem muitos. Porémm, &co- ontmero do AtoCom- | lados, davam a devida importancia a ocupagao de postos nas atanjeiras € 0 nome do redacdes, de modo a formar redes de protecio #eeiprOca {aeSilva reuniuo gabi- |] dar emprego.a outros militantes © simpatizantes. Iss0 m0 Fo ato institucional A J significa que o seu ativismo fosse necessariamente mais com- tou menos de um mes bativo ou temivel do gue o dos colegas de outros ramos da compromisso de acatar —}esquerda, Tanto que suas figuras mais conhecidas no meio betes proibindo fatos¢ || mereciam até a confianga de donos de jornal. Estes manti- crentes, descabidas, ton- aha os “comunas” nos empregos.fingindo nao saber aquilo sn colega de jornal pro- “| que eles fingiam aio seu. Era unm artanjo confortavel pace relos Lemos, para pedit 1 amas as partes. De um lado, porque os membros de “clube”, esua familia, quemata» | como chegou a ser moda se teferir 20 partido, representavam ata ter Ihe respondido um antidoto as surpresas que os “porralocas” poderiam +0 jornal o ignarasia; se sprontar num redagio, De outro, porque a competéncia ente. Para seu espanto, profissional era ponto de honra para os comunistas, 1 maio- noticia estava proibide Fia sbsoluta dos quais faria por merecer 0 salério no fim do do Exército, parente da més, De auto ainda, porque sua presenga permitia aes em- al 358 + H1s208K Da WD PRADA NO ABASI « pregadores preocupados com essas coisas provar que nao dis. > des pessoais com 08 colegas. A rejeicio ao reformismo do vcs textos marxistas eram + > era um sentimento mais difundido do que as idéias claras anhou Herbert Daniel sobre as alternativas a seguir: “O ambiente do movimento inas Gerais, “Pescava estudantil na Universidade de Sao Paulo, onde cursei o pri- strinchavamos atenta- meiro ano de Cigncias Sociais, era de critica aos partidos avangara 0 marxismo comunistas tradicionais. Varias correntes se formavam, algu rgumentos novos para mas com conotacdes trotskistas, ¢ outras, fortemente influen= tea fizera a revolugio ciadas pelo impacto das revolugdes cubana e chinesa, Muitos tismo’ B toma marxis- de nds passamos a integrar essas organizagoes movidos por sulava de mio em mao vinculos intelectitais @ relagdes de amizade, sem uma avalia~ textos de Althusser, 0 cio teérica muito profunda. Na concepeaa da época, a tnica of era distributdo em forma de participar do pracesso de mudangas que a socie- 0. A tradugio nao era dade brasileira exigia era militar num desses grupos"? Foi va ali para se prec assim que o estudante Vinicius Caldevilla se aproximou, pri- 5 importante eram as meiro, do Partido Operdrio Comunista (roc) e, depois, can- Se Debray fazia uma sado de “tanta reuniao’, mudou-se com um grupo de amigos Vida, que estava feita para a Asio Libertadora Nacional (aun), em busca de acao 0 latino-americana. revolucionaria imediata Aledo Sirkis descreve uma trajetéria semelhante: “No acia politica nos pri- ‘ap [Colégio de Apiicacao do Rio de Janeiro], aqueles poucos ttemente nao tinka a ‘que naquela €poca transavam o intrincado ¢ misterioso uuigdes e em todos os mundinho das organizagbes tinham contato com uma area le direito, sobretudo, politica diferente, que quase nao existia no movimento ani- que davam corpo a0 versitirio carioca, mas que tinha forsa no paulista e mineiro a experiéncia politica, {..J Bu nao era sequer um iniciado naquele estranho mundo, 85 assembléias e rei Ouvia flapos de conversa e ficava interessado, mas, 20 meso blicos. Alguas, no en tempo, perplexo. Pra que tantas siglas. Deviam era se juntar, indo-se militantes das As divergéncias entre uns e outros, eu. também nao pescava i ee 368. + ySsdKA DA WOK PNADA NO spas « bem, Eu entendia por que era ligado a vrss, stalinista e defendia a transig No_final de 1966, 2s. pita ou breguete, pensei, Com o passar do tempo comesou a fazer sentido. Era un dos ambitos da revolugao que tinha que se fazer dentro da gente, Naquele firm de noite, jé meio de porte, decid que fazer programa com empregadinhas ere contra-revolucionério’ O.clima de festa revolucionéria nas universidades mur- chou no final dos anos 60, com o al-5, as detencoes ¢ a ncia institucionalizada, as demissbes de professores, 0 ingresso dos estudantes mais radicais nas organizacoes ar- madas e seu répido desmantelamento pelo regime. “Eomos presos, torturados, mottos, exilados ¢ no chegamos a lugar nenhum’, comentaria depois o ex-lider estudantil Vladimir Palmeira.™ Nao foram poucos os que desistiram da politica ou “desbundaram”, como se falava na época, Uns trataram de ter emprego e levar vida normal, outros foram fazer con- tracultura, Fernando Gabeira conta seu encontro com um antigo militante secundarista, ele na clandestinidade ¢ 0 secundarista no “desbunde": “Bom secundarista estava meio, bippie, com um olho bandeirissimo, Era ainda 69 e quem vi- rava hippie ¢ puxava fumo era um pouco assim come quem virava protestante de repente”’* Em 1973, um texto no jornal Rolling Stone ensinava a uma hipotética mae: “Em primeiro lugar a scnhora tem que entender que seu filho deixou de ser aguele animal politico e social que marcau todas as geragoes até @ Segunda Guerra Mundial. Até hé cinco anos talver a seahora pudesse encontrar algum paster de Che Guevara nas paredes do quarto do seu filho, ou talvez o visse em alguma passeata, atirando bombas em consulados, reclamando pao & cultura para 0 povo, pregando a igualdade de classes, gritan- do € pichando os muros: ‘Yankees, go home!’ Bra a chamada juventude wniversitaria, a senhora se lembra? Todos com as- Piragbes a guetrilheiros. E de repente, em menos de cinco anos, acontece essa mudanga louca do sangue para o vinho, AAcho que seu filho Finalmente entcacleu que nenhum sistema politico ¢ capaz ce resolver os problemas do homem, nem socialmente € muito menos individualmente”.* No comego da década de 70, nas mesmas escolas € bates onde poucos anos antes se previa o fim da ditadura para breve e, quem sabe, @ revolugdo para logo depois, falava-se baixo, olhando de lado, sobre prisdes, torturas, desaparceimentos. Nao © € PAUBEABEPA. © CODING DA OPOSICAD DE CIASEE MEDIA KO KEINE MSTA sa 372 + Ws1ORA 9A MDA FRVADA NO BEASH + No Fal de 1968 «viol presi leno aos extertores 0 BSA I2 de outubro a polcia ‘solve 0 KAX Congress da UNE, ‘ue esava senda realizado andestinamee or ra Fazenda vas pronase bana, terior ste Sap Paulo Carex de 1200 fetudansce ra prot — nite eer guns doe prinepas de tiradantis~¢ lnadoe para 0 Presidio Tradentes, em Sto Pale ere leanagraphie) obstante, 20s poucos, a politica estadantil voltaria a desper tar, 0s centzos académicos e ditet6rios seriam disputados por chapas ligadas as novas siglas, com nomes apropriados ao tempo ¢ ao lugar, como Refazendo, Caminhando, Liberdade e uta, que brotaram da rearticulagao dos antigos grupos poli ticos — a2, 2cdo8, ncn, trotzkistas. A retomada se fazia sob novas condigées ambientais, por assim dizer. A populagao universitaria continuava a crescer sgragas & expansio do ntimero de vagas. Parte substancial des. expansio eta absorvida pelas faculdades privedas, onde a atmosfera era radicalmente distinta da quimica politica cu ‘tural das universidades piiblicas, que haviam sido o epicentro da agitacgo estudantil em 1968. Mesmo essas iam se am- pliande ¢ ocupando espagos afastados entre sis nessa medida, se tornavam pouco favoraveis a0 Mlorescimento do tipo de sociabilidade que as transformara em centros de contestagio, Além disso, « inexisténcia de uma articulagéo nacional entee os membros da segunda geracao de liderangas estudantis pés-64 ajudou a produzir uma multiplicidade de experién- conta ainda Marcelo ‘esta, a dos ortodoxos € inham-se figis & ‘revolu- fim da sociedade de consumo" A oposicio & ditadura. se © wee £0 aF6IME MuTAR = 375 4 Na segunda stad dor anor 7 e nuvinento estan ats ds rs hid po ree do pais Sao Pad 197 Sie? Adri agers (Sino 376 + HsTONA D4 vPA PAADs NO BEASH sutids. O que nos faziamos? Freqiientivamos 0 Rivicra ¢ Ponto 4 (depois o Bar da Terra, primeiro posto avancady na Vila Madalena), iamos ao cineclube da Gv [Fundecag Getilio Vargas] (onde uma dupla de Bartet0s, 0 Zaga de Lucca ¢ 0 Hugo “Terceira Via” Mader, nos apresenton todo 9 Godard ¢ todo 0 Julinho Bressane), rolava muity Stones nas festas sempre com cerveja, liamos Adorno, Walter Benjamin, Barthes, Fouceult, Bataille, Corti Bandeira ¢ Murilo Mendes — alguns, como 0 Rodtrige Naves, 0 melhor orador da Libelu, liam Sartre =, passé. vamos carnaval na Bahia, shows de Gil e Caetano eram obrigatérios, assistir as aulas do Davi Arriguc’ Jr. tam bém, nosso coragio batia apelos surrealistes, nossa mes. fra era Marilena Chaui, anulavamos nossos votos, éramos leitores de Paulo Francis, nosso padtao de jornalismo era “Le Monde” ¢ tomamos um porre quando, finalmente, o Corinthians foi campeao fem 1924) NA CLANDESTINIDADE, OS RITUAIS DO ISOLAMENTO O mundo particular virava de ponta-cabeca quando se fz. zia da oposicao a ditadura uma profissio de tempo integral nos partidos ¢ movimentos politicos proibidos. Cedo ow tarde, 2 Patticipagio se tornava sindnimo de existéncia clandestina, dominadora infitragio da privacidade pela politica: nessas cit cunstincias, tudo ficava subordinado a0s imperativos da lata contra o regime. Rigorosamente tudo: assim que caiu na clan- destinidade, como se dizia entao, o jornalista Fernando Gabeira mudou de bat.” Mudava-se de bar, de casa, de bairro, de cidade, de nome. Largava-se o estudo ou o trabalho, deixava-se de ver parceiros, parentes ¢ amigos. O sustento vinha da organizacao, Enquanto fosse possivel,fingia-se levar vida normal pata apla «ar a curiosidade alheia. Depois, nem isso; submergia-se de ver. Alguns tiveram de sumir assim que os iilitares tomaram 0 governo — algo de que duvidavam até acontecer Um caso exemplar de desaparecimento a toque de caixa foi de ninguém menos que o veterano dirigente comunista Luiz Carlos Prestes, entao com 66 anos. Conta sua mulher, Maria Prestes: “Ao chegar em casa, notamos que havia perto da nossa residéncia um automével parado para conserto. Desconfiamos. Nossos segurancas, que hi horas observavamn A | | ‘| | 1 | | 0s acidentados, confirn Iho voltou para nosso tum tempo. Em vor be hora de sua chegada no save descansar, por iss ficaram (sic] a imagem ta, acionando © motor, Queiroz. Nao pudemos jogar no carro o pijama ele escapou do perigo « Para a cientista pe que estudou a agao de na Alemanha, a clanc © rompimento das rela movimentos centraliza gam 0 isolamento socia a0 sera definéda por s fos estirmulos do mund: asolidariedade com os Uentévamos o Riviera, 9 rrimeiro posto avencady eclube da cy (Fundacao 3 de Barretos, 0 Zaps de Mader, nos apresenion Bressane), rolava muitg erveja, llamos Adorno ault, Bataille, Cortizar guns, como o Rodrigo 2s liam Sartre —, passé. de Gil e Czetano erain Davi Anrigucci Jr, ame suarrealistas, nossa m: (08 108505 votos, éxamos adrao de jornalisino era € quando, finalmente, 9 4 DLAMENTO ita-cabega quando se fa 10 de tempo integral nos didos. Cedo ou tarde, a existéncia clandestina, pela politica: nessas cic 305 imperativos da luta assimn que caiu na clan- alista Fernando Gabeira asa, de bairro, de cidade, batho, deinava-se de ver 9 vinha da organizacao. vida normal para apla- 405 submergia-se de vez 's militares tomaram 0 acontecer nento a toque de caixa © dirigente comunista 0s. Conta sua mulher, tamos que havia perto parado para conserto. + ha horas observavam os acidentados, confirmaram as suspeitas. De imediato 0 Ve Iho voltou para nosso veiculo ¢ se escondeu 13 dentro. Dei um tempo. Em voz bem alta, com o motorista, marquei a hors de sua chegada no dia seguinte. Disse que o Velho presi- save descansar, por isso nto ia mais sair. Nos meus olhos ficatam [sic] a imagem do motorista Rubens batendo 2 por- ta, acionando o motor, subindo a rua Dr. Nicolau de Souza Queiroz. Nio pudemos nem nos despedit. S6 deu tempo de jogar no carro 0 pijama, o chinelo e a escova de centes, Assim cle escapou do perigo de ser preso no dia 1% de abril’? Para a cientista politica italiana Donatella della Porta, que estudou a aco ce grupos politicos armados em seu pais, € na Alemanha, a clandestinidade significa, necessariamente, © rompimento das relagdes sociais mais amplas e a adesio & movimentos centralizados ¢ compartimentados, que refor- samo igolamento social. Nesse ambiente, a vida da organiza gio serd definida por sua dinamica interna, mais do que pe Jos estimutos do mundo exterior. A sobrevivéncia do grupo € « solidariedade com os companheiros alcangados pela repres cotirtits & susestara 0 cons bx orcsho oF ese wba x0 HWE miNAe «397 39. Com o endureciments di Jforegrafias de o eados ena af stration das cides onto ravines ‘Maina, cartaze col ‘Santos Dumont Rio de aver, 1230 de sero de 1968, (Alberto Praga? Agia 18) 378 + Lasrdnia 04 WOR Pa¥ans NO EAS camaro £1 de quem trabalha 01 slo prevalecem sobre qualquer objetivo politico. A ideologia jgia do militante ficar do movimento se torna mais rigida e rituatizada; deia de sep cessencialmente uma forma de comunicagao com a sociedade a «se converte em instrumento de reforco da lealdade do mil. #7 para casa como um cida tante & organizagzo. Também no. Brasil. pos-64, quem ia vizinhos deviam ser ¢ para a clandestinidade — por escalha politica pessoal, para escapar & prisio ou por ordem do partido —, passava a viver dlentzo da organizagio, em todos. os sentidos: continado ‘ou quase s6 se relacionando com outros com- “gomodo podia estar ab “fais esquisitos, ( estudante secune 405 novos movimentos voltados para a contestagio armada, todas as organizacoes tiveram de mon- tar_(ou também reativar, como no caso do Partido) uma rede de “aparelhos” — Jugates onde alojar camaradas, equi- pamentos griificos, material de propaganda — e, eventual mente, armas. No Partido Comunista, escolado por décadas de existencia ilegal, a tinica, exclusiva tarefa de certos filiados era esconder em casa quem a diregao Ihes encaminbasse, pelo tempo que fosse necessario, sem prejuizo, aos olhios da vizi- nnhanga, da rotina do lar. Naturalmente, nem os antitrides, nem os héspedes conheciam a identidade uns dos outros. Em 1970, um professor universitario de Sao Paulo, que soube estar sendo procurado por ter acolhido uma pessoa ligada a grupos armados, pediu socorro a um jornalista amigo seu, ligado por sua vez a0 Pcs. Alguns dias depois, com as precau- g0es de praxe, foi parar num sobradinho onde vivia uma familia operatia, na Zona Leste da cidade — de onde s6 sai- olotovs velhos, rola: 1 gasolina. Lim saco de cle “do Paraguai, varias caiz ‘conseguimos. Correntes “tos, panfletos ¢ livros tudo?" Nao s6 por fin emocional dos ativistas tum minimo de norma ‘ao. Era preciso estar < “dos vizinhos, ao movin estacionadas na rua: seria uma dédiva, além correr dos anos e das fu tipo quatro portas de « de trae de tiros, que p 0s 0 gesto e 0 cotidia via, com documentos falsos, para ser tirado do pais. Detalhe: O dia-adia nos © professor nao era nem tina sido do ncn. 4] > duo exercicio de convi A pteocupacdo absolute com a seguranga era obviamen- | viam compartillar esp te comum a todas as organizagbes — embora nio se possa >|." ¢ habitos diversos, em dizer © mesmo da competéncia com que por ela zelavam. | por dia sob tensao. Po Muito importante era saber eseolher o apartamento que ser- rigncia de solidio, com condigio de clandestino, era construir um cendrio de norma da: “Estava ali hd dee lidade. Alguas moravam em pensoes, dizendo-se estudantes |] para cobrir um ponte ‘ou venidedoress outros alugavam moradia e ostentavarn vide ‘num supermercado da le casal. Em cada caso, havia que simular 0 dia-a-dia do baixinho, era seu cont jovem que vai para a faculdade, do marido que sai para 0 dois companheiros en trabalho, da mulher que fica cuidando da casa...Como as r0- tomar severas medidas tinas da atividade politica ilegal nao eram exatamente aque- rmassem. Bra inev viria de aparetho. Essencial, e talver 0 aspecto mais dificil da | A metade arrancada de , costoti0 € paw ot ates © cOTMANO OA DHOECKD oe caste OlR KO REGIME LTAR = 379 ivo politico. 4 ideotogia ritualizada; deixa de ser” sicagio com a sociedade x0 da lealdade do mili Brasil pos-6d, quem ig Shas de quem trabalha ou estuda, manter a fachada nao raro Fovigia do militante ficar Nanando pela cidade, fazer hora em. fancos de jardim ou no escuro do cinema, até poder voltar a casa como um cidadao igual 20s outros. As relagdes com vizinhos deviam ser cordiais, sem dar margem a intimida- 1a politica pessoal, para jes. Receber visitas desavisadas, s6 em tltimo caso, pois um rtido —, passava a viver comodo podia estar abrigando um companheito escondido s sentidos: confinado 4 444 sguservindo de depésito para os mais variados tipos de mate- rando com outros com- po iais esqquisitos, (© estudante secundarista Alfredo Sirkis vivia numa casa ujisima”: “No armério embutido, uma mala cheis de © nolotovs velhos, rolhas vazando, fedendo écido sulfirico ¢ 4 asolina. Um saco de cloreto de potissio. O revolver da guerra do Paraguai, varias caixas de munigao e dois novos 32 que “© conseguimos. Cortentes, bartas de ferro e guilos de documen- 10s, panfletos ¢ livros de esquerda. Que fazer com aquilo tudo?" Nao 56 por fingimento, mas também pelo equilibrio ‘emocional dos ativistas, tentava-se reproduzir nos aparclhos tum minimo de normalidade cotidiana — quisé séitipre em ‘vio. Era preciso estar sempre atento a tanta coisa, & atitude dos vizinhos, 20 movimiento de pessoas, 20s cartos estranhos ‘etacionados na rua: “Dormir, santa inocéncia, um dia isso seria uma dédiva, além de perigoso. Aprendemos, com 0 de- _ cotter dos anos e das fugas, a acordar com os maicos suspeitos, nentos voltados para a vacdes tiveram de mons caso do Partido) uma alojar camaradas, equi vaganda — ¢, eventual- a, escolado por décadas tarefa de certos filiados Ihes encaminhasse, pelo juizo, aos olhos da vizi- ente, nem 05 anfiteioes, lade uns dos outros. Em Sao Paulo, que soube do uma pessoa ligada a n jormalista amigo sev, depois, com as precau- | © tipo quatro portas de carro batendo ao mesmo tempo, sinal idinho onde vivia uma de tra e de tis, que podem nos salvar ou nos matat, Perde- dade — de onde s6 saie mos 0 gesto € 0 cotidiano banais, a possibilidade da tédio.."" tirado do pais. Detalhe: |}. O-dia-a-dia. nos aparethos, inevitavelmente, eta um ar- lo ree. ‘duo exercicio de convivéncia forcada, A todo instante se de- 2guranga era obviamen- viam compartithar espacos limitadas com pessoas de origens, = embora nao se possa « habitos diversos, em condigoes materiais dificeis, 24 horas fa que por ela zelavam. “| por dia sob tensio. Podia, também, ser uma pungente expe- © apartamento que ser- riéncia de solido, como a de Ruth, personagem do romance > aspecto mais dificil da A metade arrancada de niim, do militante da ver leaias Alma- rum cenario de norme- dda: “Estava ali ha der dias, tendo saido apenas duas vezes: \s dizendo-se estudantes para cobrir um ponto em Copacabana e para abastecet-se radia e ostentavam vide ‘num supermercado das redondezas. O radio de pilha, ouvido simular 0 dia-a-dia do baixinho, era seu contato com a cidade ¢.0 pais. A queda de. _ marido que sai para 0 dois companheiros em Sao Paulo obrigara @ organizagao a © da casa... Como as r0 tomar severas medidas de seguranca até que as coisas se acal- eram exatamente aque- massem, Era inevitivel que 0 isolamento involuntario a dei- i _ 380 + H4sTORA DA VIO THIMDA NO EFAS 40, No cartaz de procera, fotos se tara taetberg& Carlos Kamara (heer leonogrpi xasse as voltas com uma espécie de ciclotimia revolucionéry substituindo o desejo de realizar agdes espetaculares de pro, Paganda politica por outro menos digno: abandonar tury aquilo’* Naqueles espacos confinados, havia também vida amo. rosa. Quase todos 0s relatos eas obras de fcsao sobre a expe. rigncia da clandestinidade mencionam relagoes entre ho. ‘mens e mulheres nascidas da vida em comum nos aparethey A nova moralidade sexual dos anos 60 ajudava, mas sempes foi assim. Em 1952, por exemplo, Maria do Carmo Ribeiro, gue cuidava de uina casa do Partido Comunista no bairto do Jabaquara, em Sio Paulo, comesou ali uma unio de 38 anos ¢ sete filhos com Luiz Carlos Prestes. Foi também compart Ihando de um escondetijo, escreve a jornalista Judith Patarrs, Que lara lavelberg e Carlos Lamarca iniciaram sua breve © intensa relagio amorosa.” TERRORISTAS| PROCURADOS | ron AJUDE A PROTEGER | SUA VIDA E A DE SEUS FAMILIARES | AVISE A poucia Amizades ¢ amores inesperadas. Na vida clar de era a regra. Quanto r trocar de casa e de nome sao pudesse ter descober {es mudangas acabavam enquanto 0 medo perm: ais e objetos do catidic dade de cada um. Herb mao que teria sido 0 da Tuta armada: “Na me do aparelho' se fazia prec Ietinha providencial, onc vase it levando [...] Nao infelicidade. A gente de ‘ito pouca coisa [..] # mnarca ¢ simbolo: uina a que @ gente faz [..] Al ses espetaculares de pro- digno: abandonar tudo tavia também vida amo- as de ficgo sobre a expe- wram relacoes entre ho- nn comum nos aparethos, (60 ajudava, mas sempre faria do Carino Ribeiro, Comunista no bairro do liuma unio de 38 anos 3. Foi também compart. jornalista Judith Patarea, ‘a iniciaram sua breve ¢ Amizades ¢ amores estavam sujeitos, € claro, 2 Fup TS snespadas, Na vida clandestine por detinieao 2 instaida ere cegra, Quanto mais nao sea havia que dar o fora ) drasticamente nossos pequenos cacos | snesino como era. Por isto vamos carregando aparentes inuti. case0.2860 € lidades vida afore: memoria viva, Ao termos de abandonar © yee ios, iS Vezes com sema erdemos contatg conosco mesmo, a vida passa a ser descantinua, Cacos"s tinidade também impunha ura modo diferente de serelacionar com a.cidade, A pessoa comms pode atraves, sata cidade sem vé-la, O.ativista precisa dominé-la, conhect Ja intimamente para permanecer andnimo e seguro: "Avenidy Brasil, via Dutra, chegamos a nosso destino sem incidentes,g Rio é passado, emigrar nio € novidade para mim, Aproveto 65 primeiros tempos para andar velho habito que facilita ¢ conhecimento da cidade, Cada manha escolho um baitto, ego um énibus, desco e esquadrinho rua por rua, estudo 2, entradas e saidas, as comunicagées com 0s baicros vizinhos, as padatias onde tomar café enquanto observo win ponto, 2. suas trangiilas para montar aparelhos, os baricos a serem assaltados. A regra mais importante para a seguranga de um guerrilheiro é 0 dominio da topografia®” A sensacao de inse- ‘guranga era incessante; 0 medo, uma companhia inescapsvel “A noite cai sobre S80 Paulo, tomo atalhos e caminhos de rato que s6 eu conhego, penso nas vivéncias do dia, enquanto, tomo o rumo de casa. Sentidos alertas, inquieto, algo nao me passa na garganta [..] Deixar as ruclas quando se tem a cabe a prémio € um erro fatal. Avenida de mao dupla, com canteito no centro, bairro absstado, transite fluente, ligo 0 rédio, concentro-me em guiar rapido. Os catros diminuem a marcha, param. Sinal de batia, de carro ou de tira... Boa parte da vida clandestina era consumida na rebusca da tarefa cle manter contato com outros militantes, alojados em outros aparelhos, para combinar reunides, transmitic de. cisdes, plancjar atos espetaculares, ow apenas reconstituir os quadros da organizacao, totinciramente dizimados pelos ser viges de seguranga. Os contetos gram feitos em lugares publi- 05, 08 célebres “pontos’, pois as regras da clandestinidade — nem sempre cumpridas & risca — proibiam am militante de saber onde viviam ¢ como se chamavamn de verdade os demeis companheitos. “Cobrir um ponto” eta sempre am isco. A rotina requeria disciplina e invejivel memoria: “Os pontes eram 0 maior perigo’, lembra Herbert Daniel. “A maior parte dos militantes foi presa assim, nos pontos caidos. Como ea sempre tinka um niméfo gigantesco de contatos a fazer, em varias cidades do pais, multiplicava o risco da queda. Pion, “go tempo ser bastar ‘picho, isto é, se a polici -Jistas. Boa memoria, sex OF ter. Fazia esforco para a 4 2 tedores. Cheguei a esqu meus pais?” [Nao se devia per) f= marcado. A pontualid: © q ansicdade crescia cor 3p 2 um encontro era sinal -o companheiro tivesse situagoes: © ponto era na Sih {0 Lisboa. Levava o ‘ro na japona [..] 7 peguel a Silveira M ro. Passavam carro: fonge a esquina d avancei. O32 pese bolso da japona er Continuei subindo Deixei passar cince ter se attasado. Ja c ligeiro, a angtistia cabo gradento de < badalando contra outro, na cintura parei atras de uma dez minutos de tok identificar os vulto: Jonge. Era o Mine enguanto 0 vulto i Era ele, a mesma g vado pra direita, A porza nenhuma. Vi do. Vi o Mine che pasados vinte mir ‘mo, Tina furado (CABRO-ZENO = FAUOEAEARA: © COTIDIBNO DA GFOS CAO DE CIASSE MEDIA AO REGIME MLITAR + 383 ‘pare mim, ora ter de guardar de cabega lugares, datas, hord- ios, 8 vezes com semanas de antecedéncia. Exclus, evidente- mente, a hipdtese de deixé-los por escrito, pois nunca se sabe se 0 tempo sera bastante para o banguete de banqueiro de cho, isto 6, se a policia vai dar folga para engolir as minhas lists, Boa memaria, sem problema, eu tinhas mas nfo queria ter. Fazia esforgo para apagar da lembranga dados comprome- tedores. Cheguei a esquecer, com sinceridade, 0 endereco dos > meus pais.” Nao se devia permanecer por muito tempo no lugar = marcado. A pontualidade era a regra de ouro. Obviamente, ansiedade crescia com a espera. Quando alguém faltava a sm enconito ere sinal de que algo tinha dado errado; talvez ‘9 companheiro tivesse sido preso. Sirkis narra uma dessas situagoes: regando aparentes inuti- Xo termos de abandonay acos perdemos contato Jescontinua. Cacos"** unha um modo diferente * 20a comum pode atraves. cisa domind-la, conhecé. nim e seguro: “Avenida destino sem incidentes, 9 ade para mim. Aproveito tho habito que facilita o ha escolho um baitro, © Tua por rua, estudo a5 com 0s baits vizinhos, {to observo um ponto, as thos, os bancos a serem para a seguranca de um fia"® A sensagio de inse 1 companhia inescapavel > atalhos ¢ caminhos de ivéncias do dia, enquanto 45, inguieto, algo ngo me as quando se tem 2 cabe- ida de mao dupla, com s, transito fluente, ligo 0 6. Os carras diminuem 2 zarro ou de tira..." a consumida na rebusea- stros militantes, alojadas reunides, transmitir de- ou apenas reconstituir os sate dizimados pelos ser 1 feitos em lugares pabli- ras da clandestinidade — roibiam um militante de 0 ponto era na Silveira Martins, a um quarteirio da Ben- to Lisboa, Levava os dois revélveres, um na cintura, © ou- tuo na japona [...] Trés para as seis. Dobrei a rua do Catete peguei a Silveira Martins ¢ fi subindo, Fstava meio escu- 10, Passavam carros, as pessoas anénimas, uma a uma. Ao longe a esquine do ponto. Seis horas, respirei fundo © avancei, © 32 pesava na cintura e et ia com a mao no bolso da japona crispando 0 cabo do outro. Nao estava Continue: subindo no mesmo toque, até a Bento Lisboa, Deixei passar cinco minutos de irrcal fim de tarde. Deve ter se attasado, Ja deve estar ld, Tem que ester, Desci a rua ; ligeiro, @ angtstia sufocanda no peito. O revélver com o cabo grudento de suor ficou sozinho no bolso da japona, badalando contra 0 flanco. Nao sentia mais 0 peso do ‘outro, na cintura. Cruzei de novo a esquina do ponto ¢ pate) atrés de uma arvore. O ponteiro cruzava os cruciais : dex minutos de tolerancia e meus olhos ansiosos tentavam identificar os vultos que subiam a rua. Silhueta familiar 20 longe. Era o Mine. A esperanga me invadia, aumentava, vam de verdade os demais enquanto 0 vulto ia tomando forma cada vez mais perto. era sempre um isco. A Era ele, a mesma ginga, o mesmo andar ligeiramente cur- ‘el memoria: “Os pontes vado pra dircita. A cami... O vulto eresca... Nao era ele rt Daniel. "A maior parte porra nenhuma. Vi os tragos na luz do poste. Nem pareci- Pontos caides. Como ev do. Vio Mine chegando mais umas duas ou trés vezes © 3 de contatos a fazer, em : passados vinte minutos, me convenci que nao viria mes- © risco da queda, Pior mo. Tinka furado mais um ponto.”” ll 384 + H4sTORH DA Vi PADRE NO BAAS & O enclausuramento na clandestinidade chegava a ser in- suportavel. Burlando regras bésicas de seguranca, de ver em ‘quando o ativista aparecia na casa de um velho amigo ou de tum parente, cujo enderego, supunha, néo era vigiado pela policia; ou simplesmenie ia dar uma volta por lugares que costumava freqiientar antes de mudar de vida. Se 0 pior nio the acontecesse, o resultado da aventura seria com tode a probabilidade ouvir um causticante sermao sobre 0 “lbera- lismo peqteno-burgués do companheiro”, que podia pér em risco a sobrevivéncia da organizacao toda. Judith Patarra re. lata uma das escapadas de Iara lavelberg, jf muito procurada pelos drgios da repressao: “Peruca de cabelos curtos, escuros, vestido de algodao estampadinho, irreconhecivel, aproveitou uum intervalo para pesquisar vitrinas na Rua Augusta, talvez uum doce na Yara, 0s primeiros morangos. Seguitt a Alzmeda Santos, contemplou sem saudade a casa onde funcionava o ‘Tus. € viu descerem do automével estacionacio Fader e Regi- na Sader, susto e clegria nos rostos. Patinou pela ponte invi- sive, Iara Tavelberg, presente. A passear na Augusta, ninguém ime segura, de outra vez no cabeleireiro uma conhecida quase caiu da cadeira"? Hayia muito de ritual no cotidiano dessas organizacbes. Efam liturgias destinadas a cimentar ¢ tomar a cimentar 4 lealdade,¢ a adesao dos militantes. O compromisso com o projeto politico de derrubar o regime pela forga c, a partir dat, impor uma nova ordem social, era necessdrio porém in- suficiente. O que se exigia era uma espécie de reforria moral ‘guevarista, capaz de transformar 0. "pequueno-burgués” em revolucionario de teinpo integral. Por isso, embora as reu- niGes getalmente tivessem por objetivo planejar agées con- cretas, suas funcGes internas de agregaeao, integracao e iden- tificagao com 0 grupo cram tao ou mais decisivas que suas conseqiléncias externas. A importancia dessas funcbes crescia na tazao direta do isolamento dos movimentos radicais. Relata Sirk Nas reunides de eritica e autocritica [..] procursvamos exorcizar 05 nossos rartcos pequeno-burgueses © nos im buir da ideologia revoluciondria do proletariado. Eram reunides tensas, interminaveis. Algumas tinham o aspec- to positivo de levantar discussdes mais profundas até heterodoxas na esquerda de entio. As pessoas-abrindo carnozeze seus problemas « formagao famili thava, sobreman: vventos de frades, ds origem impa burgués. Nestes mais legitimas 4 fazer a revolugio ‘novo, com estes mente pro sador Dessa carga zo mene tidio, em cujas bases megava-se quase sen ternacional’, derivay _- contradigoes de classe me’, examinava-se a “grupelhos aventureit uum certo anticlimax, as mais variadas, dist entrega de repartes d presentes, a intimidae © veres, sala-se da reun O isolamento so dos neles exacerbavas va incidentes mitido: politicas, ¢ estas, suc confrontos insanavei: vez, arrola as acusagé sua saida do Movimer € do pais, Todas deriam pr em risco + 9 modelo de militant a ver com 0 impacto ‘organizaga0, com seu companheiro Felipe posto abandonar 0 € « fugir, no fim da aga 2) ter pensado em vi 8 quedas de abril d outros, Receber ajuda idade chegava a ser in. + seguranga, de vez em uum vetho amigo ou de nao era vigiado pela volta por lugares que de vida. Se 0 pior nao ura seria com toda a armao sobre o “libera- ito”, que podia par em oda, Judith Patarra re- 1g, jA muito procurada sabelos curtos, escuros, conhecivel, aproveitou va Rua Augusta, talver g0s. Seguiu a Alameda ssa onde funcionava 0 tacionado Eder ¢ Regi- ttinow pela ponte invi- Fra Augusta, ninguém > uma conhecida quase 10 dessas organizagies, @ tomar a cimentar a ¥ compromisso com 0 » pela forga e, a partir a necessirio porém in- sécie de reforma moral pequeno-burgues” em + isso, embora as reu- v9 planejar agoes con- (Ao, integragao e iden- ais decisivas que suas 1 dessas fungoes crescia vimentos radicais. ica (..] procurévamos 1o-burgueses € nos im- do proletariado. Eram amas tinham 0 aspec- } mais profundas € até ©. As pessoas abrindo i [ERBHOTERO € FALDEARARA: © COTIDIANG OA OFOSICKG DE CLASSE MEDIA AO REGIME MUTAR seus problemas existenciais, tentando analisar 2 propria formagao familiar etc. No entanto, a maioria se asseme- hava, sobremaneira, as peaticas religiosas de certos con- ventos de frades, na sua busca do mea culpa, da expiago a origem impura, do pecado original de ser pequeno- bburgués. Nestes psicodramas se intrincavam as ansias mais legitimas de uma libertas3o no sentido pleno, de fazer a tevolugao também por dentro, a busca do komen ova, com estes ritos semi-religiosos, tendendo forte- mente pro sadomasoquismo.* Desa carga 20 menos estavamn isentos os miltantes do Par- tidao, em cujas bases 0s ritos eram mais convencionais, Co- mecava-se quase sempre com ume “andlise do quadro in- ternacional’, derivava-se para um diagnéstico sobre “as contradigdes de classes na situagao nacional ¢ dentro do regi- me’, examinava-se a “correlagao de forgas’, criticavam-se os “grupelitos aventureitos e irresponsavels” e concluia-se, com um certo anticlimax, quem sabe, com a troca de informagdes as mais variadas, distribuigao de tarefas, coleta de dinheiro ¢ entrega de repartes do jornal Voz Operdria. Para sossego dos presentes, a intimidade de cada um ndo estava em pauta. As vezes, saia-se da reunio para uma roda de poquer: 0 isotamento social e 0 cerca militar aos grupos arma- dos neles exacerbavam a rigidez ideoldgica, que transforma- vva incidentes mitidos e antipatias pessoais em divergéncias politicas, € estas, sucessivamente, até o alto da escada, em conftontos insandveis e cisbes definitivas. Sirkis, ainda uma vez, arrola as acusacdes de que foi alvo e que precipitaram sua satda do Movimento Revolucionério 8 de Outubro (x-8) e do pats. Todas diziamn respeito @ comportamentos que po deriam por em risco © movimento ou que nao casavam com ‘© modelo de militante revolucionitio. Nenbuma delas tinha yer cam o impacto propriamente politico da atividade da ‘organizagao, com seu descolamento da politica brasileira: “O. companheito Felipe [A. Sirkis| era acusado de: 1) ter pro- posto abandonar 0 embaixador alemao dentro do aparetho ¢ fugit, no fim da agaa, quando dos problemas com 0 carro; 2) ter pensado em viajar pro exterior para se exilar, durante as quedas de abril de 70;"3) gastar mais dinheiro que os outros. Reeeher ajuda familiar ocasional e nao dividir com a + 305 386 + visté DA WOR pvana Ne Baas & organizagio; 4) badalar em areas de desbundados que fa. ‘mam maconh; 5) s6 gostar de circular e marcar pontos nq zona sul; 6) ser recuista e derrotista; 7) ter ameagado de agressio um companheiro, durante uma agéo, pra ficar com, a metralhadora’> P iltantes tiyeram atuacio cla ante todo 0 periodo autoritério. Fle podia ser interrompida pela mexte, pela pristio, ou pelo abandono voluntétio. do exil interno ou do “desbunce” e pela volta 8 vida normal. A deci. sao de cair na clandestinidade nao parece ter sido dificil, em especial para os que a tomavam pela primeira vez. Sair dela espontaneamente, a0 contrario, era um ato imerso em dila- ceragdes morais, A solidariedade corn os que ficavatn, com os ‘que jé estavam presos, ea memoria dos que haviam moreide tornavam excruciante a escolha entre continuar ¢ parti. Pela boca do narrador do seu romance Enr camara lenta, Renato ‘Tapajés expressou como ninguém a tensio entre compromis. so-moral ¢ opeao politics, vivida pelo militante da luta arma- da fadado 8 derrota: “Como é que eu vou recuar com todos 6s olhos, com todos os rostos, com todas as lembrancas dos mortos olhando para mim e os meus companheizos, 0s que vio morter continuando? Como € que eu posso desertar da luta indtil quando por ela morreram tantos ¢ ela também marreu, Por que isso [mudar a forma de atuacao politica] ou sair do pais ¢ desertar, é largar os.outeos no fogo e procurar uum caminho certo, quando os outras estio morrendo? Por- que o meu compromisso & com os mortos ¢ com os que vo morter’* NAS PRISOES, AG E SOLIDARIEDADE “Pensava lindos planos (na imaginagio sto mais ficeis de fazer), ia escapando da chuva que nao parava de cair, me encostando contra as paredes dos edificios, quando de repen tesenti que me agarravam as maos e diante de mim aparece tum sujeito que vinha mé seguindo sem que en percebesse [.-] Bu nao sabia o que dizer. A situagao era insolita, Mas 20 mesmo tempo, era o tipo de coisa que podia acontecer com qualquer brasileiro, independentemente de raca, religido 0 cor. Todo brasileiro Sabe, no seu intimo, que isso pode acon- tecer a qualquer um: ser preso no meio da rua, ser conduzido zuma delegacia ou qu: ‘gaiba muito bem por ¢ em que possa chamar Augusto Boal foi preso Fo ia para casa depois Sinién Bolivar, cuja enc © da pela censura. No dia do at-5, do 1a e escritor Carlos He asa, no Rio de Janeiro ‘que aguilo podia acor = Leme, cheguei em case Kombi que me cortou nem que 8 aproxim convidou a dar um pu Sizeno Sarmento, com queria bater um papin te desbundados que fa. © oma delegacia ou quartel, esperar, esperar, esperar, sem que alar € marcar pontos ng muito bem por qué, sem que sua famtlia seja avisada, ta; 7) ter ameagado de sem que posse chamar um advogado:™" Assim o dramaturgo tuma aco, pra ficar com, ‘Augusto Boal foi preso na rua, em 1971, em S20 Paulo, quan- do ia para casa depois de um longo dia de ensaios da pega Sinn Bolivar, cuja encenacao, como jase viu, acabou proibi da pela censura. No dis do 11-5, dois anos e pouco antes disso, o jornalis- tae escritor Carlos Heitor Cony fora apanhado na porta de casa, no Rio de Janeiro, Reagiu como Boal. Ble também sabia ‘que aquilo podia acontecer com qualquer um: “Morava no cheguei em casa ai por volta das L1hs. Estranhei uma so clandestine durante ia ser interrompida pela no voluntirio do exilig aa vide normal. A deci. arece ter sido dificil, em 2 primeira ver, Sair dela uum ato imerso em dila 10s que ficavam, com os os que haviam morrida + continuar e partir. Pela 2 camara lenta, Renato ensio entre compromis. ‘militate da uta arma. wu vou recuar com todos, ‘odas as lembrangas dos 5 companheiros, os que ue eu posso desertar da im tantos ¢ cla também 1 de atuagao politica} ou it10s no fogo e procurar 's esto. morrendo? Por- rortos ¢ com os que vo Kombi que me cortou 0 caminho. Na calgada, havia um ho- mem que se aproximou, apresentou-se como major € me convidow a dar um pulo no Ministério de Guerra, 0 general Sizeno Sarmento, comandante da regio Militar aqui do Rio, {queria bater um papinho comigo, ‘A essa hora? Nao pode ser ginagio sto mais faces nao parava de cair, me ficios, quando de repen diante de mim apareceu sem que eu percebesse | (20 era insolita. Mas a0 ue podia acontecer com nte de raga, religide ou no, que isso pode acon. io da rua, ser conduzido 2.0 seatrlogy Augusto Boal ra lustre se Elias Andre, (Cote de +397 388 + H4S1034 08 Da FRUADA NO BEASK & cnsroztto amanha?’ O major disse que nao. Eu nao tinha nada a falar com 0 general ¢ desconfiava que cle nada tinha a falar com 0. Fui convidado a passar para a Kombi, onde me enfiaram uma venda nos olhos, eu néo deveria saber pata onde me conduziam. A Kombi deu varias voltas pela cidade, uma hora depois me levaram por um corredos, abriram uma porta ¢ me tiraram a venda, Vi uma cela mal iluminada, com dois cattes lado a lado’ Sempre um choque, mesmo quando previsivel, o mo. ‘gnin_da prsio podia ser menos ou mais bratalA descr dla“‘queda” de Ruth, aja citada personage de Izaiss Alma, |] reproduz com fie] realismo 0 uatamento dado desde a pri, | * meita hora 40s opositores armados do regime: Nao chegow ao final da primeira pégina, interrompida por violentas batidas na porta da sala. O susto paralisou- 4 por segundos, mas logo vencen a inércia do medo ¢ conteu até a janela, Em frente ao edificio estavam para das duas camionetes C-14. Nas batidas da porta jé pres. sentira a tragédia (...] Ao ouvir a porta dos fundos ser posta abaixo, entrou em panico. Tentou cotter para 0 quarto em busca do revélver. Dois policiais se jogeram em cima dela ¢ outros trés tomaram posicio de comba- antes que alguém se « era um acontecimento dente, uma ameaga in possibilidade, nunca ¢ de exorcizar, por veze: fronia, Nas organizac eventualidade da que comportamento legen: tc: — Fique deitada com as maos na nuca, sua puta lugares que sofreram a Onde é que esta os outros? [..] Um dos policiais abriu home ou endereeo, p 4 porta da frente deixando entrar mais quatro agentes, para preservar a orga todos com as armas prontas para disparar. Estavam exci {ados, nervosos. Revistaram rapidamente o apartamento gue ndo era grande. Por onde passavam arrebentavam tudo. A frustragao de encontrarem apenas uma mulher chegava, em certos ca sentir menos dor fisic A angdstia, coma de quem vai preso. De aumentou-lhes 2 violencia, Queriam saber se havia mais. =» r0acre do capuz encar armas além do revélver encontrado. Furaram os col- #}¢ levando eo que lhe ira ches ¢ sofa, quebraram gavetas e armirios, destruiram a + querer descobrir, 0 qu geladeira ¢ 0 fogao. Dois dos policiais mantinham Ruth 4 oar eae wee F5ngs, em diferentes nit preso era_um risco a que se expunham todos os que 4 ‘que nés envidssemos t fatiam, ou se diziam de, opesicao a0 autoritarismo, fosse ‘qual fosse 0 grau de seu efetivo envalvimento politico — sem falar haqueles, nem tao poucos, qe hao eram nem a favor nnem contra © regime, e ainda assim detidos e maltratados cionssemos histdrias € der aquele proceso er mma carne. Preparsvam ‘comportamento na tort nao tinha nada a falar nbi, onde me enfiaram a saber para onde me pela cidade, uma hora abriram uma porta e 1 iluminada, com dois ndo previsivel, o mo- aais brutal. A descricao ager de Fzalas Almada, into dado desde a pri > regime: « pagina, interrompida sala. O susto paralisou- 1a inércia do medo ¢ edificio estavam pare- atidas da porta jé pres a porta dos fundos ser Teniou correr para o sis policiais se jogaram ‘am posigao de comba ios na nuca, sua puta Um dos policiais abriu ce mais quatro agentes, disparar. Estavam exci lamente o apartamento assavain artebentavam m apenas uma mulher fam saber se havia mais ado, Furaram os col- armarios, destraitam a iciais mantinham Ruth xpunham todos 0s que © autoritarismo, fosse imento politico — ser nao eram nem a favor detidos ¢ maltratados, | | | i | } 1 antes que alguém se desse conta do engano. A prisio, pois, xa um acontecimento ao mesmo tempo esperado ¢ surpreen: dente, uina ameaca incrustada no cotidiano de cada um, uma possibilidade, nanca esquecida por completo, gue se tratava de exorcizar, por vezes, com as armas do humor negro ¢ da jronia. Nas organizagies clandestinas, a preparagio para 2 eventualidade da queda incluia a liturgia da exaltacao do comportamento legendario de militantes de todas as épocas € lugares que sofreram as piores tortusas sem entregar nenhum nome ov endereco, passava pelo ensino de regras priticas para preservar a organizacio cm circunstancias extremas ¢ chegava, em certos casos. a ligdes de respiracio iogue para sentir menos dor fisica A angustia, como registra Boal, € 0 primeizo sentimento de quem vai preso. De olbos vendados, ou sentindo ja o chei- to acie do capur encardido, cle se pergunta para onde o esto levando e 0 que Ihe ira acontecer, o que os interrogadores vio (querer descobrir, 0 que poderd contar ¢ sobre © que devers calar. Como uma doenga, porém, a prisao ¢ algo para o qual runce se esté preparado. Lembra Fernando Gabeira: “Todos rigs, em diferentes niveis, estévamos estupefatos. Por mais que nds envidssemos bilhetes da cadeia, por mais que cole- cionsssemos historias escabrosas, nao conseguiriamos apreen- der aquele processo em sua complexidade, antes de-vive-lo na carne, Preparivamos dlibis, escreviamos manuais sobre comportamento na tortura, aiteviamos nossas fraquezas e qua IDIKNO OA OFOSICAD DE CLASSE HEDLE KO REGIME RITA + 3BP 48, Estoute de apart que servia ae gris landsetina em St0 S00 fe Mert ia fair, a2 tderovemine de 1969, Doit membres (do POB sto pesos (Agencia 18) 390 + HISTORIA DA IDA FIVADA NO BRASIL 44. A expe peice Regn Kexso kar Toba, @ mético ‘que acorspanhavn sues de tore Rin de Jancva 9/38. (Evando Tetzial Anca JB) Space spats em pos indo me explicaram tava do moral dos um para 0 outro, ¢ : quando 0 telefone toc - recomendando que ti os demais prisioncin a ceriménia’® Ja Re torture como um em quem esta senda fisie em um mundo & part sangue ¢, muito freqi ‘Nas duas circunst cotidiano se torna um primérias perder sub repouso, © que € da ne aaser regulada pelos in certa para comecar, m da Policia do Exército, saira do ventre do sé ninguém: @ mesma fe mos rastos cansados e te correria e gritaria de xa cada vez maior © encostadas na pared, tara continuava a sed virado domingo” Cada qual como mente aos inguisidor das sess6es de tortura mana, pela solicaried teste tam a importaneia de tegridade emocional. 1 Ainda na re [Pol vezes pata interec i cionavaa hem, Cad 4 ansiosamente pele i ram entrar frutas 1 da vinda de Mine lidades, mas, no fundo, fomos suxpreendides com 0 que vi. mos no interior dos quartéis™® Depois da queda, havia uma via-erics a percorrer: dos centras de. interrogat6rio — os falados poides da ditadurs a repressio, onde tudo, literalmente, podia aconteccr — 08 presicios para onde se era levado quando havia acusacag formal e onde o tinico medo, a rigor, era o de ser embarcadg pata nova estadia no inferno. No Brasil dos militare: nnatam 224 locais de tortura. Especialmente aps 0 at fase de intetragatério cquivalia muitas vezes 2 um sequesto, Segundo pesquisa feita pela equipe que escreveu Brasil: nun ca mais, 84% das prises efetuadas (ou 6256 casos) 9; rata_comunicadas. a0 juiz, canforme mandava a lei, © 129, comunicadas fora, dos.prazas legais."\ Assim, como detensio os servigos de seguranga admitiarm, 0 preso cava incomunicivel ¢ totalmente A mercé dos captores. Ne me Ihor das hip6teses, sairia dali sem queimadaras, os dentes e as unhas no lugar, mas ultrajaco, com a memiria escalavrada pelas siplicas, urtos e insultos que atravessavam as grades ¢ as paredes. Na pior das hip6teses, conheceria uma experien cia-limite de medo, dor, desespero e também de luta furiosa pela sobrevivéncia. Carlos Heitor Cony relata uma historia de prisao hunti Ihante, por que passou em. 1965, ainda sob a “ditabranda”:“O oficial de dia nos chamou aos pares, ele [Glauber Rocha] eu fomos os primeiros a ser fichados. A inspecio preliminat consistiu num vexame. Ficamos nus, segurando nossas row junhos de quem “CAROZERO F PAUDEAEASK: © CONBIANO DA CPOSICAD DE CLASSE MEDIA AD HEGIVE METER + 391 _pas e sapatos, em posicao de sentido. Essa cetiménia — se- ‘gundo me explicaram depois — ajudava a desmoronar 0 que = estava do moral das presos. Ainda estévamos nus, olhando andidos com 0 que vi eriicis a percorree: dos ‘0s pordes da ditadura “St ate, podia acontecer aE Mee quando 0 telefone tocou. Era alguém do Ministério da Justica quando havia acusagag recomendando que tivéssemos um tratamento diferenciado zra.o de ser embarcado dos demais prisioneiros. Os outros presos foram dispensados il dos militares funcio- da ceriménia’! Jé Renato Tapajés descreveu a situagio da mente ap6s 0 A-5, a tortura como um embate quase animal entre quem destrsi e s vezes a um sequiestto, quem esté sendo fisicarnente destruido. Esse embate ocorre te escreven Brasil: run- em um mundo & parte, feito de “grito, dor, sangue, cheiro de au. 6256 €a805) 120 fo. sangue ¢, muito freqtientemente, urina e feres”™ mandava a lei, © 12%, [Nas das citeunstancias, a vida privada se desmancha eo Assim, como nem a cotidiano se torna uma ioteria. As referencias rotineiras mais imitiam, 0 preso ficava primérias perdem substancia: tempo de atividade e tempo de dos captores. Na me- repouso, 0 que é da noite e © que é do dia. A existéncia passa eimaduras, os dentes « aser regulada pelos interrogatdrios, evidentemente sem hora a meméria escalavrada certa para comegar, menos ainda para terminar: “No quartel ravessavam as gradese da Policia do Excreito, na Rua Bardo de Mesquita, o domingo aheceria uma experién~ saira do ventre do sibado sem que isso fosse notado por também de lta furiosa ninguém: a mesma febril atividade do dia anterior, os mes- 19s rostos cansados e marcadas pela dor, a mesma incessan- tecorreria ¢ gritaria dos homens. No corredor @ minha frente aia cada vez maior o mimero de pessoas deitadas no chao e encostadas na parede, enquanto a meu lado o drama da tor- ture continuava a se desenrolar. Para nés, o sibado nao tinha virado domingo"* Cada qual como pudesse, tentava-se sobreviver fisica- mente aos inquisidores. Tentava-se também, nos intervalos | > das sessies de tortura, prescrvar as feigdes da condigao hu- mana, pela solidariedade com os demiais presos. Todos os testemunhos de quem conheceu as cadeias da ditadura regise tram a importancia desses atos solidarios, para a propria in- legtidade emocional. Relata Gabeira: istoria de prisdo bu: sob a “ditabranda’’"O le [Glauber Rocha] eeu A inspecao preliminar segurando nossas ro Ainda na pe {Policia do Exército) desci ¢ baixei varias ‘eves para interrogatério, Nosso sistema defensivo fan- cionava bem, Cada ver que alguém baixava era esperado ansiosameate pelos companheiros. Algumas familias fize- ram entrar frutas e meu, pai colocou uma lata de goiaba~ a vinda de Minas. Recolhiamos aquilo tudo, faziainos 392 + HSIOHA DA viDg FRNADA NO BRASH 4 um fundo coletivo e, cada vez. que alguém voltava da saly de interrogatério, era recebido carinhosamente. Faziamos tum ciculo em torno da pessoa, cursvamos 0s ferimentog om 0 poucos recursos que tinhamas, divamos uma das frutas que estavam na reserva. A solidatiedade tornava possivel suportar aquela situacio ¢, as vezes, até eatin aids: Alguns soldados permitiam; outros nao. Houve sol- dados que pediam que cantéssemos porque se aborre- ciam ali em cima, tirando guarda diante das celas.* Como em todos 0s cérceres politicos de todos os tempos, as minimas manifestacdes de solidariedade tinam enorme significado para quem as recebia: um sorriso, 0 puntho ou 9 polegar erguido, quando, indo ou voltando da tortura, se passava sem capuz diante da cela de um companheirs; pala- vyras répidas trocadas antes que fechassem a porta; um cigar ro ou uma pega de roupa limpa vindos nao se sabia de onde; uma Novalgina escondida dentro da barra de uma calga mandada por parentes ou amigos. Tudo isso amenizava um pouco a tremenda sensacao, de terror, solid30 e desamparo que a todos submergia no ciclo dos intertogitorios. Podia-se ser herdi senda engragado. No bor-com de Sio Paulo, em 1975, numa cela cheia de comunistas, onde um dos presos, um estudante de Santos, tinha os pés em came viva e outro, um velho trabalhador, nem comer conseguia sozinho, um capitao da Marinka mercante, também ele torturado, passava o dia narrando aventuras, contando piadas, distribuindo ape lidos e trogando de todos. (D> Sobreviver exigia também 0 esforco de reconquistar al gum espago para a experienc privada — mesmo que fosse nha memsria ou em sonho. Leia-se o jornalista Alvaro Caldas: ‘Comecei a empreender, na solidao daqueles primeiros dis, uma tortuosa ¢ fecunda volta a infancia, que comegou no ventre materno ¢ continuou pela cadeia afora, com a recons- tituigao de episédios, com a paciente recordagao da vida fa- tiliar dos primeiros tempos que jamais irks sé eSgotar. Essa volta d infincia, ereio eu, foi um dos fenémenos tipicos expe- imentados pela maioria dos presos e foi também uma das presengas dominantes dos meus sonhos”* Cada milimetro contrabandear uns ¢i conquistado aas inquisidorés era piecioso: Por isso, & relacdo “| ca de um dinheiro escc com guardas, carcereiros, funcionérios subalternos podia' set ‘tabalhava no pops de ¢ decisiva, Para 0 preso proveito da humanida [pequenos interesses, o: Por atitudles e sentime 0 didlogo utilitario co CCARRO ZERO F PALDEAPARA, © CONDIANO DA OFOSICKO UF CLASSE MEDIA AD REGUME MUTA + 993 se alguém voltava da sala arinhosamente. Faziamos curdvamos 0s ferimentos amos, dévamos uma das A solidariedade toraya >, As vezes, até cantiva. 3% outros nao. Houve so emos porque se aborre- ia diante das celas." ticos de todos os tempos, wiedade tinham enorme n sorriso, 0 punho ou 0 voltando da tortura, se ‘um companheiro; pala assem a porta; um cigar tos nao se sabia de onde: da barra de ama calga Tudo isso amenizava um of, solidao e desemparo interrogatorios, Podie-se -cont de $40 Paulo, em as, onde um dos presos, 's em camne viva e outro, conseguia sozinho, um tim ele torturado, passava piadas,distibuindo ape: | ‘orco de reconquistar at} ada — mesmo que fos | 45 Give elite jornalista Alvaro Caldas: we prado Tndvt, Sto Pel daqueles primeiros dias, 4 Inne 1972. (Cole parca) fancia, que comegou no feia afora, com arecons |. decisiva. Para 0 preso politico, significava descobrir ¢ tirar @ recordagao da vida fa- —|-_-provelio da humanidade dos homens comuns, movidos por mais iria se esgotar. Essa “J” pequenos interesses, os quais as vezes era possivel discemis, ¢ fendmenos tipicos expe: ,——_-~por atitudes e sentimentos nem sempre inteligiveis. Era cil se foi tambem uma das | 0 didlogo utilititio com os carcereisos que se dispunham a hos" Cada milimeteo contrabandear uns cigarros ou uma escova de dentes em tro. rcioso, Por isso, a relagdo j= cade umn dinheiro escondido, Ou daquete juiz de futebol que (os subalternos podia ser. | _tabalhava no nos de Sio Paulo c calculadamente servia leite 394 + STOR A Vk PINNDA NO BRASH 4 camnozeee fresco aos presos recém-transferidos, acompanhado de um aviso: “Nunca esquega que cu te tratei bem”. Mais complica. do era atinar com atitudes como as dos guardas lembrados Por Gabeira, que pediam aos presos torturados que cantas. sem para quebrar a monotonia de seu oficio. Ou do soldado do por-covt que deixou boquiaberta uma estudante press 29 Ihe pedir que interpretasse os pesadelos dos quais acordava “com um peso no peito’, sempre com muito sangue jorrando de todas os lados, ¢ que ao pobre-diabo pareciam totalmente sem sentido, Ow ainda do investigador da policia paulista que em um fim de expediente mandou chamar & sala de interro- gatorio a professora universitaria presa, conhecida por sua ‘itima memétia, para que cantasse sambas brasileiros dos ve- thos tempos. Esse patético elenco de coadjuvantes do terror de Estado contributa, ora para amenizat, ora para torn an. ds mais insolite o dia-a-dia dos prisioneitos do regime. Segundo os autores de Brasil: mica mais, 144 pessoas foram assassinadas na tortura, em fugas simuladas ot no ato da detengao; outras 125 simplesmente “desapareceram’, sem que sua detencdo fosse reconhecida pelas autoridades." Dos que lograram sobreviver, uns puderam responder em liberda- dle aos processos com base na Lei de Seguranga Nacional quan- do pronunciados pelos promotores militares; alguns foram li- bertados sem ao menos figurar em inquéritos policiis, mas um bom niimero passou temporadas de duragio variével em Presidios, convivenclo com condenados por crimes comuns, ?—-_

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